14 de abril de 2012

Sobre teorias fenomenológicas e construtivas.

“Nimbus II” (Berndnaut Smilde - cortesia do artista)

Muitas vezes, na apresentação da fenomenologia espírita (mediúnica ou psíquica) somos indagados a respeito de "explicações mais detalhadas" para uma grande variedade de fenômenos. Por exemplo, há pessoas que acreditam que a tese espiritualista apenas será "comprovada" quando pudermos quantificar e medir a fonte de informação espiritual por meio de alguma ideia que explique essa fonte (o Espírito), seja  por algum tipo de matéria sutil formada por partículas invisíveis etc. Dai surgem muitas tentativas de se utilizar conceitos primitivos da física com os fenômenos anômalos ou psíquicos. Parece natural querer explicar a influência espiritual por meio da invocação de conceitos como campo sutil, energias de diversos tipos etc.

Ainda que não seja exatamente das teorias da física que esperamos ser capazes de fazer o conhecimento das ciências psíquicas avançar, não podemos deixar de concordar que a epistemologia da física nos fornece exemplos excelentes sobre modelos de teorias, a fim de que possamos compreender a situação presente dessa fenomenologia psíquica. Nesse sentido é importante considerar a existência (do ponto de vista epistemológico) de dois tipos bem distintos de teorias. Recorremos, para isso, ao artigo "Teorias construtivas e teorias fenomenológicas" de S. Chibeni:
Teorias fenomenológicas. Classificam-se como tais as teorias cujas proposições se refiram exclusivamente a propriedades e relações empiricamente acessíveis entre os fenômenos (fenômeno: aquilo que aparece aos sentidos). Essas proposições descrevem, conectam e integram os fenômenos, permitindo a dedução de consequências empiricamente observáveis. Exemplos importantes de teorias fenomenológicas são a termodinâmica, a teoria da relatividade especial e a teoria da seleção natural de Darwin. 
Teorias construtivas. Em contraste com as teorias fenomenológicas, as teorias construtivas envolvem proposições referentes a entidades e processos inacessíveis à observação direta, que são postulados com o objetivo de explicar os fenômenos por sua “construção” a partir dessa suposta estrutura fundamental subjacente. Exemplos característicos desse tipo de teoria são a mecânica quântica, a mecânica estatística, o eletromagnetismo, a genética molecular e grande parte das teorias químicas.
É possível distinguir os tipos de explicação em duas classes: a das teorias fenomenológicas (entendido está que um "fenômeno" é aquilo que é acessível aos sentidos ordinários). São explicações que partem de princípios estabelecidos e que procuram derivar previsões ou descrições para diversos fenômenos. As teorias construtivas (esse nome foi criado por A. Einstein, 1954) procuram estabelecer explicações a partir da proposta de leis e princípios para 'entidades não acessíveis à observação direta' (não observáveis). Dessa forma, por exemplo, a química explica os fenômenos de reatividade entre elementos a partir da postulação (Nota 1) da existência de átomos.

A teoria da relatividade de Einstein (assim como a Mecânica clássica) é uma teoria fenomenológica. Mas o exemplo mais famoso de teoria fenomenológica que existe é a termodinâmica, ou a parte da física que explica o funcionamento de processos térmicos ou termodinâmicos. Um cientista termodinâmico estará muito feliz em explicar seus fenômenos usando os princípios gerais de sua ciência (a primeira e segunda lei termodinâmica). Ele não precisa de átomos para isso (com relação a essa classificação para a Medicina, ver Nota 2). 

Mas quais seriam as vantagens e desvantagens de cada uma dessas abordagens epistemológicas? É natural imaginar que a ciência começa fenomenológica e atinge seu auge de forma construtiva? Isso também foi respondido por Einstein (1954):
As vantagens das teorias construtivas são a completude, adaptabilidade e clareza. As vantagens das teorias de princípios (fenomenológicas) são a perfeição lógica e a segurança de fundamentos.
Explicações baseadas em princípios gerais são mais bem estabelecidas (sofrem menor abalo os fundamentos) e permitem aplicação mais direta da lógica. Já as explicações construtivas permitem maior adaptação (explicam extensões de fenômenos) e são mais completas. 

Com relação às previsões possíveis com explicações científicas, ambas as classes de teorias permitem previsões (que é um tipo diferente de explicação aplicada a fenômenos ainda não descobertos). A história da física mostrou que muitas explicações começaram como fenomenológicas e atingiram um ponto de maturação como explicações construtivas. O caso que já discutimos, a termodinâmica (que permanece como uma teoria independente), foi consideravelmente ampliada por teorias que admitiram a existência do átomo. Assim, muitos princípios termodinâmicos podem ser "explicados" como derivados de leis mais profundas que regulam a interação e dinâmica de átomos.


E no caso da fenomenologia psíquica?

Podemos tentar classificar os tipos de explicações que se inventaram para a imensa variedade de fenômenos psíquicos existentes. Por exemplo, explicações de origem parapsicológica (mais recentemente rebatizada, por exemplo, de "psicologia anomalística") tem aversão a "princípios" e procuram montar explicações puramente factuais dos fenômenos. Grande parte do insucesso da parapsicologia - do ponto de vista dos céticos - foi sua incapacidade de prover uma explicação naturalista dos fenômenos. Entendem eles que as "ciências psi" deveriam fornecer explicações para os fatos psíquicos usando princípios largamente aceitos (sejam eles fenomenológicos ou construtivos). A parapsicologia demonstrou ser apenas uma maneira diferente de se descrever determinadas ocorrências consideradas anômalas. Por exemplo, psi-theta (rebatizado para fenômenos de efeitos físicos) e psi-gamma (rebatizado para fenômenos de efeitos intelectuais) são tão somente nomes pitorescos para classes de fenômenos psíquicos distintos na sua variedade de manifestação e que foram bem descritos antes do final do século 19. 

A história das ciências psi depois do Espiritismo tem sido mais uma arte criativa de invenção de nomes diferentes e aparentemente sérios numa tentativa desesperada de convencer céticos da realidade dos fenômenos.

Mais recentemente há nova tentativa de se montar explicações para os fenômenos psíquicos que partem de teorias construtivas. Assim, ao se utilizar ideias como 'emaranhamento quântico' na explicação da transmissão de pensamento (rebatizado de telepatia), os proponentes (Radin, 2006) são obrigados a extrapolar conceitos muito específicos de entidades inobserváveis da física para se ter uma explicação considerada satisfatória. Mas, podemos nos perguntar se isso é uma explicação satisfatória, no sentido de conseguir fazer o conhecimento avançar realmente ou se, na verdade, estão apenas realizando novo rebatizo, em termos do qual tudo seria mais facilmente aceito pelos céticos. Assim, aparentemente, ainda estamos na fase de 'pré-ciência' em se tratando de fornecer nomes diferentes ao invés de explicações  em termos das quais os fenômenos psíquicos seriam finalmente comprovados 'cientificamente' (isto é, "aceitos pelos céticos").

As explicações para os fenômenos psíquicos em "O Livro dos Médiuns" constituem princípios de uma teoria fenomenológica.

Vimos que, para que seja uma boa explicação, uma teoria não necessariamente tem que ser feita em termos de princípios construtivos. É preciso, além disso, saber separar o que há de verborragia e de princípios fundamentais subjacente em uma explicação de um determinado fenômeno psíquico. Não podemos nos esquecer que muitos dos fenômenos psíquicos foram estudados nos albores do Espiritismo por A. Kardec, que chegou a formular uma teoria fenomenológica para eles. Essa teoria está contida em 'O Livro dos Médiuns'. Os princípios dela são:
  1. Sobrevivência do ser em outra unidade (Espírito) que carrega informação além do corpo material;
  2. Comunicabilidade: possibilidade de comunicação entre essas unidades envolvendo mecanismos não materiais;
  3. Influência do organismo material no processo de comunicação;
Esses são os princípios que permitem uma grande estabilidade e coerência lógica na obtenção de explicações (desde que se tenha competência para isso). A partir deles e de outras regras empíricas é possível obter e prever fenômenos distintos. Não precisamos nenhuma explicação adicional - a respeito, por exemplo, do mecanismo (construtivo) que viabilize o princípio 2 - para aplicá-los na explicação de ocorrências específicas.

Agora, muitos que rejeitam esses princípios o fazem porque acham que dos fenômenos se deve derivar as causas, ou porque se tem interesse em convencer céticos. O primeiro problema é uma visão equivocada do processo de geração de conhecimento (sobre o que já tratamos anteriormente, ver post sobre o positivismo lógico e o indutivismo ingênuo e Nota 3). Quanto à segunda postura, ela claramente envolve um objetivo que não é o de fazer o conhecimento progredir, mas o de convencer um grupo de crentes em particular.

Portanto, não parece ser possível fazer o conhecimento a respeito dos fenômenos mediúnicos e psíquicos progredir sem teorias inicialmente fenomenológicas, calcadas em princípios que tornem tais explicações estáveis o suficiente para possibilitar o progresso científico. Por outro lado, acreditamos também que, no futuro, tais explicações serão suplantadas por teorias construtivas que embasarão e explicarão os princípios das teorias precedentes (que são reconhecidamente incompletas). Não temos elementos no presente para desenvolver tais teorias construtivas para os fenômenos psíquicos.

Novo comentário acrescentado em 16/4/2012

O que distingue teorias fenomenológicas das teorias construtivas não é exclusivamente o fato de as últimas se basearem em entidades não observáveis. As teorias fenomenológicas se baseiam em princípios que se estabelecem como relações entre fenômenos. Já as teorias construtivas postulam princípios entre entidades não necessariamente observáveis, mas a partir das quais fenômenos são derivados. Portanto, teorias construtivas são mais 'completas' no sentido de permitirem maior amplitude de previsão e capacidade de explicação do que as teorias puramente fenomenológicas. Estas, por sua vez, por tratarem princípios que se relacionam diretamente a fenômenos, gozam de maior estabilidade, pois não se podem negar fatos ou ocorrências experimentais, o que é facilmente feito com outros tipos de entidades que são objeto das teorias construtivas.

Referências
A. Einstein (1954) “What is the theory of relativity”. In: Ideas and Opinions, Crown (Wing Books reprint), pp. 228-30.
D. Radin (2006), "Entangled Minds: Extrasensory Experiences in a Quantum Reality". Simon & Schuster, Inc.

Notas
  1. Um átomo é uma entidade física que, obviamente, não é acessível aos sentidos humanos diretamente.
  2. A Medicina é uma ciência de classe fenomenológica por excelência. Recentemente, recebeu contribuições construtivas da genética e da bioquímica.
  3. Se podemos algo mais sobre isso, seria o mesmo que querer descobrir a existência de átomos tão só observando-se reações químicas.


7 de abril de 2012

Sobre OVNIS, ETs e o Espiritismo

Por do sol em Marte fotografado da cratera Gusev. Imagem: Nasa (2005).
"To communicate with Mars, converse with spirits." (T. S. Elliot, 1944, 'The Four Quartets, the dry salvages", V)

Em um post anterior mostramos que a existência de vida fora da Terra tornou-se uma realidade com a descoberta de um número surpreendente de planetas em estrelas dentro do que se costumou chamar de 'nossa galáxia'. A existência dessa vida (do ponto de vista físico) depende fortemente da chance de existência de planetas, fato que se tornou fenômeno incontestável diante da prova de que existe pelo menos um planeta em média (talvez 2) para cada estrela da Via-Láctea. Isso caracteriza uma quantidade muito grande de planetas (da ordem de 400 bilhões ou, talvez, 1 trilhão), o que faz com que a chance de vida física (biológica como a nossa) seja muito grande. 

Entretanto, o assunto merece um pouco mais de atenção para tornar mais claro o ponto de vista espírita ou, melhor dizendo, espiritualista. A tese espiritualista é muito simples em essência, mas resulta em consequências inimagináveis para nossa concepção comum do mundo. Embora seja uma ideia muito antiga, tornou-se uma ideia revolucionária para a visão moderna materialista do mundo. Esse impacto tem sua razão de ser, uma vez que a ciência moderna tem seus próprios 'contrafortes' ou 'defesas' que impedem que qualquer um se aproprie de seus princípios. Há regras para se fazer ciência e essas regras não permitem que se extrapolem princípios além de determinadas fronteiras. 

A existência da fenomenologia psíquica e a certeza da existência de inteligências extracorpóreas prenuncia uma revolução ainda maior na nossa maneira de ver o mundo. Acostumados a compreender esse mundo apenas do ponto de vista de nossos sentidos ordinários, os quais apenas processam informação da matéria tangível, não somos dotados ainda de nenhum tipo de habilidade especial capaz de apreender a parte invisível do Universo. Que essa parte exista não há dúvida, pelo que chegamos à conclusão de que não é mais possível apenas confiar em nossos sentidos ordinários para explorar o Universo.

O que é vida?

Embora façamos uso da literatura espírita como base, o que discutiremos aqui é premissa de qualquer tese espiritualista. A pergunta capital é: o que é vida? Embora existam muitas definições fundamentadas na biologia para a vida, ao analisar o problema no contexto do espiritualismo, é preciso alargar radicalmente essa concepção. Pois ela não apenas engloba a existência de organismos com determinado tipo de arranjo e estrutura molecular física, mas outros tipos de formas que existem nesse Universo paralelo postulado pela tese espiritualista. Se existe sobrevivência, a resposta à questão 'O que é Vida?' deve também levar em conta esses outros tipos de existência, que não estão sujeitos à apreensão tangível. 

Logo no início de 'O Livro dos Espíritos' podemos ler a resposta dada à questão 86, sobre a independência entre o mundo material e o mundo 'paralelo' formado pelos Espíritos:
#86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita?

Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.
A resposta é compreensível do ponto de vista lógico. Se o mundo espírita dependesse do mundo material, aquele seria uma derivação da matéria pelo que a sobrevivência não seria possível. Para a nossa discussão, se a vida espiritual dependesse da vida biológica, então, para todos os propósitos, isso equivaleria à inexistência da vida espiritual. Estabelecido a independência dos princípios, então, como dissemos acima, um novo Universo se estabelece. O Universo espiritual é essencialmente composto pelos Espíritos que constituem uma das 'forças da Natureza' (além da matéria), e que carregam memória e inteligência. Os Espíritos são fontes primárias de informação do Universo, além de terem como atributo a inteligência. 

Mas onde estão eles? Embora plenamente válida, essa questão é proferida no referencial de 'espaço ou lugar' do Universo material. Não há um 'lugar pré-definido' nesse espaço material para o elemento inteligente, pois, como vimos eles são independentes. Por isso, compreendemos a resposta à questão seguinte:
#87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no espaço?

Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Vós os tendes de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes, pois que os Espíritos são uma das potências da Natureza e os instrumentos de que Deus se serve para a execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, pois há regiões interditas aos menos adiantados.
Uma vez que esses dois universos são independentes, um não pode estar circunscrito ao outro. A independência se expressa em não existirem limites pré-fixados de um elemento para com o outro. Ainda mais importante, disso segue que confusões de entendimento podem surgir ao se procurar aplicar a um desses mundos conceitos naturalmente derivados do outro.

A analogia que podemos fazer aqui é com a vida microbiana: por mais que usemos recursos de limpeza e esterilização, nunca conseguiremos eliminar a vida microscópica que pulula a nossa volta e que não conseguimos ver. Somos, portanto, obrigados a viver em conviver com as duas realidades, embora só tenhamos acesso a uma só.

Existe vida na Lua?

Uma vez que nossa concepção de 'vida' é substancialmente alterada pela tese espiritualista, não é difícil responder à questão sobre 'a existência de vida em outros planetas'. Há certamente vida em várias gradações físicas (que é a busca por vida alienígena das ciências da matéria), mas podemos falar também em vida em outro sentido, a saber, no sentido espírita. 

Assim, se nos perguntarmos, existe vida na Lua? A resposta pode ser um sonoro 'não' se entendemos por vida a concepção puramente física dela (Nota 1). Entretanto, e quanto à existência de Espíritos? Embora um 'sim' possa parecer pura especulação (por causa de nosso apego à concepção de vida física), ele é consequência direta da tese que discutimos acima. Como o Universo dos Espíritos não depende da matéria, eles estão por toda parte. Então, pela nossa concepção radicalmente alargada de vida e consciência, a afirmativa positiva é a conclusão mais lógica. 

Interessante é ver que, ao longo do 'Livro dos Espíritos', o tema foi retomado de forma consistente com os primeiros princípios explícitos nas questões #86 e #87. Especificamente sobre 'mundos estéreis' como a Lua, encontramos a resposta à questão #236 que reproduzimos abaixo:
236. Pela sua natureza especial, os mundos transitórios se conservam perpetuamente destinados aos Espíritos errantes?
Não, a condição deles é meramente temporária.
a) – Esses mundos são ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos?
Não; estéril é neles a superfície. Os que os habitam de nada precisam.
A resposta confirma a 'esterilidade física' de tais mundos, que são destinados à determinada classe de Espíritos. Porém, confirmada também está que a esterilidade física não é empecilho para a atração que tais mundos representem a determinados tipos de Espíritos.

Por mais extraordinárias que possam soar tais revelações, todas são consequência direta da tese fundamental espírita, a de que há sobrevivência e vida futura.

Dos OVNIs e ETs.

O leitor pode se perguntar porque escolhemos um título com as palavras OVNIS (objetos voadores não identificados) e ETs (do inglês, extraterrestrials) para uma análise sobre questão da vida em outros planetas do ponto de vista espiritualista. Nossa opinião é que a questão sobre a existência de visitas no nosso mundo (físico) de seres de outros planetas e mundos corre paralela (e bem perto) à questão da sobrevivência do Espírito. A tese da 'pluralidade dos mundos habitados' deve ser largamente aceita por todos os espiritualistas em geral e certamente é um princípio importante na solução da questão dos extraterrestres.

A 'descoberta' desse tipo de vida (física) seria uma comprovação por meios usuais (e, portanto, envolvendo a matéria tangível) de outros tipos de vida além da nossa vida física. Esse achado seria certamente inigualável frente a todos os outros da história das descobertas humanas, mas não maior do que a constatação de que, para haver vida verdadeira, não se faz necessária a matéria. Portanto, ao se aceitar abertamente a tese espiritualista, o campo de investigação estará muito mais aberto à constatação de fatos nunca antes imaginados na história humana.    
    
Referências

Nota

1 - A Lua é um corpo estéril do ponto de vista físico: não tem atmosfera, água, ou qualquer coisa necessária para abrigar vida do ponto de vista biológico. A despeito disso, algumas formas de bactérias e seres unicelulares podem viver talvez armadilhados em gelo no sopé de crateras nos pólos lunares, lugar destinado eternamente a permanecer em completa escuridão.

  

1 de abril de 2012

Novas edições do Boletim do GEAE


O GEAE (Grupo de Estudos Avançados Espíritas) apresenta seus boletins em nova formatação. Editados e preparados por Carlos A. Iglesia Bernardo, o novo formato, além de esteticamente agradável e que faz cada boletim se parecer com uma revista, facilita a busca, leitura e pesquisa. Também está disponível na versão PDF. 

Recomendamos fortemente a leitura do boletim do GEAE que tem periodicidade mensal.

Referências

Para acessar o GEAE.


24 de março de 2012

Deus e suas Causas I

"Levou menos de uma hora para átomos se formarem, algumas centenas de milhões de anos para se fazer estrelas e planetas, mas cinco bilhões de anos para um homem surgisse!" G. Gamow, 'A criação do Universo' (1952).

A imagem presente - sustentada por teorias cosmológicas recentes - tanto quanto se ocupa apenas com fenômenos materiais, revela que o universo foi criado a partir de um instante apenas, denominado 'Big Bang'. Ironicamente, esse nome foi criado pelo cosmologista Fred Hoyle que detestava a ideia da explosão inicial. Em um programa de rádio em que discutia o tema, ele criou a palavra (que visava caracterizar pejorativamente a ideia). Poderíamos traduzir o apelido de Hoyle por 'teoria do estrondão'.

O Big-Bang é o momento assinalado para a origem do elemento material. Mas a matéria não é a única coisa que existe no Universo (mesmo segundo o conhecimento academicamente aceito) . Há também 'leis' ou 'princípios' que servem para 'organizar' ou estruturar a matéria. Esses princípios regulam como a matéria interage consigo mesma e com outros elementos, a fim de produzir quase tudo que nós vemos com nossos sentidos ordinários e, principalmente, aquilo que não conseguimos ver. Sem as leis o Universo seria um amontoado caótico de matéria ao ponto de ser impossível descrevê-lo como, de fato, o conhecemos.

A teoria do Big-bang constrói um relato da história pregressa do Universo. Nesse relato, as leis da Física surgem ou são dadas 'desde o princípio', ou seja, não são 'derivadas' da mesma origem postulada. Por isso, a ideia de um 'princípio' é problemática: seria mais fácil se o Universo sempre tivesse existido, porque, então, não seria necessário explicar como surgiram as leis. Por isso também, há muitos cosmologistas que defendem uma origem 'acausal' (sem causa) para o Universo. A tarefa seria ainda mais fácil caso fosse possível algo mais: uma corrente de cientistas procura uma forma de se unificar todas as leis da Física. Está claro que, se todas as leis puderem ser unificadas, isto é, se for possível encontrar uma teoria onde todas as leis possam ser derivadas a partir de uma só, fica mais fácil explicar a origem do Universo. A teoria do Big-Bang é, portanto, uma teoria (reconhecidamente) incompleta, na medida em que não se encontrou ainda tal unificação. 

Naturalmente, a motivação para a unificação é sustentada também por outro princípio, o de que é possível reduzir todos os fenômenos a interações entre elementos primitivos segundo as leis da Física. Essa ideia é conhecida como reducionismo. De forma muito simplificada, a imagem reducionista está representada na figura abaixo, onde a origem é identificada pelo Big Bang. 

O Big-Bang tem, na visão de Universo revelada pela Cosmologia, exatamente o mesmo papel que Deus teria em uma descrição da origem do Mundo pelas diversas 'cosmogonias' religiosas historicamente conhecidas. Mas, sendo uma causa primária, o Big-Bang não é necessário para explicar satisfatoriamente quase tudo o que vemos a nossa volta. 

Na figura acima, nós colocamos as leis naturais como oriundas também dessa origem primeira postulada. Para a discussão a seguir, importa pouco se as leis naturais tiveram um princípio único ou foram 'dadas' desde o princípio.

O Big-Bang desempenha o papel de Deus na Cosmologia moderna.

O que nos interessa é discutir o papel da ideia de Big-Bang e compará-la a nossa discussão sobre 'Deus e suas Causas'. Chegamos à conclusão: o Big-Bang é a causa primária postulada pela Ciência para dar conta da origem da Matéria e, espera-se, de suas leis. Dessa forma, nós também não precisamos do Big-Bang para explicar satisfatoriamente quase tudo o que vemos a nossa volta. 
Todas as outras ciências (Biologia, Química, etc e mesmo a Física) prescindem da idéia do Big-Bang para existir, quer dizer, teorias e pesquisas nessas áreas não necessitam admitir uma causa primária para explicar seus fenômenos particulares.
Mas isso não significa que o Big-Bang não tenha ocorrido. Assim, o fato da ideia de Deus ser inútil para desenvolvimentos particulares na Ciência, não implica que ele não exista, contradizendo um dos argumentos do  ateísmo, o de que não se vê Deus na Natureza. 

Podemos ver ou sentir o Big-Bang? A resposta é 'não', porque não temos órgãos sensoriais sensibilizáveis por evidências do tipo levantadas por cosmologistas para se sustentar a ideia do Big-Bang:
  • Observações com espectroscopia mostram que galáxias espalhadas de forma mais ou menos uniforme por todo o céu estão se movendo a uma velocidade tanto maior quanto maior a distância em que se encontram de nós (efeito do redshift);
  • Há uma radiação residual distribuída por todo o céu, ligada a uma fonte térmica alguns graus acima de zero absoluto.
Tais fatos são considerados evidências que suportam a ideia de um universo em expansão. O primeiro indica que, de fato, o Universo continua se expandindo, enquanto que o segundo é tomado como evidência direta da explosão inicial. Acrescentamos que, para se constatar tais fatos, são necessários equipamentos (telescópios munidos de espectrógrafos sensíveis e radiotelescópios) que não estão disponíveis a qualquer um dos mortais. Mesmo de posse de tais equipamentos, anos foram necessários para se acumular tais 'evidências', o que aconteceu depois que a teoria do Big-Bang já havia sido postulada.

Obviamente, nenhuma teoria sustenta a ideia de Deus, não só porque inexistem evidências - do tipo esperada pelas ciências materiais, mas porque se acredita que tudo - inclusive as leis - tenham surgido da matéria. Para contornar esse problema (em direção a uma ciência que admita a ideia de Deus), temos que enfrentar outro mais sério: há inúmeras concepções e ideias sobre Deus. 
Como existem muitas ideias e conceitos sobre Deus e admitindo que ele seja único e existente, é absolutamente impossível que mais de uma dessas ideias esteja correta ao mesmo tempo. Logo, a imensa maioria das noções (possivelmente quase todas) que os homens tiveram ou têm sobre Deus está equivocada.
Não temos, em particular, elementos para defender a noção de que Deus é uma pessoa como fazem algumas interpretações religiosas.  Ao eliminar a influência de todas as tradições religiosas, que é o caminho que o mundo moderno decidiu seguir com as descobertas da Ciência, como poderemos conceituar a noção da Divindade? 

Em outras palavras, se um dia a Ciência defender a ideia de Deus como necessária, qual será a ideia que ela irá propor?

Certamente a Ciência defenderá a noção de Deus como causa primária de todas as coisas. No que difere esta ideia da noção do Big-Bang? Em princípio, o Big-Bang foi uma ocorrência que surgiu do nada (por definição), enquanto que Deus é uma entidade causal inteligente. Para muitas religiões é ainda muito difícil aceitar a noção de que, para se ter inteligência como atributo, não é necessário que se tenha todos os atributos secundários de uma pessoa.

Mas, não vemos que a imortalidade da alma resulta na não necessidade de se ter um corpo físico para que a consciência se manifeste? Assim, desde que a própria consciência não é um atributo da matéria, a noção de Deus, como causa primária, não pessoal e inteligente necessariamente ganha força. Por outro lado, a própria compreensão de que a consciência não nasce simplesmente de arranjos da matéria, não cria um embaraço para o reducionismo e, portanto, para a noção de que o Big-Bang seria a causa suficiente para tudo no Universo? Então, podemos falar em consequências cosmológicas da sobrevivência e da constatação de que a consciência não depende da matéria. Há algo muito maior, transcendente e inobservável na origem do Universo, muito além do simples nascimento da matéria.

Essa é precisamente a noção sustentada pela Doutrina Espírita (1), a de que Deus manifesta-se no mundo através de atributos essenciais de inteligência e de que ele não precisa agir diretamente como causa secundária. A ciência, tão só examinando efeitos gerados por causas secundárias, jamais conseguirá reunir 'evidências' de que Deus existe - principalmente se nossas noções particulares de existência (atributos de corporeidade, tangibilidade, presença etc) forem invocadas. Isso, entretanto, não significa que ele não exista, mas, existindo, não significa tão pouco que sua imagem coincida com aquelas derivadas de muitas concepções religiosas. 

Falaremos mais sobre isso em um próximo post.

Referência

(1) A. Kardec. Questão #1 de 'O Livro dos Espíritos'.

18 de março de 2012

O Espiritismo como forma de conhecimento (texto de Érico Bomfim)


Ao longo de nossos estudos no eradoespirito também podemos postar textos ou artigos originais de pessoas que tenham interesse em participar do blog. Este é um exemplo. Trata-se de um texto interessante para reflexão escrito por Érico Bomfim. Saiba mais sobre este autor no final do post. 

O Espiritismo se opõe frontalmente às tendências majoritárias da filosofia recente. Ao resgatar a sobrevivência da alma e a reencarnação, o Espiritismo é visto como uma verdadeira anomalia na história do pensamento; é visto como afinado com ideias antiquadas e primitivas, como sendo um aglomerado de velhas supertições. No entanto, como explica Kardec (2009a) “uma ideia não é supersticiosa senão porque ela é falsa; ela cessa de sê-lo desde o momento em que é reconhecida verdadeira. A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”.

É em razão de seu conteúdo, portanto, que o Espiritismo sofre ataques. Nunca em razão de sua forma. No entanto, os mais diversos conteúdos são examinados pelas ciências. Segue-se daí que não é o conteúdo que determina uma atividade humana como sendo uma ciência. É a forma. Explicamos.

Por forma, aqui, entendemos as estruturas de acordo com as quais constroem-se as diversas ciências, segundo a epistemologia contemporânea (ver Apêndice). Por conteúdo, entendemos o assunto abordado. Por exemplo, a Filosofia da Natureza, dos pré-socráticos, e as diversas ciências da natureza estudam, por vezes, os mesmos assuntos. No entanto, suas formas são diferentes. O nível de especulação na primeira é muito maior, porque o de observação é muito menor.

A observação restringe as teorias (muito mais do que as “comprova”). É por isso que confia-se muito mais nos postulados da astronomia do que nos da cosmologia pré-socrática. Pode-se dizer que a confiança que se tem na ciência se dá porque nela a observação dos fatos tende a não permitir que os equívocos se perpetuem. De fato, quando uma teoria está errada, espera-se que os fatos o mostrem.

O Espiritismo está para todos os sistemas metafísicos anteriores (religiosos ou filosóficos), assim como a astronomia está para a cosmologia pré-socrática. O Espiritismo é a primeira atividade humana a estudar o suprassensível pela forma científica. Todos os sistemas anteriores tinham um alto nível de especulação. A coisa é bastante simples: nunca antes houve uma ciência que perguntasse aos espíritos (após verificar sua existência* ) como é o seu mundo. É por fazer isso que os postulados espíritas gozam de tanta segurança. Negar o Espiritismo porque ele parece “anacrônico” ou “antiquado” seria como negar que o Sol é o centro do sistema solar porque Jesus não pode ter encarnado na periferia. Ora, se a Astronomia observa que o Sol está no centro do sistema solar, ele não se deslocará para satisfazer a um capricho cristão. Do mesmo modo, se os espíritos reencarnam e progridem, e se essas são leis do mundo espiritual, não deixarão de fazê-lo porque isso parece uma ideia ultrapassada. “A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”, porque, se houver, não deixará de haver porque são vistas como superstição. Mas ainda se fará uma objeção: será possível fazer ciência do que não se dá aos sentidos, mas está além desses; será possível fazer ciência do suprassensível?

A História, muitas vezes, nos fala de um passado do qual nós não tivemos a experiência e nem por isso deixa de ser ciência. A ninguém ocorre questionar que o Brasil se tornou independente de Portugal em 1822 por não poder vê-lo com seus próprios olhos. As manifestações espíritas equivalem aos documentos históricos, porque tanto as primeiras como os segundos nos pintam um mundo do qual nós não podemos ter conhecimento a não ser através deles.

Os críticos que unirem obstinação e ignorância extrema farão ainda um ataque final: “Como poderá haver ciência do sobrenatural, uma vez que este foge a quaisquer leis e regularidades, que são necessidades da atividade científica?” De fato, segundo Marilena Chaui (2010) a atitude científica “opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos”.

Ora, todo aquele que está familiarizado com Kardec sabe que nada ilustraria melhor sua postura do que o trecho citado acima. Mas para os que ainda não o estão, deixemos que o próprio Kardec lhos mostre:
O Espiritismo repudia, no que lhe concerne, todo efeito maravilhoso, quer dizer, fora das leis da Naureza. Ele não faz nem milagres nem prodígios, mas explica, em virtude de uma lei, certos efeitos até hoje reputados como milagres e prodígios, e por isso mesmo demonstra sua possibilidade.(Kardec, 2009a) 
[O Espiritismo] diz e prova que os fenômenos sobre os quais se apoia não têm de sobrenatural senão a aparência. (…) Mas eles não são mais sobrenaturais que todos os fenômenos aos quais a Ciência hoje dá solução, e que pareceram maravilhosos numa outra época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, são a consequência de leis gerais e nos revelam um dos poderes da Natureza, poder desconhecido, ou dizendo melhor, incompreendido até aqui, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas. (…) Aqueles que o atacam a esse respeito é porque não o conhecem(Kardec, 2009). 
O maravilhoso, expulso do domínio da materialidade pela ciência, entrincheirou-se no da espiritualidade, que foi o seu último refúgio. O Espiritismo, em demonstrando que o elemento espiritual é uma das forças vivas da Natureza, força incessantemente agindo concorrentemente com a força material, fez de novo entrar os fenômenos que dela ressaltam no círculo dos efeitos naturais, porque, como os outros, estão submetidos a leis. Se o maravilhoso foi expulso da espiritualidade, não tem mais razão de ser, e é então somente que se poderá dizer que passou o tempo dos milagres (Kardec, 2009b).
O Espiritismo, portanto, longe de se nutrir do sobrenatural, operou o desencantamento final do Universo.

Apêndice: alguns critérios para se avaliar uma teoria ou hipótese.

Aqui são expostos de maneira muito geral e extremamente simplificada alguns esboços dos critérios das principais teorias da filosofia da ciência contemporânea para se avaliar uma teoria ou hipótese:
  1. Popperiano: Para o filósofo da ciência Karl Popper, uma hipótese só é científica se for falsificável, isto é, apenas se houver algum fato que, se observado, a torne falsa. Uma hipótese que sabe-se de antemão que se encaixa em qualquer fato observável não é, portanto, tolerável na ciência. Por exemplo, se um criacionista diz que Deus forjou as provas da evolução para testar a nossa fé, é difícil imaginar qualquer fóssil ou qualquer prova da evolução que, se encontrado, convença-o de que sua hipótese é falsa. Ainda que se encontre um ancestral de uma espécie qualquer congelado e em perfeitas condições, o criacionista dirá que Deus criou aquela prova para testar a nossa fé. Não há qualquer fato que, se observado, torne a hipótese criacionista falsa, para um criacionista. Sua hipótese de que Deus criou as provas da evolução para testar a nossa fé se adapta a qualquer fato que se verifique, porque o criacionista alegará que Deus, sendo onipotente, pode ter criado qualquer prova da evolução, com aquele intuito de nos testar.
  2. Kuhniano: para o filósofo da ciência Thomas Kuhn, uma teoria resiste até que acumule anomalias, ou seja, fatos que ela não explica. Em outras palavras, quando observam-se diversos fatos que uma teoria não explica, essa teoria é substituída por outra em que os fatos se encaixem. A teoria em que os fatos se encaixam é parte de um paradigma estável, porque não acumulou anomalias.
  3. Lakatosiano: Para o filósofo da ciência Imre Lakatos, uma teoria é tão melhor quanto mais antecipa os fatos. Uma teoria que prevê os fatos, além de se adequar aos já observados, é considerada integrante de um programa de pesquisa progressivo. A teoria que faz previsões equivocadas e precisa de explicações adicionais para dizer por que errou, correndo assim atrás dos fatos, integra um programa de pesquisa degenerante.
(*) Não tratamos aqui das evidências da sobrevivência e da comunicabilidade dos espíritos. Este seria um assunto para muitos artigos.

Referências

Chaui M. (2010). “Convite à Filosofia”. Ed. Ática. São Paulo.
Chibeni S.. “O que é Ciência?”
Kardec A. (2009) . “O Livro dos Espíritos”. Ed. IDE. Araras, SP.
  • (2009a) “O que é o Espiritismo".  Ed. IDE, Araras, SP.
  • (2009b) “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”.  Ed. IDE, Araras, SP.

Sobre Érico Bomfim.

Nascido em 1991, no Rio de Janeiro e cursando (2012) o último ano de bacharelado em piano pela UFRJ. 

10 de março de 2012

Aborto, Infanticídio e o artigo de Giubilini e Minerva.

Muita gente pensa que discussões de natureza filosófica são inúteis. Não conseguem entender a amplitude das consequências de se assumir posturas ou visões aparentemente 'práticas' em relação a certos assuntos mas que, sob análise mais detalhada, não passam de visões filosoficamente mal embasadas, com deficiências fundamentais em vários níveis. Isso acontece com frequência nas questões ligadas ao aborto, infanticídio, eutanásia e pena de morte. 

Podemos chamar esses problemas de 'problemas limiares', pois eles ocorrem quando consideramos as  posturas de determinadas doutrinas aplicadas no início ou no final da vida dos indivíduos - dai o termo 'limiar' ou 'limite'. Uma vez que inexiste uma teoria ou 'visão' suficientemente abrangente do que seja um 'ser humano', permanecem disputas entre grupos rivais que se apegam a determinados pontos de vista quando se trata de legislar sobre esses limites. Dessa forma surgem questões do tipo: quando começa realmente a vida de um indivíduo? Quando ela termina? Sob que bases irá se estabelecer o direito de se 'deixar viver' ou 'cessar a vida' nesses limites?

Nosso objetivo aqui ainda não é discutir essas questões sob a ótica espiritualista. Porém, não precisamos ir tão longe na análise que hora nos propomos, após uma breve leitura do artigo "After-birth abortion: why should the baby live?" (Aborto depois do nascimento: por que os bebês devem viver?) de A. Giubilini e F. Minerva (2012, ref. 1), e que pretende apresentar uma 'nova visão' com o objetivo de justificar o infanticídio como uma generalização de práticas abortivas.

Leitores menos avisados podem pensar que nosso objetivo aqui é dar força ao discurso reacionário e fanático (Nota 1) dos que 'defendem a vida' nessas questões. Nada disso. Insistimos que não é necessário tanto esforço e empenho assim para refutar tanto os argumentos como as conclusões desses dois autores. Nosso objetivo é discutir esse artigo e a sua 'cientificidade' como sugerida pela formação acadêmica de seus autores.

Objetivos do artigo

O resumo do trabalho traz de forma sumária o objetivo dos autores:
"O aborto é largamente aceito por razões que nada tem a ver com a saúde do feto. Mostrando que: (1) tanto o feto como o recém nascido não tem o mesmo status moral de pessoas; (2) o fato de ambos serem pessoas potenciais é moralmente irrelevante; (3) a adoção nem sempre é de interesse das pessoas, os autores argumentam que o que chamamos de 'aborto pós nascimento' (requisitar a morte de um recém nascido) deve ser permitido em todos os casos em que o aborto é, inclusive se o recém nascido não é portador de deficiência." (Ref. 1, Abstract)
O objetivo dos autores é estender a validade ou permissão para execução de um recém nascido (inclusive se ele não é deficiente) com base nas mesmas premissas que permitem que o aborto seja realizado. Com certo cinismo, os autores preferem chamar essa nova prática de 'aborto pós-nascimento' a infanticídio (Ref. 1, parágrafo 9). A questão das palavras é a menos importante aqui. Para esse objetivo, eles lançam mão de 3 'princípios' que reduziremos a apenas um que, além disso, é incoerente do ponto de vista da lógica.  

Análise da definição principal dos autores

Iniciamos pela análise da primeira premissa que, veremos, é a principal . Por 'pessoa' os autores entendem:
Um indivíduo que é capaz de atribuir a sua própria existência ao menos um valor básico de forma que, caso seja suprimida sua existência, isso represente uma perda para ele. (Ref. 1, Parágrafo 14)
E, explicam:
Nosso ponto é que, embora seja difícil dizer exatamente quando um indivíduo pode ser chamado de 'pessoa', uma condição necessária para o indivíduo ter o direito a X é que ele seja prejudicado por uma decisão que o impeça de ter X. (Ref. 1, Parágrafo 15)
Ora, os próprios autores reconhecem que a definição que usam, como descrita acima permite que se atribua o caráter de 'pessoa' a certos animais (como mamíferos e outros). Também afirmam que isso é uma 'condição necessária', sem dizer nada sobre ser uma condição 'suficiente'. Por isso, essa definição exclui pessoas em condições severamente restritivas (como pacientes em estado de coma e, até mesmo, determinada classe de desvios mentais). Uma vez que fetos e recém nascidos guardam pouca diferença do ponto de vista dessa definição, tudo o que se pode aplicar a fetos seria igualmente aplicável a recém nascidos que, consequentemente, teriam um status de 'pessoa' inferior a de alguns animais. Para os autores, fetos e recém nascidos 'apenas tem a capacidade de sentir prazer e dor' e, portanto, 'tem apenas o direito de não sentir dor' (Ref 1, parágrafo 16). É interessante também ver que os autores não retiram o caráter de 'pessoa' a um indivíduo tão só porque tenha qualquer deficiência: afirmam que "pessoas com síndrome de Down e mesmo aquelas afetadas por outras incapacidades severas frequentemente são descritas como felizes" (Ref. 1, parágrafo 7).

Entretanto, não é necessário ter doutorado em filosofia (que é o título acadêmico de um dos autores) para se perceber que a definição de 'pessoa' que fundamenta a premissa dos autores não é válida, pois ela não é uma condição independente. Em outra palavras, a definição de pessoa usada pelos autores depende justamente do que pretendem subtrair dos recém nascidos, que é a chance de ter a condição de se atribuírem valor a suas existências. 

Para tornar a questão mais clara, podemos fazer uso de um exemplo simples  que os próprios autores da Ref. 1 chegam a citar (talvez ingenuamente, ver parágrafo 15). Podemos aplicar o raciocínio a bilhetes de loteria (Fig. 1) ao dizer que de todos os bilhetes emitidos antes de um sorteio de um prêmio, os melhores certamente são os bilhetes premiados (ou seja, de todos os seres vivos, 'pessoa' são apenas aqueles que são prejudicadas caso sofram uma perda). Isso é uma premissa obviamente válida. Dado que o sorteio ainda não aconteceu (dado que recém nascidos ainda não são crescidos), eu posso, certamente, me livrar de um determinado bilhete (jogá-lo fora ou dar para o primeiro desconhecido na rua) porque não sei se ele é premiado ou não (posso me livrar dos recém nascidos também). Ora a 'premissa' depende justamente de esperar correr o sorteio (esperar que o recém nascido vingue). A conclusão é obviamente inconsistente, pois sou levado a me desfazer de um bilhete possivelmente premiado.

Fig. 01
Esse erro elementar permite entender a confusão em que os autores se metem ao tentar encontrar outras razões ou direitos residuais (ou 'reais' como eles descrevem) que seriam atribuídos aos responsáveis pela criança, dado que ela não é uma pessoa :
Agora, dificilmente pode-se dizer que um recém nascido tem objetivos, já que o futuro que imaginamos para ele é meramente uma projeção de nossas mentes sobre suas vidas potenciais. Eles podem começar a ter expectativas disso ou desenvolver um mínimo senso de auto percepção em idade bem pequena, mas não nos primeiros dias ou semanas depois do nascimento. Por outro lado, não somente objetivos mas também planos bem desenvolvidos  são conceitos que certamente se aplicam àquelas pessoas (pais, parentes, sociedade) que poderiam ser positiva ou negativamente afetados com o nascimento da criança. Logo, os interesses e direitos dessas pessoas envolvidas representam as considerações prevalecentes na decisão de se proceder ou não com um aborto ou aborto pós nascimento. (Ref. 1, parágrafo 16).  
E, mais para frente (na seção "Feto e recém nascido não são pessoas potenciais"):
Pode se afirmar que alguém é prejudicado ao ser impedido de se tornar uma pessoa capaz de ter consciência de estar viva. Assim, por exemplo, pode-se dizer que teríamos sido prejudicados caso nossas mães tivessem decidido nos abortar antes do nascimento ou se tivéssemos sido mortos logo após ele. Entretanto, ao mesmo tempo que você pode ajudar uma pessoa ao trazê-la à existência (desde que essa vida valha a pena), não faz sentido dizer que se prejudica uma pessoa ao impedi-la de se tornar uma pessoa. A razão se deve ao nosso conceito de de 'prejuízo' na seção anterior que exige que esse alguém esteja na condição de experimentar esse prejuízo(Grifos nossos, Ref. 1, parágrafo 19).    
Portanto, os autores claramente utilizam de maneira equivocada uma definição que não é suficiente. Essa definição é ruim não porque é arbitrária, mas porque define seu objeto por meio de uma característica que ele não tem

Também parece ser consequência da visão deficiente dos autores o tentar localizar onde estaria esse 'futuro' e atribuí-lo aos adultos responsáveis pela criança. É como se quisessem tornar esse futuro palpável, já que é realmente relevante para a definição que fazem uso para uma 'pessoa': "Onde está o futuro da criança? Na cabeça dos pais, pois feto e recém nascido não são pessoas...". Em um movimento precário de extrapolação de premissas insuficientes, eles pretendem substituir o dever desses adultos em velar pelo bem estar do recém nascido pelo direito de se livrar deles, caso sejam um empecilho. 

Quanto ao segundo argumento, o de que fetos e recém nascidos não são pessoas potenciais, ele não é valido, pois é baseado na premissa que já demonstramos ser inconsistente. Alem disso, ao justificar a razão para se livrar de um recém nascido os autores consideram:
Não obstante isso, criar tais crianças pode ser um fardo intolerável para à família e sociedade como um todo, quando o estado é responsável economicamente por ela... Portanto, sustentamos que, quando tais circunstâncias ocorrem depois do nascimento e que justificariam um aborto, elas devem justificar também o aborto após nascimento. (Ref. 1, parágrafo 8, grifo deles.)
No que consiste esse  'fardo intolerável' (unbearable burden)? Em falta de condições econômica suficientes para criar a criança. De novo, não é necessário ter doutorado em filosofia para se concluir que o aborto pós nascimento está sendo sugerido especialmente para crianças de famílias pobres.

De resto, não precisamos nos preocupar com outros 'argumentos' e justificativas colocadas pelos autores, já que o principal deles é inconsistente. O terceiro argumento, por exemplo, o de que 'adoção nem sempre é uma alternativa' também se baseia na primeira definição refutada, já que o status moral da criança deriva da mãe pelo raciocínio dos autores, a qual pode preferir o assassinato de seu filho a levá-lo à adoção (segundo sugestão dos autores, ver Ref. 1, parágrafo 24). 

Conclusão

A maneira como os argumentos são colocados por esses dois autores incorre em tantos erros primários de lógica e raciocínio que essa publicação, não obstante ter sido considerada 'muito importante' (Ver Notas) por alguns críticos, não se assemelha a proposta de pesquisadores acadêmicos no assunto. Os autores não tornam explícitas as condições suficientes para sua definição de 'pessoa', que consideramos ser relevante em todas as discussões desse tipo. Há falha nas definições que permitem desqualificar esse artigo como algo útil tanto para os que defendem as ideias de seus autores (na forma de uma nova variedade de infanticídio) como os que defendem o aborto de forma geral.

Ninguém nega o direito de publicação aos autores ou ao editor da revista, mas certamente este artigo, pela sua qualidade duvidosa, não está a altura que o assunto merece.

Por outro lado, propomos meditar a seguinte questão: se a prática de 'novo infanticídio', como sugerida pelos autores da Ref. 1, pode ser considerada abominável e, pelas mesmas razões que nos levam a supor não existirem diferenças morais entre um feto e um recém nascido (por causa de seu desenvolvimento orgânico), então, não seria igualmente uma prática abominável o aborto quando este não represente claramente uma ameaça à vida da mãe? 

Agradecimento

Agradeço ao A. Caroli Rocha por me indicar todas as referências.

Notas 

Poucas críticas apareceram até agora explorando as relações e consequências dos argumentos dos autores. Destacamos outras referências abaixo:
  1. Artigo científico defende como moralmente aceitável a morte de um recém-nascido. De fato, o maior impacto provocado pelo artigo foi contra seus autores por parte dos assim denominados 'fanáticos'. 
  2. Um exemplo é o texto de João P. Coutinho 'Bebês para abate', publicado na Folha de S. Paulo a 6 de Março de 2012.
  3. Blog de R. Azevedo (2/3/2012), "Eles chegaram lá: dupla de especialistas defende o direito de assassinar tambem os recém nascidos".
Referências

1 - A. Giubiline e F. Minerva (2012), J. Med. Ethics, doi:10.1136/medethics-2011-100411


3 de março de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica II


O homem não pode, pelas investigações das ciências, penetrar em alguns dos segredos da natureza? A ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas, mas não pode ultrapassar os limites fixados por Deus. (´'O Livro dos Espíritos, Questão #19)

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física.

O caráter não ordinário da experiência das duas fendas (ver post anterior) é porque a Natureza revela um comportamento ondulatório, mesmo para objetos pertencentes ao mundo físico que antes imaginávamos bem sólidos. Como dissemos, o experimento das duas fendas surgiu nos estudas da óptica, ou seja, com fenômenos luminosos. Poderíamos nos perguntar se a luz, apresentando esse comportamento, de fato revela algo essencial e definitivo na natureza em seu comportamento ondulatório. Contrariamente ao esperado tal não acontece. A luz também se comporta como uma partícula!

O efeito fotoelétrico

O experimento crucial que demonstra esse fato é o efeito fotoelétrico explicado por Einstein (1905) como a colisão de fótons com elétrons. Na Fig.3 ilustramos o efeito. Um placa (E de emissor) é iluminada por luz. Elétrons são arrancados e recolhidos por uma segunda placa (C de coletor):

Fig. 3 Ilustração do princípio do efeito fotoelétrico.
Se as placas forem ligadas a um circuito elétrico externo, uma corrente elétrica flui. Esse sistema tem inúmeras aplicações tecnológicas tais como sensores de intensidade de luz (fotômetros), baterias solares, câmeras fotográficas digitais etc. A única explicação possível para o fenômeno é se admitirmos que partículas luminosas colidem diretamente com os elétrons, fornecendo energia a eles que é suficiente para iniciarem a jornada até a placa C. Cada partícula de luz fornece o chamado quantum de energia aos elétrons, que depende bastante da espectro (ou freqüência das oscilações luminosas) característico da fonte de luz. Para retirar um elétron do metal é necessário uma certa energia que chamamos de E. Os elétrons livres adquirem uma energia cinética que denotaremos por K. A relação fundamental descoberta por Einstein então se escreve:

hf = K + E

onde f é a freqüência da luz incidente (número de vibrações por segundo) e h é uma nova constante conhecida como constante de Planck (=6,6E-34 Js). Essa relação diz duas coisas: que a energia associada ao quantum de luz é dada pelo produto hf e que tal energia é dividida no fenômeno entre a energia de liberação (representada pelo potencial K) e a energia cinética ou energia de movimento (E) da partícula. Se existir um potencial mínimo para a liberação do elétron do material (concebivelmente, o elétron está associado ao material e precisa de energia para ser libertado), então apenas quando a energia luminosa conseguir atingir o valor característico do material é que o efeito fotoelétrico ocorrerá (o necessário para que E>0).


Na mecânica clássica (que é a mecânica dos objetos macroscópicos) sabemos que objetos possuem uma energia característica que é uma medida de sua liberdade dentro de um sistema ('sistema' aqui é entendido de forma bem geral como um arcabouço físico ou arrajo que permite que determinados fenômenos ocorram). Consideremos, por exemplo, um objeto movendo-se em uma dimensão como mostra a Fig.4. Esse objeto tem uma energia cinética inicial que chamamos de E. Imaginemos que ele seja lançado contra uma barreira de potencial de origem gravitacional, isto é, trata-se de um “morro” que o móvel pode transpor ou não dependendo de sua energia inicial. Se o “morro” tem altura A, dado que a massa do corpo é m e a aceleração da gravidade é g, somente haverá transposição da barreira se

E > mgA

ou seja, somente se E for maior que a energia potencial como determinada pela altura da barreira. Tal processo é chamado de espalhamento clássico. Sabemos que desde que o objeto tenha energia suficiente para transpor a barreira, ele será encontrado no lado direito como mostra a fig. 3. Se não ele retorna em sentido contrário como mostra a Fig. 4 para E < mgA .

Fig. 4 Processo de espalhamento 'clássico'.
Aspectos bastante inusitados aparecem se considerarmos o processo de espalhamento de uma “partícula quântica” por um potencial Vo (ver fig. 5). Como vimos uma partícula quântica não se comporta bem como uma partícula. Devemos associar uma onda de probabilidade a ela. Por causa do caráter probabilístico, não se pode falar que a partícula ultrapassou a barreira de uma maneira definitiva. Se quisermos “confinar” a partícula a uma região do espaço onde se tem maior certeza, então não podemos associar a partícula uma energia qualquer, muito menos uma energia definida. Ao invés de E, dizemos que existe uma energia média <E>. O fato é que se <E> > Vo, a partícula atravessa a barreira, mas a probabilidade de se encontrar a partícula antes da barreira não é nula. Isso porque a onda de probabilidade inicial é parcialmente transmitida e parcialmente refletida. Isso contrasta com o caso clássico onde para E > mgA, a partícula necessariamente é transmitida completamente.

Fig. 5 Tunelamento quântico.
Por outro lado, se <E> < Vo, é possível encontrar a partícula do outro lado da barreira! Esse fenômeno estranho é chamado de tunelamento quântico e é uma das marcas registradas da fenomenologia quântica. Tudo ocorre como se a partícula tivesse atravessado a barreira de potencial e aparecesse do outro lado. Uma outra maneira de se ver isso é considerar que a natureza ondulatória da matéria se manifesta através da incerteza de posição, o que designa uma probabilidade diferente de zero para se encontrar a partícula do outro lado da barreira, ainda que a energia dela seja insuficiente para atravessar o morro de potencial. Veremos depois onde ele se aplica (p. ex., a física nuclear faz uso do tunelamento quântico para explicar e explorar processos nucleares; geração de energia etc).

Fig. 6 Ilustração sumária sobre diferença entre o efeito de tunelamento clássico (acima) e quântico (abaixo).

O que podemos concluir disso tudo? Que, uma vez garantida as condições para que os efeitos quânticos ocorram, a Natureza se comporta de uma maneira bastante diversa da maneira como estamos acostumados a ver em nosso mundo (Fig. 6).

Entretanto, a maneira como esses fenômenos são apreendidos pelas técnicas experimentais tem pouco a ver com a maneira como nos certificamos das coisas a nossa volta. Isso é uma lição importante a ser observada, já que ela nos revela que a maneira como vemos o mundo é muito particular e não pode ser estendida para outras 'realidades'. No caso quântico essa 'realidade nova' aparece quando consideramos fenômenos envolvendo partículas ou sistemas verdadeiramente microscópicos (mesmo um vírus é um ser vivo grande se comparado a um sistema quântico). Também, fenômenos quânticos podem ocorrer quando a temperatura dos sistemas físicos é abaixada para valores muito próximos ao chamado 'zero absoluto' (-273 graus abaixo do zero centígrado). Nessa condição, os efeitos quânticos também aparecem, pois então a matéria está 'congelada', o que permite que o comportamento microscópico de seus constituintes (os átomos) se revelem de forma organizada no nível macroscópica.

Veremos em detalhes isso nos próximos postos da série 'Conceitos básicos de Física Quântica'. 

Referências

 Einstein A. (1905) Annalen der Physik, 17,132.

Outros posts

Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar).Conceitos básicos de Física Quântica I.

25 de fevereiro de 2012

Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.

Tanto o espírito de um "vivo" como o de um "morto"" são, em si, inobserváveis sensorialmente. Toda evidência de sua existência é indireta, mediante o padrão inteligente exibido por algum meio (comportamento corporal, símbolos diversos)...portanto, os dois casos (o do espírito da pessoa "viva" e o da "morta") são epistemologicamente idênticos. (Chibeni, 2010).

O filósofo Silvio Chibeni recentemente postou uma apresentação sobre a pesquisa científica do espírito que se relaciona com muitos temas que tratamos aqui. Trata-se de um conjunto de slides elucidativos sobre a questão da pesquisa aplicada à realidade do Espírito e sobrevivência. A partir desses slides, complementamos com alguns comentários os 12 empecilhos à pesquisa do Espírito e da sobrevivência que são citados por Chibeni.

Depois de apresentar a fenomenologia associada às substâncias "matéria" e "espírito", Chibeni resume as visões presentes, que se dividem sucintamente entre (Chibeni, 2010):
  1. Materialismo, "só há substâncias materiais"; 
  2. Idealismo, "só há substâncias espirituais"; 
  3. Dualismo, "há dois tipos de substâncias";
  4. Ceticismo, "não podemos determinar isso".
Veja que, aqui, "ceticismo" não se refere ao mesmo conceito que tratamos na série de artigos sobre as "Crenças céticas", mas a uma postura filosófica. O Espiritismo admite abertamente o dualismo e, de acordo com essa visão, podemos listar um conjunto de "obstáculos" para a pesquisa científica do Espírito, entendendo essa pesquisa dentro do estudo científico da sobrevivência e não esse estudo dentro do referencial teórico e experimental das ciências naturais. Há considerável confusão feita entre esses dois conceitos, e o leitor dedicado deve prestar atenção em seus estudos, para não ser confundido também.

Seguem, assim, nossos comentários: 
  1. Considerar a questão metafísica ou "sobrenatural": Esse problema surge por dificuldade em se compreender a viabilidade de estudo científico da questão. Frequentemente, ou se considera o assunto como além do que seria o normal ou verificável (e, portanto, pertencente ao domínio da metafísica), ou, diante de uma visão mística dos fatos, toda a questão é tomada como pertencente ao 'reino do sobrenatural'. Assim sendo, considera-se o assunto de forma alienada da realidade; 
  2. Considerar que o assunto já foi analisado e a conclusão foi negativa: esse é o erro mais comum entre os céticos. É comum também entre os que se satisfazem com uma visão superficial, baseada em supostas pesquisas que não atentam para o rigor e o detalhe que o assunto exige. A respeito disso, vale um comentário de Kardec apresentado abaixo (Nota 1);
  3. Considerar que o que há de importante sobre o espírito já é investigado pela psicologia, etc., dentro de um referencial materialista: isso é uma variante algo mais sofisticada do empecilho anterior. Como uma teoria determina em último grau quais os fatos e ocorrências devem ser considerados, então, ao se assumir o materialismo como arcabouço teórico de investigação, está se restringindo severamente o universo de fatos. A "prova" obtida a favor de determinado ponto de vista simplesmente não é válida; 
  4. Considerar que esse referencial materialista foi "provado" pela ciência. Ciência entendida como 'conhecimento' nada tem a dizer sobre a questão da sobrevivência. Outra coisa bem diferente é a  opinião dos cientistas. Mas essa opinião não constitui ciência, principalmente se ela versa sobre assuntos que não estão diretamente relacionados aos objetos de sua pesquisa científica; 
  5. Tentar "detectar" o espírito por meios diretos: há uma quantidade enorme de pessoas que acreditam que manifestações físicas (efeitos físicos) são 'manifestações espirituais'. Outros dizem que, se o Espírito existe, ele necessariamente deve deixar rastros mensuráveis. Aqui, a falha é na compreensão do objeto de estudo:  a matéria se deixa apreender por determinados tipos de sinais (cores, sons, formas, gostos etc). O Espírito tem pensamento, vontade e sentimentos, todos atributos inacessíveis do ponto de vista sensorial (ver novamente a referência Chibeni, 2010). Não é difícil perceber que a questão não pode também ser decidida apelando-se para uma amplificação no nível de acuidade ou 'precisão' do equipamento;  
  6. Tentar "mensurar" o espírito: uma variante do erro anterior;
  7. Só considerar válida a evidência "reprodutível": aqui temos um ponto para muitas discussões. Mas a essência é muito simples: como os fenômenos dependem de inteligências que são independentes, insistir na reprodutibilidade é condenar o estudo do assunto desde o princípio. A fonte dos fenômenos espirituais necessariamente não pode ser controlada, pois é independente, logo não está sujeita a reprodução; 
  8. Tratar o assunto de forma puramente experimental, sem preocupação com o desenvolvimento de uma teoria que explique os fatos. Esse é um empecilho típico da parapsicologia. Em toda a história,  jamais se fez ciência de verdade sem teorias. Entretanto, alguns pesquisadores das "ciências psi" pretendem resolver a questão tão só apelando-se para o experimento. Para esses pesquisadores, invocar "explicações" tiraria a "neutralidade" e o "rigor" que o tema de pesquisa exige. Entretanto, isso está errado pois 'rigor' nada tem a ver com 'neutralidade' e o desenvolvimento científico normal exige que se proponham experimentos baseados em hipóteses ou teorias que não são, elas próprias, neutras; 
  9. Trabalhar com fragmentos teóricos (hipóteses isoladas). Por outro lado, quando explicações são dadas, elas são produzidas para cada fenômeno e não conseguem dar conta de todos os fatos. Não se procura correlacionar um fenômeno com outro. Fatos psíquicos diferentes, que se manifestam fenomenologicamente de forma diversa, são explicados por hipóteses diferentes ou mesmo totalmente antagônicas entre si;
  10. Adotar enfoque dogmático ou preconceituoso: dogmatismo e preconceito são regras no comportamento humano e não exceções. A compreensível "neutralidade" não deve ser anulada até o ponto em que se adote uma visão claramente radical da questão. Há que se reconhecer que ninguém é dono da verdade;
  11. Misturar ou conivir com o misticismo: de novo, isso ocorre por falha na compreensão do caráter científico do assunto a ser estudado. Para o misticismo, não há necessidade de se envolver a ciência, pois ele se considera uma fonte independente de conhecimento. Trata-se de um obstáculo, pois o misticismo oblitera ou impede essa compreensão científica;
  12. Descuidar do rigor: quando se fala na aplicação de um método (não necessariamente extraído ou importado das ciências ordinárias) há que se tratar do rigor sem o que é impossível chegar a conclusões válidas.  
Tais obstáculos permitem entender porque a pesquisa da questão da sobrevivência encontra-se grosso modo no nível presente, e, também, compreender a necessidade de conduzir esse estudo dentro do arcabouço teórico desenvolvido por Allan Kardec. Por quê? Talvez isso pareça contrariar à suposta 'neutralidade' que seria necessária para um estudo científico. Entretanto, não é possível considerar os fatos sobre os quais discorre o Espiritismo fora do arcabouço teórico que ele determina para colher os seus fatos.

Assim, ao se descuidar de utilizar o referencial teórico criado por Kardec, estamos abrindo brechas para as evidências sejam contaminas por concepções inadequadas ou pressupostos que não levem em conta a teoria por ele desenvolvida. Fica assim muito fácil rejeitar erroneamente a tese espírita, por uma questão de colheita incorreta de fatos que passam a ser descritos em uma ideologia diferente. Para mim, esse é um problema central, embora pouco reconhecido, que caracterizaria um décimo terceiro obstáculo para o estudo científico da sobrevivência e da realidade do espírito. Falaremos mais tarde sobre isso em um futuro post.

Essa apresentação é, assim, um resumo didático que recomendamos fortemente, já que demonstra uma exposição sumária e elucidativa dessas questões.

Referências
Nota 1

“O ceticismo, no tocante à doutrina espírita, quando não resulta de uma oposição sistemática por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o que não impede que alguns dêem a questão por encerrada, como se a conhecessem a fundo.” (A. Kardec, Artigo 17, Introdução de 'O Livro dos Espíritos')