Eugene Osty (1874-1938) |
Do ponto de vista teórico, a discussão apresentada por Osty é enfadonha e pouco contribui para explicar qualquer coisa. Na época (3), existia uma controvérsia entre explicações de origem espírita e teosófica para o que metapsiquistas chamavam "faculdades metagnômicas" (ver abaixo). Essa controvérsia não deu em nada, como a maioria das controvérsias sobre esses assuntos, em que pese a importância que anti-espíritas e céticos tentam imputar às querelas para desqualificar os espíritas (ou teosofistas). O que interessa mesmo são os relatos ou testemunhos das chamadas "faculdades supranormais" encontrados na obra que, na linguagem de Kardec correspondem à fenomenologia da dupla vista ou visão psíquica (4).
É conveniente fazer uma explicação inicial de caráter mais teórico por meio de um paralelo. Na vida ordinária, a imensa maioria das pessoas faz uso de cinco sentidos. Esses sentidos entram em ação, por exemplo, quando as pessoas se comunicam. Ouvidos e a faculdade da fala são mobilizados para a comunicação oral. Mãos e braços para a escrita. Ao se transpor esse paralelo para as novas faculdades do Espírito emancipado, obviamente, não é apenas a fala (psicofonia), a capacidade de escrever (psicografia) ou ou a audição (psicofonia) que resultam. Gostos, sensações, impressões e todas as outras capacidades encontradas em encarnados são bastante aumentadas e estendidas na nova condição em que o ser desligado do corpo se encontra. Portanto, não é de estranhar a existência da dupla vista ou "faculdade supranormal". Essas podem prescindir (5) ou não da influência dos Espíritos para se manifestarem. Não se usa a palavra "mediunidade" nesses casos, porque não se trata aparentemente de uma comunicação explícita.
A existência das "faculdades supranormais" está ligada à capacidade de emancipação da alma segundo Kardec. Essa capacidade é descrita por meio de seus efeitos já que não temos acesso direto à origem das faculdades integrais do Espírito (6). Portanto, a teoria que Kardec desenvolve (para a presciência, dupla vista, visão espiritual ou psíquica) é totalmente fenomenológica. Assim, não é surpreendente a variedade desses fenômenos, conforme descritos na obra de Osty, e que se adicionam a outros relatados na Revue Spirite de Kardec (ver, por exemplo, edição de Outubro de 1864).
Na parte I do livro encontramos alguns capítulos interessantes que, se por um lado mostram uma tentativa de encaixar os fenômenos em termos metapsíquicos, por outro lado mostram a criatividade na sistematização dos efeitos por parte de seu autor:
Na parte I do livro encontramos alguns capítulos interessantes que, se por um lado mostram uma tentativa de encaixar os fenômenos em termos metapsíquicos, por outro lado mostram a criatividade na sistematização dos efeitos por parte de seu autor:
Cognição normal e supranormal (Cap. II);
Aspectos diversos da cognição supranormal (Cap. III)
1. Auto-cognição supranormal,
Autosscopia;
Diagnóstico pre-cognitivo de si;
2. Cognição supranormal do externo:
Ambiente imediato;
Ambiente distante no espaço;
Ambiente distante no tempo;
Cognição supranormal dirigida a uma personalidade humana (Cap. IV)
Os indivíduos capazes de "cognição supranormal" são chamados "personalidades metagnômicas" (de metagnomen, do grego "meta" - "além" e "gnome" derivado de γιγνώσκειν - "gignoskein" - ou "conhecer", "saber", 7 ) e todos os fenômenos são associados diretamente a uma extensão das faculdades chamada "metagnomia". Alias sobre a questão dos nomes, Osty deixa claro sua opinião de "metapsiquista" na página 47 (3o parágrafo):
Não podemos deixar o leitor entender errado. E, para evitar me expor ainda mais no futuro com relação a objeções passadas, que surgem simplesmente pelo desejo de precisão aplicada geralmente aos termos da literatura psíquica, deixarei de lado de propósito toda essa terminologia confusa que usa nomes prejudiciais aos métodos de produção dos fenômenos, com base nas diversas manifestações da cognição supranormal, ou permitir que qualquer um os interprete como bem queira. "Dupla vista", "segunda vista", "visão a distância", "audição a distância", "telepatia", "clarividência", "lucidez" e coisas parecidas são todas palavras que podem significar muita ou pouca coisa; elas devem desaparecer do uso.
Sua previsão não aconteceu e ele acabou se expondo, pelo menos aqui em 2015. Havia entre os metapsiquistas a crença de que o uso incorreto de termos seria prejudicial à imparcialidade com que o fenômeno deveria ser tratado. Mas, o problema não está no nome, mas no fenômeno em si. Portanto, quando alguém diz observar fatos à distância de forma anômala, não consigo entender o que a caracterização de "metagnomia" pode ajudar em relação à "visão a distância". De qualquer forma, a divisão apresentada por Osty (que ele chama de "cognição" no espaço e no tempo, cognição em relação a alguém vivo versus alguém morto etc) parece ser útil e permite alguma direção dentro dessa floresta fenomenológica. Penso assim que podemos nos beneficiar dessa classificação, expurgando a verborragia metapsíquica, naquilo que ela, por sua vez, em nada ajuda a entender o fenômeno.
Um exemplo de caso
Vamos aqui apresentar um caso desse livro de forma resumida de forma a servir ao espaço deste blog. É assim que, na p. 55 (capítulo I), vamos encontrar essa interessante passagem de uma experiência feita por Osty com uma "personalidade metagnômica":
Notas e referências
Na psicometria, a simples posse de um objeto
pode revelar ao sensitivo informações sobre seu
dono.
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Vamos aqui apresentar um caso desse livro de forma resumida de forma a servir ao espaço deste blog. É assim que, na p. 55 (capítulo I), vamos encontrar essa interessante passagem de uma experiência feita por Osty com uma "personalidade metagnômica":
No dia 29 de Julho de 1920, pedi a Sra. Jeanne M., que sofre de uma doença obscura cujo diagnóstico parece impossível…, que escrevesse algumas linhas em um pedaço de papel. Ela copiou quatro linhas de um jornal em uma folha de um caderno escolar e assinou seu primeiro nome – Jeanne. Algumas horas depois, no final de uma sessão dirigida a outras pesquisas, coloquei esse papel nas mãos da Senhorita de Berly, uma personalidade metagnômica em estado de vigília, dizendo-lhe apenas: “Mergulhe no estado de saúde desta pessoa”. A escrita estava bem feita e não apresentava informações grafoscópicas que permitissem reconhecer a doença ou estado de depressão. A Senhorita de Berly sequer sabia da existência da paciente. Assim que seus olhos caíram nos escritos…., foi tomada por movimentos levemente convulsivos e, sem nenhum gesto de minha parte, disse as seguintes palavras:
"Quão fraca é esta pessoa…tudo nela é fraco…que fraqueza. Ela deve sentir febres de tempos em tempos porque tenho sede. Ela adormece de repente, mas isso não dura muito… ela é fraca, muito fraca….que cérebro curioso, pesado e entorpecido…creio que esteja esgotada não importa sua idade…seu sistema nervoso está exausto…é o sangue que enfraquece todos os órgãos… há uma doença no sangue…"
De acordo com Osty, Mlle. de Berly não tinha qualquer indicação sobre
a existência da paciente e, mesmo assim, ao apenas olhar para as linhas
escritas no papel, pôde traçar um diagnóstico da doença de sua autora. Ainda de acordo com Osty - e que era crença da maioria dos metapsiquistas - descrições desse tipo feitas apenas pelo contato do "sensitivo" com algum objeto a ser "lido" não mudavam se seu emissor (a personalidade responsável pelo objeto ou fonte de dados) estivesse morta. Por exemplo, na p. 199, Osty afirma:
Experimentos acumulados mostram que o sensitivo lida com a personalidade morta da mesma maneira que a viva. A ação seletiva da faculdade acontece da mesma maneira. A informação que recebem e expressam são do mesmo tipo e referem-se aos mesmos assuntos.Como a "leitura" se dava por meio de sensações que pareciam atravessar distâncias enormes ou avançar para frente ou para trás no tempo, acreditavam que se tratasse de algum tipo especial de sensibilidade que não dependesse de outros fatores, exceto do sensitivo e do objeto.
Esse tipo de fenômeno mal explicado serviu para que muitos metapsiquistas duvidassem da presença de Espíritos em sessões mediúnicas ou da própria capacidade mediúnica de muitos médiuns. Acreditavam que informação sobre o morto poderia ser obtida sem sua presença. Entretanto, essa observação era limitada segundo Osty porque, no caso da personalidade viva, seria possível seguir remotamente por meio do sensitivo, todas as mudanças de personalidade ou humor experimentadas pela consciência observada, enquanto que isso seria impossível de se fazer com o morto (8). Ainda assim, com relação ao seu próprio estado (tipo de doença, ou estado futuro), o sujeito metagnômico era incapaz de conhecer qualquer coisa (ver p. 186). Ou seja, sua sensibilidade só se aplicava aos outros. Sem resolver de forma satisfatória o problema da fonte ou origem do conhecimento "metagnômico", Osty se pergunta (p. 204)
Existiria além da personalidade humana aparente um personalidade real, um individualidade transcendente revestida de matéria e participando da vida no mundo, cuja persistência seria uma memória contendo uma estória humana, de onde o sujeito metagnômico tiraria informação após a morte assim como o faz com a mesma personalidade antes da morte?
Ou seria a fonte do conhecimento supranormal tão inalcançável para a nossa inteligência que nossos conceitos seria estranhos a ela?
Em nenhuma parte dessa obra Osty considera a intervenção dos Espíritos como mediadores da informação metagnômica, mas acreditava firmemente que apenas experiências poderiam resolver a questão.
Conclusões
Que o Espiritismo seria simplesmente uma explicação para o processo de comunicação mediúnico em alguns casos parecia ser conhecimento compartilhado por muitos metapsiquistas, incluindo Osty. Eles se deixaram levar pelo aparente maravilhoso observado em muitos fenômenos do tipo "dupla vista", como classificados por Kardec, e que teriam na verdade os próprios Espíritos como "entidades mediadoras". Com relação a pressentimentos (conhecimento de fenômenos futuros discutidos amplamente por Osty), o parágrafo 184 de "O Livro dos Médiuns" esclarece:
184. O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as conseqüências das coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. Mas, muitas vezes, também é resultado de comunicações ocultas e, sobretudo neste caso, é que se pode dar aos que dela são dotados o nome de médiuns de pressentimentos, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados.No parágrafo 5 do Capítulo XVI em "A Gênese", também encontramos este trecho interessante:
Aquele a quem é dado o encargo de revelar uma coisa oculta pode a receber, à sua revelia, por inspiração dos Espíritos que a conhecem, e então transmiti-la maquinalmente, sem se dar conta. É sabido, ao demais, que, assim durante o sono, como em estado de vigília, nos êxtases da dupla vista, a alma se desprende e adquire, em grau mais ou menos alto, as faculdades do Espírito livre. Se for um Espírito adiantado, se, sobretudo, houver recebido, como os profetas, uma missão especial para esse efeito, gozará, nos momentos de emancipação da alma, da faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou menos extenso, e verá, como presente, os sucessos desse período. Pode então revelá-los no mesmo instante, ou conservar lembrança deles ao despertar. Se os sucessos hajam de permanecer secretos, ele os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga intuição do que lhe foi revelado, bastante para o guiar instintivamente.Portanto, grande parte da fenomenologia metagnômica seria explicada como um tipo de "comunicação oculta", onde a informação não se dá por meio de uma linguagem reconhecível, mas por "simbologia sensorial" que só faz sentido para a substância mental (espírito). A importância de se reconhecer o papel dos Espíritos nesse tipo de fenômeno vai muito além da mera experimentação: por meio dessa explicação seria possível criar novos experimentos e avançar nesse assunto tão fascinante.
(1) Eugene Osty, o grande pesquisador francês de fenômenos espíritas.
(2) E. Osty (1923) Supernatural Faculties in Man, an experimental Study. Methisen & Son. London. Disponível em:
(3) Ecos daquela época ainda podem ser encontrados na rede presentemente: Ver "Les expériences d’Eugène Osty menées sur le sujet Rudi Schneider" em http://www.metapsychique.org/Les-experiences-d-Eugene-Osty.html (acesso em Abril de 2015)
(4) Fontes sobre o assunto na codificação podem ser encontradas em "A Gênese", Capítulo XVI ou "O Livro dos Espíritos" no Capítulo VIII.
(5) Ou seja, pode ser que Espíritos estejam envolvidos como mediadores ou catalisadores dos fenômenos.
(6) Sequer sabemos como o cérebro coordena, processa e integra as informações. Do ponto de vista materialista, a consciência (e as percepções, mesmo que ordinárias) ainda é um mistério.
(7) Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Gnome_(rhetoric)
(8) Isso seria possível ao se acessar a personalidade desencarnada por meio de outro médium. Entretanto, um arranjo desse tipo (uma mesma entidade manifestando-se por vários médiuns) não é discutido em nenhum lugar na obra, talvez pelo fato de Osty tratar os dois fenômenos de forma separada.
(7) Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Gnome_(rhetoric)
(8) Isso seria possível ao se acessar a personalidade desencarnada por meio de outro médium. Entretanto, um arranjo desse tipo (uma mesma entidade manifestando-se por vários médiuns) não é discutido em nenhum lugar na obra, talvez pelo fato de Osty tratar os dois fenômenos de forma separada.
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