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4 de janeiro de 2023

Comentários sobre a Gênese Orgânica de "A Gênese" - VIII

Gorila e borboleta. Fonte: Wikipedia (Ana L. Araújo).

Continuação do post anterior: "Comentários sobre a Gênese Orgânica de 'A Gênese' - VII". Estudo sobre o Capítulo X de "A Gênese" de A. Kardec. Última parte.

O homem corpóreo

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Do ponto de vista corpóreo e puramente anatômico, o homem pertence à classe dos mamíferos, dos quais unicamente difere por alguns matizes na forma exterior. Quanto ao mais, a mesma composição de todos os animais, os mesmos órgãos, as mesmas funções e os mesmos modos de nutrição, de respiração, de secreção, de reprodução.

Com essa descrição, Kardec coloca a Humanidade em seu devido lugar de natureza. Finalmente a Humanidade havia sido destronada como objetivo único da criação pelas mãos da ciência. Não há mais o que falar sobre qualquer privilégio natural; fisicamente o Homem não se distingue de um animal, pelo menos do ponto de vista "corpóreo". Além disso:

É tão grande a analogia que suas funções orgânicas são estudadas em certos animais, quando as experiências não podem ser feitas nele próprio.

É o caso das inúmeras pesquisas em farmacologia que resultaram em drogas importantes para o tratamento de humanos, drogas que foram experimentadas nos animais durante seu desenvolvimento. 

A questão agora é: diante desse quadro de semelhanças físicas, como é possível "resgatar" o destino espiritual do homem? A resposta passa pelo reconhecimento de que os animais têm seu princípio espiritual, o que depende de uma lei de evolução estendida também a esse princípio.

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A referência da Wikipedia apresenta a classificação (árvore) científica moderna dos humanos: 

  1. Reino: Animalia, 
  2. Filo: Cordata, 
  3. Classe: Mamalia, 
  4. Ordem: Primata, 
  5. Subordem: Halorfini, 
  6. Infraordem: Simiforme, 
  7. Família: Hominidae, 
  8. Subfamília: Homininae, 
  9. Tribo: Hominini, 
  10. Genus (Gênero): Homo, 
  11. Espécie: Sapiens.

Essa classificação apresenta o elo comum dos humanos com os símios como pertencente à Ordem dos primatas e com ramificações até a Infraordem "simiforme" ou antropóides. A Família dos hominídeos inclui  4 Gêneros: Pongo, Gorila, Pan e Homo. Para ficar mais clara essa classificação, a Fig. 1 apresenta uma representação dos ramos a partir de Hominidae.

Fig. 1 Posição do Gênero Homo a partir da Família Hominidae. Fonte Wikipedia.

Hoje acredita-se que a espécie Homo Sapiens surgiu entre 300 mil e 200 mil anos atrás e não foi a única. Habilis, Erectus,  Ergaster, Naledi, Neanderthalensis e outras todas desaparecidas precederam os humanos modernos. Entre esses não mais existem quaisquer espécies. Não obstante a variedade de tons de pele e de outras características, tais diferenças não justificam a classificação em mais de uma espécie e nem mesmo a ideia de raça. Todos os quase 8 bilhões de indivíduos no mundo pertencem rigorosamente ao mesmo tipo humano.

Sobre os símios, Kardec comenta:
Como o homem, esses macacos caminham eretos, usam cajados, constroem choças e levam à boca, com a mão, os alimentos: sinais característicos.
Esses são sinais de inteligência, uma evidência do elemento espiritual a eles associado.

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Kardec reconhece a existência de um princípio de evolução nas formas como um aperfeiçoamento entre as espécies:
Acompanhando-se passo a passo a série dos seres, dir-se-ia que cada espécie é um aperfeiçoamento, uma transformação da espécie imediatamente inferior.
Com isso ele ecoa noções de evolução pré-Darwinistas [1] de sua época que já reconheciam uma mudança gradual entre as espécies de animais, ainda que não se soubesse exatamente o mecanismo responsável por isso. Essas noções tiveram início com a constatação de que as espécies não eram fixas. Pioneiros dessas ideias foram Georg L. Leclerc (Comte de Buffon 1707-1788); Erasmus Darwin (1731-1802), avô de Charles Darwin; Jean-Baptiste C. de Lamarck (1744-1829); Charles Lyell (1797-1875) e George Cuvier (1769-1832). 

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Ainda que isso lhe fira o orgulho, tem o homem que se resignar a não ver no seu corpo material mais do que o último anel da animalidade na Terra. Aí está o inexorável argumento dos fatos, contra o qual seria inútil protestar.
Muitos  têm o orgulho ferido, pois alguns cristão ainda hoje se recusam a aceitar a evolução das espécies como o mecanismo que resultou na formação da espécie humana. Acreditam que a Humanidade tem um lugar especial, se não exclusivo, na Criação. 

É o excessivo valor dado ao corpo que leva a esse preconceito. Ao contrário, o corpo é a plataforma física a partir da qual se eleva sem fim o espírito imortal. 

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O Espiritismo, entretanto, reconhece as descobertas da ciência sobre a evolução corpórea e as incorpora em seus ensinos. Estende, porém, essa compreensão ao princípio espiritual que colhe da evolução das formas os elementos para seu aprimoramento. Assim, o Espiritismo descortina "um mundo novo" que permite a nós compreender também a existência dos animais como companheiros de jornada evolutiva, o derradeiro golpe à vaidade humana.
Pois bem! o Espiritismo, a loucura do século XIX, segundo os que se obstinam em permanecer na margem terrena, nos patenteia todo um mundo, mundo bem mais importante para o homem, do que a América, porquanto nem todos os homens vão à América, ao passo que todos, sem exceção de nenhum, vão ao dos espíritos, fazendo incessantes travessias de um para o outro.
Esclarecida de alguma forma o aparecimento do elemento material, permance a questão da origem do princípio espiritual.  Ao colher informes e vivências em sua associação com a matéria, segue por tempo desconhecido a evoluir até o destino final ainda inacessível ao nosso grau de entendimento presente. 

Referências

[1] Pre-Darwinian Theories: https://www2.palomar.edu/anthro/evolve/evolve_1.htm













18 de novembro de 2022

Comentários sobre a Gênese Orgânica de "A Gênese" - VII

Artforms of Nature, 1899–1904, Ernst Haeckel.

Continuação do post anterior: "Comentários sobre a Gênese Orgânica de 'A Gênese' - VI". Estudo sobre o Capítulo X de "A Gênese" de A. Kardec.

Escala dos seres orgânicos

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Fora ainda do contexto da teoria da evolução (que se consolidaria muito depois da publiação de "A Gênese"), Kardec pinta um quadro descritivo da variedade dos seres vivos apontando para uma crescente especialização das formas.

Um exemplo que econtramos neste Parágrafo é a referência aos zoófitos. Mas a palavra "zoófito" se tornou obsoleta com o tempo e designava "animais-plantas" ou seres que, não obstante considerados como animais, têm aparência de planta. Sua existência dava aos antigos biologistas um elo de ligação entre animais e plantas. Ela explicava como certas espécies dessas últimas (como o algodão) produziam coisas que animais também pareciam produzir. O termo e o que ele implicava foi assunto de inúmeros debates [1]. Kardec ecoa esse conhecimento antigo ao declarar que:

O zoófto tem a aparência exterior da planta. Como planta, mantém-se preso ao solo; como animal, a vida nele se acha mais acentuada: tira do meio ambiente a sua alimentação.

É importante considerar que mesmo Darwin utilizou o termo. Modernamente se sabe que não existe essa ligação. Os zoófitos dos antigos são hoje encontrados em muitos seres marinhos como as anêmonas e outras criaturas de "simetria radiada", ou seja, que apresentam estruturas distribuídas em torno de um centro.

Kardec apresenta uma escala de seres na seguinte ordem: pólipos, helmintos, moluscos, crustáceos, insetos, vertebrados e mamíferos:

Pólipos representam hoje o filo Cnidaria dentro os quais se encontram as medusas e as anêmonas. 

Helminto é o termo derivado do grego para "verme". Kardec cita os "vermes intestinais" em uma referência ao uso dessa palavra na medicina. Modernamente "se entende como verme o animal com o corpo alongado e/ou achatado e sem esqueleto interno ou externo" (ver ref. Wikipedia: Verme). Eles são quase que onipresentes na Natureza. Englobam vários tipos de organismos, mas o termo antigo caiu em desuso. 

Os moluscos são classificados modernamente como pertencentes ao filo Mollusca e representam animais invertebrados, tanto de água doce e marinha como também terrestres (p. ex., os caracóis). 

Os crustáceos são invertebrados (sem coluna vertebral) artrópodes (com exoesqueleto duro) dentre os quais se destacam os siris, caranguejos e camarões (mas não somente animais marinhos). 

Insetos também pertencem ao filo Arthropoda e são invertebrados com características morfológicas únicas como possuirem um exoesquelo quitinoso. Representam mais de 70% em termos de multiplicidade de espécies animais. 

Ao desenvolverem uma coluna vertebral e um sistema nervoso, os vertebrados formam uma subdivisão dos animais cordados. Em termos temporais, sua origem remonta ao aparecimento dos primeiros fósseis de vertebrados há 450 milhões de anos. O que caracteriza os vertebrados é a presença de uma coluna vertebral, crânio, a presença de um sistema muscular e um sistema nervoso. 

Finalmente, como uma subdivisão do ramos dos vertebrados, chegamos aos mamíferos. Kardec os descreve como animais com uma "organização mais completa". Em termos descritivos, os mamíferos são animais com temperatura interna regulada (endotérmico), cujas fêmeas produzem leite por meio de glândulas mamárias. 

Os humanos pertencem a essa subclasse. Os humanos são assim descritos modernamente como seres do domínio Eukariota, no reino Animalia, com filo Chordata e subfilo Vertebrada, subdivididos na superclasse dos Tetrapoda, de classe Synapsida e subclasse Mammalia. Porém, a classificação não termina aqui. Até o gênero Homo da espécie Sapiens, há ainda mais 11 subdivisões...

Fig. 1 Linha do tempo simplificada em bilhões de anos mostrando os principais eventos naturais conforme a visão moderna da evolução. Nesse quadro imenso, destacam-se: a formação dos organismos com núcleo celular (Eucariontes), a "revolução Cambriana" e o aparecimento dos primeiros hominídeos. O uso do fogo, por exemplo, ocorreu em um milésimo de bilhão de anos atrás, ou seja, há aproximadamente 1 milhão de anos. Fonte original: wikipedia. (clique na imagem para ampliar)

Em termos atuais essa escala pode ser apreciada por meio das classificações taxonômicas modernas. Essas objetivam reduzir a variabilidade observada entre diferentes animais agrupando-os em "taxa" que acabam por formar uma grande árvore. Partindo-se de uma divisão em "reinos", esses são subdivididos em "filos". Os filos são subdividios em "classes", essas em "ordens", essas em "famílias", as famílias são separadas por "gêneros" e, finalmente, os gêneros são subdivididos em espécies. Dentro de cada espécie admite-se também subdivisões em "subespécies".  

O aumento da complexidade nos mamíferos (chamada frequentemente "diversidade") se manifesta pela existência de um número grande de espécies, e os ramos da árvore se tornam mais preenchidos. Entretanto, essas classificações refletem muito aspectos morfológicos, tanto que os insetos acabam por formar o maior ramo da árvore dos animais pela enorme diversidade com que se manifestam. 

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A noção de que os organismos com funções e organizações complexas são modificações gradativas de espécies anteriores é descrito por Kardec:

Compreende-se então a possibilidade de que os animais de organização complexa não sejam mais do que uma transformação, ou, se quiserem, um desenvolvimento gradual, a princípio insensível, da espécie imediatamente inferior e, assim, sucessivamente, até o primitivo ser elementar.

Uma imagem resumida da evolução ao longo de bilhões de anos pode ser vista na Figura 1.  Nada se sabia na época sobre como tais transformações ocorriam. Ao questionamento de Kardec:

Ora, se a glande encerra em latência os elementos próprios à formação de uma árvore gigantesca, por que não se daria o mesmo do ácaro ao elefante?

podemos responder hoje que os "elementos próprios" que unificam a escala dos seres, do ponto de vista material, está no material genético que os compõem.  Assim, o grande elo de ligação reconhecido entre todos os seres, dos mais primitivos aos mais complexos e especializados, são seus constituintes genéticos.

Como vimos anteriormente [2], a tese da geração espontânea era aceita por grande parte dos acadêmicos na época de Kardec. Ele reporta esse estado ao comentar que essa teoria "é a que tende evidentemente a predominar hoje na ciência". Neste Parágrafo, Kardec segue assim a ciência de seu tempo e considera a ideia das "transformações gradativas" entre os seres diante da noção de geração espontânea. As transformações seriam assim um modo alternativo da Natureza de gerar novas espécies porque cada uma delas adquiriu "a faculdade de reproduzir-se" e "os cruzamentos acarretaram inúmeras variedades". Os seres mais simples se reproduziriam espontaneamente, enquanto que os organismos mais complexos transformavam-se com o tempo.

Essas noções sofreram mudanças profundas com a teoria da evolução de Darwin, o mutacionismo e a moderna genética. A geração espontânea foi expurgada da Biologia enquanto que o único mecanismo possível de criação de novas espécies está na evolução e nos inúmeros detalhes que operam seu mecanismo. As provas da evolução com organismos muito simples foram amplamente coletadas e constantemente monitoradas. Um exemplo que se tornou popular são as descrições da evolução do vírus da Covid-19, ver por exemplo, um trabalho recente em [3]. 

Essa mudança na maneira de se descrever o surgimento dos seres vivos não altera uma compreensão maior que devemos ter sobre a ligação espiritual que os une e que, um dia, também será reconhecida. Talvez seja possível dizer que uma consequência dessa ligação espiritual seja o elo material na forma das estruturas comuns que os conectam em uma grande hierarquia de criaturas. 

Referências

[1] Gibson, S. (2012). On Being an Animal, or, the Eighteenth-Century Zoophyte Controversy in Britain. History of science, 50(4), 453-476.

[2] Comentários sobre a Gênese Orgânica de "A Gênese" - VI

[3] Li, F. (2016). Structure, function, and evolution of coronavirus spike proteins. Annual review of virology, 3(1), 237.