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22 de fevereiro de 2023

Experiências fora do corpo na Epilepsia


A epilepsia é uma doença que afeta o sistema nervoso e que se caracteriza pela existência de crises recorrentes [1]. Durante essas convulsões epiléticas pode haver perda da consciência concomitante a episódios de movimentos descontrolado do corpo. Em geral, as crises têm curta duração mas, se excederem 5 minutos, necessitam de cuidado médico especial. Crises epiléticas podem resultar em acidentes severos, basta imaginar sua ocorrência no trânsito, por exemplo. Não obstante a existência de muitas drogas avançadas, 30% dos pacientes não tem controle sobre as crises.

As causas para a epilepsia são inúmeras [2]: influência genética, traumas, anormalidades no cérebro, infecções, desordens no desenvolvimento etc. Sua ocorrência está ligada a mudanças na estrutura neural do cérebro. Também existem complicadores tais como a idade, o histórico familiar, a incidência de acidentes vasculares, infecções e demência.

O que acontece à consciência durante a crise epilética é um assunto de interesse científico recente. Há crises em que não ocorre perda da consciência e outras em que ela é afetada. Durante as crises [2], pacientes podem experimentar a sensação de dejà-vu - quando têm a nítida impressão de já terem vivenciado a situação. Ou o seu oposto ocorre: um "jamais vu", em que perdem a capacidade de reconhecer o ambiente em que estão. 

Por causa da natureza espiritual do ser humano, existem, entretanto, outras experiências "anômalas" registradas durante as crises epiléticas. Exemplos interessantes são descritos por Greyson et al (2014) [3], artigo que encontramos depois das indicações em Muito além dos Neurônios [4] do dr. Nubor O. Facure. Ao se encontrar o primeiro artigo, é possível achar outros como [5] e [6].

Experiências fora do corpo são conhecidas na literatura médica como um "fenômeno autoscópico". Nele o paciente vê a si mesmo como se estivesse fora de seu corpo. No artigo [3], os autores encontraram que, em uma amostra de 100 pacientes, 7 descreveram experiências que podem ser consideradas autoscopias em crises epiléticas. Não há correlação sobre a incidência dessas experiências com outros fatores como demografia, histórico médico, idade, frequência e duração das crises. Para cada paciente que teve a experiência, a taxa de incidência é baixa, da ordem de uma ou duas ao longo de vários anos. Dessa forma, não se pode associar sua ocorrência a outros fatores tais como medicamentos usados ou mudanças nas condições de saúde.

Recorremos a [3] para conhecer algumas das experiências vividas em crises epiléticas. Depois de descrever detalhes do quadro clínico dos casos reportados, os autores passam a sumarizar suas autoscopias:

1) Uma paciente de 28 anos que apresentou o maior número de experiências e percepções verificáveis:
Ela relatou deixar seu corpo durante cada convulsão parcial complexa: enquanto seu corpo ficava imóvel, ela sentia que estava flutuando acima dele, e que podia ver seu corpo e os arredores desde cima. No entanto, ela relatou uma dupla consciência em que, embora parecendo pairar acima de seu corpo, também permanecia consciente das sensações corporais. Relatou que, se alguém tocasse seu corpo, tinha a sensação de se "encaixar" de volta nele, o que resultava no fim da convulsão. A experiência de estar fora de seu corpo foi desagradável e alarmante, já que temia que algo pudesse acontecer ao seu corpo por estar fora de seu controle. Acreditava que suas percepções visuais extracorpóreas eram precisas e que se encontrava fisicamente separada de seu corpo. Mas não atribuiu qualquer significado espiritual a esse evento, considerando-o  "apenas algo que acontece" quando seu cérebro falha.
2) Uma paciente de 30 anos com cerca de 300 crises por mês desde os 15 anos:
Ela relatou 2–3 experiências extracorpóreas associadas a convulsões, que duraram entre 10 e 20 segundos. Afirmou que se sentiu levantar, olhando para baixo e vendo seu corpo inerte, e que podia ver e ouvir outras pessoas. Declarou se sentir leve durante a experiência que foi para ela assustadora. 
Embora a impressão realística, a experiência passada parece a ela rebuscada e vaga, confundindo-se com sua imaginação.
3) Um paciente de 43 anos que apresentou quadro de crises depois de um trauma cerebral aos 25 anos:
Ele relatou uma (única) experiência extracorpórea associada a uma convulsão: afirmou que estava acordado durante a convulsão e se viu passando por ela, inclinado sobre um dos joelhos. Percebeu que seu irmão entrou na sala e tentou dizer algo ao irmão para impedir (sua crise). Alegou ter tido dupla consciência, pois sentiu as sensações corporais de passar pela convulsão, mas também se observou passando por ela.
Esse paciente também declarou que a memória da experiência se apresenta a ele agora como um sonho.
A sensação de bicorporiedade é evidente por esses relatos, uma vez que as percepções entram por duas vias: a do corpo físico e a do corpo espiritual desdobrado durante os breves momentos de crise epilética.  Os autores em [3] consideram que, ainda que não seja "clinicamente" possível distinguir tais experiências de meras ilusões, é possível corroborar os fatos descritos pelos pacientes na experiência extracorpórea com o que de fato ocorreu durante as crises. 

Uma importante conclusão é feita pelos autores em [3] sobre o que parecem sugerir os dados de tais experiências produzidos por pacientes de crises epiléticas (grifo nosso):
No entanto, pode ser prematuro concluir dessas correlações sugestivas que as experiências extracorpóreas são um epifenômeno de condições neurofisiológicas particulares. Conforme observado acima, as distorções da imagem corporal provocadas pela estimulação elétrica ou magnética do cérebro diferem relevantemente e fenomenologicamente das experiências fora do corpo espontâneas. Os dados deste estudo sugerem que experiências extracorpóreas associadas a convulsões não estão ligadas a nenhuma região do cérebro. Além disso, as descobertas de que experiências fora do corpo foram relatadas com menos frequência em pacientes com epilepsia do que na população em geral, e que pacientes com epilepsia as descrevem em apenas uma pequena minoria de suas convulsões, alertam que a inferência de um nexo causal entre a atividade convulsiva e as experiências fora do corpo é problemática.
Colocando-se de outra forma:
  1. As experiências fora do corpo em crises epiléticas não são meros "epifenômenos" gerados por condições fisiológicas particulares;
  2. Não se pode associar os relatos dessas anomalias percepticas a regiões específicas do cérebro. No caso de pacientes epiléticos, as lesões ocorrem em diversas partes. Isso enfraquece a tese de que os desdobramentos seriam "gerados em regiões específicas do cérebro" e, de novo, meros epifenômenos;
  3. Não se pode ter pressa em afirmar nexo causal entre as crises e as experiências fora do corpo porque elas não ocorrem sempre, não há controle nem repetição do evento a cada crise, o que difere de outras alterações na consciência muito mais comuns durante as crises.

Mais detalhes sobre esse e outros estudos interessantes, o leitor poderá obter ao ler os trabalhos sugeridos [3-6].

Referências

[1] Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Epilepsia 

[2] Mayo Clinic (2023). Explaining epilepsy. https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/epilepsy/symptoms-causes/syc-20350093  (acesso em fevereiro de 2023)

[3] Greyson, B., Fountain, N. B., Derr, L. L., & Broshek, D. K. (2014). Out-of-body experiences associated with seizures. Frontiers in human neuroscience, 8, 65. Ver: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnhum.2014.00065/full (acesso em fevereiro de 2023)

[4] Facure N (2009). Muito além dos neurônios. Ed: São Paulo, FE Editora Jornalística, 5a edição.

[5] Devinsky, O., Feldmann, E., Burrowes, K., & Bromfield, E. (1989). Autoscopic phenomena with seizures. Archives of Neurology, 46(10), 1080-1088. https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/article-abstract/589440 

[6] Greyson, B., Broshek, D. K., Derr, L. L., & Fountain, N. B. (2015). Mystical experiences associated with seizures. Religion, Brain & Behavior, 5(3), 182-196. https://med.virginia.edu/perceptual-studies/wp-content/uploads/sites/360/2018/06/Mystical-experiences-associated-with-seizures.pdf

4 de outubro de 2015

Esboço de explicação espírita para a paralisia do sono

"Pesadelo" por Johann Heirich Füssli (1741-1825).
Conhecer os efeitos dessa força oculta que nos domina 
e nos subjuga malgrado nosso, não será ter 
a chave de muitos problemas, as explicações 
de uma porção de fatos que passam despercebidos? 
Se esses efeitos podem ser funestos, 
conhecer a causa do mal não é ter um meio de preservar-se contra ele, 
assim como o conhecimento das propriedades da eletricidade 
nos deu o meio de atenuar os desastrosos efeitos do raio? (A. Kardec, Ver 6).

O cenário é o de uma agradável tarde de final de semana. O estado que busco é o de repouso vespertino, quando se espera recuperar do cansaço físico da semana. O sono vem, porém, não da maneira usual. Pouco antes de acordar, começo a perceber tudo a minha volta. Por entre as pálpebras semi fechadas, percebo a decoração conhecida do quarto. Porém, pânico e desespero tomam conta de mim: não consigo levantar. Ouço vozes dos familiares distantes que sabem que estou dormindo. Tento virar a cabeça, mas terrível surpresa! Ela parece feita de chumbo. Tento levantar meu braço sobre meu abdômen, mas ele parece ter se transformado em concreto. Sei que tento virar meu braço ou meu corpo, como se outro corpo tivesse. Quanto tempo permaneço nesse estado? Não sei dizer, mas quando finalmente desperto, por causa que desconheço, sinto-me ajustado novamente ao meu corpo original, o que me traz a sensação de grande alívio. Acabo de passar por uma experiência de paralisia de sono.

Quantas vezes tive essa experiência ? Provavelmente umas três vezes. A chamada "paralisia do sono" é de ocorrência rara na vida de um indivíduo, mas bastante disseminada na população. O relato que fiz de minha experiência pessoal está longe de ser a mais comum. Além da sensação de impotência por não conseguir "se ajustar" ao corpo, há descrições de presenças, percepções anômalas ou figuras intrusivas na cena de quem desesperadamente procura acordar. Os relatos são semelhantes e descrevem uma sensação comum: a de que a personalidade se mantém íntegra, consciente da realidade a sua volta, mas, por alguma razão, não consegue se ajustar ao corpo e acaba percebendo o que parece ser uma mistura entre a "realidade" e "alucinações"...

Alucinações. Relatos de ocorrências anômalas durante a paralisia do sono.

O termo "alucinação" é algo recente. Ele foi criado por J. Étienne Esquirol (1) em 1845. Antes disso, o termo usado para tais ocorrências era "aparição". Chama a atenção que, nas obras de A. Kardec, esse termo é usado na acepção que se tornou dominante, em conjunto com "aparição" que tomou outro significado. Nas ocorrências de paralisia do sono, é comum o uso do termo "alucinações hipnagógicas" e "hipnopômpicas", o que não deve assustar, já que esses termos não servem para "explicar", mas apenas classificar ou designar. O primeiro termo representa alucinações que ocorrem ao adormecer, enquanto que o último designa as que ocorrem ao despertar. Tais nomes foram criados pelo filologista espiritualista F. Meyers.

Antes de esboçar uma explicação espírita para a sensibilidade expandida que ocorre com a paralisia do sono, convém ler alguns relatos. Estes foram retirados dos comentários do site www.nosleeplessnights.com (3, acesso em setembro de 2015), mas outros semelhantes podem ser encontrados na literatura especializada (4):
Margaux de Bokay says: September 22, 2015 at 8:02 am 
Meu nome é Margaux e tive uma experiência de paralisia do sono na noite passada. Mas essa foi algo diferente. Em minhas experiências de paralisia do sono frequentemente me vejo em companhia de uma entidade escura, demônio ou forma maligna. Ela não me mantem paralisada, mas fica me encarando e me olhando mover o corpo ou gritar por ajuda. As vezes me esforço bastante para ter o controle de meu corpo de volta. Tento abrir os olhos para realmente ver a forma ou o rosto dessa entidade, tento tocá-la ou senti-la. E, depois de brigar bastante, convenço-me de que estou no controle de meu corpo, quando finalmente me alivio e a entidade vai embora. (grifos nossos) 
Bailey says: September 17, 2015 at 3:50 am 
Tive essa experiências algumas vezes ao longo de alguns meses. Elas tem acontecido desde que era bem jovem. Provavelmente hoje tive uma das mais assustadora. Estou no terceiro mês de gravidez e me sinto bem cansada na maior parte do tempo. Cochilei um pouco na cama por alguma horas quando, de repente, percebi que não podia me mover, mas podia ouvir um ruído no meu ouvido direito como se uma mulher estivesse  falando tão rápido que não podia entender. O que dizia me soava ruim e a mulher me pareceu do mal. Já que tinha experimentado isso antes, sabia que estava acontecendo de novo, mas era assustador. Acreditei ter aberto os olhos e vi um grupo de sombras sobre o teto ao meu redor. Elas estavam quietas, diferentemente da mulher que falava. Podia sentir minha mão sobre meu abdômen e instantaneamente me assustei ao me lembrar da criança. Tentei manter meus pensamentos em algo positivo. Não sou religiosa, mas comecei a cantar "Jesus me ama". De repente, a mulher parou de falar e disse: "não existe amor" e voltou a balbuciar. Fiquei chocada com a resposta e sai dessa suando bastante e assustada. Gostaria que houvesse um jeito de parar com esses episódios, pois eles me perturbam bastante. (grifos nossos)
 Kevin A says:  September 9, 2015 at 11:29 pm
Tenho experiências como essas desde os nove ou dez anos de idade até hoje. Nem sempre, mas mais frequentemente do que gostaria de ter. Toda vez me encontro deitado, depois de me levantar no meio da noite, e logo percebo que não posso me mover. Isso depende da hora ou do lado da cama em que me encontro. Mas, tem sempre uma figura escura, mais negra do que o escuro do quarto, com uns dois metros de altura, em uma capa escura e com dedos ou unhas bastante longos (não consigo ver os detalhes, de forma que não sei se é dedo ou unha) e seu rosto é ainda mais escuro, sem nada onde se encontre a face, e que então levanta sua mão e aponta para mim. Em outra experiência comecei a rezar a oração do pai nosso e ele rosnou para mim e outra coisa parecida com demônio apareceu bem na frente do meu rosto e ai eu acordei. Em outro episódio concentrei-me em mover meu corpo a muito custo, conseguindo me libertar. Não sei no que acreditar, mas acho que ciência e religião poderiam se unir para criar uma explicação lógica que, espero, não envolva demônios ou espíritos do mal.
(grifos nossos)
Esboço de uma explicação espírita.

Como não existe uma teoria que  permita integrar as percepções da consciência com o recebimento de informação pelo cérebro - embora a existências de muitas propostas conceituais - alucinações não podem ser explicadas, ainda que correlações existam entre o uso de drogas ou inconformidades no sistema nervoso (doenças mentais). Tais correlações não implicam em causação. Mas, nos casos de paralisia do sono não consta que a pessoa esteja sob ação de drogas ou que se apresente mentalmente enferma. Ainda que sua ocorrência afete entre 3% a 6% da população, ela é um evento raro na vida de um indivíduo, constituindo uma ocorrência "incontrolável". De qualquer forma, a maior prova de que as explicações fisiológicas fornecidas são insuficientes é que não é possível controlar nem parar episódios de paralisia do sono. Por outro lado, a simples designação do fenômeno por um termo específico não constitui explicação com já afirmamos antes. 

Entretanto, os relatos de uma "presença maligna" são tão frequentes que clínicos procuraram dar uma explicação. Uma que mistura neurologia e evolucionismo foi proposta por Cheyne (4): 
Argumenta-se que a presença detectada durante a paralisia do sono surge por causa da ativação de um estado de atenção tendencioso e hiper vigilante cuja principal função é resolver ambiguidades inerentes de ameaças de pistas biologicamente relevantes. Dada a inexistência de pistas que eliminem as ambiguidades, entretanto, o sentimento de uma presença persiste como uma experiência prolongada que é tanto misteriosa como ameaçadora. Essa experiência , por sua vez, elabora e integra a alucinação recorrente que frequentemente é tomada como tendo qualidades sobrenaturais ou demoníacas.
No meu ponto de vista, porém, essas são explicações adhoc, uma mistura de elementos linguísticos típicos de algumas abordagens da mente que dão a impressão de explicar por uma adequação de certas teses com a fenomenologia. A explicação acima não está de acordo com relatos de interação do indivíduo paralisado com a entidade e nem com outros que descrevem várias presenças (5) ou mesmo com a minha experiência (não avistei nenhum "misterioso ameaçador" - de fato a maioria das experiências de paralisa do sono não contém essas presenças). Outras explicações em torno da tese da "mente que confabula contra si mesmo", como um mecanismo de auto proteção, podem ser lidas em (7).

Algumas observações dos fatos narrados durante essas experiências são portanto: 
  • Elas ocorrem mais ao despertar (apenas 10% ocorre ao adormecer, ou seja, são "hipnopômpicas");
  • As ocorrências parecem afetar principalmente adultos jovens (4);
  • A paralisia ocorre sem se estar sob efeito de drogas;
  • A paralisia ocorre sem se estar sob o julgo de uma doença mental (há, porém quem clame, ver 4, que distúrbios mentais podem estar relacionados a algumas ocorrências);
  • Algumas experiências descrevem dificuldades de respirar;
  • Os episódios são incontroláveis. Não há como prevê-los ou um método infalível de cessar a paralisia;
  • Impressão de falta de controle do corpo, dai o nome "paralisia". É importante destacar que a consciência está ativa durante o fenômeno - seu estado não é o do sonho - embora se sinta deslocada ou não ligada a seu corpo, que está paralisado. Nas minhas experiências, lembro-me de sentir como que um "elástico" a fazer retornar minha "outra cabeça" para a "verdadeira", que permanecia imóvel;
  • A experiência sempre descreve como cenário o quarto ou lugar onde a pessoa está em repouso.  É a chamada "percepção realística do ambiente" (8). Em outras palavras, a maior parte do que ela vê corresponderia ao que se acredita ser a única "realidade";
  • Alguns relatos (cerca de 1/4 dos casos, ver 4) descrevem quase sempre a presença de uma entidade maligna ou "coisa" que está a observar a pessoa em sua agonia ao tentar retomar o controle de seu corpo;
  • Alguns poucos relatos descrevem experiências fora do corpo completas;
Para o Espiritismo, o cérebro não cria a consciência, sendo, na verdade, uma interface para sua manifestação. Portanto, ainda que se possa encontrar causas fisiológicas associadas à paralisia do sono, sua dinâmica não pode dispensar a natureza dual do ser humano (5). Aqui fazemos referência à tese do grande psicólogo inglês William James (ver "O prisma de James: uma metáfora para entender a fonte verdadeira da consciência humana"), para citar uma referência fora do contexto espírita. Dessa forma, todas as alucinações, como objetos tangíveis apenas à mente, têm sua origem no elemento espiritual, seja do próprio encarnado que a observa (como produto de sua atividade mental) ou de outras fontes de natureza espírita. Algumas narrativas mediúnicas (como o autor André Luiz, por F. Cândido Xavier) também descrevem Espíritos que têm alucinação, implicando que o fenômeno não termina com a morte física, e nem deveria terminar com a morte, pois sua origem está na mente, que não pode ser destruída.
"Aquiles em busca da sombra de Pátroclo". Johann Heirich Füssli  (1803).

Do lado espírita, são dois os principais fatores que contribuem para explicar as descrições da paralisia do sono:
  1. A natureza dual do ser humano: a evolução (biológica) em curso nos seres humanos prevê experiências que começam a nos preparar para uma vida desdobrada - entre os dois planos da existência (os sonhos seriam uma delas). Isso significa que as ocorrências de paralisia do sono poderiam ser vistas como ocorrências normais de "treinamento" do Espírito encarnado junto ao seu corpo;
  2. "Os Espíritos estão por toda parte" (6b). É provável que muitos relatos de presenças estranhas - na maioria das vezes ligadas a sensações do mal - sejam realmente provocados por Entidades desencarnadas (o caso de Bailey descrito acima é típico de uma interação com um desencarnado em estado menos feliz); 
Como consequência desses princípios concluímos:
  • Muitos dos que passam pela paralisia do sono afirmam-se agnósticos ou sem crença religiosa (o caso de Bailey citado acima é um). Porém, durante o fenômeno, pedem proteção a Deus de alguma forma. Isso é um indício de que o indivíduo encontra-se em estado desdobrado, quando raciocina como Espírito e não como encarnado;
  • Portanto, a paralisia do sono poderia ser descrita como um fenômeno de "desdobramento incompleto", uma zona limiar entre o início do sono e o estado desperto, quando faculdades típicas do Espírito desencarnado operariam conjuntamente ou de forma perturbada com as faculdades sensoriais de encarnado. Nessa condição a pessoa passa a ver ou interpretar de forma extravagante a presença de Espíritos, que estão sempre a nossa volta.
  • Obsessão: não acreditamos que a paralisia do sono implique na presença de obsessões e nem que ela se descreva como um processo obsessivo. Dificilmente obsessões restringem sua atuação a ocorrências noturnas, quem sofre de obsessão tem seu período de vigília também  alterado;
  • As sensações de audição de algo ou presença "respirando" próxima podem ser atribuídas à falha de associação do Espírito com seu corpo.
Talvez, o fenômeno da paralisia do sono seja a causa das descrições de "íncubos" e "súcubos" tão abundantes na literatura antiga.  Essa tese tem sido explorada em alguns trabalhos (ver 8) e permite descrever alguns mitos culturais (9).

Como mitigar os efeitos de presenças na paralisia do sono

A explicação espírita tem uma vantagem: ela permite deduzir procedimentos que podem, em tese (e há relatos que o corroboram), reduzir o stress da paralisia. Uma vez considerado que se trate de um fenômeno de desdobramento parcial, consideramos que o controle mental e adoção de uma postura positiva com pedidos de proteção - o que envolve necessariamente  a realização de uma prece - pode reduzir drasticamente influências inferiores, ainda que a ocorrência da paralisia não seja eliminada. Como o indivíduo no estado paralisado encontra-se "desperto", ele pode e dever pedir essa proteção. No trecho abaixo, A. Kardec parece ter resumido a questão:   
Ensinam os nossos estudos que o mundo invisível que nos circunda reage constantemente sobre o mundo visível e no-lo mostram como uma das forças da Natureza. Conhecer os efeitos dessa força oculta que nos domina e nos subjuga malgrado nosso, não será ter a chave de muitos problemas, as explicações de uma porção de fatos que passam despercebidos? Se esses efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do mal não é ter um meio de preservar-se contra ele, assim como o conhecimento das propriedades da eletricidade nos deu o meio de atenuar os desastrosos efeitos do raio? Se então sucumbirmos, não nos poderemos queixar senão de nós mesmos, porque a ignorância não nos servirá de desculpa. O perigo está no império que os maus Espíritos exercem sobre as pessoas, o que não é apenas uma coisa funesta do ponto de vista dos erros de princípios que eles podem propagar, como ainda do ponto de vista dos interesses da vida material. (6)
A prece permite desvencilhar-se da influência opressora, reduzir ou mesmo eliminar a atuação de Espíritos mal intencionados, além de servir para fortalecer (predispor positivamente) o Espírito de quem passa pela situação. De um jeito ou de outro, somente teremos uma terapia efetiva de controle da paralisia do sono quando todas as causas (tanto físicas como espirituais) forem plenamente conhecidas. Claramente, a contribuição espírita não poderá ser desprezada. 

Referências

1 - Blom, J. D. (2009). A dictionary of hallucinations. Springer Science & Business Media.

2 - Kardec, A. Ver: "O Livro dos Médiuns", 2a parte, "Das manifestações espíritas", Cap. VI - Das manifestações visuais. "Teoria da alucinação";


4 - Cheyne, J. A. (2001). The Ominous Numinous - Sensed presence and 'other' hallucinations. Journal of Consciousness Studies, 8(5-7), 133-150.

5 - Documentário sobre a paralisia do sono (em inglês) contrapondo explicações do mainstream a dados antropológicos de crenças em Espíritos.
6 - Kardec, A. "Revista Espírita". Julho de 1859. Discurso de encerramento do ano social 1858-1859.

6b - Kardec A. "O Livro dos Médiuns". Primeira Parte - Noções preliminares, Capítulo I - Há Espíritos? 

7 - McNamara P (2011) Sleep Paralysis - when you wake up but can't move. Psychology Today. Disponível em: (acesso outubro de 2015)
8 - Adler, S. R. (2011). Sleep paralysis: Night-mares, nocebos, and the mind-body connection. Rutgers University Press.

9 - Alguns mitos ao redor do mundo que podem ser descritos como eventos de paralisia do sono (ver 8 para mais exemplos): 
  • Em Portugal: A palavra "pesadelo" está ligada a sensação de opressão, de "peso" provocado pela incapacidade de se mover;
  • O fenômeno da opressão fantasma de Hong Kong;
  • O Kanashibari (金縛り) no Japão;
  • Dab Tsog (o demônio opressor) - Hmong;
  • Ogun Oru (guerrilha noturna) em Iorubá (sudoeste da Nigéria);
  • Ga-ui Nool-lim (가위눌림, o pesadelo que pressiona) - Coreias.