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28 de setembro de 2013

O que a genética e a astrologia têm em comum ?

Recentemente, o JEE (Jornal de Estudos Espíritas) republicou um trabalho com 10 anos de nossa autoria 'O que a genética e a astrologia têm em comum?' (1) e que foi revisado para esta edição especial. Apesar da idade, as conclusões dessa pequena dissertação continuam válidas. Tanto interpretações e extrapolações da genética moderna como da astrologia levam, de uma forma ou de outra, a uma limitação no livre arbítrio do homem. Embora possamos alegar que essa limitação não é 'taxativa', sua existência está em desacordo com o conhecimento espiritualista, com a noção da sobrevivência e com o fato de que a personalidade humana encontra-se assentada em uma entidade independente da matéria chamada espírito.

Embora nosso texto seja de 2003, de lá para cá apareceram serviços de busca por 'anscestrais genéticos' que tem sido comparados à astrologia por cientistas. Um exemplo que nos fala sobre esses exageros é o texto de Pallab Ghosh: "Some DNA ancestry services akin to 'genetic astrology' '' (2) (6) ou "Alguns serviços de busca por ancestrais de DNA se assemelham a 'astrologia genética' ". Em paticular comenta Ghosh:
Cientistas dizem que os perfis genéticos não podem fornecer informação precisa sobre a ancestralidade de um indivíduo.  
Eles dizem que "o negócio da ancestralidade genética explora um fenômeno bem conhecido de outras áreas, tais como os horóscopos onde informação geral é interpretada com sendo mais pessoal do que ela, de fato, é".
Na referência (6) podemos ler:
Sabe-se bem que horóscopos usam afirmativas vagas que os leitores acham que é mais específica e aplicável a eles do que realmente são (o chamado efeito Forer). Testes de ancestralidade genética fazem algo semelhante e extrapolam o que se conhece sobre a origem humana. Você não pode olhar para o DNA e fazer uma leitura como se ele fosse um livro ou mapa de uma estrada. Na maioria das vezes, esses testes não estariam autorizados a dizer o que clamam: não passam de astrologia genética.
Ficamos muito contentes com essa análise e a ocorrência desse 'fenômeno', uma vez que isso demonstra a exatidão de nossas despretensiosas palavras no texto de 2003, que se baseiam no conhecimento contido em 'O Livro dos Espíritos' de Allan Kardec. 

Não obstante isso, há quem defenda os serviços de busca de ancestrais pelo material genético (4). Por isso, a questão está longe de ser resolvida na opinião tanto de especialistas como do público e, talvez, não haja interesse numa solução que desconsidere o serviço, uma vez que ele é pago (5) e abre a possibilidade de um novo mercado, assim como faziam (e ainda fazem) os horóscopos desde a mais remota antiguidade.

Sobre o JEE

O Jornal de Estudos Espíritas é uma publicação eletrônica, totalmente gratuita, voltada para o movimento espírita e que publica artigos no formato acadêmico, buscando incentivar a escrita de trabalhos sobre a temática espírita e seus princípios. Contribuições ao jornal estão abertas no volume I, o volume de 2013.

Referências e notas.


(2) Pallab Ghosh (2013), Some DNA ancestry services akin to 'genetic astrology', BBC News. Acessado em 2013.

(3) Original em inglês: 
"The scientists say that genetic profiles cannot provide accurate information about an individual's ancestry. 
They say "the genetic ancestry business uses a phenomenon well-known in other areas such as horoscopes, where general information is interpreted as being more personal than it really is".

(5) Segundo a Ref. 2, o serviço custa cerca de 220 libras esterlinas.

(6) A publicação acadêmica que critica os testes de ancestralidade genética pode ser encontrada aqui (Acesso em 2013):
  1. http://www.senseaboutscience.org/resources.php/119/sense-about-genetic-ancestry-testing
  2. http://www.senseaboutscience.org/data/files/resources/119/Sense-About-Genetic-Ancestry-Testing.pdf
Original em inglês:
It is well known that horoscopes use vague statements which recipients think are more tailored than they really are (referred to as the ‘Forer effect’). Genetic ancestry tests do a similar thing, and many exaggerate far beyond the available evidence about human origins. You cannot look at DNA and read it like a book or a map of a journey. For the most part these tests cannot tell you the things they claim to – they are little more than genetic astrology. (David Balding, Mark Thomas and Tabitha Innocent, Sense About Genetic Ancestry Testing, ref 6-2)

24 de abril de 2011

Crenças Céticas XIV - "Afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias."


"Pessoalmente, ficaria muito satisfeito se houvesse vida após a morte, especialmente se ela me permitisse continuar a aprender sobre este e outros mundos, se ela me desse a chance de descobrir como a história aconteceu". C. Sagan

Embora a sua aparência lógica, inexiste frase mais incongruente do que esta que serve de título deste post, atribuída ao astrônomo Carl Sagan Carl Sagan (1934-1996), membro fundador de uma importante seita de céticos. Por isso mesmo, ela veio a se constituir em um dos pilares da crença cética. (1)

C. Sagan foi bem meu herói de juventude: quem não se lembra da série 'Cosmos' no começo da década de 1980, com suas primeiras simulações computacionais, mostrando um viajante em suas viagens pelo Universo, de uma maneira acessível ao grande público? A série era primorosa e, mesmo hoje em dia, a maneira com que ele explica cada tópico em Astronomia deixa saudades. Mais  tarde, descobri que Sagan errava em alguns pontos com relação à história da ciência, o que é de pouca importância comparada a sua postura de defensor infatigável da ciência (lê-se academia) utilizando, entretanto, argumentação algo equivocada, que o levaria a tirar conclusões em contradição com sua visão materialista de ver o mundo. 

Sagan pretendia fazer algo muito importante: livrar a sociedade das trevas da ignorância medieval, do irracionalismo cristão que condenou tantos mártires considerados hereges à fogueira. Nisso talvez ele estivesse certo. Por isso, Sagan chega à conclusões belíssimas com relação a nossa verdadeira posição no Cosmos: no auge da gerra fria fez uso de uma foto tirada por uma das Voyager mostrando tudo aquilo que somos. Nada mais que um grão de areia perdido na imensidão do Cosmos.

'Pale Blue dot': foto da Terra de um ponto muito distante no espaço.
Para C. Sagan, o uso dessas imagens poderia demonstrar ao público
a verdadeira dimensão das disputas e pontos de vista humanos.

Sobre tal foto escreveu ('Pálido Ponto Azul'):
Olhem de novo para aquele ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, todos os que conhecemos de quem ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas.
Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, “superastros”, “líderes supremos”, todos os santos e pecadores da história de nossa espécie, ali - num grão de poeira suspenso num raio de sol.
A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração deste ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes mal distinguíveis de algum outro canto em seus freqüentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes.
Nossas atitudes, nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no universo, tudo é posto em dúvida por este ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos. 
Carl Sagan - (de “Um pálido ponto azul”, 1994)
Entretanto, Sagan frequentemente afirmava que a sociedade, que passou a depender da Ciência e da tecnologia, sem saber o que isso significava de fato, deveria arraigar-se ao cientificismo que, segundo ele, era a única coisa que poderia salvar a Terra e a sociedade, tanto de uma hecatombe nuclear como num retorno à Idade Média e de suas fogueiras. Desta forma, Sagan fazia da ciência uma plataforma de pregação de suas crenças céticas e se voltava contra qualquer coisa que não se adequasse à visão corrente resultante de interpretações das teorias científicas, algo que é estranho à atividade científica em si.

Não é papel da Ciência fazer pregações sobre como a sociedade deva se comportar.  A Ciência deve ser sempre neutra em sua visão do mundo porque, da humildade resultante de quão pouco sabemos, apesar de termos progredido tanto em conhecimento, vem a conclusão que inexiste limites para o que podemos aprender com o Cosmos. Encontra-se assim uma contradição no pensamento de Sagan: enquanto afirmava categoricamente que o Universo era infinito em muitas possibilidades, ele negava veementemente a possibilidade de muitos outros fatos que ele considerava crenças pseudocientíficas. Para Sagan, o Cosmos era tudo o que existia e era ilimitado, mas não tanto assim a ponto de validar determinadas crenças que entravam em conflito com as suas próprias. 

Isso fica bem claro na sua visão sobre a Astrologia: dizia que 'os jornais do mundo trazem todas as semanas horóscopos, mas dificilmente notícias sobre o Universo' (isso era uma verdade na década de 1980, mas hoje, com a internet, jornais dedicam muitas reportagens à pesquisa científica). Pretendia que as pessoas comuns, que não escolhem carreiras científicas em suas vidas, tivessem pela Ciência o mesmo interesse que tem por Astrologia. Acontece que essa é uma expectativa ingênua: a Ciência nada tem a dizer sobre o sentimento ou temores das pessoas, enquanto que as colunas astrológicas aparentemente tem (mesmo que sejam na forma de frases auto evidentes). A Ciência jamais será tão popular quanto novelas ou histórias românticas, porque o ser humano tem sentimentos, expectativas, temores e esperanças para as quais a Ciência - principalmente aquela de C. Sagan -  jamais conseguirá dar respostas atraentes.

Em algum ponto de sua pregação cética nasceu o slogan sobre as 'afirmações extraordinárias e das evidências extraordinárias' (Ver nota (1)). Embora pareça uma frase lógica, tão lógica quanto: 'pessoas felizes tem vidas felizes' ou 'planetas rochosos tem densidades elevadas' (para usar um exemplo mais ao gosto de C. Sagan), trata-se de uma falácia lógica (non sequitur) que não tem base alguma na história da ciência. Basta que analisemos alguns exemplos para percebermos sua precariedade, o que ajuda a esclarecer um pouco como se dá o processo das descobertas científicas.

Primeiro há o problema com a definição de 'evidência extraordinária'. O que é uma 'evidência extraordinária'? Uma pessoa comum, tropeçando com uma pedra no chão, dificilmente reconhecerá nela qualquer sinal de um fóssil antigo, fato que um bom paleontólogo será capaz de fazer. Ou seja, uma 'evidência extraordinária' só é realmente em relação a um 'referencial de conhecimento'. Não há evidências extraordinárias de qualquer tipo para quem não acredita em nada ou não sabe nada. No âmbito da Ciência, uma evidência desse tipo só é verdadeiramente 'extraordinária' desde um ponto de vista muito especial e privilegiado, o ponto de vista de uma teoria particular. Na ausência desta, inexiste evidência alguma - ainda que a Natureza nos bombardeie diariamente com vários fenômenos.

Um exemplo interessante (embora distante de nossa realidade diária) foi a 'descoberta' das partículas elementares chamadas neutrinos. Elas foram 'postuladas', ou seja, imaginadas como existentes para explicar certas anomalias em  processos de desintegração radioativa, em particular o decaimento beta. Entretanto, nenhuma 'evidência extraordinária' foi encontrada na condições exigidas por muitos crentes céticos, pois os neutrinos não interagem com absolutamente nada, assim não podem ser detectados diretamente. A menos que tenhamos muitos bilhões de dólares para construir um detector de neutrinos (que consegue isso por métodos indiretos e de forma estatística), jamais teremos qualquer evidência de sua existência.
Pelo menos em física de altas energias,  'evidências extraordinárias
exigem orçamentos extraordinários'. A foto mostra um detector
de neutrinos (interior do LSND ou detector de neutrinos por
cintilação líquida em Los Alamos, USA).
O mais certo é dizer que, no estágio atual de desenvolvimento das Ciências da matéria, 'evidências extraordinárias exigem orçamentos extraordinários', tal é a quantidade de dinheiro necessária para que determinadas 'afirmações extraordinárias' tenham qualquer chance de serem consideradas. Céticos dogmáticos não se dão conta disso e pretendem generalizar a regra para todos os fenômenos da Natureza. E, mais importante ainda, não podemos deixar de reconhecer o papel fundamental das teorias que devem ser aceitas e trabalhadas. Sem elas é impossível desenhar ou projetar qualquer equipamento para tornar visíveis determinadas evidências. Assim, a Ciência verdadeira está longe de ser uma atividade imparcial, pelo menos no que diz respeito à crença que se deve depositar na validade de certas conjecturas a respeito do Cosmos.

Portanto, a frase de Sagan é retórica elegante mas sem fundamento. As contradições com diversas descobertas científicas são tão grandes que deixamos ao leitor a tarefa de encontrar outros exemplos na história da ciência.

Mesmo com essas constatações, não podemos deixar de admirar o brilhantismo e o esclarecimento que Carl Sagan prestou em seu papel de divulgador e como astrônomo. A maioria dos que pretendem seguir seus passos hoje, o fazem exagerando ainda mais no ceticismo e são quase todos desprovidos de sua elegante retórica. Sem a reverência que Sagan tinha pelo imensidade do Cosmos, pretendem ditar normas sobre o que é 'científico' ou não na visão deles, e seu argumento é usado para refutar o que céticos chamam de 'claims' de muitos fenômenos, que devem ser 'provados rigorosamente', o que inclui: exigências de farta repetibilidade (como se na Natureza não houvessem fenômenos estocásticos e raros), 'objetividade' e outros quesitos. 

Notas

(1) Segundo o site 'The Anomalist', a frase teria sido criada por Marcelo Truzzi (1935-2003). Junto com P. Kurtz, Truzzi fundou o "Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal" (CSICOP), tendo se arrependido disso posteriormente:
"I might note here that it was Marcello, not Carl Sagan, who coined the often-misattributed maxim "Extraordinary claims demand extraordinary evidence." In recent years Marcello had come to conclude that the phrase was a non sequitur, meaningless and question-begging, and he intended to write a debunking of his own words. Sad to say, he never got around to it."