Mostrando postagens com marcador Crookes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Crookes. Mostrar todas as postagens

4 de dezembro de 2019

Os seres do invisível e as provas ainda recusadas pelos cientistas. (Paulo Neto)


Paulo Neto acaba de lançar um novo livro que pode ser baixado gratuitamente:

Os seres do invisível e as provas ainda recusadas pelos cientistas-ebook (1.66 MB)

Trata-se de uma obra que apresenta diversas referências para os casos de mediunidade de efeitos físicos estudados pelo famoso cientista inglês William Crookes. Em um post anterior, tivemos a oportunidade de analisar uma tese recente em História da Ciência que analisa, de um ponto de vista acadêmico, a relação de Crookes com o espiritualismo. 

Paulo Neto acrescenta outras evidências e relatos, colhidos de diversas fontes, que mostram a excelência das conclusões tiradas por Crookes sobre os casos de mediunidade que ele estudou. É possível que hoje as dificuldades que envolvem a replicação desse tipo de fenômeno - e que contribuem para sua raridade - dificultem a apreciação moderna e não histórica de sua ocorrência. Entretanto, não é possível, tão só pela análise das referências históricas, concluir que Crookes foi enganado como querem céticos. Paulo Neto mostra que as médiuns que Crookes estudou foram também estudadas por outros cientistas e que a qualidade dos trabalhos feitos por ele foi atestada na opinião de inúmeros outros pesquisadores da época que não tinham apreço pela tese da sobrevivência da alma (tal como C. Richet e R. Sudre).  

A obra de Paulo Neto deve assim ser lida como uma contribuição para a necessária contextualização de época em que os detalhes importam mais do que fatos principais na apreciação da história das ciências dos fatos mediúnicos de efeitos físicos. 

Referências

7 de julho de 2011

Livro II - Estudando o Invisível (por Juliana M. Hidalgo Ferreira)

William Crookes (1832-1919).
Imagine pretender descrever a história do desenvolvimento científico da física, química ou biologia partindo do princípio de que os fenômenos estudados por essas ciências podem ter sido fraudados ao longo do tempo. Imagine descrever, por exemplo, a descoberta do elétron por J. J. Thomson partindo do princípio que os resultados experimentais que ele apresentou ao público possam ter sido forjados por algum assistente de laboratório, de forma consciente ou inconsciente. Alguém responderia: "mas os experimentos dele poderiam ter sido repetidos..." Nesse caso, imagine ser possível defender a ideia de que todas as tentativas posteriores de confirmação desses fenômenos não passaram de uma gigantesca fraude.

De certa forma, esse é o objetivo de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira em seu livro 'Estudando o Invisível', resultado de seu trabalho de mestrado em História da Ciência em 2001 que teve como escopo estudar, do ponto de vista historiográfico, a obra do químico inglês William Crookes (1832-1919) e seu envolvimento com fenômenos espíritas no final do século XIX. Trata-se de uma obra de fôlego (quase 600 páginas de um trabalho minucioso e farto de referências históricas) - o que conta como um ponto positivo da obra. Entretanto, o livro é quase que exclusivamente referenciado a trabalhos de pesquisadores anglo-saxões, na sua maioria ingleses e americanos. 

Antes de discutirmos os fundamentos do trabalho, destacamos uma curiosidade revelada no estudo: muitas das correspondências trocadas entre Crookes e seus pares concernentes aos estudos que faziam sobre o 'Espiritualistmo' desapareceram misteriosamente. Não só isso, trechos de cartas onde esse grande cientista citou e discutiu problemas relacionados ao seus estudos sobre a fenomenologia mediúnica foram literalmente cortados com tesoura tempos após a morte dele:
Vale notar, entretanto, que a seção de manuscritos do Science Museum de Londres, onde se encontra esse último material mencionado, não dispõe de todas as cartas trocadas entre Crookes e o seu assistente na época. Essas caras são numeradas e muitos itens estão faltando. Além disso, trechos de algumas cartas parecem ter sido cortados à tesoura Assim, tem-se a sensação de que certas informações contidas nesses documentos foram, propositalmente, excluídas dos arquivos do cientista. Nessas cartas poderiam estar informações relevantes para entendermos o que estaria acontecendo nas pesquisas de Crookes nesse período. (p. 45)
Embora distantes da época quando a inquisição foi instaurada, uma nova inquisição - movida pelos mesmos fundamentos e interesses filosóficos - deu-se pressa em eliminar tudo o que teria sobrado ainda não publicado das observações de Crookes sobre os fenômenos transcendentes.

No Capítulo 1, 'Introdução' (p. 34), enunciam-se os objetos da pesquisa e destacamos a frase:
Do ponto de vista puramente historiográfico, não há interesse em tentar discutir, a partir de estudos anacrônicos, se os fenômenos espiritualistas existem ou não. 
É perfeitamente compreensível que a Histórica, como ciência, não tenha como objeto de estudo o fato ou fenômeno em si e nem mesmo as teorias que se criaram para explicar tais fatos (o que seria objetivo da Epistemologia da Ciência). O objetivo da História é estudar o fenômeno humano, a narrativa, e tentar encontrar as motivações subjacentes ou relacionamento entre fatos na tentativa de se inferir relações entre ocorrências aparentemente isoladas e para as quais não se tem evidência histórica suficiente. Por isso, o trabalho da Juliana está supostamente resguardado contra quaisquer críticas tanto de espiritualistas como de céticos. Como consequência disso, essa obra também não ajuda o leitor indeciso a resolver a dicotomia conforme o orientador da pesquisa adverte no prólogo:
Espero que ninguém distorça o presente trabalho, utilizando-o com base para defender ou negar a existência dos fenômenos mediúnicos. Ele não foi escrito para isso e não se presta para tal uso. (p. 15)
Espiritualismo X Teorias de Embuste 

Dessa forma, o trabalho apresentado em 'Estudando o Invisível' pretende ser uma narrativa 'neutra'. Tanto seu orientador como a autora reafirmam a necessidade dessa postura que pode ter o mesmo objetivo de Crookes ao 'dosar' o conteúdo de seus artigos para que fossem academicamente aceitos.  A diferença é que Crookes não tinha quaisquer dúvidas quanto à realidade dos fenômenos, enquanto que na narrativa da autora transparece a todo instante a possibilidade de fraude. É abundante assim o uso do futuro do pretérito (composto) no texto: 'teria feito', 'teria observado'. Esse tempo verbal desaparece na narrativa de fenômenos materiais (chamados de 'normais' ou 'não espiritualistas') no Capítulo 5.

Um exemplo característico do tom que permeia todo o livro é o parágrafo que inicia a página 133 em que se explicita a ausência de controle de Crookes na realização de algumas sessões iniciais. A um espiritualista, isso demonstra o conhecimento tácito que Crookes tinha sobre o que era realmente essencial de ser reportado e controlado, enquanto que para a autora isso é obviamente indício de fraude. A questão é impossível de ser decidida tal como apresentada, pois o relato de Crookes é sempre feito de forma não definitiva quanto a conclusões. Um exemplo é encontrado na p. 118 na descrição de uma sessão realizado com D. D. Home (1833-1886) na presença de Crookes:
Os fatos observados em seguida, segundo o autor, foram ainda mais impressionantes: Home retirou a mão que segurava o acordeão, colocando-a em cima da mão da pessoa próxima a ele, enquanto o instrumento continuava a tocar.
Observações desse grau feitas por Crookes não têm nenhum valor frente a outras, tem-se a impressão que todas tem a mesma importância, inclusive as que sugerem fraude. De novo, isso se deve a estratégia de neutralidade adotada. Assim, uma toalha sobre a mesa tem importância magnificada, denunciando o ponto de vista cético adotado.

Embora tanto Kardec quanto Crookes tenham magistralmente listado todas as teorias existentes para se dar conta dos fenômenos (desde a do embuste, a demoníaca, a da fraude inconsciente, a da influência das mentes até a teoria espírita, ver nota [1]), na narrativa de 'Estudando o Invisível' transparece a disputa entre a teoria espiritualista versus fraude como necessária na manutenção dessa postura. A verdade é que essa também é a dicotomia presente em muitos estudos acadêmicos contemporâneos que ainda se aventuram a estudar esse tipo de fenômeno, afinal é preciso tratar o problema dos céticos que, embora mantenham posições filosoficamente contrárias e aparentemente inofensivas, tem impacto na decisão de se distribuir recursos financeiros para a pesquisa. Embora possamos tecer críticas quase perfeitas ao grau de 'cientificidade' das teorias de embuste, é inegável que ela ainda é a preferida por aqueles que dizem seguir 'métodos científicos' de pesquisa. 

Não é possível que não haja diferença entre fazer história da ciência sobre crenças e teorias de cientistas pioneiros que se esforçaram para desenvolver modelos teóricos que embasam fatos naturais simples e altamente repetitivos, e  se fazer o mesmo com determinadas teorias quando sequer os fenômenos a elas associados são acreditados. Como vimos anteriormente no caso de Galileu, o problema desse sábio florentino não era tanto defender suas teorias contra a ortodoxia Aristotélica, mas fazer com que os outros acreditassem nas suas observações de telescópio, numa época em que esse instrumento poderia ser considerado tanto um instrumento de feitiçaria como uma ilusão de óptica. A história se repete com Crookes e com toda a fenomenologia espírita. 

Há certamente duas vias para se fazer ciência: uma é postular teorias diante de determinados fatos e tentar 'desenhar' experimentos que ocorram exatamente conforme prevejam tais teorias. Outra, bem diferente, é iniciar-se tão só pela observação dos fatos e tentar convencer o mundo, pelo uso dos fatos, de que há algo mais. A segunda via foi a escolhida por Crookes porque era impossível defender facilmente qualquer teoria que não fosse a da fraude. De acordo com Juliana Hidalgo, talvez Crookes sempre tenha mantido internamente sua crença na existência dos Espíritos (não importa se isso ocorreu pouco depois da morte de seu irmão em Cuba ou algo depois). Como cientista, ele nutria profundo amor pela Ciência e esforçou-se de todas as formas para chamar a atenção da elite acadêmica de sua época ao menos para a realidade dos fenômenos sem procurar se envolver muito com os espiritualistas. Nesse relato, percebe-se, assim, a diferença entre suas observações particulares, onde ele valorizava comunicações e informes dados pelos controladores invisíveis de seus experimentos psíquicos (e que formavam um contexto espiritualista inadmissível para seus céticos), e aquilo que ele acabava publicando em seus artigos. 

Alguns comentários que a autora tece a respeito da argumentação de Crookes podem ser questionados. Por exemplo, no Capítulo 3, p. 110, ao discutir algumas desculpas de Crookes em não continuar as pesquisas psíquicas por causa da dificuldade de acesso a bons médiuns, a autora considera:
Entretanto, supondo que o autor atribuísse essa característica à força psíquica, pode-se considerar estranho que ele afirmasse que o fato de esses fenômenos só ocorrerem na presença de poucas pessoas seria um empecilho à realização das pesquisas. Como um cientista acostumado a lidar com fenômenos muitas vezes não detectáveis pelos simples sentidos humanos, ele poderia cogitar na construção de aparelhos cada vez mais sensíveis, para que a força psíquica pudesse ser detectada na presença de pessoas não consideradas médiuns. Assim, alegar que as investigações eram difíceis por falta de acesso aos médiuns não parece ser um bom argumento.(p. 110)
Esse comentário é questionável porque todo o problema de Crookes não estava em saber se pessoas comuns poderiam revelar a força psíquica (uma conjectura) em menor intensidade ou não (o que seria uma forma alternativa de chamar a atenção para a realidade dos fenômenos), mas no caráter incontrolável dos experimentos. De fato, Crookes (tanto quando muitos espiritualistas) considerariam o problema resolvido se se dispusesse de meios para se conhecer completamente todas as condições necessárias e suficientes para  a ocorrência dos fenômenos psíquicos. O problema é recorrente hoje em dia, pois, por mais sensíveis sejam os instrumentos utilizados (balanças, câmeras, detectores e sensores), tudo permanece incontrolável. As investigações sempre foram difíceis sim por conta de dificuldades no acesso a fontes fenomenológicas de qualidade, e Crookes estava longe em sua época de contar com dispositivos sensíveis para validar sua conjectura.  A autora foi levada a tal conclusão por desconsiderar a realidade dos fenômenos.

Para pessoas acostumadas com a literatura espiritualista, em nenhum momento de 'Estudando o Invisível' (nem mesmo no capítulo que descreve as famosas materializações de Kate King via Florence Cook) aparece qualquer referência à famosa substância denominada 'ectoplasma' (neologismo criado por Charles Richet (1850-1935) que também não é citado na obra) responsável por muitos fenômenos. Será que Crookes não teria notado essa substância? Como muito da comunicação não publicada de Crookes foi sumariamente eliminada, talvez nunca venhamos a saber. A inexistência de quaisquer citações ao ectoplasma - tão abundantemente registrado por vários pesquisadores no passado - é um ponto negativo na narrativa da obra, já o Capítulo 7 discute investigações de fenômenos espíritas posteriores a Crookes.

Que a conclusão da autora se dá desde o ponto de vista das teorias da fraude (que se justifica pela necessidade de neutralidade e narrativa desde o ponto de vista da época) está claro na conclusão. Por exemplo, no último parágrafo da página 530 está afirmado:
Os relatos das sessões mostraram que as condições de visualização dos fenômenos não eram tão boas quanto o cientista apregoava em suas publicações....Além disso, os médiuns e outros observadores pareciam não ser revistados e, muitas vezes, foram realizadas sessões nas quais, provavelmente, o cientista não podia controlar quem entrava ou saía da sala.
Podemos considerar equivocada a conclusão expressa em seguida, na p. 539 no penúltimo parágrafo:
De qualquer forma, observa-se que o cientista parecia ter suas iniciativas e procedimentos limitados durante as sessões, o que pode explicar a pouca variabilidade dos experimentos e as discrepâncias entre o seu método de agir no caso das investigações 'normais' e nas invesigrações espiritualistas.
O mais correto seria reconhecer que possivelmente a natureza do fenômeno e suas causas não possibilitassem a adoção de métodos semelhantes aos adotados nas pesquisas chamadas 'normais'. De fato, o trecho acima deixa transparecer que Crookes foi 'ludibriado' pelos participantes das sessões e que, por isso, não poderia aplicar seu método universal de pesquisa, no que ele realmente estava equivocado. A autora não questiona em nenhum momento a validade da universalidade de tal método, limitando-se a enfatizar que Crookes nele acreditava.

Considero igualmente confusa a discussão apresentada no Capítulo 9 onde a autora descreve os critérios de demarcação entre 'ciência e não ciência'. Ao mesmo tempo em que discute propostas relevantes de autores como Thomas Kuhn e Imre Lakatos, a autora reforça o ponto de vista de céticos como Nathan Aaseng e Terence Hines que podem ser colocadas em conflito com as teorias epistemológicas de Kuhn e Lakatos. Os critérios apresentados por Aaseng para o que seria ciência (ver p. 513) podem ser descritos como consequência de uma visão positivista lógica da ciência com forte lastro no indutivismo. Portanto, as conclusões da aplicação desse tipo de visão ao trabalho de Crookes (o que é feito na parte final do Cap. 9) obviamente irão refletir o ponto de vista lógico positivista.

A obra 'Estudando o Invisível' demonstra de forma categórica que, por mais famoso seja um pesquisador ou cientista que aceite a  tese espiritualista, sua fama jamais poderá convencer os céticos. De nada serve a opinião de um cientista muito versado em determinada disciplina acadêmica, contrariando o próprio projeto de Crookes, que esperava pudesse modificar a opinião da academia de sua época sobre o assunto. O mesmo fenômeno ocorre modernamente com cientistas famosos (inclusive nobelistas) que defendem a parapsicologia ou o uso da mecânica quântica no estudo de fenômenos chamados paranormais. A opinião e a crença cética sobre determinados assuntos estão estabelecidos sobre fundamentos muito mais profundos e inabaláveis pela disposição da fama em aceitar uma opinião contrária.

Recomendo fortemente a leitura desse livro que certamente é um importante trabalho de resgate da memória universal relativa a esse capítulo tão importante da história da ciência, ainda que os céticos disso discordem.

Informação sobre o livro

Estudando o Invisível.
Autor: Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira.
Coleção Hipóteses.
Educ/FAPESP (2004)
ISBN: 85-283-0306-3.
566 páginas.





Notas

[1] As teorias descritas por Crookes encontram-se descritas na p. 209, Cap. 4 'As investigações de Crookes sobre os fenômenos espirualistas II de 'Estudando o Invisível'. Para referência de A. Kardec ver o Cap. 4 de 'O Livro dos Médins', 'Dos Sistemas'.