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1 de janeiro de 2020

O que a neurologia tem para ensinar aos médiuns? (Dr. Nubor Facure)

Interessante texto do Dr. Nubor Facure, explorando algumas possíveis conexões entre a neurologia, o sentido da visão e uma aplicação avançada para a vidência mediúnica. 

A visão

O nosso olhar é uma das propriedades mais ativas do cérebro. Nós mobilizamos dois terços (ou quase 70%) do córtex cerebral quando estamos olhando para uma criança correndo. Existem 30 áreas cerebrais que estarão atuantes nessa visão trabalhando seus detalhes. Precisamos saber quem é, sua localização, com que velocidade se locomove, para onde se dirige, que roupa usa, suas cores, o risco que corre, o parentesco que tem conosco, se vem até nós para dizer alguma coisa e se precisamos abrir os braços para abraçá-la ou acudir em um perigo de queda.

Nosso registro visual não é do tipo fotográfico, ele é interpretativo, constrói uma paisagem com aquilo que vê. O que vemos cria uma “representação” do que “pensamos” estar vendo. Disso decorre que, mais de noventa por cento dessa atividade se processa na mente, e é isso que permite que cada um veja conforme lhe pareça e não como a coisa é.

Por que vemos?

Só há visão humana com a luz. Tudo começa com uma onda de energia vibratória que atinge nossa retina refletindo nela a imagem dos objetos. Aqui a luz atua sobre cones e bastonetes produzindo milhares de combinações em branco e preto ou coloridas, numa mistura de três cores fundamentais: vermelho, verde e azul – a cor é quase um milagre, e é bom saber que ela existe em nós e não nos objetos.

Quando a energia luminosa é convertida em impulso nervoso ele percorre o cérebro produzindo uma serie de outros fenômenos que vão nos permitir “qualificar” o que vemos dando-lhes propriedades:

A mansidão do luar
A quietude dos vales
A algazarra dos pássaros
A correria das fontes
O brilho das estrelas
O sorriso farto das crianças
O vermelho forte dos morangos
O vermelho brilhante do por do sol
O vermelho suave das rosas

A visão e a linguagem 

Nossa mente cria representações simbólicas para aquilo que estamos vendo. Damos-lhes qualidades para compreender sua existência. As propriedades dos objetos e cenários acima descritos não são qualidades primárias, são “imaginações” que criamos para relatar, interpretar e explicar como essas coisas são para nós. Aprendemos a usar as nossas representações com seus significados para que possam fazer parte da nossa linguagem corriqueira, dispensando a presença do objeto visualizado. Nossa infância é povoada de imaginações que aprendemos a ouvir e criar para representar o mundo e aliviar nossas angústias e medos. Criamos os anjinhos com asas, o homem que é metade homem e metade cavalo, a fadinha que produz estrelinhas, os monstros, os gigantes e os anõezinhos, as bruxas e os heróis.

Entretanto, a maior invenção que criamos para representar nossas imagens foi a escrita. Só o ser humano é capaz de representar um objeto por um conjunto de letras, uma palavra, uma frase ou um poema. Conta-se que uma águia é capaz de ver uma letra a 15 metros de distância, mas, seguramente ela não sabe ler, dar significado a essa letra e compreender o que ela diz.

O capricho da anatomia – dividindo a imagem

Quando a imagem atinge a parte posterior do cérebro, na região occipital, ocorrem fenômenos anatômicos importantes e curiosos. As informações se distribuem em camadas a partir de um ponto central, no último giro do lobo occipital. Ali construímos o foco do nosso olhar, a partir do qual, alguns detalhes da imagem se esparramam como uma casca de cebola. Uma parte será enviada ao lobo parietal no giro angular, outra para a região temporal no giro medial e uma terceira via atinge, também no lobo temporal, o giro fusiforme.

Vamos ver qual é o propósito dessa tríplice divisão:

O giro angular e suas vizinhanças

Situada no lobo parietal, esse giro desempenha funções interessantíssimas – ele nos permite dispor de um GPS no cérebro – nos localiza no espaço e permite que sejamos informados “onde” está determinado objeto. Imagine pegar uma xícara no meio de várias louças e copos, os desajeitados sempre aprontam pequenos desastres caseiros.

No lobo parietal direito alguns experimentos cirúrgicos conseguiram estimular as proximidades dessa área e o paciente referir que se sentia fora do corpo – ocorre uma projeção da imagem corporal para fora do corpo - semelhante aos conhecidos relatos metafísicos de “experiências fora do corpo” que hoje conta com vastíssima comprovação na literatura médica.

O lobo temporal

Aqui há regiões que nos permitem ter noção “do que é” e dos movimentos das pessoas e dos objetos identificados. Para sabermos a importância dessa função, basta circular pelo corredor de um shopping center, onde várias pessoas vêm apressadas em nossa direção, obrigando-nos a desviar de um ou de outro – aqui também os desastrados se dão mal, trombam frequentemente.

O giro fusiforme

Passa-se nele um fenômeno de extrema importância – é uma área onde é projetado o rosto das pessoas, sendo assim processada a identificação dos amigos e dos desconhecidos, uma distinção fundamental para a sociabilidade e a sobrevivência. E nesse particular, todos nós tropeçamos, nos lembrando daquele rosto, mas, nos foge, com frequência, o nome da pessoa.


Um breve resumo

Concluímos, então, que logo após termos as imagens registradas no lobo occipital, elas esparramam suas conexões para áreas vizinhas a fim de tomarmos conhecimento da cor, da forma, do movimento e da localização precisa do objeto visualizado – para cada uma dessas funções há um grupo particular de neurônios executando essa tarefa. Diz a neurologia que nós temos sim, um neurônio para nossa avó e outro para a Angelina Joli.

Podemos resumir algumas de nossas afirmações anotadas acima:
  • O mundo visível é uma imaginação da mente – a isso se chama percepção visual.
  • O estímulo visual atinge o “cérebro”, mas é a mente que constrói a representação do que vê – criamos uma imagem mental do que pensamos estar vendo.
  • Cada um de nós constrói suas imagens visuais conforme suas expectativas, suas memórias e sua cultura.
  • Há regiões diferenciadas no cérebro situadas no entorno da região occipital, para percepção do espaço e o que contém ele, a localização de objetos ou de pessoas, sua movimentação, sua forma, sua cor e sua identidade facial.
Entre o cérebro e a mente

Ensina a neurologia que a imagem que nos chega aos olhos não é interpretada como um reflexo que se projeta em um espelho. Cérebro e mente vão construir o que “pensam” estar vendo. Portanto, para tudo que vemos, o cérebro e a mente montam uma representação daquilo que imaginam ser o que está sendo visto. Vale a pena repetir com os cientistas que nossa realidade é pura imaginação. Mais importante, ainda, é saber que cada um de nós imagina o mundo a seu modo.

A neurologia ensina que, ao construirmos nossas imagens mentais, ajuntamos algumas peças que se conjugam nessa imaginação. Primeiro, a expectativa – se espero ver um anjo devo lhe dar asas como uma de suas propriedades. Repetindo o que já aprendemos, a visão é um processo ativo, nossa mente é quem põe nos objetos ou nas pessoas as características que espero ver nela. Depois, atuam as nossas memórias – se já conheço o pequi do serrado fica fácil identificar esse fruto quando o encontro no meio da panela de arroz tingindo-a com sua cor amarelada. Ao ver um rosto na multidão saberei de quem se trata caso minhas memórias detectem nosso parentesco ou amizade. Finalmente, interfere a nossa cultura, pessoal e coletiva – o peão que reconhece os animais na roça, o mecânico que trabalha com as peças do motor, o médico que manuseia os instrumentos da cirurgia, o cozinheiro que escolhe os ingredientes da comida, o mateiro que transita fácil pela floresta, o piloto que pousa o avião mesmo com a névoa da tempestade – todos eles enxergam detalhes que seu conhecimento possibilita compor.

As extravagâncias da patologia

Lesões, inflamações, tumores e síndromes diversas são capazes de desencadear manifestações que deturpam nossa visão. Fora dos quadros neurológicos clássicos de cegueiras e hemianopsias, vale a pena apontar curiosidades que ocorrem em algumas pessoas.

Afetada a área que identifica o movimento dos objetos ou das pessoas, o indivíduo relata curiosidades inacreditáveis – um deles diz que não pode por seu leite no copo. Ao virar a garrafa, ele não percebe a descida do líquido que acaba entornando – não há como perceber que o leite desceu da garrafa enchendo o copo. 

Outra conta que não há como andar no shopping, ela nunca sabe se as pessoas estão vindo em sua direção, e é terrível tentar atravessar a rua quando os carros estão passando. 

Um terceiro nota que, aqueles pássaros que voam ali por perto, na verdade parecem parados, mas, eles aparecem ora num lugar ora noutro, deixando-o confuso. 

As cores mudam de tonalidade ou desaparecem em pacientes com epilepsia - eles podem relatar “crises” visuais nas quais percebem em seu campo de visão o desenrolar de uma cena como se fosse um filme. Podem de início ser suas imagens em branco e preto, vindo depois o colorido adequado preencher o cenário.

A mediunidade - vendo Espíritos

A vidência é um tipo raro de mediunidade. Crianças costumam ver muito, assim como os idosos, nas fases finais da vida.  Os bons médiuns videntes fazem relatos muito interessantes que podemos compreender melhor conhecendo o que nos diz o cérebro conforme estamos estudando. Precisa ser dito que o médium não vê o Espirito, é o Espírito que se faz ver – usando a coparticipação de uma fisiologia especial que dispõe o médium vidente.

A percepção de uma entidade espiritual acontece por uma combinação de fenômenos – é preciso uma combinação dos fluidos do encarnado com o desencarnado, ocorre uma sintonia fluídica com assimilação pelo perispírito do médium daquilo que lhe projeta o Espírito desencarnado. E, finalmente, a imagem que o Espírito quer mostrar tem sua expressão no cérebro físico do médium onde terá que submeter-se ao que estudamos sobre ele.

Vamos aos exemplos nos relatos dos médiuns.

O que podemos aprender

1 - No livro dos Médiuns, Allan Kardec, ensina que, a vidência é um tipo de mediunidade rara que não se deve provocar seu desenvolvimento, deixar que ela siga seu curso natural, evitando o risco de sermos iludidos por efeito da imaginação. O cérebro é farto de informações e a mente é muito criativa, podendo nos fazer ver o que não existe.

2 – No mundo fantasioso da criança é comum ela conversar com personagens construídas pela sua imaginação, mas, nem tudo é fictício no mundo da criança. No histórico de muitos médiuns, eles relatam a sua vidência desde a infância e, nessa época, não tinham conhecimento suficiente para identificarem que parte da conversa era mesmo com entidades espirituais.

3 – No idoso e nos pacientes terminais, há relatos de visitas de Espíritos familiares que se fazem ver pelo paciente - a veracidade desses relatos merece crédito inquestionável – isso a Doutrina Espírita é farta em comprovações.

4 – Na epilepsia, embora a neurologia acadêmica ainda não admita, é possível que certas crises sejam precipitadas por entidades perturbadoras, e podemos conjecturar que as imagens visualizadas nas crises tenham a ver com a dimensão espiritual – nas palavras de Kardec, a vidência geralmente é um episódio fugaz, lembrando muito uma “crise” cortical – por excitação de neurônios na região occipital (palavras minhas).

5 – A vidência não é um fenômeno contínuo, costuma ocorrer em flashes, circunscritos frequentemente a um foco, num determinado ponto do ambiente – as vezes o Espírito aparece sistematicamente no mesmo lugar, ora aqui ora ali – pelo que estudamos, a fixação do Espírito numa determinada localização ocorre por estímulo de neurônios de localização no cérebro do médium e não como fato real. Não é culpa do Espirito aparecer sempre ao lado do piano, é o cérebro do Médium que só consegue o enxergar ali.

6 – A aparência com que se apresenta o Espírito tem a ver com a estimulação de neurônios da área occipito-temporal, que nos permite identificar as formas dos objetos – o conceito popular ensina que, a descrição das formas depende dos olhos de quem vê – atentem para o vestido da noiva no seu casamento, cada convidado fará a descrição que mais lhe afeta. É por isso que nas visões tanto podem serem descritos santos como demônios – asas, auréolas, tridentes ou mantos de luz.

7 – Quando Wilder Penfield (1891-1976) iniciou as primeiras neurocirurgias para cura da epilepsia, o paciente era operado acordado, com o cérebro exposto. Isso permitia que certas áreas do cérebro pudessem ser estimuladas eletricamente pelo neurocirurgião. Dr. Penfield conseguia obter, com essa técnica, que o paciente relatasse o que estava vendo ou sentindo ou movimentando seus dedos. Ele podia, também, emitir algumas palavras, gritos, ver cenas do seu passado, descrever locais onde vivera ou onde se sentia projetado.

Allan Kardec ensina que nossa alma quando emancipada parcialmente do corpo, poderá “enxergar” quadros ou cenários arquivados em seu próprio cérebro físico. Isso significa que nossos neurônios armazenam sinais que nos permitem recompor memórias de coisas vistas ou vividas – penso eu que essa é uma vulnerabilidade muito apropriada para atuação dos obsessores.

Também do mesmo autor:

O Cérebro e a Mente (uma conexão espiritual) pelo Dr. Nubor Facure.
Dr. Nubor Facure e as perspectivas espiritualistas para o ser humano.
O Cérebro e o nascer de novo - afinal, quem somos? Uma hipótese neurológica.

24 de novembro de 2019

Espiritismo, ciência e materialismo


The day science begins to study non-physical phenomena, 
it will make more progress in one decade than 
in all the previous centuries of its existence. (N. Tesla) 
O Espiritismo, na forma com que foi codificado por Allan Kardec, apresenta uma grande quantidade de conhecimento e informações que apenas foram marginalmente compreendidos. Sua contraparte científica - sem querer apresentá-lo como uma disciplina, mas como uma visão de mundo - foi explicitada por Kardec em diversas passagens de sua obra. Com relação ao seu caráter progressivo, por exemplo, explica Kardec:
"O Espiritismo, portanto, não estabelece como princípio absoluto senão o que é demonstrado com evidência, ou o que ressalta logicamente da observação. Abrangendo todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio de suas próprias descobertas, ele assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, sejam de que ordem forem, que tenham atingido o status de verdades práticas e que tenham saído do domínio da utopia, sem o que ele suicidar-se-ia. Deixando de ser o que é, ele mentiria à sua origem e ao seu objetivo providencial. Marchando com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem que está laborando em erro num ponto, modificar-se-ia nesse ponto; se uma nova verdade se revela, ela a aceita." [1]
Entretanto, muitas pessoas leem essa e outras passagens de uma forma apressada. É preciso reconhecer antes de tudo que as verdades as quais a Doutrina Espírita se refere são raramente reconhecidas como 'objeto de pesquisa' no sentido comum desse termo. A ciência moderna e sua enorme especialização fez do elemento material seu maior objeto. Assim, apenas em algumas poucas 'interfaces' entre a manifestação da matéria e do espírito é que pode haver algum reconhecimento desde o ponto de vista dessa ciência dedicada à matéria.

A busca por novos fenômenos nessa interface é ainda prejudicada pela necessidade de recursos materiais. Em um contexto de explosão demográfica e consequente aumento da demanda por esses recursos, faz sentido levantarem-se vozes que tentarão obstar qualquer dedicação ao tema. Tal como no estado em que se encontrava o estudo dos fenômenos materiais, quando a sociedade não reconhecia a importância dos benefícios da pesquisa, a sociedade e a comunidade científica atual (com algumas exceções) - na sua política de investimento em pesquisa - não reconhece ainda os benefícios que uma incursão de pesquisa no mundo do espírito traria à Humanidade. 

Em parte, essa situação se deve ao estabelecimento de uma aliança entre a ciência (entendida como a visão de mundo da comunidade de cientistas) e o materialismo. Do fato de a ciência estudar a matéria não deve seguir necessariamente que ela deva ser materialista em sua crença. Na prática das ciências, entretanto, alguns pressupostos paracientíficos são utilizados que podem se basear em uma visão não religiosa (e até antirreligiosa) do mundo. As vezes isso é visto inclusive como algo necessário para uma suposta 'isenção' por parte dos cientistas.

Por exemplo, dado um fenômeno natural, é disseminada a crença que sua origem deve sempre ser associada a uma ocorrência ou fato natural, entendido esse como uma força 'naturalmente' explicada. Como tal, essa força não tem 'propósito', 'inteligência' ou 'direção': ela é 'cega'. Essa recorrência faz com que coisas naturais sejam sempre explicadas em termos 'naturais' como em um sistema fechado que tem a Natureza como seu universo. Nas ciências humanas, entretanto, a causa dos fenômenos são entidades inteligentes (o homem, o grupo social, a comunidade etc), de forma que apenas nesses casos é que causas não naturais são reconhecidas de uma forma evidente. 

Em sua essência, o reconhecimento da existência dos fatos psíquicos ou mediúnicos esconde de forma indissociável o reconhecimento de uma fonte inteligente e independente da matéria bruta como causa dos fenômenos. Esse reconhecimento tornou possível a Kardec (e os que, após ele, seguiram essa orientação) prever uma série de novos fatos e fornecer explicações para a não reprodutibilidade, inteligência, diretividade e aparente aleatoriedade associada a tais fatos. Entretanto, não é um passo trivial reconhecer a existência dessa nova fonte de fenômenos.

Assim, uma nova ordem de causas 'naturais' deve ser reconhecida na Natureza, a das inteligências 'incorpóreas' que, dispondo de uma interface para se manifestarem quando querem, são a origem de um grande número de fatos que, ao longo da história humana, passaram como sobrenaturais, miraculosos ou extraordinários. Eles somente são considerados assim porque sua presença está oculta, não obstante ser ubíqua. Para uma fonte tão diferente de causa, será necessária uma metodologia completamente nova de pesquisa. É por isso que exportar métodos das ciências ordinárias não trará novos resultados. É necessário desenvolver uma ciência completamente nova que parte de princípios próprios. Sem reconhecer a existência desses princípios, qualquer pesquisa ou estudo dos fenômenos psíquicos será sempre uma atividade frustrante ou mal compreendida. 

Referência

[1] "Revue Spirite", setembro de 1867, Parágrafo 55, 'O caráter da revelação espírita'.

23 de junho de 2014

O cérebro como a última fronteira da ciência: perspectivas recentes e a visão espírita (2)

Continuação do post contendo o artigo "Le cerveau comme ultime frontière de la science: perspectives récentes et vision spirite" que foi publicado na revista Revue Spirite, número 93 (Revue trimestrelle: 157 année - Revue Spirite - Journal d'Études Psychologique.). Agradeço ao Leandro Pimenta e ao Jérémie Philippe pela oportunidade dessa publicação. Para ver a primeira parte, clique aqui.

A fenomenologia psíquica que expande a variedade de experiências conscientes
Muito antes que as primeiras teorias modernas sobre a consciência fossem desenvolvidas, o espiritualismo no século XIX já considerava a existência de uma rica variedade de experiências de consciência que se manifestam como uma forma expandida das experiências ordinárias descritas anteriormente. Consideremos, por exemplo, a diferença entre a perspectiva de primeira e terceira pessoa na descrição dos estados mentais. É amplamente aceito que apenas eu tenho lucidez plena de minhas sensações, memórias e percepções (que é a própria definição de translucidez). Entretanto, médiuns de efeitos inteligentes descrevem sensações e cognições experimentadas por indivíduos já falecidos que puderam ser verificadas por seus parentes mais íntimos. Em um nível mais elementar, as experiências de ‘transmissão de pensamento’ (ou telepatia) permanecem como instâncias de acesso privilegiado ao campo mental, mesmo entre os vivos, desafiando o conceito de translucidez. Consideremos os casos de fobias em crianças como descritos por I. Stevenson (1990), que se manifestam como origem em memórias de vidas passadas. É bem aceito que muitas emoções (como o medo) têm como base determinadas crenças (memórias), mas o que dizer de fobias a partir de memórias inexplicáveis como a de vidas passadas? Nesse sentido, a variedade dos fenômenos psíquicos aumenta o conjunto das experiências ordinárias de duas formas: como uma expansão dos sentidos ordinários (novas sensações, percepções e emoções) e como uma não conservação da informação mental (se a consciência tem origem no cérebro, por conservação de informação, ela não pode manifestar conhecimentos localizados fora dela tanto no espaço como no tempo). Infelizmente, ainda não existe uma medida generalizada da informação que seja suficientemente aplicável a todas as experiências da consciência. Esse problema contribui, por exemplo, para o desprezo acadêmico dos relatos de sensações e percepções mediúnicas ou de memórias de vidas anteriores. Não se trata de um problema simples, porque o reconhecimento da não conservação da informação pressupõe o próprio reconhecimento da informação que, por sua vez, exige um paradigma completamente novo para a consciência.

Kardec, de forma pioneira, considerou muitos dos fenômenos de consciência expandida, conforme podemos ler no Cap. VIII de ‘O Livro dos Espíritos’ (Kardec, 1949). É possível, por exemplo, fazer um paralelo entre os fenômenos de visitas espíritas entre pessoas vivas, transmissão oculta de pensamento, letargia, catalepsia, sonambulismo com o artigo recente de M. Nahm (2011) “Reflections on the Context of Near-Death Experiences”, que trata do ambiente ou contexto de muitas experiências de quase-morte (NDE). Esses relatos envolvem experiências fora do corpo que foram reciprocamente confirmadas, sonhos e NDE compartilhados, relações entre lembranças de vidas passadas, NDE e mediunidade, lucidez terminal e visões de leito de morte. Toda essa rica fenomenologia atesta para a existência de um segundo corpo que sobrevive à morte do corpo material e que manifesta a independência de estados mentais da fisiologia do cérebro. Conforme comenta Nahm:
A hipótese de que uma NDE não depende do estado da organização orgânica no cérebro constitui um modelo explicativo capaz de lidar com o enigma sobre porque as experiências NDE podem ser tão notavelmente similares sob condições tão variadas da fisiologia do cérebro.
Surge a física quântica

A existência de estados mentais que parecem não depender do estado fisiológico do cérebro, bem como a possível extensão das propriedades desses estados através do aparecimento de novas percepções forma uma rica fenomenologia que contrasta fortemente com os modelos reducionistas da mente. Em pelo menos um fenômeno, o da transmissão de pensamento, estados mentais são vistos como transcendendo ao aparelho físico de onde, ordinariamente, parecem surgir. Mesmo fora das considerações espiritualistas, não parece ser possível associar a dinâmica determinista dos neurônios com as experiências de cognição, sensações e percepções que são vividas em primeira pessoa pelo ser pensante. Tudo isso fez com que se procurassem um novo arcabouço físico capaz de acomodar algumas das propriedades mais estranhas dos estados mentais. A física quântica, com suas bizarras manifestações no reino microscópio, é vista como um desses arcabouços potencialmente férteis em torno do qual uma nova ciência da mente poderia ser construída.

Fundamentalmente, a física quântica tem como objetivo explicar o comportamento da matéria, principalmente em seu nível microscópio. Não há nada nela que preveja a existência de um elemento mental independente (Chalmers, 1995). Os estados quânticos são estados da matéria e são descritos por um formalismo especial muito diferente do formalismo da física clássica que a antecede. Portanto, as interpretações não ortodoxas da física quântica, que são vistas como promissoras para o desenvolvimento de uma nova teoria da consciência, não abandonam o monismo necessariamente, embora o papel do observador – como responsável pelo ‘colapso da função de onda’ – seja privilegiado (Wigner, 1961). O mainstream acadêmico dentro das neurociências não aceita o papel da física quântica como fundamental na explicação da dinâmica do cérebro porque não se encontrou um mecanismo para sua atuação, embora algumas propostas já tenham sido feitas (Hameroff e Penrose, 1996). Isso não impede, porém, que sejam feitos paralelos entre interpretações da física quântica e sua aplicação a estados mentais. Esse paralelo se estabelece de duas formas: através de um possível papel privilegiado do observador no fenômeno do colapso da função de onda – que faria com que indivíduos conscientes determinassem a realidade até certo ponto (e, principalmente, os estados microscópicas das células nervosas, encontrando-se lugar para o livre-arbítrio intrínseco no cérebro) e no fenômeno da não localidade, que fornece subsídios para se entender o acesso privilegiado a estados mentais de terceiros como uma manifestação de emaranhamento quântico. É preciso que o leitor compreenda, porém, que essas propostas se dão em um nível heurístico – elas são propostas de interpretação – não se constituindo teoria geral para os estados de consciência em termos do formalismo da física quântica. Essas são propostas que permitem que se discuta academicamente a ‘fenomenologia das anomalias mentais’ ou outros fenômenos pouco aceitos, diante de uma teoria dominante para a qual nada disso existe. Desprovido de exageros, esse talvez, seja a principal vantagem do uso heurístico da física quântica na abordagem dos problemas da consciência.

Discussão final

Não obstante toda a sofisticação dos métodos modernos de exame neurológico e teorias matemáticas em inteligência artificial, o problema da consciência permanece não resolvido. Esse problema se agiganta quando consideramos as múltiplas variedades de experiências mentais anômalas que são conhecidas desde os primeiros dias do Espiritismo. Heurísticas de interpretação de fenômenos mentais que se baseiam nos fundamentos da física quântica abrem perspectivas acadêmicas – embora com pouco apoio formal – na consideração justa de fenômenos mentais anômalos. A existência da fenomenologia psíquica coloca severos limites às teorias reducionistas da mente que têm na complexidade, não linearidade e realimentação das células neurais os principais fundamentos dessa abordagem reducionista. O reducionismo fisicalista, da forma como é concebido hoje, não é completo o suficiente para abarcar todos os fenômenos mentais existentes. No nosso ponto de vista, o maior problema para o desenvolvimento de uma correta ciência da mente a partir de tais modelos reducionistas está na inexistência de uma definição suficientemente abrangente para a informação, de como ela pode ser gerada e armazenada. De um ponto de vista puramente acadêmico, temos certeza de que, entendido o cérebro como um sistema fechado, será possível demonstrar a não conservação de informação em muitos fenômenos mentais relevantes, indicando que a consciência não se encontra limitada ao cérebro, que funciona como órgão transmissivo da informação mental e das diversas manifestações conscientes.

Referencias

Chalmers, D. J. (1995). The conscious mind, in search of a theory of conscious experience. Dep. of Philosophy, Univ. of California.

Haykin, S. (1994), Neural Networks, a comprehensive foundation. Prentice-Hall, Inc.

Hopfield, J. J. (1982). Neural networks and physical systems with emergent collective computational abilities. Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA. 79, p. 2554.

Hameroff, S. e Penrose, R. (1996).  Conscious Events as Orchestrated Space-Time Selections. Journal of Consciousness Studies 3(1) , p.36.

Hopfield, J. J. e Tank, T. W. (1986). Computing with neural circuits: a model. Science, 233, p. 625.
James, W. (n.d.), Human Immortality. Texto digital disponível em: http://godconsciousness.com/humanimmortality.php (acesso em 2013).

Kardec, A. (1949), O Livro dos Espíritos, Ed. Federação Espírita Brasileira.

Kardec, A. (1986). A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Gênese orgânica, o homem corporal, Parágrafo 30. Trad. Victor Tollendal Pacheco. São Paulo: Ed. NG Promoções editoriais, 

Maslin, K. T. (2001), An introduction to the philosophy of mind, Blackwell publishers Inc.  

McCulloch, W. S. e Pitts, W. (1943). A logical calculus of the ideas immanent in nervous activity. Bulletin of Mathematical Biophysics. 5, p. 115.

Nahm, M. (2011), Reflections on the Context of Near-Death Experiences, Journal of Scientific Exploration, 25(3), pp. 453.

Rosenblatt, F. (1958). The perceptron: a probabilistic model for information storage and organization in the brain. Psychological review, 65, p. 386.

Searle, J. (1989), Mind, Brains and Science: Reith Lectures, Harmondsworth: Penguin.

Stevenson, I (1990), Phobias in Children who claim to remember previous lives, Journal of Scientific Exploration, 4(2), p. 243.

Wigner, E.P. 1961. Remarks on the mind–body question. In (I.J. Good, ed.) The Scientist Speculates. New York: Basic Books.

25 de abril de 2014

O cérebro como a última fronteira da ciência: perspectivas recentes e a visão espírita (1)

Tivemos a satisfação de ter publicado o artigo "Le cerveau comme ultime frontière de la science: perspectives récentes et vision spirite" na revista Revue Spirite, número 93 (1). Agradeço ao Leandro Pimenta e ao Jérémie Philippe pela oportunidade dessa publicação. Com a devida autorização da revista, numa série de dois posts que se inicia com este, apresentaremos o texto integral em português desse artigo. ATENÇÃO: as referências do artigo serão apresentadas no final post final.

Conteúdo do artigo
  • Introdução 
  • As diversas abordagens da mente que não consideram a fenomenologia psíquica 
  • A fenomenologia psíquica que expande a variedade de experiências conscientes 
  • Surge a física quântica 
  • Discussão Final 
  • Referências.
O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo do mesmo ponto; chegados a certa distância, um diz: “Não posso ir mais longe”; o outro continua sua rota e descobre um mundo novo. Por que, pois, o primeiro diz que o segundo é louco, pois este, entrevendo novos horizontes, quer franquear o limite onde o outro acha conveniente se deter? (A. Kardec)
Introdução

Desde seu aparecimento com Allan Kardec, o Espiritismo expandiu consideravelmente nossa compreensão a respeito de uma multiplicidade de fenômenos naturais e ocorrências anômalas, antes consideradas como pertencente ao reino do maravilhoso e do sobrenatural. Alguns desses fenômenos foram, em parte, considerados recentemente na parapsicologia, mas são sistematicamente desprezados pelo status quo acadêmico, que está exclusivamente voltado para o desenvolvimento de seus próprios paradigmas. Diante da proposta espírita, que tem na imortalidade e reencarnação suas maiores bandeiras, como podemos compreender as pesquisas recentes no campo da consciência e da mente? Que contribuições se pode esperar do Espiritismo para as futuras teorias da mente? A física quântica representa uma nova abordagem em direção a vias não materialistas de se compreender a mente? Este texto tem como objetivo dar subsídios ao leitor na tentativa de resposta a algumas dessas questões. Embora não tenhamos hoje uma teoria suficientemente abrangente para a mente, defendemos aqui a noção de que não é possível desprezar os fenômenos psíquicos (mediunidade, experiências fora do corpo, experiências de quase morte etc) que terão papel fundamental na gênese de abordagens científicas completas para o fenômeno da consciência, que surge como última fronteira ainda inexplorada da ciência. 

As diversas abordagens da mente que não consideram a fenomenologia psíquica.

Teorias recentes sobre o cérebro consideram seu funcionamento dentro do paradigma materialista, que é essencialmente monista, ou seja, consideram a consciência como uma consequência, como algo que resulta de outro, não como causa ou princípio irredutível. A consciência é vista como produto de atividades básicas do cérebro, onde neurônios, sinapses e, principalmente, o arranjo das ligações entre um número muito grande de estruturas cerebrais fundamentais têm papel fundamental. À complexidade dos sinais que se propagam através de vias de comunicação do cérebro e do sistema nervoso é creditada a variedade, colorido e exuberância das experiências da consciência. Também chamada de teoria da identidade mente-cérebro, sua maior promessa é reduzir todas as múltiplas experiências mentais a funções mais ou menos elementares entre os diversos constituintes do cérebro. Assim, da mesma forma como a função do estômago é produzir a digestão, o do cérebro seria produzir a experiência consciente. A força da abordagem monista da mente está no sucesso recente do fisicalismo e do reducionismo, que possibilitaram desenvolver métodos e explicações para muitos fenômenos da matéria. É uma crença nas neurociências que essa redução a leis e interação entre átomos, que teve tanto sucesso na explicação do comportamento da matéria bruta, possa ser estendida com igual sucesso para a ‘matéria pensante’.

Consideremos brevemente o paradigma mais recente das redes neurais como modelo de ‘processamento’ que ocorrem em todo o sistema nervoso central e periférico. Esse paradigma engloba em parte a noção de ‘inteligência artificial’ (Haykin, 1994; McCulloch e Pitts, 1943). Um neurônio é, essencialmente, uma unidade de processamento elementar que integra sinais elétricos que chegam a ele (por meio das chamadas ‘entradas sinápticas’) e que retorna um sinal elétrico de saída que se propaga ao longo de uma fibra da célula nervosa chamada axônio. No corpo celular, onde se dá a integração dos sinais provenientes das sinapses, ocorre o processamento das entradas e o sinal de saída depende de um potencial interno de ativação. Ao se agrupar conjuntos de neurônios em camadas – cada neurônio recebendo as mesmas entradas – é possível modelar o processo de aprendizado que se reduz a um problema de otimização (Rosenblatt, 1958). Acredita-se que o cérebro, sendo formado por aglomerados compactos de bilhões de células nervosas, opere em escala microscópica o processamento de sinais que chegam a cada um dos nervos do sistema nervoso periférico. Desenvolvimentos recentes em redes neurais mostraram que essas redes podem ser classificadas em dois tipos: redes de propagação avançada (feedforward propagation) e redes recorrentes. Essas últimas diferem das primeiras por permitirem que sinais de saída de um dado neurônio alimentem, como entrada, outros neurônios de uma mesma camada e o próprio neurônio. Em outras palavras, redes recorrentes admitem feedback ou realimentação. Neurônios biológicos são todos do tipo recorrente, ou seja, o processamento da informação (que, segundo esse modelo está armazenado nos pesos sinápticos e potenciais de ativação de cada célula nervosa) faz uso maciço de realimentação. Além disso, ele também utiliza processamento paralelo. Embora a eficiência computacional de redes neurais seja inferior a outros tipos de processadores (numa comparação com processadores eletrônicos), acredita-se que a quantidade gigantesca de células e conexões neurais, o paralelismo e uso de realimentação torne o cérebro um dispositivo único, no que diz respeito ao tratamento de grandes quantidades de informação. Os desenvolvimentos em redes neurais mostraram que é possível dividir o processo de aprendizado em vários tipos (com ou sem supervisão externa) e os estudos mais interessantes ocorreram no campo da neurodinâmica, com aplicações em redes recorrentes. Acredita-se que a nonlinearidade intrínseca das redes com realimentação e seu elevado número de conexões seja a principal fonte de riqueza de informação no cérebro (Hopfield, 1982). Essa não linearidade é fonte de caos clássico, sendo possível encontrar descrições deterministas da dinâmica entre neurônio, onde o processo de lembrança é visto como um problema de convergência de estados mentais em torno de mínimos de energia e bases de atratores caóticos (Hopfield e Tank, 1986). O determinismo implícito nesses modelos de dinâmica entre neurônios é pontuado pela influência do ruído, que é tomado como fonte de aleatoriedade e, portanto, origem do livre-arbítrio do ser pensante na visão reducionista da mente. 
Um diagrama esquemático de uma rede neural com realimentação. Os sinais de entrada (x1, x2 e x3) são misturados aos sinais de realimentação que vêm de cada neurônio (cujos centros são representados pelos círculos com o sinal de "+"). As saídas, y1, y2 e y3 são, portanto, não apenas função da entrada. Esse tipo de arranjo (conhecido como "rede de Hopfield") cria não linearidades e comportamento aleatório, fornecendo um paradigma para explicar, talvez, o livre arbítrio (?). Embora sua simplicidade, esse tipo de rede estaria na base de todas as estruturas do sistema nervoso.
Embora o grau de sofisticação dos modelos numéricos em neurodinâmica, o problema central da consciência permanece, uma vez que não é possível associar o trânsito de informação (na forma de sinais elétricos) entre neurônios, com a riqueza exibida pelos estados de consciência, conforme explicaremos mais adiante.  Assim, em paralelo com os recentes desenvolvimentos das neurociências, permanece o paradigma dualista como abordagem alternativa para a consciência. Diferente da abordagem monista, para a qual a consciência é um produto de arranjos específicos entre elementos fundamentais que formam o cérebro, no dualismo não se pode reduzir a mente a um arranjo desses elementos, por mais complexos que sejam. O ser humano (e, muito possivelmente a imensa maioria dos animais) é, em essência, um sistema dual, composto de matéria, que forma a contraparte tangível, e espírito (ou a mente) que interage, através de um mecanismo especial, com a matéria, mas que é, ele mesmo, intangível. Isso significa que não é possível registrar o espírito da mesma forma como se faz com a matéria, apenas suas manifestações são percebidas. Em uma variedade especial de dualismo, o espiritualismo admite que esse princípio, que carrega a consciência, é independente da matéria, o que possibilita ao primeiro sobreviver à decomposição da última com o fenômeno chamado ‘morte’.

Em princípio, seria possível contrapor o dualismo ao monismo fisicalista, considerá-los como duas explicações antagônicas para a mente, mas, isso não é verdade. O grande psicólogo americano William James brilhantemente construiu um paralelo para explicar como o cérebro pode ser visto como um órgão transmissivo da consciência, que existiria em um espaço inacessível, mas que, por meio do cérebro, se manifesta no mundo. Ele considerou o exemplo do prisma óptico, que é capaz de separar a luz branca em suas cores fundamentais. A luz é a verdadeira causa do espectro que, apenas pelo prisma pode ser decomposta. Assim, também, a consciência é uma manifestação, através do cérebro, do espírito que, de outra forma, não pode se manifestar. Portanto, considerar a consciência como origem no cérebro é tão equivocado quanto acreditar que o prisma gere as cores do espectro da luz branca. Modernamente, esse paralelo ganhou novas versões através dos dispositivos de telecomunicações. Portanto, à crítica materialista de que o cérebro é a verdadeira fonte da consciência porque, uma lesão nele, leva a sequelas mais ou menos graves nas manifestações da consciência, pode-se contrapor a noção do cérebro como órgão de transmissão das funções da consciência, que têm sua origem em uma mente fora do cérebro. Alias essa noção já se encontra bem desenvolvida em ‘O Livro dos Espíritos’ (Kardec, 1949), conforme se pode ler no Capítulo VII, ‘Da volta do Espírito à vida corporal’, ‘Influência do organismo’ (Questões 367-370 e 375). Portanto, há uma dinâmica de sinais entre neurônios, no cérebro, que é necessária para facultar a manifestação do verdadeiro ser pensante que é a fonte da consciência.

De um ponto de vista puramente filosófico, o reducionismo fisicalista e o dualismo permanecem como as principais teorias da mente, embora outras abordagens também existam como o Behaviorismo analítico, o funcionalismo e o monismo não redutivo (Maslin, 2001). Todas elas mais ou menos pregam o caráter irredutível da mente, sem postular a existência de um elemento independente da matéria. Uma teoria suficientemente abrangente da mente deve ser capaz de explicar os diversos aspectos da consciência que, conforme Maslin (2001), podem ser sumariamente descritos por: 

i) sensações (dores e prazeres, por exemplo); 
ii) cognições (acreditar, saber, compreender, raciocinar etc); 
iii) emoções (medo, ciúme, inveja, raiva etc); 
iv) percepções (visão, audição, paladar etc); 
v) estados de quase percepção (sonhar, imaginar, ‘ver com os olhos da mente’ etc) e 
vi) estados conativos (querer, intentar, desejar etc). 

No caso das sensações, por exemplo, essa teoria deve explicar e justificar a existência e variedade dos qualia ou modo peculiar pelo qual as sensações se apresentam ao ser pensante. Tal tarefa presentemente nem de longe foi realizada, considerando outros aspectos da experiência consciente, além dos qualia, tais como: não localidade (embora seja possível localizar alguns sensações, não tem sentido falar em localização das emoções, dos estados de quase percepção etc); caráter disposicional de crenças, memórias e conhecimentos (em um dado instante, é possível saber algo sem se estar ciente disso naquele instante); intencionalidade (que é característico dos estados conativos, mas, por exemplo, não das sensações); perspectivas de primeira e terceira pessoa (só eu, por exemplo, sei das minhas próprias experiências, mas apenas conheço as manifestações da consciência dos outros por meio das minhas percepções e cognições); além do aspecto de translucidez, que está intimamente associado ao caráter de primeira pessoa da experiência consciente e do caráter holístico dos estados intencionais que estão ausentes, por exemplo, nas sensações (Searle, 1984).

Próximo post: A fenomenologia psíquica que expande a variedade de experiências conscientes.

Nota

(1) - Revue trimestrelle: 157 année - Revue Spirite - Journal d'Études Psychologique.
(2) - http://www.larevuespirite.com/home.php

27 de abril de 2012

Entrevista V - Dr. Nubor Facure e as perspectivas espiritualistas para o ser humano.

"O materialismo permanece como o mais ferrenho obstáculo à aceitação das verdades espirituais. E isso ocorre por pura ignorância do ser humano." (Nubor Facure)

Apresentamos aqui uma breve entrevista feita com o neurologista Dr. Nubor Facure. Em um post anterior, apresentamos uma pequena resenha sobre um livro de sua autoria. Espírita desde criança, o Dr. Nubor Orlando Facure é diretor do Instituto do Cérebro de Campinas, e ex-professor titular de neurocirurgia da Unicamp. Pesquisador, escritor e expositor espírita, desenvolve estudos pioneiros aliando a medicina aos conhecimentos espíritas. Em 1990, instituiu o primeiro curso de pós-graduação – Cérebro/Mente, com enfoque espiritualista, no Departamento de Neurologia da Unicamp.

Recentemente, o Dr. Nubor concedeu entrevista sobre a anencefalia e a questão do aborto de anencéfalos.

EE  - 1 Conte-nos sobre seu interesse por ciência e pesquisa.

Minha formação é acadêmica - fui professor de Neurocirurgia na Unicamp por 30 anos e terminei essa atividade como Professor Titular. Vem daí o hábito de pesquisa. A mais difícil de se fazer é justamente a pesquisa clínica e, particularmente, a do doente mental, onde ocorre a interseção entre a neurologia e a psiquiatria. Por outro lado, sendo espírita desde criança, esse conhecimento doutrinário me favoreceu explicações que a ciência médica ainda não consegue trabalhar. Continuo atendendo meus pacientes no Instituto da Cérebro em Campinas, onde o material humano para estudo é vastíssimo justamente por lidarmos com os transtornos neuropsiquiátricos.

EE - 2 Como o Sr.  se veio a se interessar pela relação entre a ciência (biologia, neurologia) e os assuntos relacionados à espiritualidade e saúde?

Sou de Uberaba e, desde meus primeiros estudos na Faculdade de Medicina pude estabelecer para meu próprio aprendizado relação das lições acadêmicas materialistas, com as orientações dos grandes professores espíritas de Uberaba. Desfrutei do convívio proveitoso com Dr. Inácio Ferreira, Waldo Vieira, Elias Barbosa, Marlene Nobre e, particularmente com nosso querido médium, Chico Xavier. A questão do diagnóstico das doenças espirituais sempre me fascinou e busquei com aprender com suas experiências.

EE - 3 O Sr. acha que a sua visão espiritualista ajuda você no dia a dia e no trato com seus pacientes? No que ela mais te ajuda?

Primeiro creio que o paradigma espírita é superior aos aceitos pela medicina de hoje. Na Doutrina Espírita admitimos a comunicação com os mortos que podem se revelar na fala de muitos doentes da psicopatologia humana, a Doutrina confirma a importância das vidas sucessivas, ou seja, a reencarnação, como explicação máxima para os inexplicáveis sofrimentos da atualidade. Não há como se entender as grandes malformações do organismo de uma criança que acaba de nascer sem se compreender seus compromissos cármicos acumulados em vidas anteriores. A doutrina espírita esclarece, também, que vivemos uma permanente troca de influencias entre nós e os Espíritos que nos acompanham, nos mais íntimos ambientes. Com eles vivenciamos experiências negativas ou positivas atraindo-os conforme o teor de nossas atitudes. E, assim se compreende os graus variados das obsessões espirituais com suas inúmeras conseqüências orgânicas e psíquicas sobres todos nós. Repetindo, demos destaque a 3 postulados espíritas que a medicina terá de absorver nos próximos anos: a comunicação com os mortos, a reencarnação e a influência recíproca entre nós e os Espíritos desencarnados.

EE - 4 Em seu livro ' O Cérebro e a Mente - uma conexão espiritual ', o Sr. descreve de forma didática bastante coisa relacionado aos avanços recentes no campo da neurologia para o conhecimento e teoria da mente. Sabemos que muitos caminhos estão fechados dentro da filosofia materialista que campeia laboratórios atuais. Como o Sr. acha que poderíamos sair desse impasse?

O progresso da Ciência é inexorável, toda mudança de paradigma passa pela rejeição natural até que seja reconhecido como válido, pelo menos por determinado tempo, até que outra renovação se proceda. Desde a época que escrevi O Cérebro e a Mente as Neurociências produziram muita contribuições novas: as relacionadas com as memórias extra cerebrais, as experiências fora do corpo, as propriedades do corpo mental, a presença de um lugar para Deus na fisiologia do Cérebro. Portanto, reconhecer a espiritualidade, a comunicação com os mortos e a reencarnação é apenas questão de tempo. Na verdade, preocupa-me, isso sim, se esse conhecimento será aproveitado o quanto se deve para nossa renovação moral.

EE - 5 Nesse mesmo livro citado na questão anterior, discutimos no nosso post sobre ele, há uma discussão que o Sr. faz sobre o surto de desenvolvimento neural que houve no cérebro, a ponto de, em curto espaço de tempo para os padrões biológicos, todas as estruturas necessárias para se criar a civilização 'já estavam lá' há 100 mil anos atrás. Essa 'explosão de inteligência' tem paralelos com outros surtos na biologia evolutiva (e. g., a explosão cambriana). Como o Sr. interpreta tais evoluções rápidas?

Existiu sim um salto biológico pouco compreendido pela biologia. Do ponto de vista Humano, Espiritual e em tudo que concerne nosso desenvolvimento cognitivo, principalmente nossa linguagem, creio que a Teoria da migração de Capela me parece bem convincente - está maravilhosamente descrita em A Caminho da luz de Emmanuel, psicografia de Chico Xavier.

EE - 6 No livro 'A Memória e o Tempo' o escritor Hermínio Miranda faz diversos estudos sobre a necessidade de se incluir a teoria da reencarnação nos estudos sobre a mente e cérebro. Como o Sr. vê que poderíamos motivar semelhante abordagem no escopo das ciências neurológicas atuais?

Os textos acadêmicos sobre reencarnação já reúnem uma população expressiva de comprovações. Creio que algumas escolas psicoterapêuticas estão aos poucos introduzindo essa visão reencarnacionista. Portanto a rejeição será paulatinamente abolida.

EE - 7 Considero suas propostas na área de pesquisa mediúnica e a correlação com estruturas neurais pioneiras no assunto. Como você proporia um programa de pesquisa progressivo para desenvolver essa relação?

Creio que para ser didático posso apresentar a fisiologia da mediunidade em 3 contextos: Kardec nos apresentou uma visão doutrinária; André Luiz nos revelou a dinâmica espiritual da mediunidade descortinando a fenomenologia do outro lado da vida; e, no meu trabalho, apresentei despretensiosamente as vias anatômicas e suas funções, comprometidas com o fenômeno mediúnico no cérebro físico, portanto, uma análise do lado de cá. Interessante que a é minha experiência clínica com pacientes neuropsiquiátricos que vem me permitindo melhorar o conteúdo da minha proposta.

EE - 8 Como o Sr. interpreta do ponto de vista da relação Espírito-matéria o fenômeno da plasticidade neuronal?

Toda dinâmica do desenvolvimento dos nossos neurônio, com seus apêndices e conexões, obedece a uma ordenação do Espírito. Portanto, tudo que estimula o Espírito resulta em mudanças neuronais. O fenômeno é de lá para cá.

EE - 9 Quais são os limites que o Sr. vê à contribuição que a neurologia pode dar às patologias mentais?

Na verdade deveríamos usar o termo Neurociências, porque não é só a Neurologia, mas sim, uma série de disciplinas que vem facilitando essa evolução, a química, a anatomia, as Imagens de Ressonância, a genética e milhares de testes neuropsicológicos que estão promovendo um avanço extraordinário no entendimento das doenças mentais. Espero para breve a conversão da doença mental em doença do Espírito com as contribuições disponíveis na Doutrina Espírita. Está aí um trabalho que o Espírita não pode se furtar.

EE - 10 Quais os maiores obstáculos, na sua visão, contra a efetiva aceitação da realidade espiritual do ser humano?

A evolução do conhecimento nunca foi homogênea, ela se faz aos saltos e por segmentos, para depois, ir se difundindo. O materialismo permanece como o mais ferrenho obstáculo à aceitação das verdades espirituais. E isso ocorre por pura ignorância do ser humano.


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