Mostrando postagens com marcador peru indutivista. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador peru indutivista. Mostrar todas as postagens

12 de fevereiro de 2011

Crenças Céticas XI - A avestruz cética e o peru indutivista.


Era uma vez uma avestruz cética e um peru indutivista. Viviam uma vida tranqüila, em uma pacata fazenda modelo perdida no sertão do Mato Grosso. A avestruz e o peru gostavam de se envolver em discussões sobre a vida de outros animais na fazenda para aproveitar melhor o tempo.

Formavam uma dupla porque pensavam parecido. A avestruz não acreditava em nada. Dizia todos os dias:

"Comer sementes e pisar o chão, eis nossa razão! Nada há além disso!"

O peru acreditava em poucas coisas além do que via freqüentemente, mas não era igual à avestruz em um ponto: ele achava que podia decidir entre o que era verdade e o que não era. Além disso, era muito observador e notava outras coisas ao redor dele.

Ele percebeu que o sol se levantava todos os dias pouco depois do galo cantar, e se punha quando as galinhas iam dormir. Achava que isso sempre acontecia, pois ele era indutivista em seu jeito de pensar. Nunca tinha testemunhado um dia em que o sol não houvesse nascido. 

Comentou isso com a avestruz:

"Veja como posso prever o que quiser: amanhã bem cedo, o galo vai cantar e, à tarde, as galinhas vão dormir."

A avestruz não era muito curiosa, nem com seus próprios pensamentos, nem com o dos outros. Achava uma perda de tempo ficar pensando muito, já que nada mais além de pisar o chão e comer folhas de árvores e arbustos havia para se fazer. Mas estava um tanto entediada de dizer sempre a mesma coisa e resolveu dar atenção ao peru.

No dia seguinte, muito antes do sol nascer, queria mostrar que o peru estava errado. Mas, de repente, o galo cantou. Havia acontecido o que o peru dissera! Esperou pacientemente o dia todo e, de repente, as galinhas foram dormir. Mais uma vez o peru estava certo!

Intrigada com esses acontecimentos, repetiu tudo de novo no dia seguinte. E, mais uma vez, viu o galo cantar e, depois de esperar um dia inteiro de sol, as galinhas foram dormir. Repetiu isso uma terceira e quarta vez.

Ficou com inveja do peru, pois ela queria ter feito aquela descoberta sozinha. Então, decidiu ser mais esperta e fazer suas próprias previsões. De descrente e desanimada, a avestruz virou outra, uma verdadeira avestruz indutivista. 

Um dia, abordou o peru com uma aposta que usava o método do peru para comprovar suas próprias conclusões sobre a vida:

"Aposto que você não consegue prever coisas tão bem como eu faço! Sua vida é sempre a mesma, a ciscar o chão ou comer ração. Nada vai te acontecer amanhã ou depois, pois nada aconteceu com você hoje ou ontem."

Ficaram então os dois, avestruz e peru por um bom tempo, juntos, comprovando a predição da avestruz, o que também orgulhava o peru, afinal ele descobrira o método indutivista de pensar. 

Viram que o peru vivia sempre do mesmo modo com todos os animais da fazenda, na chuva, no sol, no calor ou no frio. Nada modificava sua existência ou jeito de ser, nem o quanto ele comia, nem como ele pisava o chão. Nem mesmo o ritmo das galinhas parecia abalar qualquer coisa na vida do peru. 

Era tempo de festa na fazenda, muitos enfeites e luzes, e a avestruz e peru ainda disputavam quem havia ganhado a aposta, a avestruz por tê-la proposto, o peru por ter descoberto o método. 

Resolveram então acabar de uma vez por todas com a disputa e escolher um vencedor. Disse o peru:

"Se amanhã eu ainda estiver do mesmo jeito, sempre como eu fui, dou-me por vencido e você ganha a aposta: sei que minha vida nunca será diferente!"

Mas, logo nas primeiras horas do dia seguinte, quando a avestruz foi procurar seu amigo para receber seus cumprimentos pela vitória, cadê o peru? 

Na noite do mesmo dia, a avestruz tremeu no seu ceticismo: tinha ouvido falar que seu amigo havia sido degolado e servido como prato principal em uma simples festa de Natal.

"FIM"

Referência

Esta estória é baseada em outra por B. Russell (Problems of Philosopy, Oxford University Press, 1912)