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19 de maio de 2015

Aprofunda-se o mistério da matéria escura (em direção ao universo invisível)

Fig. 1 Imagem da APOD/Nasa mostrando a distribuição de matéria escura (machas azuis) em uma pequena região do céu localizada a "apenas" 3,4 bilhões de anos-luz de distância. Esta imagem, obtida a partir do desvio da luz sobre as estruturas de fundo, é considerada a melhor "prova" da existência da matéria escura. De forma simples, a luz dos objetos de fundo é desviada por um excesso de gravidade que não pode ser contabilizado pelo que é visível na imagem. Há uma força de atração (gravidade) apontando para uma região "vazia" (em azul), região que estaria preenchida por um tipo de matéria invisível. Ver (8) para mais detalhes.
Para os que se interessam pelos últimos acontecimentos de fronteira em pesquisa da física e da cosmologia, os recentes estudos sobre a chamada "matéria escura" (1) são realmente empolgantes. Embora pareça moderno, o assunto em si remonta à década de 1930, quando o astrônomo F. Zwicky (1898-1978) corretamente apontou que o excesso de velocidade observado em galáxias distantes é explicável pela existência de um tipo de matéria invisível que ele chamou de "dunkle materie" ou matéria escura. O termo se inspirou no fato de que boa parte da massa não podia ser observada - ou não estava associada ao que emite luz. A designação tornou-se inapropriada com o tempo, pois não foi possível encontrar nada transparente e atrativo o suficiente para causar o fenômeno. Trata-se verdadeiramente de matéria invisível, que não pode ser sentida como a "matéria normal". 

Vamos aqui apresentar um pequeno resumo do status do conhecimento presente, das tendências recentes de explicação e as consequências de algumas delas para nosso conhecimento (inclusive espírita).  

Breve resumo do conhecimento atual

Segundo Alexandre F. da Fonseca, existem mais de 31 mil artigos sobre o tópico "matéria escura" no Web of Science, de forma que é bastante difícil orientar-se no assunto sem algum tipo de filtragem. Para tanto,  é conveniente dividi-lo em duas grandes abordagens:

1) Conhecimento empírico: são inúmeras as provas da existência da matéria escura que começam a se acumular, ainda que observada em grandes estruturas no Universo (2, 3). A começar pelo artigo original de Zwicky (4), quando um tipo de matéria invisível foi proposta como sendo responsável pelo excesso de velocidade observada em estrelas nas galáxias. Embora a matéria escura possa ser observada a grandes distâncias, parecem falhar todas as tentativas de detectá-la próxima ao sol (5), o que aumenta ainda mais o mistério porque, se acredita, que essa matéria deveria preencher uniformemente o espaço de forma que o próprio sistema solar estaria "embebido" nela. Já existem, entretanto, evidências diretas da existência desse novo tipo de matéria (8); 

2) Conhecimento teórico: do lado teórico, existe outra divisão. A existência de perturbação no movimento de corpos celestes sempre pode ser explicada seja alterando a força responsável por esse movimento ou admitindo que existam outros corpos nas vizinhanças que causem perturbação na força gravitacional. Isso foi o que aconteceu com a descoberta de Netuno. No caso da matéria escura, a explicação logo evoluiu para duas escolas teóricas: uma que explica a existência da matéria escura como um tipo invisível de matéria (e que dá origem a desdobramentos em física de partículas) e outra que postulou uma mudança na própria lei de gravitação. Em uma de suas variedades, existe a chamada "dinâmica newtoniana modificada" ou, em inglês, MOND (Modified Newtonian Dynamics, (6). Atualmente existe um debate entre os proponentes de MOND e os defensores da matéria escura. O mainstream científico é claramente favorável à matéria escura e não à modificação da gravidade em resumo por duas razões:
i) Postular um novo tipo de matéria estaria mais de acordo com a chamada "navalha de Occam", que sugere que explicações mais simples devem ser favorecidas. A explicação mais "complicada" aqui corresponderia a modificar toda a física (lei da gravidade);
ii) Aplicações recentes da dinâmica modificada em alguns objetos celestes exigem a existência de matéria escura, ou seja, MOND não é capaz de explicar completamente o que se observa no céu.
É simples entender. O chamado aglomerado "Bullet" (8, ver Fig. 1) parece indicar que a força de atração está dirigida para uma região vazia no espaço. Essa região é vazia porque a luz dos objetos de fundo podem ser vistos através dela, o que indica que a densidade de matéria ordinária (mesmo que opaca porque não é iluminada) não é suficiente para explicar o fenômeno de mudança da direção da luz observado. Esse excesso se deve à presença de um tipo de matéria invisível. Outras estruturas semelhantes form detectadas (7), como a recente descoberta potencial de uma possível "galáxia invisível" (9).

Na categoria das explicações teóricas também estão propostas de física de partículas. Diz-se que a matéria escura seria formada por um tipo de partícula invisível "simples", que preencheria o espaço e que interagiria de forma fraca com a matéria ordinária (os chamados "WIMPs" - Weakly Interactive Massive Particles ou partículas massivas fracamente interagentes). Por causa disso, um experimento muito sensível foi montado em um laboratório subterrâneo (10), o chamado detector LUX que, até o presente  momento foi incapaz de detectar qualquer evento. Segundo análises mais detalhadas, os resultados desse experimento sepultam esperanças em detectar a causa da matéria escura como um elemento abundante no sistema solar. Esse resultado negativo fez crescer a suspeita de que a matéria escura seria um tipo de matéria invisível ainda mais complexa que sua prima visível e que se encontra ausente de nossas vizinhanças. Em um trabalho teórico recente (11) podemos ler:
Ainda assim, confrontado com a riqueza da física do mundo visível em torno de nós, é tentador imaginar que o mundo escuro seria igualmente complexo, cheio de estruturas, forças e matéria que é invisível para nós. Podemos esperar que todo um novo setor do Universo se abra a nós tão rico como o nosso próprio. 
Ao invés de se acreditar que os 21% de matéria escura seriam algo "sem estrutura" ou "simples", começam a aparecer os que defendem uma nova revolução na física, a de que nosso tipo de matéria ordinária é uma exceção e que um novo universo invisível está para ser desvendado.

Fig. 2 Distribuição de tipos de "matéria" existente no universo conhecido. A "nossa matéria" corresponde apenas a 4% do que seria observável. Cerca de 21% é considerado "matéria invisível. Fonte: http://chandra.harvard.edu/
Consequências da existência da matéria escura na forma "complexa"

Se a matéria escura como diz a ref. (11) pode formar átomos (12), moléculas e "estrelas escuras", "planetas escuros", "radiação escura" (14) etc, então estamos diante da maior revolução de todos os tempos, com consequências incríveis para a realidade dos "mundos habitados". Isso porque potencialmente seria possível a existência de "vida escura", ou seja, vida invisível, com seres habitando um universo separado do nosso fisicamente (mas não espacialmente). 

O espírito tem muitas propriedades distintas mas, certamente, a gravidade não é uma delas. Portanto, não se deve confundir esse universo material invisível com o plano espiritual - como seria tentador fazer e como alguns espiritualistas começam a acreditar. De fato, o espírito habita em um "universo paralelo", inacessível aos nossos sentidos e interage de forma desconhecida com nossa matéria. Já a matéria escura tem peso (é atraída para junto de corpos materiais) ou seja, exerce uma força conhecida sobre a matéria ordinária, a gravitação. Portanto, a matéria escura, como o nome diz, é um tipo de matéria que interage de alguma forma com sua prima ordinária tendo em comum com o espírito a invisibilidade.

A comprovação da existência de matéria invisível (Fig. 2) representa epistemologicamente uma revolução ainda maior do que a ideia de Copérnico ou a evolução de Darwin. Ela mostra que o Universo em que vivemos pode guardar segredos inimagináveis e que nossos mais avançados métodos de investigação são impotentes para desvendar esses mistérios. A existência da matéria escura está caracterizando uma crise na cosmologia (13) que prenuncia uma outra crise mais grave, de natureza epistemológica. Se boa parte do Universo é feita de coisas invisíveis (Fig. 2) como será possível fazer ciência? Se esse universo é cheio de detalhes e estruturas, como seria possível observá-lo? Teria a ciência da matéria atingido a fronteira onde apenas evidências indiretas existirão dessas novas substâncias, impossibilitando o desenvolvimento científico futuro no mesmo nível daquele conseguido com a matéria visível?

Creio que os fenômenos espíritas prenunciaram essa revolução de forma semelhante. O que seria ainda mais inimaginável é que coisas  invisíveis e indiretamente detectáveis haveriam de se manifestar com igual força tão longe de nós, nas grandes estruturas do Universo.

Referências e notas

(1) http://edition.cnn.com/2014/09/20/tech/innovation/dark-matter-experiment-data/
(2) Clowe, D., Bradač, M., Gonzalez, A. H., Markevitch, M., Randall, S. W., Jones, C., & Zaritsky, D. (2006). A direct empirical proof of the existence of dark matter. The Astrophysical Journal Letters, 648(2), L109
(3) Spergel, D. N., & Steinhardt, P. J. (2000). Observational evidence for self-interacting cold dark matter. Physical Review Letters, 84(17), 3760.
(4) Zwicky, F. (1937), "On the Masses of Nebulae and of Clusters of Nebulae", Astrophysical Journal 86: 217
(5) Pitjev, N. P., & Pitjeva, E. V. (2013). Constraints on dark matter in the solar system. Astronomy Letters, 39(3), 141-149.
(6) Sanders, R. H., & McGaugh, S. S. (2002). Modified Newtonian dynamics as an alternative to dark matter. arXiv preprint astro-ph/0204521.
(7) A palavra "detectada" é melhor do que "observada" aqui pois a matéria escura só pode ser inferida a partir de seus efeitos, ou seja, de forma indireta.
(8) Clowe, D., Randall, S. W., & Markevitch, M. (2006). Catching a bullet: direct evidence for the existence of dark matter. arXiv preprint astro-ph/0611496.
(9) Minchin, R., Davies, J., Disney, M., Grossi, M., Sabatini, S., Boyce, P. & Van Driel, W. (2007). 21 cm Synthesis Observations of VIRGOHI 21—A Possible Dark Galaxy in the Virgo Cluster. The Astrophysical Journal, 670(2), 1056.
(10) Ou  Large Underground Xenon dark matter experimentVer: http://lux.brown.edu/LUX_dark_matter/Home.html
(11) Fan, J., Katz, A., Randall, L., & Reece, M. (2013). Double-disk dark matter. Physics of the Dark Universe, 2(3), 139-156.
(12) Kaplan, D. E., Krnjaic, G. Z., Rehermann, K. R., & Wells, C. M. (2010). Atomic dark matter. Journal of Cosmology and Astroparticle Physics, 2010(05), 021.
(13) http://aeon.co/magazine/science/has-cosmology-run-into-a-creative-crisis/ 
(14) Ackerman, L., Buckley, M. R., Carroll, S. M., & Kamionkowski, M. (2009). Dark matter and dark radiation. Physical Review D, 79(2), 023519.