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2 de agosto de 2016

Uma interpretação espírita para o inconsciente

Um novo mundo emerge com as faculdades pouco usuais demonstrada por alguns humanos. Essas faculdades são previstas pela Doutrina Espírita como manifestações da liberdade do Espírito. Porém, alguns pesquisadores que estudaram o fenômeno depois de Kardec, criaram nomes diferentes para a fenomenologia psíquica, principalmente aquela relacionada às “manifestações anímicas”. De fato, surgiu uma mistura de termos que envolvem conceitos como “subconsciente”, “inconsciente” e “mente”. Por exemplo, tornou-se popular entre os adeptos entusiastas da parapsicologia o termo “poderes do subconsciente” ou “poderes da mente”.

O que seria isso? O prefixo “sub” evoca vagamente o que estaria “abaixo” do consciente, como se este último fosse uma coisa distribuída no espaço, talvez em camadas. Porém, o impacto do significado desses nomes na cabeça de quem os recebe depende da imagem, ideia ou conceito que ele faz desses termos, pouco claros em princípio. Para os espíritas, os “poderes da mente” ou do “subconsciente” nada mais são do que termos que fazem referência a fenômenos anômalos, todos eles com causa real no Espírito (e, portanto, não no corpo) e que foram tratados por Kardec genericamente como “emancipações da alma” (ver Capítulo 8 de “O Livro dos Espíritos”, LE, 1).

Por que insistimos nisso? Porque, em toda e qualquer disciplina que pretenda ser científica é preciso definir de forma não ambígua ou clara o significado de seus termos. No nosso entendimento, uma vez aceita a existência do Espírito como origem da consciência, fica fácil interpretar o significado de alguns desses termos:
  • espírito (LE Q #23): é o princípio inteligente, origem da inteligência. Em princípio, esse termo sintetiza o máximo que podemos saber sobre a origem do Espírito;
  • Espírito (LE Q#78 e sua nota): designação dada ao espírito dotado de consciência de si, liberto de ligações com a matéria;
  • alma (LE Q#134): um Espírito encarnado. Nesse caso, a alma deve ser usada para designar a parte do ser humano responsável por sua consciência;
  • consciência: fluxo de pensamentos, percepções e cognições do Espírito. No estado encarnado, a consciência possui faculdades mais limitadas do que a do estado desencarnado. Liberto da matéria, a alma tem também sua consciência, muito mais ampliada porque pode acessar o seu passado;
  • mente: seria um termo mais genérico que substituiria em significado a alma. Assim, em certo sentido “mente” e “alma” seriam sinônimos, pois dizem respeito à manifestação do Espírito encarnado. Apenas por uma extensão de significado, talvez fosse possível falar em “mente do Espírito”, quando, para nós, o termo "mente" deve se referir ao seu espírito;
  • cérebro (e sistema nervoso): contraparte material que está ligada ao espírito por meio de uma interface semi-material, o períspirito, e que exerce grande influência sobre as manifestações da alma. O cérebro tem papel de filtro da consciência integral do Espírito, servindo como meio de transmissão dessa consciência para o mundo material e levando ao Espírito informação através dos diversos sentidos ordinários. As manifestações de consciência de um encarnado seriam apenas uma pequena parcela de sua consciência espiritual.
Consciente, subconsciente e inconsciente

Como poderíamos entender do ponto de vista espírita, termos como “inconsciente” ou “subconsciente”? Para isso, é necessário consultar primeiro o significado moderno desses termos (2), o que nos leva a avaliar melhor a distância semântica entre eles e os conceitos espíritas e a constatar, de forma natural, que há uma diferença de objetivos no uso desses termos. De fato, mais recentemente, na psicologia usa-se:
  • consciente: é o estado de vigília, em que estamos acordados e temos “consciência” daquilo que nos rodeia. Veja que aqui o termo “consciência” não significa a mesma coisa expressa anteriormente. Em inglês usa-se “awareness” para designar esse estado, uma palavra que não tem tradução em português. “Consciente” refere-se a um “estado da mente”, portanto, “consciência” é simplesmente uma propriedade do estado consciente. Quando olho para um objeto em cima de uma mesa, a percepção de sua forma, a constatação de sua cor, a avaliação mental que faço de seu peso (que nada tem a ver com seu peso “real”) etc, indicam que estou “consciente“ dele. A percepção daquele objeto penetrou na minha mente e, nesse instante, faço ideia do que ele seja;
  • subconsciente: designa a percepção de um estado mental quando não tenho minha atenção “focada” em determinada coisa, objeto ou situação. Ao ter consciência do objeto em cima da mesa, não tenho simultaneamente lembrança alguma do que fiz no café da manhã do dia anterior, mas posso “me lembrar” caso faça um esforço nesse sentido. Assim, a extensão da “informação subconsciente” é muito maior do que aquela meramente consciente. Também por subconsciente designa-se o estado mental que me faz caminhar da minha casa ao trabalho, todos os dias, a prestar mínima atenção ao que se passa ao redor de mim. Essa “automatização” de atos, pelos quais faço algo “pensando em outra coisa”, tem sua causa na ação do subconsciente. O terreno ou “campo” da mente seria assim o “subconsciente”, sendo que sua “consciência” seria semelhante ao foco de uma lanterna dirigida para certo canto desse terreno;
  • inconsciente: do ponto de vista da psicologia, esse termo refere-se a algo ainda controverso. Designaria um repositório de desejos, lembranças, sentidos instintivos que não podem ser acessados facilmente, ou seja, que não podem ser transformados em “objetos mentais conscientes”. Um acontecimento traumático ocorrido em tenra infância, segundo a moderna psicologia, pode permanecer para sempre inacessível no inconsciente. Clama-se que esse acontecimento poderia afetar o desenrolar da vida consciente do indivíduo por meio de tendências psicológicas negativas inexplicáveis, por exemplo. 
Há espaço para uma “interpretação” espírita desses termos? Acreditamos que sim. Talvez a noção de “inconsciente” tenha sido avançada indiretamente no Espiritismo como consequência natural da comparação entre o estado de encarnado e o de Espírito liberto. O comparativo "como Espírito” é frequentemente encontrado em várias passagens de "O Livro dos Espíritos" (grifos meus abaixo):
Em cada uma de suas existências corporais o Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência. Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira, porém deles se recorda como Espírito. (2a Parte, "Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos", Cap. 8, parágrafo 455.)
Q# 858. Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos do que os outros?

“Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a calmamente.”
Q# 221. Dever-se-ão atribuir a uma lembrança retrospectiva o sentimento instintivo que o homem, mesmo quando selvagem, possui da existência de Deus e o pressentimento da vida futura?
"É uma lembrança que ele conserva do que sabia como Espírito antes de encarnar. Mas o orgulho amiúde abafa esse sentimento."
Nessas respostas fica claro que o resultado das ações conscientes do Espírito pode depender de seu estado, se encarnado ou parcialmente desdobrado, quando ele acessa parte de suas memórias, desejos e aspirações como Espírito imortal. Portanto, o “inconsciente” existe e designa o conjunto de lembranças, memórias e comportamentos do Espírito integral, produto do processo evolutivo em múltiplas existências. Não só traumas da existência atual, mas outros, muito mais marcantes poderiam ter impacto na vida presente de um encarnado. Isso parece ser validado por pesquisas recentes sobre memórias de vidas anteriores.
Fig 1. Uma interpretação espírita para os conceitos de 'inconsciente' e 'subconsciente'. O Espírito encarnado é como um mergulhador (em seu "escafandro de carne"), no grande oceano do inconsciente, que é a memória integral e multissecular do Espírito. Nesse oceano, um pequeno mar representa seu subconsciente, que dispõe de toda informação de sua atual existência, mas não diretamente acessível. Viver significar acender uma lanterna que ilumina parte desse mar e cujo foco é a atividade consciente, nosso "awareness" ou consciência.
Muitas representações em blocos da divisão entre inconsciente, subconsciente e consciente estão erradas ao separar esses conceitos em camadas, como se fossem ambientes contíguos. Na verdade, a consciência do Espírito é o grande oceano "inconsciente" do encarnado. Nesse oceanos encontram-se todas as lembranças, memórias e experiências já vividas de sua vida espiritual. Em algum canto dele, condicionado por seu estado encarnado, um minúsculo mar existe, de experiências acumuladas durante a vida presente a formar sua subconsciência. Nadando com certa dificuldade nesse mar, vai a mente encarnada, dispondo de uma lanterna a iluminar uma parcela ainda menor desse mar, que confere a ela - enquanto encarnado - sua vivência consciente, seu sentido de awareness, em  suma, uma consciência bastante limitada de sua existência no mundo (Fig. 1).

Por isso existe espaço para se dizer que, em certa medida, a mente encarnada não dispõe de livre arbítrio integral: ela está condicionada ao determinismo de sua vida maior, aos interesses multisseculares de seu Espírito imortal. Esse, por sua vez, é quem realmente toma as escolhas livres, conforme subordina seus desejos e interesses de evolução, ponderando suas próximas ações em consonância com seus grandes dramas existenciais. 

Outras observações

Não existem quaisquer divergências entre as concepções espíritas sobre consciência, mente ou estados mentais e as da moderna psicologia. O que se constata são significados diferentes, frutos de uma diferença de concepção do ser humano. A psicologia se interessa pelas manifestações da consciência encarnada, enquanto que o Espiritismo avança nas relações entre os Espíritos e o mundo material. Pela identificação de causas ocultas – o Espírito e suas múltiplas existências anteriores – é possível expandir nossa compreensão sobre eventuais ocorrências pregressas que têm impacto na vida encarnada. Estamos assim diante de possibilidades de avanços significativos para a psicologia.

É importante considerar que, de acordo com a literatura espírita, a condição de “awareness” do Espírito se assemelha à de seu estado encarnado (LE, Q# 238). Assim, a descrição via “consciente”, “subconsciente” e “inconsciente” talvez possa ser estendida para os desencarnados dentro de certa aproximação. Como desencarnado, o Espírito não mais se encontra sob influência da matéria e portanto, pode acessar conteúdo anterior ao de sua última existência. Para Espíritos a partir de certo estágio de desenvolvimento, a ideia de inconsciente desapareça totalmente (LE,Q # 242, #305 ) e suas lembranças tornam-se acessível integralmente, restando apenas o consciente e o subconsciente (ver Questão #306a, 307 de “O Livro dos Espíritos”).

Como Espíritos, nossas percepções são mais dilatadas (LE, Q# 237), portanto podemos também concluir que as manifestações de “awareness” do Espírito tenha uma dinâmica bastante diferente daquela de seu estado encarnado. Vislumbres desse novo consciente podem ser observados nos diversos fenômenos psíquicos considerados “anímicos”, como a “psicometria” (acesso a memórias associadas a objetos), “telestesia” (consciência de fatos distantes), “telepatia” (acesso a imagens e memórias de outros Espíritos), dentro outros, que exigem, para sua manifestação, que as percepções de vigília estejam alteradas ou, de outra forma, que a influência do organismo seja reduzida (LE, Q# 370). Compreende-se que assim deva ser, porque a matéria (lê-se cérebro) tem grande influência sobre as manifestações da alma. Como são eles produtos de uma mesma causa, estamos diante da explicação unificada para esses fenômenos.

Notas e referências.

(1) A. Kardec. "O Livro dos Espíritos" (LE). Uma versão online pode ser encontrada em www.ipeak.com.br

(2) R. J. Corsini & D. Wedding (2011). Current psychotherapies (9th ed.). Belmont, CA: Brooks/Cole

6 de maio de 2015

Livro de Eugene Osty sobre as "Faculdades supranormais"

Eugene Osty (1874-1938)
A internet é mesmo uma invenção miraculosa. Encontramos em um arquivo da rede uma obra muito interessante de Eugene Osty (1874-1938, 1),  um dos pesquisadores mais engajados na metapsíquica. Seu título é Supernormal Faculties in Man, an experimental study (2), ou "Um estudo experimental sobre as faculdades supranormais no homem" em tradução livre. Essa obra é uma tradução de 1923 do francês por S. de Brath e é uma opção aos que não conhecem essa língua. Nessa obra, por exemplo, é possível ler o neologismo "paranormal" como se referindo a processos desconhecidos de acesso a informação. 

Do ponto de vista teórico, a discussão apresentada por Osty é enfadonha e pouco contribui para explicar qualquer coisa. Na época (3), existia uma controvérsia entre explicações de origem espírita e teosófica para o que metapsiquistas chamavam "faculdades metagnômicas" (ver abaixo). Essa controvérsia não deu em nada, como a maioria das controvérsias sobre esses assuntos, em que pese a importância que anti-espíritas e céticos tentam imputar às querelas para desqualificar os espíritas (ou teosofistas). O que interessa mesmo são os relatos ou testemunhos das chamadas "faculdades supranormais" encontrados na obra que, na linguagem de Kardec correspondem à fenomenologia da dupla vista ou visão psíquica (4). 

É conveniente fazer uma explicação inicial de caráter mais teórico por meio de um paralelo. Na vida ordinária, a imensa maioria das pessoas faz uso de cinco sentidos. Esses sentidos entram em ação, por exemplo, quando as pessoas se comunicam. Ouvidos e a faculdade da fala são mobilizados para a comunicação oral. Mãos e braços para a escrita. Ao se transpor esse paralelo para as novas faculdades do Espírito emancipado, obviamente, não é apenas a fala (psicofonia), a capacidade de escrever (psicografia) ou ou a audição (psicofonia) que resultam. Gostos, sensações, impressões e todas as outras capacidades encontradas em encarnados são bastante  aumentadas e estendidas na nova condição em que o ser desligado do corpo se encontra. Portanto, não é de estranhar a existência da dupla vista ou "faculdade supranormal". Essas podem prescindir (5) ou não da influência dos Espíritos para se manifestarem. Não se usa a palavra "mediunidade" nesses casos, porque não se trata aparentemente de uma comunicação explícita. 

A existência das "faculdades supranormais" está ligada à capacidade de emancipação da alma segundo Kardec. Essa capacidade é descrita por meio de seus efeitos já que não temos acesso direto à origem das faculdades integrais do Espírito (6). Portanto, a teoria que Kardec desenvolve (para a presciência, dupla vista, visão espiritual ou psíquica) é totalmente fenomenológica. Assim, não é surpreendente a variedade desses fenômenos, conforme descritos na obra de Osty, e que se adicionam a outros relatados na Revue Spirite de Kardec (ver, por exemplo, edição de Outubro de 1864).

Na parte I do livro encontramos alguns capítulos interessantes que, se por um lado mostram uma tentativa de encaixar os fenômenos em termos metapsíquicos, por outro lado mostram a criatividade na sistematização dos efeitos por parte de seu autor:
Cognição normal e supranormal (Cap. II);
Aspectos diversos da cognição supranormal (Cap. III)
1. Auto-cognição supranormal,
      Autosscopia;
Diagnóstico pre-cognitivo de si;
       2. Cognição supranormal do externo:
        Ambiente imediato;
         Ambiente distante no espaço;
        Ambiente distante no tempo;
Cognição supranormal dirigida a uma personalidade humana (Cap. IV)
Os indivíduos capazes de "cognição supranormal" são chamados "personalidades metagnômicas" (de metagnomen, do grego "meta" -  "além" e "gnome" derivado de  γιγνώσκειν - "gignoskein" - ou "conhecer", "saber", 7 ) e todos os fenômenos são associados diretamente a uma extensão das faculdades chamada "metagnomia". Alias sobre a questão dos nomes, Osty deixa claro sua opinião de "metapsiquista" na página 47 (3o parágrafo):
Não podemos deixar o leitor entender errado. E, para evitar me expor ainda mais no futuro com relação a objeções passadas, que surgem simplesmente pelo desejo de precisão  aplicada geralmente aos termos da literatura psíquica, deixarei de lado de propósito toda essa terminologia confusa que usa nomes prejudiciais aos métodos de produção dos fenômenos, com base nas diversas manifestações da cognição supranormal, ou permitir que qualquer um os interprete como bem queira. "Dupla vista", "segunda vista", "visão a distância", "audição a distância", "telepatia", "clarividência", "lucidez" e coisas parecidas são todas palavras que podem significar muita ou pouca coisa; elas devem desaparecer do uso. 
Sua previsão não aconteceu e ele acabou se expondo, pelo menos aqui em 2015. Havia entre os metapsiquistas a crença de que o uso incorreto de termos seria prejudicial à imparcialidade com que o fenômeno deveria ser tratado. Mas, o problema não está no nome, mas no fenômeno em si. Portanto, quando alguém diz observar fatos à distância de forma anômala, não consigo entender o que a caracterização de "metagnomia" pode ajudar em relação à "visão a distância". De qualquer forma, a divisão apresentada por Osty (que ele chama de "cognição" no espaço e no tempo, cognição em relação a alguém vivo versus alguém morto etc) parece ser útil e permite alguma direção dentro dessa floresta fenomenológica. Penso assim que podemos nos beneficiar dessa classificação, expurgando a verborragia metapsíquica, naquilo que ela, por sua vez, em nada ajuda a entender o fenômeno.

Na psicometria, a simples posse de um objeto
pode revelar ao sensitivo informações sobre seu
dono.

Um exemplo de caso

Vamos aqui apresentar um caso desse livro de forma resumida de forma a servir ao espaço deste blog. É assim que, na p. 55 (capítulo I), vamos encontrar essa interessante passagem de uma experiência feita por Osty com uma "personalidade metagnômica":
No dia 29 de Julho de 1920, pedi a Sra. Jeanne M., que sofre de uma doença obscura cujo diagnóstico parece impossível…, que escrevesse algumas linhas em um pedaço de papel. Ela copiou quatro linhas de um jornal em uma folha de um caderno escolar e assinou seu primeiro nome – Jeanne. Algumas horas depois, no final de uma sessão dirigida a outras pesquisas, coloquei esse papel nas mãos da Senhorita de Berly, uma personalidade metagnômica em estado de vigília, dizendo-lhe apenas: “Mergulhe no estado de saúde desta pessoa”. A escrita estava bem feita e não apresentava informações grafoscópicas que permitissem reconhecer a doença ou estado  de depressão.  A Senhorita de Berly sequer sabia da existência da paciente. Assim que seus olhos caíram nos escritos…., foi tomada por movimentos levemente convulsivos e, sem nenhum gesto de minha parte, disse as seguintes palavras: 
"Quão fraca é esta pessoa…tudo nela é fraco…que fraqueza. Ela deve sentir febres de tempos em tempos porque tenho sede. Ela adormece de repente, mas isso não dura muito… ela é fraca, muito fraca….que cérebro curioso, pesado e entorpecido…creio que esteja esgotada não importa sua idade…seu sistema nervoso está exausto…é o sangue que enfraquece todos os órgãos… há uma doença no sangue…"
De acordo com Osty, Mlle. de Berly não tinha qualquer indicação sobre a existência da paciente e, mesmo assim, ao apenas olhar para as linhas escritas no papel, pôde traçar um diagnóstico da doença de sua autora. Ainda de acordo com Osty - e que era crença da maioria dos metapsiquistas - descrições desse tipo feitas apenas pelo contato do "sensitivo" com algum objeto a ser "lido" não mudavam se seu emissor (a personalidade responsável pelo objeto ou fonte de dados) estivesse morta. Por exemplo, na p. 199, Osty afirma:
Experimentos acumulados mostram que o sensitivo lida com a personalidade morta da mesma maneira que a viva. A ação seletiva da faculdade acontece da mesma maneira. A informação que recebem e expressam são do mesmo tipo e referem-se aos mesmos assuntos.
Como a "leitura" se dava por meio de sensações que pareciam atravessar distâncias enormes ou avançar para frente ou para trás no tempo, acreditavam que se tratasse de algum tipo especial de sensibilidade que não dependesse de outros fatores, exceto do sensitivo e do objeto.

Esse tipo de fenômeno mal explicado serviu para que muitos metapsiquistas duvidassem da presença de Espíritos em sessões mediúnicas ou da própria capacidade mediúnica de muitos médiuns. Acreditavam que informação sobre o morto poderia ser obtida sem sua presença. Entretanto, essa observação era limitada segundo Osty porque, no caso da personalidade viva, seria possível seguir remotamente por meio do sensitivo, todas as mudanças de personalidade ou humor experimentadas pela consciência observada, enquanto que isso seria impossível de se fazer com o morto (8). Ainda assim, com relação ao seu próprio estado (tipo de doença, ou estado futuro), o sujeito metagnômico era incapaz de conhecer qualquer coisa (ver p. 186). Ou seja, sua sensibilidade só se aplicava aos outros. Sem resolver de forma satisfatória o problema da fonte ou origem do conhecimento "metagnômico", Osty se pergunta (p. 204)
Existiria além da personalidade humana aparente um personalidade real, um individualidade transcendente revestida de matéria e participando da vida no mundo, cuja persistência seria uma memória contendo uma estória humana, de onde o sujeito metagnômico tiraria informação após a morte assim como o faz com a mesma personalidade antes da morte? 
Ou seria a fonte do conhecimento supranormal tão inalcançável para a nossa inteligência que nossos conceitos seria estranhos a ela?
Em nenhuma parte dessa obra Osty considera a intervenção dos Espíritos como mediadores da informação metagnômica, mas acreditava firmemente que apenas experiências poderiam resolver a questão.

Conclusões

Que o Espiritismo seria  simplesmente uma explicação para o processo de comunicação mediúnico em alguns casos parecia ser conhecimento compartilhado por muitos metapsiquistas, incluindo Osty. Eles se deixaram levar pelo aparente maravilhoso observado em muitos fenômenos do tipo "dupla vista", como classificados por Kardec, e que teriam na verdade os próprios Espíritos como "entidades mediadoras".  Com relação a pressentimentos (conhecimento de fenômenos futuros discutidos amplamente por Osty), o parágrafo 184 de "O Livro dos Médiuns" esclarece:
184. O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as conseqüências das coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. Mas, muitas vezes, também é resultado de comunicações ocultas e, sobretudo neste caso, é que se pode dar aos que dela são dotados o nome de médiuns de pressentimentos, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados
No parágrafo 5 do Capítulo XVI em "A Gênese", também encontramos este trecho interessante:
Aquele a quem é dado o encargo de revelar uma coisa oculta pode a receber, à sua revelia, por inspiração dos Espíritos que a conhecem, e então transmiti-la maquinalmente, sem se dar conta. É sabido, ao demais, que, assim durante o sono, como em estado de vigília, nos êxtases da dupla vista, a alma se desprende e adquire, em grau mais ou menos alto, as faculdades do Espírito livre. Se for um Espírito adiantado, se, sobretudo, houver recebido, como os profetas, uma missão especial para esse efeito, gozará, nos momentos de emancipação da alma, da faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou menos extenso, e verá, como presente, os sucessos desse período. Pode então revelá-los no mesmo instante, ou conservar lembrança deles ao despertar. Se os sucessos hajam de permanecer secretos, ele os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga intuição do que lhe foi revelado, bastante para o guiar instintivamente.
Portanto, grande parte da fenomenologia metagnômica seria explicada como um tipo de "comunicação oculta", onde a informação não se dá por meio de uma linguagem reconhecível, mas por "simbologia sensorial" que só faz sentido para a substância mental (espírito). A importância de se reconhecer o papel dos Espíritos nesse tipo de fenômeno vai muito além da mera experimentação: por meio dessa explicação seria possível criar novos experimentos e avançar nesse assunto tão fascinante.

Notas e referências

(1) Eugene Osty, o grande pesquisador francês de fenômenos espíritas.

(2) E. Osty (1923) Supernatural Faculties in Man, an experimental Study. Methisen & Son. London. Disponível em:
(3) Ecos daquela época ainda podem ser encontrados na rede presentemente: Ver "Les expériences d’Eugène Osty menées sur le sujet Rudi Schneider" em http://www.metapsychique.org/Les-experiences-d-Eugene-Osty.html (acesso em Abril de 2015)

(4) Fontes sobre o assunto na codificação podem ser encontradas em "A Gênese", Capítulo XVI ou "O Livro dos Espíritos" no Capítulo VIII. 

(5) Ou seja, pode ser que Espíritos estejam envolvidos como mediadores ou catalisadores dos fenômenos.

(6) Sequer sabemos como o cérebro coordena, processa e integra as informações. Do ponto de vista materialista, a consciência (e as percepções, mesmo que ordinárias) ainda é um mistério.

(7) Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Gnome_(rhetoric)

(8) Isso seria possível ao se acessar a personalidade desencarnada por meio de outro médium. Entretanto, um arranjo desse tipo (uma mesma entidade manifestando-se por vários médiuns) não é discutido em nenhum lugar na obra, talvez pelo fato de Osty tratar os dois fenômenos de forma separada.