4 de dezembro de 2019

Os seres do invisível e as provas ainda recusadas pelos cientistas. (Paulo Neto)


Paulo Neto acaba de lançar um novo livro que pode ser baixado gratuitamente:

Os seres do invisível e as provas ainda recusadas pelos cientistas-ebook (1.66 MB)

Trata-se de uma obra que apresenta diversas referências para os casos de mediunidade de efeitos físicos estudados pelo famoso cientista inglês William Crookes. Em um post anterior, tivemos a oportunidade de analisar uma tese recente em História da Ciência que analisa, de um ponto de vista acadêmico, a relação de Crookes com o espiritualismo. 

Paulo Neto acrescenta outras evidências e relatos, colhidos de diversas fontes, que mostram a excelência das conclusões tiradas por Crookes sobre os casos de mediunidade que ele estudou. É possível que hoje as dificuldades que envolvem a replicação desse tipo de fenômeno - e que contribuem para sua raridade - dificultem a apreciação moderna e não histórica de sua ocorrência. Entretanto, não é possível, tão só pela análise das referências históricas, concluir que Crookes foi enganado como querem céticos. Paulo Neto mostra que as médiuns que Crookes estudou foram também estudadas por outros cientistas e que a qualidade dos trabalhos feitos por ele foi atestada na opinião de inúmeros outros pesquisadores da época que não tinham apreço pela tese da sobrevivência da alma (tal como C. Richet e R. Sudre).  

A obra de Paulo Neto deve assim ser lida como uma contribuição para a necessária contextualização de época em que os detalhes importam mais do que fatos principais na apreciação da história das ciências dos fatos mediúnicos de efeitos físicos. 

Referências

24 de novembro de 2019

Espiritismo, ciência e materialismo


The day science begins to study non-physical phenomena, 
it will make more progress in one decade than 
in all the previous centuries of its existence. (N. Tesla) 
O Espiritismo, na forma com que foi codificado por Allan Kardec, apresenta uma grande quantidade de conhecimento e informações que apenas foram marginalmente compreendidos. Sua contraparte científica - sem querer apresentá-lo como uma disciplina, mas como uma visão de mundo - foi explicitada por Kardec em diversas passagens de sua obra. Com relação ao seu caráter progressivo, por exemplo, explica Kardec:
"O Espiritismo, portanto, não estabelece como princípio absoluto senão o que é demonstrado com evidência, ou o que ressalta logicamente da observação. Abrangendo todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio de suas próprias descobertas, ele assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, sejam de que ordem forem, que tenham atingido o status de verdades práticas e que tenham saído do domínio da utopia, sem o que ele suicidar-se-ia. Deixando de ser o que é, ele mentiria à sua origem e ao seu objetivo providencial. Marchando com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem que está laborando em erro num ponto, modificar-se-ia nesse ponto; se uma nova verdade se revela, ela a aceita." [1]
Entretanto, muitas pessoas leem essa e outras passagens de uma forma apressada. É preciso reconhecer antes de tudo que as verdades as quais a Doutrina Espírita se refere são raramente reconhecidas como 'objeto de pesquisa' no sentido comum desse termo. A ciência moderna e sua enorme especialização fez do elemento material seu maior objeto. Assim, apenas em algumas poucas 'interfaces' entre a manifestação da matéria e do espírito é que pode haver algum reconhecimento desde o ponto de vista dessa ciência dedicada à matéria.

A busca por novos fenômenos nessa interface é ainda prejudicada pela necessidade de recursos materiais. Em um contexto de explosão demográfica e consequente aumento da demanda por esses recursos, faz sentido levantarem-se vozes que tentarão obstar qualquer dedicação ao tema. Tal como no estado em que se encontrava o estudo dos fenômenos materiais, quando a sociedade não reconhecia a importância dos benefícios da pesquisa, a sociedade e a comunidade científica atual (com algumas exceções) - na sua política de investimento em pesquisa - não reconhece ainda os benefícios que uma incursão de pesquisa no mundo do espírito traria à Humanidade. 

Em parte, essa situação se deve ao estabelecimento de uma aliança entre a ciência (entendida como a visão de mundo da comunidade de cientistas) e o materialismo. Do fato de a ciência estudar a matéria não deve seguir necessariamente que ela deva ser materialista em sua crença. Na prática das ciências, entretanto, alguns pressupostos paracientíficos são utilizados que podem se basear em uma visão não religiosa (e até antirreligiosa) do mundo. As vezes isso é visto inclusive como algo necessário para uma suposta 'isenção' por parte dos cientistas.

Por exemplo, dado um fenômeno natural, é disseminada a crença que sua origem deve sempre ser associada a uma ocorrência ou fato natural, entendido esse como uma força 'naturalmente' explicada. Como tal, essa força não tem 'propósito', 'inteligência' ou 'direção': ela é 'cega'. Essa recorrência faz com que coisas naturais sejam sempre explicadas em termos 'naturais' como em um sistema fechado que tem a Natureza como seu universo. Nas ciências humanas, entretanto, a causa dos fenômenos são entidades inteligentes (o homem, o grupo social, a comunidade etc), de forma que apenas nesses casos é que causas não naturais são reconhecidas de uma forma evidente. 

Em sua essência, o reconhecimento da existência dos fatos psíquicos ou mediúnicos esconde de forma indissociável o reconhecimento de uma fonte inteligente e independente da matéria bruta como causa dos fenômenos. Esse reconhecimento tornou possível a Kardec (e os que, após ele, seguiram essa orientação) prever uma série de novos fatos e fornecer explicações para a não reprodutibilidade, inteligência, diretividade e aparente aleatoriedade associada a tais fatos. Entretanto, não é um passo trivial reconhecer a existência dessa nova fonte de fenômenos.

Assim, uma nova ordem de causas 'naturais' deve ser reconhecida na Natureza, a das inteligências 'incorpóreas' que, dispondo de uma interface para se manifestarem quando querem, são a origem de um grande número de fatos que, ao longo da história humana, passaram como sobrenaturais, miraculosos ou extraordinários. Eles somente são considerados assim porque sua presença está oculta, não obstante ser ubíqua. Para uma fonte tão diferente de causa, será necessária uma metodologia completamente nova de pesquisa. É por isso que exportar métodos das ciências ordinárias não trará novos resultados. É necessário desenvolver uma ciência completamente nova que parte de princípios próprios. Sem reconhecer a existência desses princípios, qualquer pesquisa ou estudo dos fenômenos psíquicos será sempre uma atividade frustrante ou mal compreendida. 

Referência

[1] "Revue Spirite", setembro de 1867, Parágrafo 55, 'O caráter da revelação espírita'.

29 de outubro de 2019

Victor Hugo sobre a morte (II)

Imagem: túmulo no Cemitério de Bologna.
Quando estiver no túmulo poderei dizer, como tantos outros: 
‘terminei minha jornada’ e não ‘terminei minha vida’. 
Minha jornada recomeçará no outro dia, de manhã. 
O túmulo não é um labirinto sem saída; é uma avenida, 
que se fecha no crepúsculo e volta a se abrir na aurora. (Victor Hugo)

O fragmento de texto que segue foi extraído da referência [1], conforme discurso proferido por Vitor Hugo (1802-1885). Alguns comentários (conforme a numeração) são apresentados na sequência.  
Quem pode dizer-nos que eu não volte a encontrar-me nos séculos futuros? Shakespeare escreveu: «A vida é um conto de fada que se lê pela segunda vez». Poderia ter dito pela milésima vez. Porque não há século pelo qual eu não veja passar minha sombra (1).
Vós não acreditais nas personalidades moventes, quer dizer, nas reencarnações (2), com o pretexto de que não recordais nada de vossas existências passadas, mas como as lembranças dos séculos desvanecidos poderiam estar impressas em vós quando não vos recordais (3) nada das mil e uma cenas de vossa vida presente? Desde 1802 hei de ter tido em mim dez Victor Hugo! Creis vós que me lembro de todas as ações e de todos os seus pensamentos?
Quando houver atravessado o túmulo para voltar a encontrar outra luz, todos esses Victor Hugo me serão um pouco estranhos, mas esta será sempre a mesma alma!  (4)
Sinto em mim toda uma vida nova, toda uma vida futura; sou como a selva que muitas vezes foi derrubada; os jovens rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Eu subo, subo, subo até o infinito. Tudo é radiante à minha frente, a terra me dá sua seiva generosa, mas o céu me ilumina com o reflexo dos mundos entrevistos (5). 
Dizeis vós que a alma é a expressão das forças corporais: por que então minha alma é mais luminosa quando as forças corporais irão já me abandonar? O inverno está sobre minha cabeça, à primavera está em minha alma (6); aspiro aqui nesta hora às lilases e às rosas como se tivesse vinte anos. À medida em que me aproximo da velhice, melhor escuto ao meu redor as imortais sinfonias dos mundos que me chamam. É um conto de fadas, mas é uma história.
Faz meio século que escrevo meu pensamento em prosa e verso, história e filosofia, drama, novela, legendas, sátira, ode, canção; de tudo tenho tratado, mas sinto que não disse mais que a milionésima parte do que é meu. Quando estiver no túmulo poderei dizer, como tantos outros: ‘terminei minha jornada’ e não ‘terminei minha vida’. Minha jornada recomeçará no outro dia, de manhã (7). O túmulo não é um labirinto sem saída; é uma avenida, que se fecha no crepúsculo e volta a se abrir na aurora. [1]
Comentários
  1. Aqui o grande poeta torna explícito sua crença não só na continuidade da vida, mas na multiplicidade das existências. Para isso, ele usa a bela figura de linguagem "não há século pelo qual eu não veja passar a minha sombra". 
  2. Citação explícita da reencarnação. A reencarnação é definida como a 'volta do Espírito à vida corpora'. Ainda segundo Kardec: A reencarnação pode dar-se imediatamente após a morte ou depois de um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual o Espírito fica errante. Pode dar-se na Terra ou em outras esferas, mas sempre num corpo humano e jamais no de um animal. A reen­carnação é progressiva ou estacionária: jamais é retrógrada. Nas novas existências cor­porais pode o Espírito decair como posição social, mas não como Espírito; por outras pa­lavras, de senhor pode tornar-se servo, de príncipe, artesão, de rico, miserável, contudo progredindo em sabedoria e moralidade. Assim, o celerado pode tornar-se homem de bem, mas o homem de bem não se tornará um celerado. (A. Kardec, "Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas", Vocabulário Espírita, REENCARNAÇÃO)
  3. Hugo se coloca aqui contra o argumento ingênuo do 'esquecimento', o de que deveríamos nos lembrar das existências anteriores se elas existem. De fato, sendo a memória humana de vários tipos, não temos acesso a todas as lembranças, algumas se conservam (como no caso das memórias de 'procedimentos', 'habilidades' etc), enquanto que a imensa maioria dos fatos vividos é esquecido. Durante a transição entre corpos, as lembranças pregressas são completamente apagadas e o novo 'eu' se forma com base na bagagem de personalidade que traz do passado com a estrutura do sistema nervoso que tem na nova vida.
  4. O que somos em realidade não se divide pelo fato de termos várias vidas. Isso é verdade mesmo dentro de uma existência e constitui um 'mistério' para as explicações materialistas da mente. Como é possível que a personalidade permaneça una, não se fragmente ou mude com o tempo, não obstante as inúmeras memórias e experiências vividas?
  5. Os 'mundos entrevistos' são os muitos planetas que existem no Universo, mundos em que a vida, em novas formas e densidades, se manifesta de forma exuberante e perene.
  6. Se a alma nada mais é que produto do corpo (cérebro), o poeta argumenta com razão que a decreptidude do corpo em nada alterou sua percepção das coisas, ao contrário, sente-se ainda como se estivesse na juventude e de posse de uma inspiração ainda mais forte.
  7. De fato, após a longa agonia da morte - para aqueles que esperaram sua lenta chegada - ela muito se assemelha a um novo despertar: é a vida que começa em um novo amanhã. Para outros, será o pavor dos que pensam erroneamente ser apenas o fim.
Referência

[1] Mariotti, H (1989). Victor Hugo Espírita. 2a Edição. EME Editora: Capivari/SP. Página 46.


29 de setembro de 2019

O fenômeno das vozes eletrônicas

Fig. 1. Imagem de um espectrograma (Audacity) com a invocação de Kedar (seta) e a 'voz' inesperada (região circular)
Um sobrinho meu que mora nos Estados Unidos estava a gravar com o celular algumas músicas no estilo "Karaoke" em junho último. Kedar é um adolescente que conhece tanto português como inglês, que é sua lingua materna. Um pouco desligado da gravação, ele deixou  o celular gravando por algum tempo a mais. Para sua surpresa, uma voz desconhecida aparece em um trecho não esperado da gravação. Ao tentar outra vez, o fenômeno estranho se repete; desta vez um claro 'yes' surge após aproximadament 15 segundos de uma pequena invocação. Uma terceira tentativa e um 'I see' também é obtido. Um pouco assustado, ele abandona os experimentos com medo do fantasma, coisa de adolescente.

Quando fiquei sabendo da ocorrência, minha irmã me enviou dois arquivos mp4 que são facilmente abertos com o Audacity, um conhecido software para edição de arquivos de som. Um espectrograma de uma das experiências obtidas por Kedar é visto na Fig. 1. O gráfico representa a decomposição espectral do som obtido no experimento, onde a invocação inicial é vista nos primeiros segundos. A voz é um 'yes' muito baixo mas indubitável, com tons entre 1000-2000Hz compatível com a modulação de uma voz humana. Na segunda gravação a intensidade da voz anômala foi ainda maior.

O fenômeno das vozes eletrônicas

Tal como no caso de Kedar em 2019, o fenômeno teve seu início com F. Jürgenson (1903-1987) em 1959 quando tentava gravar canto de pássaros. No início, pensou-se que se tratava obviamente de interferência de estações de rádio. Entretanto, a repetição dos experimentos - inclusive no interior de 'gaiolas de Faraday' (para bloqueio da radiação eletromagnética externa), confirmou que algumas pessoas, em condições insuspeitas e na presença de equipamentos de gravação, conseguem obter vozes que parecem se comunicar, respondendo a invocações. Nomes como Konstantin Raudive (1909-1974) e P. Bänder [1] estão ligados à história dos 'Electronic Voice Phenomena' (EVP, fenômenos das vozes eletrônicas). Mais do que isso, no que parecia ser uma clara aceitação de algo que já sabiam, algumas autoridades do Vaticano passaram a apoiar a realização de experimentos de EVP e de que as vozes tinham origem no Purgatório. 

Aspectos do fenômeno

O fenômeno da EVP surgiu na década de 50 e foi interpretado como uma 'Nova Hydesville', conforme descreve Bänder [1]. Sem dispor de uma teoria eletrônica que descrevesse como as vozes podem ser captadas e amplificadas, a pesquisa seguiu um caminho puramente empírico. Diversas 'receitas' de se obter vozes foram sugeridas: com um simples gravador, com um gravador e um rádio sintonizado em ondas curtas, com um gravador e um gerador de ruídos etc. Logo entusiastas criaram uma tese que seria uma consequência natural desse desenvolvimento: com o aprimoramento da técnica, as EVPs representariam uma nova maneira de se comunicar com os Espíritos, uma em que a presença de médiuns seria desnecessária.

Fig. 2 Edison em uma foto de sua entrevista a Austin Lescaboura em 1920 sobre suas pesquisas de um dispositivo para se comunicar com os Espíritos.
Esse aspecto 'amediúnico' das comunicações eletrônicas (qualquer que seja ela), é um sonho de antigos pioneiros das telecomunicações. Logo ficou claro a personalidades como Thomas Edison (1847-1931), O. Lodge (1851-1940) e Nikola Tesla (1856-1943), que talvez fosse possível usar o rádio ou um circuito variante dele para se comunicar com os Espíritos. Edison mesmo chegou a trocar correspondência com William Crookes (1832-1919) sobre a possibilidade de se obter imagens de Espíritos. Em alguns dos trechos de sua entrevista à Scientific American [2] em 1920, Fig. 2, declara Edison:
Now, what I purpose to do is to furnish psychic investigators with an apparatus which will give a scientific aspect to their work.*  
My apparatus is along those lines, in that the slightest effort which it intercepts will be magnified many times so as to give us whatever form of record we desire for the purpose of investigation.** 
Em outros trechos Edison demonstra pouco conhecer das pesquisas da fenomenologia psíquica anterior. Em um artigo de divulgação, Zarrelli (2016) [3] declara que o 'spirit phone' foi a invenção mais 'infrutífera' de Edison. Provavelmente o foi por causa da ignorância de Edison e outros pesquisadores das condições em que o fenômeno se realiza. Em outros termos: só ter o aparato não é suficiente.

O princípio da comunicação amediúnica segue a ideia de Edison que, por meio de um sensor e um amplificador poderoso seria possível registrar oscilações (voz, imagem, pulsos etc) dos Espíritos. Aparentemente, isso foi o que Jürgenson e Raudive parecem ter conseguido, além de outros entusiastas das vozes eletrônicas desde então. 

Entretanto, demonstrar que não há influência de um humano na comunicação eletrônica é bastante difícil, pois sempre qualquer pesquisa será organizada e conduzida por uma pessoa ou um grupo. Não se pode, a priori, descartar a influênciado experimentador. 

Mediunidade eletrônica?

Alguns pesquisadores no passado conseguiram registros muito nítidos de vozes eletrônicas (que desqualificam hipóteses céticas de 'pareidolia'), outros conseguiram registros a partir de modulações de ruídos, enquanto que outros jamais conseguiram nenhum tipo de voz. A que se deve esse caráter mutante e incontrolável?

Contrário ao que se pensa, somos adeptos da idea de que as EVPs e seus correlatos são manifestações do que chamamos de 'mediunidade eletrônica'. Trata-se de uma variante moderna de efeitos físicos em que  um dispositivo eletrônico está envolvido. 

Essa nova mediunidade é potencializada pelo interesse ou envolvimento do 'pesquisador-médium' no fenômeno. O fenômeno é, assim, mais frequente na presença de certas pessoas com essa habilidade especial, razão porque as EVP jamais se tornaram um método 'sistemático e independente' da mediunidade. Elas não são reprodutíveis à vontade e, como tal, são seriamente limitadas na capacidade de transmissão de informação  - não há "bidirecionalidade". Claramente, essa mediunidade 'surgiu' com o desenvolvimento tecnológico. Suas características são:
  • Ela é inconsciente,
  • Não requer 'transe',
  • Um médium eletrônico sequer saberá que é médium a não ser pelos efeitos eletrônicos que produz. Sua mediunidade é validada pela alta correlação entre sua presença e a ocorrência do fenômeno.
  • Como é uma mediunidade, há possível influência do médium no fenômeno.
  • Como se trata de efeito físico, aplicam-se todos os comentários feitos por Kardec sobre esse domínio de fenômenos [4], inclusive sobre seu caráter subsidiário de demonstração da sobrevivência.
Do ponto e vista teórico, sendo a mediunidade eletrônica peculiar, ela não se liga a outras, por isso não basta que haja a presença de qualquer médium em um recinto para que o fenômeno ocorra. Médiuns de efeitos físicos provavelmente teriam mais facilidade em provocá-lo. Existem outros fatores que devem permanecer invariantes para que o uso de aparelhos possa ser eficientemente usado. Todas as vezes que uma nova 'técnica' é criada esses fatores mudam, o que reduz a eficiência da comunicação.

Esse princípio aponta para a importante orientação de que, não importará muito qual o tipo de circuito ou sistema eletrônico seja usado, desde que as experimentações sejam feitas na presença das pessoas capazes de intermediar o efeito. É provável, assim, que a ideia do 'spirit-phone' de Edison e tantos outros funcione, desde que sejam testados pelo experimentador certo.

Traduções

* Agora, o que pretendo fazer é prover aos investigadores psíquicos um aparato que conferirá um aspecto científioc ao trabalho que fazem.

** Meu aparato é nesse sentido: a menor perturbação que o interceptar será amplificada muitas vezes, de forma a nos dar qualquer registro para o objetivo da investigação.

Referências


1- P. Bänder (1976). "Os Espíritos Comunicam-se por Gravadores", São Paulo: Edicel, 2a Edição. 

2- A. C. Lescarboura (1920), "Edison's Views on Life and Death", Scientific American, Vol. 123, No. 18, pp. 446, 458-460


4 - Ver: "O Livro dos Médiuns" de A. Kardec, 2a Parte, Das Manifestações Espíritas", Cap. IV e Cap. V. 

24 de agosto de 2019

A resposta ao Paradoxo de Fermi


Assim, tudo é povoado no Universo. 
A vida e a inteligência estão por toda parte: 
em globos sólidos, no ar, nas entranhas da Terra, 
e até nas profundezas etéreas. (A. Kardec, Revue Spirite, 1858)
Imaginemos um Universo repleto de vida tanto quanto podemos entender materialmente esse conceito. Vida animal, vegetal, inumeráveis seres, todos eles existindo conosco no mesmo espaço e tempo. Composição bioquímica semelhante aos seres vivos que conhecemos. Temperatura, densidade e mistura da atmosférica, se diferentes, não muito das condições que existem em nosso planeta.

Um cosmo cheio de vida quase em tudo semelhante à terrena. Civilizações que chegaram à idade da razão há muitos bilhões de anos. Todas evoluidas tecnologicamente ao ponto de vencerem as distâncias imensas que separam as estrelas. Outros mundos em que as viagens interestelares se tornaram plenamente possíveis. 

Com um Universo tão grande, é razoável imaginar que essas civilizações antigas levaram muito tempo para 'explorar' inúmeras estrelas, tanto na proximidade dos sistemas estelares onde floresceram, como em todos os outros. Por maior que o Universo seja, a multiplicidade de 'habitats' da vida é tão grande que é inevitável concluir que essas civilizações entraram em contato entre si. Formando vastas redes de vida inteligente entre as estrelas, essas civilizações avançadíssimas eventualmente também encontraram a Terra...

Para eles esse planeta, perdido em algum ponto de seu sistema solar, é um repositório retardatário de vida, onde seres ainda pouco avançados sonham em galgar os mesmos passos dos mundos mais elevados. 

Se assim é, então porque a existência desses outros mundos não foi definitivamente provada? O Paradoxo de Fermi resume esse quadro como
"a aparente contradição entre as altas estimativas de probabilidade de existência de civilizações extraterrestres e a falta de evidências para, ou contato com, tais civilizações." [1]
De nada adianta leitores mais convictos da visita de extraterrestres afirmarem que o Paradoxo já foi resolvido com as evidências providas pela Ufologia, que é imensamente rejeitada por acadêmicos. O Paradoxo de Fermi afirma que, se o Universo estivesse repleto de vida como a nossa, hoje estaríamos cercados por eles, a ponto de nossa vida e a deles ser uma coisa só. Esse é o ponto essencial do paradoxo que também guarda a chave para sua solução.

Como a validade do Paradoxo se fundamenta em determinados princípios, o mais fundamental deles, o de que a vida (terrena) tenha evoluído de forma 'onipresente' no Universo, não pode ser válido. O materialismo, entretanto, pode conduzir a uma negação muito forte da possibilidade de vida, que é a razão para que muitos céticos da vida extraterrestre afirmarem que a Terra é o único planeta habitado no Universo. O argumento contrário já foi bem explorado por Kardec:
Por que a Terra, pequeno globo imperceptível na imensidade do Universo, que não se distingue dos outros planetas nem por sua posição, nem por seu volume, nem por sua estrutura, pois nem é a maior, nem a menor, nem está no centro, nem nos extremos, por que, dizia eu, entre tantas outras, seria ela a única residência de seres racionais e pensantes? [2]
Como a estatística rejeita a unicidade da vida terrena, uma resposta possível seria enfraquecer outros principios auxiliares do paradoxo. Talvez a vida extraterrestre, desenvolvida tecnologicamente até certo ponto, tenha eliminado a si mesma em algum grande conflito estelar [3]. Talvez as inúmeras civilizações tenham se aniquilado quando se encontraram. Ou talvez vida exista, mas o único planeta onde ela desenvolveu alguma tecnologia para viagens espaciais foi a Terra. 

A resposta do Paradoxo pode assim ser dada enfraquecendo-se uma série de suas suposições.

Um novo conceito de vida

A revelação espírita, entretanto, afirma de forma categórica que todos "os globos que se movem no espaço são habitados":
55. São habitados todos os globos que se movem no espaço?
“Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo.”
que esclarece, conforme os própros Espíritos, as palavras atribuídas a Jesus:
Não se turbe o vosso coração. – Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se assim não fosse, já eu vo-lo teria dito, pois me vou para vos preparar o lugar. (João 14, 1-2)
A afirmação não só confirma a existência de vida disseminada no Universo, mas também o seu caráter inteligente. Isso reforça algunas das hipóteses do Paradoxo de Fermi. 

Entretanto, o problema maior é o próprio conceito de vida. Limitados às expressões materiais da Terra, a vida orgânica é apenas um subconjunto das possibilidades de ambientes onde a consciência pode se manifestar. E, obviamente, a extensão do conceito de vida (que é algo ainda a ser plenamente aceito) atua como obstáculo para entender porque "supercivilizações alienígenas" teriam qualquer interesse em explorar sistemática e materialmente a Terra. 

Assim, o primeiro óbice é entender que, constatada a existência desencarnada, com suas infinitas possibilidades de manifestação, faz pouco sentido imaginar que civilizações avançadas teriam interesse em 'explorar materialmente' a Terra. O planeta, dependente de inúmeros recursos delicadamente arranjados para que a vida orgânica possa existir, é mais um vasto mas restrito ambiente para o aprendizado de criaturas materiais em um estágio muito limitado de evolução - o que inclui inclusive os animais da Terra (desde bactérias até o homem).

A existência de vida em formas "não observáveis" não só garante infinitas possibilidades de vida, mas permite sua coexistência espacial e temporal conosco. Assim, o espaço em que vivemos é também a morada de inúmeros seres que não podemos ainda perceber. As 'moradas' de que fala o evangelista não se referem apenas a outros planetas, mas também a outros 'planos' de existência paralelos ao nosso.

Dito isso, de forma alguma fechamos uma conclusão de que apenas criaturas invisíveis ou não observáveis formam vida alienígena. Vida material como a nossa também evoluiu conforme o quadro que descrevemos no início deste texto. Só que ela, tendo ultrapassado a fronteira da razão e se dirigido à angelitude, provavelmente compreende que não há nenhum sentido na dominação em massa de mundos materiais que lhe são mais atrasados e que cumprem a lei universal da evolução estabelecida por Deus, que elas bem sabem preside a tudo. Assim, é  bem possível que evidências de sua presença entre nós já existam, porém, acomodadas muito bem a sua própria linha evolutiva e segundo conceitos de fraternidade Universal, ocultam-se no concerto de forças naturais que nos rodeiam, sem quaisquer pretenção em se mostrarem exaustivamente a nós. 

Ver também

A questão da encarnação em diferentes mundos: um novo tipo de matéria?

Referência

[2] A. Kardec (1858), Revista Espírita, Março, A pluralidade dos mundos.   http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=518&&idioma=1 
[3] Um exelente vídeo sobre o Paradoxo de Fermi do ponto de vista materialista pode ser visto no youtube:



https://www.youtube.com/watch?v=sNhhvQGsMEc

17 de junho de 2019

Crenças Céticas XIX: casos modernos e seus paralelos

Cristo carregando a cruz (detalhe). H. Bosch (~1500).
Abrimos um parêntese na nossa exposição aos espíritas sobre o problema da aceitação da existência dos espíritos. Lembramos nossos antigos posts sobre crenças céticas [1][2], considerando os debates populares em redes sociais sobre a 'Terra plana' e do 'geocentrismo'. Lembramos tudo isso, e não podemos deixar de fazer um paralelo com o problema da aceitação de alguns princípios espiritualistas. Jamais imaginaríamos que o ceticismo ingênuo poderia se revestir de aspectos tão dramáticos na atualidade.

Se em pleno Séc. XXI temos gente que defende "Terra Plana", que esperança há na Humanidade em aceitar as realidades maiores do espírito? 

Do ponto de vista espírita, penso que as manifestações aparentemente grandes dos crentes modernos em Terra Plana e no geocentrismo se explicam pelo retorno ainda tardio de milhões de Espíritos que não tiveram a chance de entender melhor o assunto. Têm eles dificuldades enormes de raciocínio a ponto de serem incapazes de compreender abstrações mesmo que bem simples. Mas, nas redes sociais, talvez pela primeira vez em suas vidas imortais, encontraram a chance de manifestar publicamente uma opinião, capitaneados por gente inescrupulosa que lhes exploram as deficiências intelectivas.

Princípio unificador X conspiração

O que caracteriza a ciência modera sempre foi a descoberta de um princípio ou fundamento unificador muitas vezes inacessível aos sentidos ordinários. Tomemos o caso da 'Terra esférica': esse princípio unifica e coordena a explicação de um grande grupo de fenômenos celestes (as variações de luz entre dia e da noite, a posição do sol em vários lugares, etc). Entretanto, não é possível ver com os próprios olhos a esfericidade da Terra, a menos que se vá para o espaço exterior, o que é possível, mas não a todas as pessoas do mundo. Da mesma forma, a gravitação universal: por meio do uso de uma única expressão de força entre corpos massivos (dai sua universalidade), um vasto conjunto de fenômenos celestes foi explicado. Entretanto, não se sente nem se vê a força de gravitação que o Sol exerce sobre a Terra e os outros planetas. 

Assim, quase sempre no final da maturação de um paradigma científico, leis ou princípios são declarados, mas não são sensorialmente acessíveis. Sua força como ciência vem da sua capacidade de explicar e unificar fenômenos, a ponto de ser possível classificá-los em domínios diversos, bem como prever outros ainda desconhecidos. Para fazer ciência, eles são admitidos desde o início a fim de se prover tal unificação e previsão fenomenológica.

Com os crentes céticos, entretanto, o único princípio unificador que existe é a conspiração sobre o mundo, que é a base de sua crença. Tomamos 'mundo' aqui não como o planeta inteiro, mas como um aspecto da realidade. Assim, um crente cético necessariamente é um crente na conspiração e um cético em relação a uma realidade, seja ela bem estabelecida cientificamente ou não. É por isso que crentes na Terra Plana, por exemplo, rejeitam qualquer evidência que, de outra forma, é prova do princípio unificador da esfericidade da Terra. Ao invés disso, cada evidência é explicada por causas independentes entre si ou se invocando a conspiração, que é um gigantesco conluio entre agentes mal- intencionados para justamente enganar o crente cético.

No caso em que o ceticismo é contrário ao que está bem estabelecido, os céticos se comportam de forma ridícula para os que participam da crença compartilhada escorada na ciência. Porém, a reação negativa de uma maioria ao conspiracionismo e à crença cética pueril constituem, na cabeça desses crentes, a própria prova da conspiração. Assim, o conspiracionismo se torna uma 'profecia autorealizada', afinal a maioria não tem condições de oferecer contra-evidências 'simples' ou 'práticas' às crenças pueris céticas, as pessoas apenas repetem o que aprenderam. Mas, para os crentes céticos, tudo acontece como se, de fato, estivesse em curso uma conspiração.

No segundo caso, porém, a situação é muito mais complicada porque não é fácil distinguir cada grupo. A comparação aqui cai bem, pois a ideia da sobrevivência da alma - assim como sua existência e continuidade tal como apresentada por A. Kardec - é um princípio unificador que pode explicar uma variedade imensa de fenômenos e paradoxos de natureza religiosa ou filosófica. Porém, ele não está disseminado como crença compartilhada (a menos pelos espíritas obviamente), porque popularmente não tem o selo de  'cientificamente provado' e não é propagado por meio da educação formal. 

Entretanto, o paralelo se aplica porque:
  • O princípio unificador explica inúmeros fenômenos, e está, por isso, harmonicamente relacionado a eles que formam sua base empírica;
  • A fenomenologia, mesmo que publicamente acessível, somente pode ser compreendida de posse do princípio unificador;
  • O princípio unificador envolve certo grau de abstração, pois ele não pode ser acessado diretamente pelos sentidos ordinários. Em particular, para compreender esse estado de coisa, é necessário estudar toda a teoria do princípio unificador, inteirar-se de detalhes de sua ação etc. Isso requer muito esforço, boa-vontade e tempo;
  • A conspiração aqui é criada contra os fatos, contra os que os apoiam ou geram ou contra o princípio unificador. Para os céticos endurecidos, todos os médiuns mentem - uma prova da conspiração dos que geram. Para outros, qualquer fato ou fenômeno têm uma explicação pronta (quase sempre na base do 'engano', 'erro', 'experimento mal feito' etc), como uma conspiração de falhas. Para outros céticos mais sofisticados, ideias do senso comum, crenças compartilhadas ou próprias, má vontade no estudo etc, obstam o pleno entendimento do princípio unificador. 
Dessa forma, o tipo de 'prova' que crentes céticos nos fatos psíquicos exigem não pode ser obtido se não se percorrer exaustivamente toda a explicação que eles justamente querem refutar a qualquer custo. Isso implica em conhecer o assunto melhor do que o mais fervoroso adepto, coisa que crentes céticos nunca o fazem, seja porque têm má-vontade ou porque são simplesmente incompetentes

Podem ser grandes os prejuízos à educação que ceticismo cético traz com questões já resolvidas cientificamente - como a esfericidade da Terra ou sua posição no sistema solar. Poderíamos citar ainda outras controvérsias algo mais sofisticadas, como o Darwinismo ou a teoria do 'Big Bang' [3]. 

Nosso paralelo, porém, facilita muito entender e defender a ideia de que o ceticismo cético, se aplicado a questões que não se consideram cientificamente resolvidas, tem um efeito ainda mais deletério. Com essas questões, o ceticismo cético é indistinguível, muitas vezes, de uma postura supostamente científica ou rigorosa. É por isso que não se veem avanços em muitas áreas do conhecimento consideradas  'limítrofes' ao bem estabelecido, porque o 'conhecimento compartilhado' se confunde com esse ceticismo e impede sua livre investigação. 

Referências

[1] Primeiro post sobre 'crenças céticas': Crenças Céticas I: Introdução (2010)  

[2] Último post sobre 'crenças céticas': Crenças céticas XXVII: a Navalha de Ockham (2017) 

[3] Tanto quando sei, crentes céticos não se revoltaram ainda contra a noção moderna dos átomos e a física quântica  - todos exemplos de princípios unificadores inacessíveis aos sentidos ordinários (tal como os espíritos). Provavelmente é uma questão de tempo para que isso aconteça. 

22 de maio de 2019

Sobre a existência dos Espíritos: diferença entre percepção e observação (I)

Cena do livro "Emperor of Thorns"  (Arte da obra por
Broken Empire Omnibus ed. Jason Chan)
Podemos dizer com toda a certeza que o problema da aceitação da existência dos Espíritos - enquanto forças externas a nós - pode ser colocado em uma forma semelhante ao problema da aceitação da existências de coisas não observáveis pela Ciência. Já discutimos esse problema aqui neste blog, quando apresentamos um artigo de P. Churchland [1] onde esse autor descreve o chamado "movimento Browniano" como uma das evidências para a existência de átomos. Por muito tempo, a questão sobre a existências de átomos foi debatida, mas somente foi definitivamente aceita com avanços mais recentes da física moderna. 

A questão da existência dos Espíritos parece ser um capítulo parecido numa obra sobre a "aceitação dos invisíveis", ou seja, sobre a existência de entidades que não sensibilizam diretamente os sentidos humanos comuns. Assim, há coisas no mundo que, não obstante existirem, não são percebidas por nós diretamente. Mas, como podemos estar certos de que elas de fato existem?  Quais são as condições de sua aceitação? 

A história recente da Ciência é uma progressão de evidências que acabaram por nos separar definitivamente da ideia de que somente aquilo que podemos perceber diretamente existe [2]. A existência dos Espíritos adiciona um novo capítulo porque não parece haver por enquanto qualquer meio (instrumento, [2b]) capaz de transmitir a nós a sensação da existência deles.

Obviamente, o problema não existe para os que sentiram ou sentem a presença os Espíritos. Os sentidos humanos, desde que expandidos (como no caso da mediunidade) podem percebê-los. Em nossa discussão inicial, nos referimos aos sentidos humanos ordinários para depois abordar a questão dos sentidos expandidos. Trataremos disso em um último post de uma série de três. 

O assunto é interessante e envolve uma mudança mais ou menos radical na noção do senso comum de acreditar nas coisas. De fato, essa mudança se verificou ao longo de diversas ciências (como a física e a química), que foram "obrigadas a crer" em coisas que não podem ser observadas diretamente, mas que existem. 

Diferença entre percepção e observação

É necessário, antes de tudo, distinguir entre 'percepção' e 'observação' dos fenômenos da Natureza. 
Uma percepção nada mais é que um estado mental (ou seja, um estado privado ao indivíduo que percebe) que não implica diretamente em qualquer conhecimento próprio sobre aquilo que é percebido [2c]. 
Exemplo: vejo um lápis em um copo com água, ele parece quebrado. Mas sei que o lápis não está quebrado de fato. A visão do lápis quebrado é uma imagem que se forma na minha mente, mas que não corresponde ao conhecimento que tenho sobre o lápis. 

As ciências antigas (antes do renascimento) eram muitas vezes baseadas em percepções dos sentidos. Mas, mesmo os antigos já sabiam que os sentidos são facilmente enganados. Para que uma percepção gere conhecimento, ela deve estar acompanhada de outras informações sobre a coisa percebida. Esse conhecimento pregresso é muitas vezes obtido de diferentes maneiras e representa um tipo de concepção própria pré-existente do mundo (que pode ser herdado, aprendido etc). De certa forma,  nossa percepção é revestida dessa informação adicional para que aquilo que sentimos seja aceito como verdadeiro de fato.

As ciências modernas são baseadas nas chamadas 'experiências sensíveis' que são, verdadeiramente, observações [3]. De forma geral, podemos dizer que observações incluem as percepções dos sentidos, mas não se restringem a elas [2c] porque as observações são guiadas por algo mais.

Entretanto, podemos argumentar que as ciências modernas em nada modificaram a necessidade das percepções quando instrumentos foram desenvolvidos para permitir que os invisíveis (no sentido amplo) se tornasse 'visíveis', ou seja, acessíveis aos sentidos humanos.  De fato, instrumentos são úteis em Ciência porque eles permitem [2c]: 
  • Melhorar a acurácia da percepção;
  • Padronizar as observações feitas através deles.
Considere a imagem da Figura 1. Ela é o registro de vírus da Hepatite A conseguida por meio de um microscópio eletrônico. Se não tenho como ver um vírus com meus olhos, com o microscópio posso inclusive medir o seu tamanho em uma escala e compará-lo ao de outros objetos igualmente invisíveis a sua volta. 
Fig. 1 Imagem de um microscópio mostrando vírus da Hepatite A. Como posso estar certo de que  essa imagem realmente corresponde a um vírus da Hepatite A? Mais ainda, ela é uma prova de vírus existem? 
Entretanto, penso de forma ingênua quando acredito que minha percepção foi apenas expandida quando observo essa imagem do vírus pelo microscópio. Somente devo acreditar que a imagem corresponde mesmo ao vírus se souber como o microscópio funciona, ou seja, sou obrigado a crer em uma sequência grande de suposições, aproximações e informações que justificam categoricamente que aquela imagem é mesmo da tal entidade (o vírus) invisível. 

Ora, todas essas coisas adicionais não são obtidas exclusivamente por meio de observações e, muito menos, percepções. Elas resultam de estudos em inúmeras outras ciências que, muitas vezes, nada tem a ver com o objeto que percebo através do instrumento. Esse conjunto de raciocínios, aproximações e informações é conhecido como teoria e constitui elemento fundamental de uma observação científica:
Uma observação é um procedimento complexo no qual tanto a percepção como um prejulgamento de natureza teórica concorrem para produzir uma afirmação a respeito da coisa observada, o que inclui sua própria existência, caso ela não seja percebida pelos sentidos [2c]. 
Uma maneira de tentar salvar nossa crença exclusiva nas percepções (o popular "ver para crer") é justamente só aceitar como existindo aquilo que é validado por nossas percepções e rejeitar qualquer coisa que venha por meio de uma teoria. Mas, ao se fazer isso:
  • Somente aquilo que é percebido é real;
  • Qualquer observação, para ser válida, deve ser reduzida a uma percepção.
Portanto, aceitar esse ponto de vista leva a rejeição de quase tudo que a ciência moderna descobriu. Não é possível aceitar uma observação por instrumentos porque elas não envolvem apenas percepções. Logo, não há como escapar à conclusão:
Ao se aceitar a existência de entidades não observáveis (os invisíveis) estamos também obrigatoriamente aceitando a teoria que postula sua existência e as teorias por meio das quais os instrumentos de sua observação são validados.
De forma simbólica:
A existência de uma entidade I (invisível) implica na aceitação da teoria T para a qual I existe. O oposto também vale: ao se aceitar uma teoria T para a qual I existe, também aceitamos a existência de I
Assim, a imagem do vírus da Hepatite A (Fig. 1) não constitui a única prova da existência desse vírus. De fato, se ela não estivesse disponível, a medicina ainda acreditaria na existência dos vírus como entidades necessárias para explicar uma quantidade grande de patologias. Em ciência muitas vezes não é necessário que provas sensíveis existam (de forma a sensibilizar os sentidos humanos, ainda que por meio de aparelhos) para que as causas dos fenômenos sejam aceitas.

Esse tipo de postura é chamada realista, mas trata-se de um tipo específico de realismo que agora nada tem a ver com o realismo ingênuo das meras percepções. Assim, por exemplo, tenho toda razão em rejeitar que aquela imagem seja mesmo a da entidade invisível (o vírus da Hepatite A na Figura 1) se a teoria que explica como ela é gerada estiver errada. Isso pode acontecer se o instrumento de medida estiver com defeito, por exemplo [5]. A maior parte das pessoas aceita a imagem, entretanto, por uma crença ingênua que dispensa entender os aspectos teóricos envolvidos.

Por causa de certo preconceito adquirido, nossa tendência é desejar que o "senso de realidade" das coisas invisíveis seja o mais parecido possível com aquilo que percebemos através das percepções. Essas estão originalmente associadas à maneira primitiva como nós aprendemos sobre o mundo a nossa volta. Trazemos uma representação desse mundo na mente que foi inteiramente adquirida por meio das percepções. Essa representação é reforçada por estímulos externos que frequentemente nos alcançam (pelos mesmos sentidos), de forma que tomamos como real apenas aquilo que nos chegam exatamente por eles.

A dependência de nossa crença pelas teorias

A conclusão que tiramos sobre a dependência crucial que a crença em coisas invisíveis tem da teoria que as postula aumenta consideravelmente a importância das teorias como mecanismos de apreensão da realidade a nossa volta.

De fato, uma teoria tem como características [2c]:
  • Uma explicação logicamente suficiente sobre fatos ou objetos observados,
  • O máximo que se pode exigir de uma teoria é que ela seja compatível com os dados existentes,
  • Não necessariamente, uma teoria é uma explicação "cogente" [4] do objeto que explica.
Em outras palavras, quando aceitamos uma teoria como base para a crença na existência de coisas invisíveis (os não observáveis) estamos de fato dando um "salto no escuro" porque não temos meios adicionais (exceto pelos próprios dados disponíveis que são limitados) de "comprovar" que aquela teoria é, de fato, verdadeira.

Fig. 2 Síntese dos conceitos descritos aqui: a observação como resultado das percepções guiadas com argumentos de natureza teórica que leva ao conhecimento.
Entretanto, nem tudo o que uma determinada teoria admite como existindo para explicar um ou mais fenômenos na Natureza necessariamente tem sua existência na realidade. Assim a entidade I postulada pode ser apenas um "instrumento teórico" necessário para a explicação e nada mais. A questão do realismo é presentemente um debate com aspectos profundos porque levanta dúvidas por parte dos que são céticos dessa postura realista. Entretanto, permanece com grande força o argumento: se as entidades teóricas postuladas não existem de alguma forma, como é possível que teorias científicas tenham tamanho sucesso preditivo?

No próximo post: realismo e ceticismo.

Referências e Comentários

[1]  Como a parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland).

[2] Uma ponto de vista sobre as coisas conhecido como "realismo do senso comum": somente o que pode ser observado é "real".

[2b] Há diversas evidências sobre a ação dos Espíritos em equipamentos eletrônicos. O fenômeno das "Vozes Eletrônica" é um desses casos que merecem melhor investigação. Entretanto, salvo contrário, não se pode deixar de qualificá-los como um tipo de mediunidade de efeitos físicos que ainda prescinde da presença humana para sua manifestação.

[2c] Agazzi, E., & Pauri, M. (Eds.). (2000). The reality of the unobservable: Observability, unobservability and their impact on the issue of scientific realism (Vol. 215). Introduction by E. Agazzi e M. Pauri. Springer Science & Business Media.

[3] Eis uma importante face da revolução do renascimento: a invenção da ciência moderna que viria a fundamentar a crença na observação (como definido acima) e na teoria.

[4] Diz-se de um argumento expresso de forma clara e que é capaz de persuadir as pessoas. Suas premissas são verdadeiras, mas a conclusão é apenas provavelmente verdadeira.

[5] Nesse caso, a imagem produzida terá sido alterada de forma mais ou menos substancial por outros fatores que não fazem parte da "explicação normal" da teoria do microscópio. É óbvio que uma teoria verdadeiramente abrangente do microscópio conseguirá prever inclusive o efeito de fatores que gerem os defeitos.


19 de abril de 2019

A relação entre o Espiritismo e a Astronomia

Olhando através da esfera cósmica. Ilustração de
"L'atmosphere: meteorologie populaire", por C. Flammarion (1888).
A astronomia compele a alma a olhar para cima 
e nos leva deste mundo a outro.
Platão.
A Astronomia é considerada uma ciência muito antiga. O Espiritismo, embora assim conhecido apenas a partir de meados do Século 19, trata de questões muito antigas  também, que estão na origem de todas as religiões. Embora longe do reconhecimento 'acadêmico', inútil para os objetivos do Espiritismo na época presente, ele também demonstrou seu aspecto científico. Como dois saberes antigos e científicos, é natural que Espiritismo e Astronomia guardem alguma relação.

De fato, esse relacionamento se manifestou desde o início com a publicação de um capítulo inteiro em 'A Gênese' de A. Kardec dedicado a uma nova cosmografia. Esse capítulo contém uma dissertação sobre o Universo assinado por 'Galileu' em uma mensagem psicografada por Camille Flammarion (1842-1925). No Brasil, destacamos o interesse que o espírita e educador Eurípedes Barsanulfo (1880-1918) teve quando fundou o Colégio Allan Kardec em Sacramento/MG, a partir de um curso de Astronomia. E são inúmeras as referências às 'formações assombrosas' do Universo em muitas mensagens espíritas.

Conceitualmente, uma via de interligação entre Espiritismo e Astronomia é o impacto que ambos os conhecimentos têm sobre nossa compreensão do Universo e do significado da vida humana nele. A Astronomia não tem interesse em considerções de natureza filosófica sobre essa posição humana no Universo. Tais conclusões surgem, porém, naturamente a partir do conhecimento revelado por ela:
  • O que chamamos de 'Universo' é algo extraordinariamente grande. Nossa capacidade de entendimento das reais dimensões do Cosmo é coisa muito limitada. Sua dimensão verdadeira (a julgar pelo tamanho das incontáveis formações astronômica contindas nele) é inconcebível para a mente humana.  Da mesma forma, as escalas de tempo envolvidas nos fenômenos astronômicos de grande escala é longa demais para qualquer existência humana.
  • O que podemos ver no Universo é apenas uma fração ínfima de sua real presença. Como nossos sentidos são limitados, percebemos muito pouco da enorme gama de 'radiações' ou 'ondas' que são nele produzidos. 
  • Para a existência humana (no sentido de sua presença física na Terra), nosso planeta é um lugar muito especial. As condições climáticas ou ambientais típicas do Universo jamais propiciariam uma vida confortável a qualquer ser vivente. O Universo é, para o corpo humano, um lugar completamente inóspito.
  • O Universo está estruturado em 'camadas' ou 'dimensões' em escalas que exibem uma complexidade assombrosa. Vemos coisas complexas no incrivelmente grande, assim como no muito pequeno.  
Em suma, a Astronomia confirmou que nossos sentidos não são apropriados para ver e ouvir o Cosmos. Ela mostrou ainda que a Terra é, até agora, o único planeta a abrigar o que chamamos 'vida' do ponto de vista material. Também demonstrou que a enorme amplitude de escala do Universo implica em inúmeros 'estrata' de fenômenos diferentes, cada uma deles a existir como um cosmo próprio.

Camille Flammarion (1842-1925).
Assim, foram homem e a Humanidade circunscritos a uma dessas 'camadas' existênciais de um Universo incrivelmente grande. E, modernamente, há suspeitas de que o que chamamos 'dimensões' do espaço e do tempo sejam apenas variedades geométricas adaptadas a nossa competência limitada de medição no Universo.

Com tais conclusões, uma bifurcação de entendimento se apresenta:
  1. Somos as únicas criaturas conscientes em um Universo enorme, mas completamente vazio, somos menos que espumas a existir por brevíssimos momentos na vida do Cosmo, 
  2. OU não estamos sozinhos, mas diante de um Universo que revelará fatos ainda mais surpreendentes sobre aquilo que nele pode existir e ter consciência. 
A primeira possibilidade tem sido explorada em ínumeros documentários e livros de divulgação científica. O materialismo e ateismo vigentes têm como certo um Universo vazio, onde a vida humana vale apenas dentro do círculo estreito de seus interesses transitórios. As consequências dessa visão limitada são a um Cosmos frio, amoral e incriado. Nele não há nenhuma papel para Deus que, portanto, não existe.

Entretanto, como nossos sentidos e compreensão se mostraram muito limitados, parece fazer mais sentido aceitar a segunda possibilidade. O vazio revelado é fruto de nossa incapacidade em perceber o todo, pois apenas vislumbramos o Universo por meio de estreitíssima janela. Seria necessário que a sensibilidade humana transcendece muito os sentidos ordinários para que a nós fosse possível visualizar um pouco melhor o Cosmos. Não devemos, portanto, nos apressar nas conclusões niilistas.

É nesse ponto que intervêm as revelações do Espiritismo:
  • A sensibiliade humana é limitada, mas, por meio da mediunidade, é possível acessar uma grande variedade de fenômenos que também expandiram nosso conhecimento sobre o Universo;
  • Os sentidos humanos dilatados pela mediunidade revelaram que não somos as únicas 'consciências' que existem: em torno de nós pululam um grande contingente de novas formas de vida que existem aparentemente em um extrato 'não material' do Universo. Essas consciências interagem com os humanos e influenciam sua vida privada. Quando querem, porém, podem se manifestar publicamente. 
  • Mas, matéria ou 'não-matéria' são termos intercambiáveis: o que chamamos 'matéria' é apenas um tipo de manifestação de fenômeno adaptado a nossa presente condição ou capacidade sensorial. Em particular, a Humanidade continua a existir de outras formas (outros extratos). O homem sobreviverá à morte, entendida agora como rompimento dos laços que prendem a sua real natureza (o Espírito) àquela camada do Universo onde ele transitoriamente vive;
  • A vida humana se estende de forma inconcebível, tanto para trás no tempo, como para frente. O Espírito existirá por tempo indefinido. Sua existência real se dá, portanto, em uma dessas camadas do Universo que tangenciam a existência material inúmeras vezes (reencarnações), mas por breves momentos na escala universal de tempo.
Os estudos da Astronomia e da Física mostram a convergência entre o macro e o micro: as superestruturas da escala astronômica se sustentam como imensas formações que têm por  base forças minúsculas e influências recíprocas indetectáveis aos sentidos humanos. Da mesma forma interagem matéria e espírito para formarem a porção do que é visível a esse último, numa realidade que se mostra muito limitada para os sentidos humanos, por enquanto.

Isso foi justamente o que C. Flammarion representou na ilustração do início deste post. Um indivíduo que sai  de sua vida ordinária, mesquinha, limitada e pequena. Segue além da fronteira do Universo, não como uma divisa física, mas de dimensão, a do limite imposto por uma única faixa de vida até então tomada como única existente. O que ele vê então? Mundos e vidas incontáveis, uma variedade de formas e coisas tão grande quanto o próprio tamanho e idade do Universo. Nessa nova perspectiva muito dilatada, tudo lhe parece fazer sentido. As maiores dores e calamidades humanas nada são, porque a vida humana verdadeira é infinita em continuidade e significado. A vida na Terra é um momento fugaz, os dramas humanos  pequenos demais diante da verdadeira destinação reservada a ele. E o Universo se revela então com uma manifestação Divina, organizada de forma inteligente e absolutamente perfeita.

A imagem do Universo complementado pelo Espiritismo é assim a de um Cosmos repleto de vida em múltiplas camadas a se interpenetrarem. O homem nele é Espírito incarnado brevemente, que deixa seu casulo corpóreo muitíssimas vezes para ascender numa escala de bondade e conhecimento.  A noção de justiça verdadeira não se aplica apenas à vida transitória que leva por tão breve tempo. Por isso a ideia de eternidade trazida pelo Espiritismo permite vislumbrar nosso verdadeiro papel no Universo, que não é mais limitado no tempo e no espaço. O mais próximo da sensação de deslumbramento que podemos sentir ao perceber essa realidade futura é quando olhamos para o alto. Para isso, basta uma noite límpida, sem núvens...