20 de dezembro de 2013

Textos em Alemão e Espanhol do Era do Espirito (metamorphoseon2)


O blog metamorphoseon2 acaba de disponibilizar uma versão em alemão e espanhol do texto Os objetivos do Espiritismo, que foi publicado aqui em 31 de Maio de 2013. A versão em alemão tem o título Die Ziele von der Lehre der Geister (Spiritismus) (1) e a versão em espanhol Los objetivos del Espiritismo (2).

Esses textos são fruto do trabalho de Adriana Sachs Vogel e Sonia Maria de Oliveira Puighermanal que, em um trabalho conjunto, têm disponibilizado diversos outros textos de interesse nos dois idiomas, além do português. Um resumo da colaboração entre as autoras do blog metamorphoseon2 pode ser lido aqui

Por exemplo, há um resumo bibliográfico de Chico Xavier em alemão, que reproduzimos abaixo:
Francisco Cândido Xavier, 02. April 1910, Pedro Leopoldo, Minas Gerais, Brasilien, bekannt als Chico Xavier ist ohne Zweifel einer der bekanntesten und hervorragendsten Exponenten der brasilianischen Kultur des XX. Jahnhunderts. Sein Leben hat er in den Dienst der Nächsten gestellt, mit seiner Unterstützung wurden viele soziale Projekte ins Leben gerufen und daraufhin wurde er sogar für den Friedens-Nobelpreis vorgeschlagen. Als er fünf Jahre alt war, begann er Stimmen zu hören und Geister zu sehen. Von da an pflegte er einen engen Kontakt zur geistigen Welt. Dank seiner mediumistischen Fähigkeiten haben verschiedene Geistwesen 412 Werke durch ihn geschrieben. Francisco Cândido Xaviers Leistung als Medium ist eindrucksvoll und seine psychographierten Bücher, mit mehr als 25 Millionen verkauften Exemplaren in portugiesischer Sprache, zählen zu den Bestsellern ihrer Art. In die deutsche Sprache wurden sechs  seiner Werke übersetzt. 
Bis zu seinem Tod im Jahr 2002 wurden Gedichte, Geschichten, Romane sowie wissenschaftliche, philosophische und religiöse Bücher durch ihn geschrieben.Viele seiner medial geschriebenen Bücher gehören zu den meistverkauften und dienen Theaterstücken, Filmen (u.a. „Nosso Lar“, 2010) Fernsehprogrammen usw. als Grundlage.
Em alemão também é possível encontrar um resumo bibliográfico de Allan Kardec (3) e de Leocádio José Ferreira (4). Em espanhol e português é possível encontrar textos de várias outras personalidades.

Segundo Adriana, outros textos serão disponibilizados no futuro. Parabéns a iniciativa que, certamente, trará importantes frutos no futuro. 

Referências

1 - http://metamorphoseon2de.wordpress.com/2013/12/17/die-ziele-von-der-lehre-der-geister-spiritismus/ (Acesso: Dezembro de 2013)
2 - http://metamorphoseon2.wordpress.com/2013/12/17/los-objetivos-del-espiritismo/ (Acesso: Dezembro de 2013)
3 - http://metamorphoseon2de.wordpress.com/biographien/ (Acesso: Dezembro de 2013)
4 - http://metamorphoseon2de.wordpress.com/leocadio-jose-correia/ (Acesso: Dezembro de 2013)



11 de dezembro de 2013

II - Modelo simplificado para a relação espírito-corpo (sobre a faculdade de cura)

Fig. 1 Elementos constitutivos do ser humano em uma visão representativa por blocos. 
No post anterior, iniciamos um estudo sobre a faculdade de cura e precisamos avançar na explicação de alguns conceito apenas citados brevemente lá. Aqui, desenvolvemos um pouco mais essas ideias,  fazendo uso do conhecimento legado por A. Kardec em diversas obras da codificação. Isso é importante porque, como dissemos, o desequilíbrio que se manifesta como doença não tem sua origem apenas no corpo físico. Precisamos de uma visão integrada do ser humano. Também não é possível simplesmente descrever essas doenças como origem apenas no Espírito. Há outro elementos que concorre para a gênese de desequilíbrios e que deve ser considerado.O ser humano ou Espírito encarnado é um todo complexo, sujeito a influências de inúmeros fatores, tanto físicos quanto espirituais. 

Elementos constitutivos do ser humano.

O diagrama a Fig, 1 ilustra os elementos principais que formam o ser humano (e, talvez, muitos animais) de acordo com a visão espírita. Cada elemento está identificado na figura. Ao invés de propor a existência de uma multiplicidade de 'corpos' para a contraparte não física do ser humano, o Espiritismo representa a parte 'extrafísica' mais próxima do corpo material por meio do perispírito (1), conforme pode-se ler na questão #93 de 'O Livro dos Espíritos':
93. O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem, ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?
Envolve-o uma substância, vaporosa para ti, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira. 
Envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma; do mesmo modo, um envoltório que, por comparação, se pode chamar perispírito, envolve o Espírito propriamente dito. 
Ressaltamos que é difícil contestar a existência desse veículo de comunicação, desde que se admita o dualismo e a necessidade de haver uma conexão entre o corpo físico e o Espírito. Ou seja, o perispírito segue como corolário da noção dual do ser humano.

O diagrama é uma representação unidimensional da relação entre cada um dos elementos e a interação entre eles é mostrada por meio das regiões de interseção. O que são tais zonas? Elas representam os laços que unem um elemento a outro. A natureza ainda 'material' do perispírito é mostrada na mesma cor do corpo físico, que está mais 'translúcido'. Existe, portanto, uma interface entre o corpo físico e o perispírito. Essa interface é responsável pela comunicação entre o centro superior (o Espírito) e o corpo.

Da mesma forma como se pode falar numa interface entre o corpo físico e o perispírito, é também previsível a existência de outra interface, desta vez entre o perispírito e o Espírito propriamente dito. A natureza e propriedade dessa ligação está envolvida em profundo mistério. Se ela se dá na forma de outros corpos ainda mais sutis que o perispírito, ou é de natureza totalmente diferente, não nos é possível afirmar. 

O que é a desencarnação?

Existe uma assimetria na maneira como cada elemento determina sua ação sobre cada um dos outros. A morte é provocada pela cesssação, no corpo físico, dos processos vitais (2). Isso causa o abandono ou desligamento das outras partes. Isso está representado esquematicamente na Fig.3. Em dois momentos: 1) quando o laço se estreita entre o perispírito e o corpo, porque esse não mais suporta os princípios vitais necessários para manutenção de seu metabolismo e 2) quando a ligação se rompe e, finalmente, o Espírito desencarnado segue sem sua contraparte material. Nas palavras de A. Kardec (3):
Então, o perispírito se desprende, molécula a molécula, conforme se unira, e ao Espírito é restituída a liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo; esta é que determina a partida do Espírito.
Fig. 3 Esquema representativo do processo de desencarnação. Em 1) está representado o rompimento dos laços que unem o corpo ao perispírito. Em 2) o rompimento foi efetivo, mas o ser continua a existir como um Espírito desencarnado.

Como um Espírito desencarnado, o 'ser' continua sua existência e interage com o seu ambiente. A estrutura de seu perispírito tem a densidade do meio apropriado e conforme o seu grau de adiantamento. 

Um diagrama esquemático do 'Espírito desencarnado' pode ser visto na Fig.4. É importante entender que é o espírito (princípio inteligente) a sede da personalidade verdadeira e integral do ser. Nele estão contidas todas as paixões, memórias, inteligência do indivíduo e sua essência. Determinada classe de espíritos trazem, de seu passado, complexos, angústias e outros problemas psicológicos que permanecem gravados em seus espíritos, mas que têm impacto direto na formação e estrutura do perispírito. Isso está representado na Fig. 4 pela seta que vai do espírito para o perispírito na interface entre esses dois princípios. 

Da mesma forma, o meio ambiente, onde está o perispírito, exerce sobre ele uma influência (que está representada pelas setas externas). O perispírito possui cor, forma, estrutura e dimensão sendo a contraparte perceptível do espírito, que é usada pelo ser para interagir com seu ambiente e com outros espíritos.  De importância considerável é a descrição que A. Kardec faz das propriedades do perispírito, bem como de seu caráter mutável, conforme o grau de adiantamento do espírito (4):
Os Espíritos chamados a viver naquele meio tiram dele seus perispíritos; porém, conforme seja mais ou menos depurado o Espírito, seu perispírito se formará das partes mais puras ou das mais grosseiras do fluido peculiar ao mundo onde ele encarna. O Espírito produz aí, sempre por comparação e não por assimilação, o efeito de um reativo químico que atrai a si as moléculas que a sua natureza pode assimilar. 
Resulta disso este fato capital: a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a Terra ou o espaço que a circunda. O mesmo já não se dá com o corpo carnal, que, como foi demonstrado, se forma dos mesmos elementos, qualquer que seja a superioridade ou a inferioridade do Espírito. Por isso, em todos, são os mesmos os efeitos que o corpo produz, semelhantes as necessidades, ao passo que diferem em tudo o que respeita ao perispírito. 
Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; que os Espíritos superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo
Fig. 4 Um Espírito encarnado, conforme nossa convenção de diagramas.

A diferença de formação e influência do espírito sobre o corpo espiritual é fundamental para se compreender a origem e dinâmica de determinadas doenças que transcendem a determinações do corpo material.

As interfaces entre o corpo e o espírito.

De fundamental importância para compreender o processo de adoecimento e a proposta de terapias para várias doenças complexas de difícil tratamento, será o desenvolvimento do conhecimento (uma ciência própria) para as interfaces entre o corpo físico e o perispírito, e deste com o Espírito.

Pode-se compreender, pela análise desses diagramas, que doenças também podem ocorrer com o Espírito desencarnado. De fato, a assimetria que citamos na causa da desencarnação (como resultante da falência do corpo) está refletida na assimetria da influência maior das causas espirituais em muitas das doenças. As enfermidades mais graves que atingem a existência física no corpo procedem todas de desajustes que ocorrem a partir dos centros superiores. Por isso, é possível falar em 'lesões do corpo espiritual' da mesma forma como falamos em 'lesões do corpo físico'. No segundo caso, essas lesões são provocadas por desajustes internos do corpo ou pela influência de fatores materiais externos. No primeiro, desajustes equivalentes (que partem do espírito) ocorrem e podem ser magnificados também por fatores externos que atuam sobre o perispírito. Como esse 'habita' na atmosfera em que melhor está 'sintonizado', é natural que sofra as influências desse meio.

Dada a ligação que existe entre os três corpos no estado de encarnado, pode-se falar também que a influência do espírito se estenda até o corpo físico, por meio de mecanismos ainda a serem desvendados envolvendo a influência, no corpo, do perispírito, no momento da formação do corpo físico. Assim, embora o corpo material seja formado por elementos do mundo material, sua estrutura pode modificada, até certo ponto, por impositivos que descem dos centros superiores. 

Justamente pela ligação que existe entre esses diferentes princípios que formam o ser é que novos processos terapêuticos para certos desequilíbrios podem ser divisados quando se considera a gênese das doenças não apenas no corpo físico, mas também como oriundas das profundezas do espírito e se seu veículo de expressão, o perispírito.
A enfermidade, como desarmonia espiritual (...) sobrevive no perispírito. As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste. (A. Luiz, 1)
Referências e comentários

(1) A. Kardec. "O Livro dos Espíritos". Questão #93. Texto www.ipeak.com.br. Observe que a existência do perispírito não implica que outros corpos 'sutis' não existam, e a divisão adotada por Kardec tem cmoo objetivo ser, principalmente bastante didática. O assunto exige, dada a 'intangibilidade' dos conceitos envolvidos: multiplicar corpos sutis (como é feito em determinadas doutrinas espiritualistas) em nada contribui para melhorar nosso compreensão sobre essas realidades ocultas do ser humano;

(2) Ver questões #68-#70 de (1).

(3) A Gênese, Capítulo XI - Gênese espiritual, Encarnação dos Espíritos, 18.Texto www.ipeak.com.br.

(4) A Gênese. Capítulo XIV - Os fluidos, I - Natureza e propriedades dos fluidos, Formação e propriedades do perispírito, 10. Texto www.ipeak.com.br.

(5) F. C. Xavier, Entre A Terra E o Céu. Pelo Espírito André Luiz. 5.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1972. Cap. 22, p. 134.

30 de novembro de 2013

Será que Kardec leu Darwin?

Charles Darwin em 1816.
Sabe-se bem que a segunda metade do século 19 foi uma época extraordinária. Invenções que marcariam o progresso no século seguinte, descobertas científicas inigualáveis que modificariam a visão científica do mundo e conquistas humanas nunca imaginadas foram então realizadas. No palco de revelações em que se converteu a Europa da época, o surgimento do Espiritismo em 1857 com a publicação de "O Livro dos Espíritos" e a publicação de "Sobre a Origem das Espécies por meio de seleção natural" por Charles Darwin (1809-1882) em 1859 contam como "algumas" das realizações notáveis.

Em um artigo recente (1), Paulo Neto analisa o argumento corrente de que Kardec antecipou Darwin, o que é comum se ouvir nos meios espíritas. Essa questão dá origem a uma pequena 'querela' (2) entre os que sustentam que Kardec antecipou Darwin e os que acham o contrário, inclusive que Kardec teria feito uso dos trabalhos do emintente cientista inglês. Para o autor do artigo citado:
Ficamos boquiabertos, tamanha a nossa surpresa diante de tal infirmação, pois, para nós, foi Kardec quem se utilizou da teoria de Darwin, conforme iremos demonstrar.
E, na conclusão do artigo:
Para nós, foi Kardec que se aproveitou da teoria da evolução das espécies de Darwin para voltar com o assunto e, como já havia suporte científico, os Espíritos foram mais explícitos na questão, reformulando o que disseram anteriormente, para afirmarem sobre a evolução do espírito através do reino animal.
Em que consiste a demonstração proposta? Consistiu sumariamente em comparar trechos da 1a edição de 'O Livro dos Espíritos' (LE, a saber a questão #127) e a questão #607 que reproduzimos abaixo: 
607. Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento? 
“Numa série de existências que precedem o período a que chamais humanidade.”
Essa resposta é comparada à da questão #127 da primeira edição onde o estado da 'alma do homem' não é identificado como tendo migrado entre outras espécies. No que segue abaixo, tecemos alguns comentários para mostrar que a questão é muito mais complexa do que se pode imaginar tão só a partir da comparação dos textos propostos.

Alguns comentários relevantes
  1. O significado do termo 'alma do homem' pode ter evoluído da primeira para a segunda edição. No primeiro caso, ela pode se referir à alma do homem como ser encarnado e dispondo de consciência plenamente desenvolvida para o estado da 'humanidade';
  2. A sugestão de influência das ideias de Darwin na obra kardequiana não tem respaldo em evidência alguma. Pelo contrário, pode-se dizer de forma segura que a ideia de que as espécies se modificavam era amplamente conhecida na época da primeira edição do LE na forma de um conjunto de teorias de transformismo de espécie. O que não se conhecida era o mecanismo pelo qual isso ocorreria;
  3. A época em que essas ideias se desenvolveram não dispunha de meios de comunicação como os que temos hoje. Segundo o prof. Silvio Chibeni (3), é bastante provável que Kardec não tenha tido acesso à obra de Darwin e que, portanto, sua opinião reflete o ponto de vista conhecido entre a elite intelectual francesa da segunda metade do século XIX;
  4. Assim, o conhecimento de Kardec sobre a evolução pode totalmente ser compreendido no contexto do conhecimento da época, inclusive no momento da publicação da 1a edição.
  5. Ainda segundo o prof. S. Chibeni (3): 
"Eu também suspeito, como você, que o Kardec não acompanhava a literatura especializada em biologia (ou história natural, como se chamava à época), especialmente de um país de língua inglesa. Além disso, o livro do Darwin que trata do homem é o 'The Descent of Man', de 1871. No 'The Origin of Species', ele evita falar no homem, ao propor a teoria da seleção natural (e note-se que essa teoria é que é a teoria importante e original de Darwin, não a evolução, que já era amplamente admitida)." (grifos meus)
Portanto, o que Darwin escreveu em 1859 na  "Origem das Espécies" apenas por inferência se aplicaria ao homem no contexto histórico da época. Que a ideia da evolução não era novidade então (inclusive no tempo da 1a edição) pode ser compreendido por inúmeros trabalhos posteriores sobre a história da evolução natural, trabalhos que, inclusive, sugerem fortemente que Darwin se escorou em outros (4). O próprio mecanismo da evolução foi co-descoberto pelo grande espiritualista inglês Alfred R. Wallace. O trabalho de Robert Chambers (1802-1871) , Fig. 1, por exemplo, causou um grande furor antes de Darwin.
Fig. 1 Esta figura foi extraída do livro "Vestígios da História Natural da Criação" de Robert Chambers e mostra o modelo de desenvolvimento dos peixes (F), répteis (R), pássaros (B) dando origem aos mamíferos (M). O livro de Chambers foi publicado em 1844, demonstrando que a ideia da descendência entre espécies já era conhecida bem antes de 'O Livro dos Espíritos' e da 'Origem das Espécies'. Segundo o artigo 'Transmutation of species'. 
O que diz "A Gênese"

Em um texto posterior em "A Gênese" , de 1868, (Capítulo XI) podemos ler, no parágrafo 15:
Da semelhança, que há, de formas exteriores entre o corpo do homem e o do macaco, concluíram alguns fisiologistas que o primeiro é apenas uma transformação do segundo. Nada aí há de impossível, nem o que, se assim for, afete a dignidade do homem. Bem pode dar-se que corpos de macaco tenham servido de vestidura aos primeiros Espíritos humanos, forçosamente pouco adiantados, que viessem encarnar na Terra, sendo essa vestidura mais apropriada às suas necessidades e mais adequadas ao exercício de suas faculdades, do que o corpo de qualquer outro animal. Em vez de se fazer para o Espírito um invólucro especial, ele teria achado um já pronto. Vestiu-se então da pele do macaco, sem deixar de ser Espírito humano, como o homem não raro se reveste da pele de certos animais, sem deixar de ser homem.
Fique bem entendido que aqui unicamente se trata de uma hipótese, de modo algum posta como princípio, mas apresentada apenas para mostrar que a origem do corpo em nada prejudica o Espírito, que é o ser principal, e que a semelhança do corpo do homem com o do macaco não implica paridade entre o seu Espírito e o do macaco." (grifo meu)
Veja que, em 1868, Kardec considerava a possibilidade de transformação das espécies ainda como uma hipótese. E, mais para frente, no parágrafo 16:
"Admitida essa hipótese, pode dizer-se que, sob a influência e por efeito da atividade intelectual do seu novo habitante, o envoltório se modificou, embelezou-se nas particularidades, conservando a forma geral do conjunto (nº 11). Melhorados, os corpos, pela procriação, se reproduziram nas mesmas condições, como sucede com as árvores de enxerto. Deram origem a uma espécie nova, que pouco a pouco se afastou do tipo primitivo, à proporção que o Espírito progrediu. O Espírito macaco, que não foi aniquilado, continuou a procriar, para seu uso, corpos de macaco, do mesmo modo que o fruto da árvore silvestre reproduz árvores dessa espécie, e o Espírito humano procriou corpos de homem, variantes do primeiro molde em que ele se meteu. O tronco se bifurcou: produziu um ramo, que por sua vez se tornou tronco.  
Como em a Natureza não há transições bruscas, é provável que os primeiros homens aparecidos na Terra pouco diferissem do macaco pela forma exterior e não muito também pela inteligência. Em nossos dias ainda há selvagens que, pelo comprimento dos braços e dos pés e pela conformação da cabeça, têm tanta parecença com o macaco, que só lhes falta ser peludos, para se tornar completa a semelhante." (grifos meus)
Ora, em nenhum desses trechos transparece a ideia da seleção natural, mas, os conceitos estão de acordo com o que era conhecido antes de Darwin, ainda no campo das hipóteses. Portanto, é bastante claro que Kardec não leu nada de Darwin, mesmo em 1868. Também é de estranhar que esses trechos não tenham sido citados no trabalho (1). O assunto é, portanto, bem mais complexo do que a simples comparação de trechos limitados pode permitir.

Uma razão importante para considerar a falta de consideração de Kardec por essas teorias modernas em sua época era, provavelmente, a sua falta de tempo e a quantidade de trabalhos acumulados com a codificação (3).

Ressaltamos ainda que o Espiritismo é uma das poucas doutrinas religiosas que aceitam abertamente a noção de evolução e o mecanismo de sua operação, sustentando a proposta de que esse mecanismo serviria de base ao desenvolvimento do espírito.

Referências e notas

(1) Revista Espiritismo & Ciência nº 108. São Paulo: Mythos Editora, nov/2013, p. 18-22. Uma versão em PDF deste trabalho pode ser baixada aqui.

(2) No caso, esse ainda é um debate de reduzida importância frente a outros temas centrais do Espiritismo.

(3) Comunicação particular com Silvo Chibeni.

(4) Personalidades como: J. B. Lamarck (1744-1829), T. Malthus (1766-1834), Comte de Buffon (1707-1788), A. R. Wallace (1823-1913, praticamente um "co-descobridor" da seleção natural), E. Darwin (1731-1802), C. Lyell (1797-1875), J. Hutton (1726-1797) e mesmo G. Curvier (1769-1831) exerceram influência considerável sobre C. Darwin, assim como Robert Chambers.




20 de novembro de 2013

Crenças Céticas XXII - Pequeno manual de falácias não formais com exemplos do ceticismo (1)


A partir desse post, faremos um curto 'manual' sobre falácias não formais do ponto de vista da lógica, usando exemplos abundantes da comunidade cética. Uma falácia lógica é, essencialmente, um erro de raciocínio ou de argumentação (1). Falácias podem ser divididas em dois tipos: (i) as falácias não formais (que nos interessa aqui) e as falácias formais. Sabe-se que não é possível chegar a verdade alguma tão só usando argumentação lógica. Construções de raciocínio complexas (teorias científicas) são necessárias para se chegar à verdade a respeito de fatos frequentemente bem simples. Do ponto de vista lógico, é possível, inclusive, chegar a conclusões plenamente verdadeiras partindo de premissas falsas. O que interessa aos lógicos é a validade dos argumentos do ponto de vista das regras da lógica, a confirmação de verdade é apenas uma característica a mais.

Por inspeção em documentos online é possível ver que há muitos textos e artigos de céticos (ver, principalmente, os chamados "pseudocéticos") contra falácias cometidas por crentes.  Porém, os mesmos erros lógicos são cometidos por céticos que, em geral, gostam de ressaltar os erros de argumentação de crentes na falsa presunção de que estão mais próximos da verdade, de que são mais 'científicos' do que os que lhe são contrários, em fim, de que têm a ciência e a lógica a seu favor.

Nosso objetivo aqui é expor alguns tipos de falácias não formais para aqueles que tiverem interesse em aprender um pouco sobre esse capítulo da lógica usando exemplos da argumentação cética contra fenômenos psíquicos, médiuns, evidências de vida a pós a morte, reencarnação etc. Quantos tipos de falácia serão tratadas? Infelizmente, inexiste uma lista suficientemente abrangente de tipos possíveis, porque não há limite para o equívoco humano. Porém, algumas das mais famosas e recorrentes são obrigatórias em nosso estudo.

Qualquer pessoa pode cometer erros de argumentação, como parte do processo de ação e interação  humanas. O que não pode acontecer é pessoas ficarem acostumadas com esses erros e, muito menos, fazer uso deles de uma forma sistemática e proposital. Esperamos que estes posts possam ajudar a chamar a atenção para alguns desses equívocos.

Sobre argumentos

De uma forma simples, um argumento lógico envolve um certo número de declarações (chamadas premissas) e uma última afirmação (chamada conclusão) que deve, necessariamente decorrer das premissas. Consideremos o conjunto de frases a seguir:

Exemplo 1

I - A ciência é feita por cientistas;
II - Alguns cientistas são materialistas; :.
III - A ciência é materialista.

A declaração I e II constituem premissas. A última sentença III pretende ser uma consequência lógica (dai o símbolo :.) das primeiras. No caso específico, as duas premissas são verdadeiras, enquanto que a conclusão é falsa. Isso é possível porque este argumento está errado do ponto de vista lógico (basta atentar para a presença do qualificativo 'alguns' em II que gera uma generalização incorreta). Mas, mesmo que  o argumento estivesse correto, sua conclusão seria equivocada.

Não é difícil ver como opera o processo de geração de falhas de argumentação ou mesmo como podem aparecer conclusões equivocadas. O problema é que, mesmo se o argumento é válido (isto é, está correto do ponto de vista lógico), a conclusão que lhe segue pode não ser verdadeira (Fig. 1). Não é difícil ver a razão para isso, dado que se faça uso de premissas que sejam muito gerais ou que não descrevam completamente objetos a que se referem.

Fig. 1

Exemplo 2

I - Cientistas são as pessoas mais indicadas para julgar cientificamente os fatos;
II - Eu não sou um cientistas; :.
III - Eu não sou a pessoa mais indicada para julgar cientificamente um fato;

Não há erro neste argumento. Certamente, poucos contestariam as premissas. Entretanto, ele está escrito em termos tão gerais que seu caráter de verdade é uma ilusão. O que se entende por um 'fato' que deva ser cientificamente julgado (em relação a que, qual teoria, qual visão de mundo etc)? E, uma vez realizado o julgamento, quem disse que, pelo fato dele ser ele científico será necessariamente mais verdadeiro do que qualquer outro julgamento que se fizer dele? 

Na construção de erros de argumentação, tanto falhas no processo de inferência lógica como extrapolação no significado de termos estão envolvidos. Mas, há erros de argumentação tão claros que eles deixam de ter qualquer relação com a lógica. Quando isso acontece, eles se tornam falácias.

Tipos de falácia quanto a sua natureza.

Dentro do grupo de falácias não formais, pode-se ainda distinguir dois grupos (1):
  1. Falácias de relevância: as premissas são logicamente irrelevantes para as conclusões;
  2. Falácias de ambiguidade (ou de clareza): a construção do argumento envolve  palavras que têm mais de um significado. 
Em geral, falácias não formais pretendem convencer não por apelo à razão, mas à emoção. Frequentemente, ocorre um vínculo emotivo entre quem profere a falácia e sua audiência. Em qualquer que seja o caso, o leitor deve guardar bem o fato de que o instrumento que se faz uso numa falácia é emocional e não racional. Vamos inicialmente ver alguns exemplos, principalmente do primeiro tipo.

Falácias de relevância: argumentum ad baculum

Fig. 2

Literalmente significa apelo à força. É o mesmo tipo de estratégia usada quando se pretende que uma ação seja executada, com a diferença de que a 'ação' é substituída pela aceitação de uma conclusão. Tivemos recentemente um comentário adicionado ao vídeo de Érico Bomfim tocando uma peça de Chopin recebida por Rosemary Brown (2):
"Pois é, depois que eles morrem regridem musicalmente, claro que você vai reter meu comentário, e se fizer isso, vou copiar seu vídeo numa conta qualquer e postar comentários".  
Outro que podemos citar também na mesma linha (de novo, o uso da força jamais funcionará como premissa válida) foi o comentário de Dauro Mendes (3): 
Se você apagar esses comentários eu escolherei os temas mais populares dos seu blog e publicarei neles, todos os dias, esses textos acima, todos eles!!! Mantenha publicado as minhas respostas aos seus equívocos, aprenda a ser correto!!!
Esses não não são bem argumentos, pois seus autores queriam que seus comentários não fossem retidos ou apagados. É mais uma ameaça - um apelo à emoção - na esperança de que o que sustentam tenha validade de alguma forma.

Em geral, quando não se tem argumentos convincentes do ponto de vista lógico ou se tem pressa em convencer, o argumento ad baculum é usado. Mas, mais pela primeira razão do que pela segunda, já que é trabalhoso e pouco eficiente, as vezes, tentar convencer seu opositor tão só pelo uso de argumentos. Isso é, por exemplo, o que a maioria dos pais fazem com as crianças, o que constitui um problema de educação. Idealmente, crianças deveriam aprender a arte argumentativa, mas, muita vezes, a paciência se esgota antes que qualquer outro recurso seja usado e pais acabam usando a força.

Dizem que a maior argumentação à força já feita na história da Ciência foi contra Galileu Galilei. O tribunal da Inquisição o fez negar suas teses do movimento da Terra sob ameaça de morte. Com outros, como  no caso de Giordano Bruno, chegaram as vias de fato.

Continua no próximo post.

Referências

(1) - Irving M. Copi (1978). Introdução à lógica. Editora Mestre Jou.
(2) - Ver comentário por "Berliozini" do vídeo http://www.youtube.com/watch?v=LU23pOwb2uY.
(3) No post 'Vácuo Quantico na obra de Chico Xavier'.


10 de novembro de 2013

I - Sobre a faculdade de cura (mediunidade curadora)

"Médiuns curadores: os que têm o poder de curar ou de aliviar o doente, tão só pela imposição das mãos, ou pela prece." (1)
Em uma série de posts, realizaremos aqui um pequeno estudo sobre a faculdade e os fenômenos de cura. Fora do aspecto das curas obtidas pela medicina convencional, esse é, certamente, um importante fenômeno que tem sua gênese na vontade ou em certas propriedades desconhecidas que podem ser produzidas por seres humanos no sentido de prodigalizar o que, de outra forma, somente pode ser compreendido como uma coincidência (2). Há muito ainda  a ser descoberto sobre como se processa esse tipo cura, o que é suficiente para justificar a importância do estudo. Algumas questões que são de nosso interesse na série são:
  • Por que adoecemos ?
  • Como podemos entender o processo de cura?
  • O que o Espiritismo tem a dizer sobre as enfermidades?
  • Existem curas espirituais?
  • Onde estão realmente determinadas as causas últimas das enfermidades?
  • Médiuns curadores: quem são eles? 

Introdução

Para quem está doente, pouco importa a explicação  que se vincule ao fenômeno, uma vez que seu objetivo é alcançar o estado de saúde plena ou um estado considerado satisfatório. Porém, é importante o estudo das curas realizadas por meio dos Espíritos ou de outras faculdades inerentes ao ser humano, porque podem funcionar como auxílio a tratamentos já existentes, se não constituem tratamentos per se. O mecanismo pelo qual tais curas são operadas ainda está envolvido em mistério, principalmente no caso de doenças consideradas complexas. 

A medicina chamada 'convencional' dispõe de inúmeras ferramentas, técnicas e teóricas para reconstituir a um doente o seu estado de saúde. Nada há a ser contestado aqui. Porém, é amplamente reconhecido pelos médicos que o organismo dispõe de mecanismos automáticos para o restabelecimento do equilíbrio. É aceito que o tempo e processos bioquímicos ministrados durante um tratamento - que se baseiam em teorias geradas por pesquisa em ambientes controlados, sistemas simplificados (3) e estatística de grandes amostras (4) - são os mais importantes recursos usados pela medicina moderna em direção a obtenção da cura.

Mas, o organismo humano é um sistema muito complexo. Sendo formado por um número incrivelmente grande de células (5), que são as unidades da vida, é absolutamente impossível descrever o corpo e as interações que ocorrem em seu interior por meio de teorias puramente mecânicas envolvendo relações entre essas unidades. Tamanho grau de complexidade implica que são inúmeras as causas que concorrem para alterar o estado de saúde do organismo. Certamente, há doenças muito simples, onde um conjunto restrito de causas pode ser facilmente identificado, mas há casos complexos onde, certamente, inúmeras causas concorrem.

Quando essas causas são conhecidas, há chance de se obter tratamentos eficientes. Isso ocorre quando conhecemos completamente as circunstâncias físicas que geram o desequilíbrio e o próprio estado do organismo, a ponto de prever com antecedência os resultados. Mas, quando as causas são desconhecidas, as portas estão abertas para o fracasso dos tratamentos e, principalmente, para o martírio dos doentes...

O papel da natureza espiritual do ser humano na gênese das enfermidades.

Sendo o ser humano um sistema de natureza dual, formado pelos princípios material e espiritual, é obrigatório considerar o Espírito como uma das causas relacionadas à ocorrência das enfermidades. Portanto, ao não se considerar o Espírito e sua relação com a natureza material em uma contexto mais amplo na gênese das doenças, a medicina moderna está naturalmente limitada,  rejeitando muitas das curas espontâneas como meros efeitos do acaso. Quando muito, médicos frequentemente consideram o efeito da 'mente' como uma espécie de 'ressonância' ou 'feedback' interno do corpo. É importante ressaltar o caráter independente da chamada 'mente' e de como ela pode alterar o estado de saúde.
Fig. 1 Concepção materialista do corpo, onde a mente é um subproduto de arranjos internos desse corpo. As enfermidades são oriundas de influências externas e predisposições internas ao organismo (incluindo a própria mente).
Porém, isso não é tudo. Há um segundo corpo associado ao Espírito que recebe, na denominação espírita, o nome de perispírito (6). Esse segundo corpo é formado por matéria não visível (ou seja, pertence ele à natureza material), mas que interage de alguma forma com o corpo visível. E é justamente esse segundo corpo que irá representar o terceiro elemento associado a causas não conhecidas para o aparecimento de doenças ou a novos mecanismos para a cura. Tudo o que aqui descrevemos é uma consequência do conhecimento espírita e, portanto, poderá ser usado como base para o estabelecimento de novos tipos de tratamento no futuro, ao mesmo tempo que permite compreender fenômenos de curas inexplicáveis para o conhecimento presente.

Nossa discussão está representada de forma esquemática pelas Fig. 1 e 2. Na Fig. 1, a visão presente do conhecimento não espírita está representada, onde é possível identificar diversas causas externas e internas ao corpo como causando o desequilíbrio da saúde. Dentro de uma concepção que não admita a existência de nada além do corpo, doenças são desequilíbrios no estado de saúde gerados por influências externas ao organismo e predisposições internas (ou interação entre esses dois fatores), incluindo a própria mente que é, em última instância, uma função ou subproduto do organismo. Na visão materialista, a consciência seria uma função do cérebro, da mesma forma que a digestão é função do aparelho digestivo. Com base nessa limitação de objetos, os precedimentos médicos procuram desenvolver tratamentos que corrijam as supostas causas associadas aos sintomas.

Na Fig. 2 adicionamos os outros elementos que também concorrem para esse desequilíbrio segundo a visão espírita, ressaltando que ele permite expandir nossa compreensão sobre a origem, gênese e desenvolvimento das doenças. Nessa nova visão, não existem apenas influências que atuam sobre o corpo ou predisposições internas do corpo que potencializam enfermidades.

Fig. 2 Concepção espírita do ser humano.  Influências externas atingem todo os diferentes elementos que constituem o ser e se propagam nele, atingindo o corpo onde tornam-se manifestas publicamente.


Existem igualmente influências externas que atuam sobre o perispírito, assim como predisposições internas do perispírito que engendram potenciais doenças. Da mesma forma, influências externas atuam sobre o espírito que, além disso, possui predisposições internas que podem resultar em doenças. Destacamos:
Como há uma comunicação entre os três elementos, o corpo físico, sendo a parte 'visível', acaba sendo também o repositório onde enfermidades serão observadas "publicamente". 
Assim, por exemplo, o comportamento do doente revelará o estado de seu espírito e poderá influenciar a doença. Seu comportamento se manifesta pela maneira como ele se comporta, como se expressa, pelo que diz etc.

Mas, quando se fala em 'influências externas', no caso do perispírito e espírito, quais são elas? Isso é o que iremos discutir futuramente, porque, da mesma forma que a medicina precisa de conhecimentos e ciências auxiliares para conhecer os mecanismos pelos quais operam as influências externas sobre o corpo (7), com o objetivo de isolar tais causas materiais, uma nova ciência terá que ser criada para descrever e explicar como outros tipos de influência externa podem se impor sobre a parte não visível do ser humano.

De nosso raciocínio acima, também podemos prever que, pela atuação correta em cada um dos três elementos (via elementos curadores), corpo, perispírito e espírito, será possível eliminar as causas e, portanto, conseguir a cura para variedades de doenças que escapam a tratamentos exclusivamente "físicos".  Portanto, ao longo de uma série de posts, detalharemos a relação simbiótica que existem entre os três elementos, indicando na literatura espírita onde essa nova visão do ser humano está erigida.

Continua no próximo post.

Notas e referências

(1) A. Kardec. O Livro dos Médiuns, Segunda parte: "Das manifestações espíritas", "Capítulo XVI - Dos médiuns especiais",  "Quadro sinóptico das diferentes espécies de médiuns", 189 (www.ipeak.com.br).

(2) Ou, melhor uma 'cura espontânea', isto é, a maior parte dos céticos respondem com esse tipo de explicação para os casos registrados na literatura;

(3) Que envolve, por exemplo, testes em animais.

(4) O fato de ser uma estatística, implica que não se pode ter certeza absoluta de que se irá atingir a cura para uma determinada doença. Uma enfermidade é vista amplamente como um fenômeno de natureza estatística e há muito o que se falar sobre isso.

(5) Esse número está avaliado em 3.72 × 10^13. Ver Bianconi et al (2013). An estimation of the number of cells in the human body. Ann. Hum Biol. (Acesso em Novembro de 2013)

(6) Ver "O Livro dos Espíritos", questão #93.

(7) Inúmeras 'ciências auxiliares' foram criadas ou aproveitadas no desenvolvimento de tratamentos médicos. A genética, a bioquímica, a farmacologia etc.

31 de outubro de 2013

Reportagem no Correio Fraterno n 453

O Correio Fraterno recentemente lançou um entrevista conosco sobre o projeto das Cartas Psicografadas na sua edição número 453. Agradeço a Eliana Haddad a paciência e o profissionalismo da reportagem "Na mira da pesquisa, as cartas psicografadas por Chico Xavier". O trabalho do Correio Fraterno tem se pautado por equilíbrio e um grau de cobertura necessário na divulgação correta dentro do movimento espírita.


Referências

20 de outubro de 2013

O lançamento do repositório SKL: textos espíritas no formato acadêmico (artigos) em PDF

Um novo repositório de artigos espíritas pode ser acessado em Spiritist Knowledge Letters, que é uma página estática do blog Spiritist Knowledge (ver aba superior desse site). O objetivo desse espaço é renir informação espírita na forma de artigos acadêmicos em inglês.

O conteúdo presente do SKL traz os títulos seguintes, que podem ser baixados via Google docs:
SKL#01 A. Xavier. Pragmatics and intention in automatic writing compositions: the Chico Xavier case. (Pragmática e intenção em coposições psicográficas de Chico Xavier
SKL#02 A. Xavier. The Non-observable Universe and an Empirical Classification of Natural Phenomena. (O Universo não observável e uma classificação empírita para fenômenos naturais
SKL#03 S. Chibeni. The Spiritist Paradigm. (O Paradigma espírita
SKL#04 S. Chibeni. Spiritism: An experimental approach to the issue of personal post-mortem survival. (Uma abordagem experimental para a questão da sobrevivência além-túmulo)

Em particular, destacamos o SKL#04 pelo filósofo Silvio Chibeni, que contem um estudo interessante sobre a questão da sobrevivência segundo um tratamento da epistemologia moderna. Esse texto, em particular, é inédito e foi lançado apenas na página SKL.

É possível ler os resumos e fazer o download dos arquivos dos outros artigos na página SKL. que dá acesso ao Google Docs.

O SKL está aberto a contribuições. Se você tiver uma contribuição interessante em inglês sobre os assuntos descritos na página SKL, entre em contato conosco. Formataremos o seu material de acordo com estilo adotado para os textos do SKL.

É importante destacar que o SKL não é um jornal acadêmico, mas simplesmente um repositório de artigos cujo objetivo é fornecer um lugar na rede para textos modernos de interesse ao movimento espiritualista e espírita em geral. 





9 de outubro de 2013

Kardec: sobre o misticismo

O dia 3 de Outubro marca o aniversário de H. L. Denizard Rivail (1804-1869), cognominado Allan Kardec, cuja obra monumental é um edifício erigido em nome da lógica e do bom senso, no tratamento de problemas milenares relativos à vida futura do ser humano.   

Se formos atentar para a maneira como tal edifício foi construído, não podemos deixar de notar o cuidado e sofisticação com que Kardec o revestiu. Temas extremamente relevantes para a humanidade, tal como a possibilidade de sua continuação, a sobrevivência do ser, a sua comunicação além da morte física e pre-existência foram sistematicamente separados por Kardec de qualquer tentativa de enquadramento nos mesmos referências e filosofias disponíveis em sua época. Em particular, Kardec teve cuidado em separar os princípios da sua metodologia de tratamento desses problemas das antigas tradições fundadas no misticismo ou conhecimento antigo, embora Kardec reconhecesse o progresso que os antigos atingiram no entendimento de muitos dos fenômenos psíquicos.

Em particular, salta aos olhos o distanciamento com o misticismo, entendido nesta acepção, comum à época e ainda hoje, conforme algumas passagens:
Antes de entrarmos em matéria, pareceu-nos necessário definir claramente os papéis respectivos dos Espíritos e dos homens na elaboração da nova doutrina. Essas considerações preliminares, que a escoimam de toda ideia de misticismo..." ("A Gênese, Introdução, ref. 1, grifo nosso)
Em geral, desconfiai das comunicações que trazem um caráter de misticismo e de singularidade, ou que prescrevem cerimônias e atos extravagantes. Há sempre, nesses casos, motivo legítimo de suspeição. ("O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap.XXI, 'Os falsos profetas da erraticiade, ref. 1, grifo de Kardec)
Parece que algumas pessoas temeram que a qualificação de messias espalhasse sobre a Doutrina um verniz de misticismo. (Revista Espírita, março de 1868, Comentário sobre os messias do Espiritismo, ref. 1, grifo nosso)
Considerado desta maneira, o Espiritismo perde o caráter de misticismo que lhe censuram seus detratores, pelo menos aqueles que não o conhecem. Não é mais a ciência do maravilhoso e do sobrenatural ressuscitada, é o domínio da Natureza...(Revista Espírita, novembro de 1864, O Espiritismo é uma ciência positiva, ref. 1, grifo nosso) .
De qualquer forma, o sentido para misticismo nessas passagens é de uma atitude extravagante, irracional e não logicamente justificada. Ela certamente afasta o 'homem de bom senso' de toda e qualquer revelação, doutrina religiosa ou filosofia que se acredite verdadeira usando métodos ou raciocínio fundamentados em afirmações questionáveis ou em atitudes, elas mesmas extravagantes e flagrantemente inócuas. 

No mesmo texto que segue a passagem copiada da Revue Spirite de março de 1868 ("Comentários sobre os messias do Espiritismo") encontramos essa passagem elucidativa:
Para quem conhece a Doutrina, ela é, de ponta a ponta, um protesto contra o misticismo, pois que tende a reconduzir todas as crenças para o terreno positivo das leis da Natureza. Mas, entre os que não a conhecem, há pessoas para as quais tudo o que escapa da Humanidade tangível é místico. Para estas, adorar Deus, orar, crer na Providência é ser místico. Nós não temos que nos preocupar com a sua opinião. (grifo nosso)
Portanto, o termo místico ou misticismo nunca foi entendido por ele em um sentido positivo e, pelo que se infere do trecho acima, a noção de religiosidade exposta por Kardec dispensa o seu uso. Isso acontece porque Kardec descobriu que se poderia fundamentar o conhecimento sobre a vida futura ou sobre as consequências dos atos com base na observação de fenômenos da Natureza (as comunicações mediúnicas), da mesma forma como podemos aplicar determinados princípios de física - eles mesmos também fundamentados em fenômenos naturais - para prever o que irá acontecer entre arranjos e estados de corpos materiais.

A experiência mística: uma variedade de fato mediúnico?

Se consultarmos definições filosóficas modernas (ref. 2) para o termo misticismo, encontramos:
O termo 'misticismo' vem do grego μυω, que significa 'ocultar'. No mundo helênico, 'místico' se referia a rituais religiosos 'secretos'. No cristianismo primitivo, o termo veio a ser usado para se referir a interpretações 'ocultas' das Escrituras e a presenças ocultas, tais como Jesus na Eucaristia. Somente mais tarde o termo veio a ser usado para designar a 'teologia mística', o que incluiu experiência direta com o divino. Tipicamente, místicos, sejam eles teístas ou não, vêem a experiência mística como parte de uma iniciativa maior de transformação humana e não como o fim dos esforços. Assim, em geral, 'misticismo' deve ser compreendido como uma constelação de práticas distintas, discursos, textos, instituições, tradições e experiências que visam a transformação humana, que é definida de forma variada em diferentes tradições. (ref. 2)
Um bom exemplo de mística foi Teresa D'Ávila que descreveu suas experiências extáticas. A possibilidade de se desprender da realidade e entrar em contato com outra bem diferente (que estaria na raiz dessa concepção positiva para o misticismo) é constante em muitas tradições religiosas. A Kardec, não poderia ser possível acreditar nessas narrativas sem antes estudá-las e enquadrá-las como uma variedade de experiência mediúnica, afinal é isso que ocorre quando os laços que prendem o Espírto ao corpo são flexibilizados. Talvez, fenômenos tais como o desdobramento espontâneo (como o que ocorre nas chamadas 'Experiências de quase morte ou, em inglês, 'Near Death Experiences') se assemelham a experiências que, em outras épocas e culturas, seriam descritas como relatos místicos. 

Portanto, mais uma vez, Kardec esteve adiantado em sua época e o Espiritismo, longe de reduzir a importância dessa concepção de misticismo, veio para dar-lhe uma nova visão e interpretação.

Discussão final

Talvez a experiência mística se enquadre na categoria das ocorrências de desdobramento do Espírito, quando ele readquire capacidades que jazem adormecidas ou apenas latentes na sua forma encarnada, de forma que, ao regressar ao seu corpo, essa realidade maior é vivenciada como uma experiência mística. Não apenas isso, muitas vivências ou experiências místicas podem ser descritas como aplicação de leis ainda desconhecidas tais como projeções da vontade, materializações, exteriorização da sensibilidade etc.

De qualquer forma, outras noções de misticismo podem ser encontradas na obra da codificação. Por exemplo, na Revue Spirite podemos ler a seguinte mensagem:
Não vos demoreis mais tempo agarrados aos batentes já carcomidos do pórtico, e penetrai corajosamente no santuário celeste, levando com firmeza a bandeira da filosofia moderna, na qual inscrevei sem medo: misticismo, racionalismo. Fazei ecletismo no ecletismo moderno; fazei-o como os Antigos, apoiando-vos na tradição histórica, mística e legendária, sempre, porém, com o cuidado de não sair da revelação, facho que nos faltou a todos, recorrendo às luzes dos Espíritos superiores, votados missionariamente à marcha do espírito humano. Esses Espíritos, por mais elevados que sejam, não sabem tudo. Só Deus o sabe. Além disso, de tudo quanto sabem, nem tudo podem revelar. (ref 3 e 1, grifo nosso)
O afastamento de Kardec de noções mais arraigadas de misticismo foi suficiente para desqualificar o Espiritismo na visão de muitos autores místicos. Por exemplo, muitos deles (como é o caso de Helena Blavatisky criadora da Teosofia) simplesmente consideram  o Espiritismo como um 'tipo inferior de ciência oculta'. Mas, o posicionamento de Kardec é altamente justificado: em uma sociedade cada vez mais técnica, em que a ciência atingiu um prestígio nunca antes visto, o misticismo está em baixa e o ponto de vista de Kardec é simples e prático o suficiente para reconduzir as 'ovelhas desgarradas' pelo materialismo em moda, no seu retorno às considerações profundas do ser e de sua verdadeira essência e destino futuro.  

Referências

1 - Todas as referências foram obtidas no site do IPEAK (www.ipeak.com.br)
2 -  Mysticism (11 de novembro de 2004; revisado em fevereiro de 2010, Stanford Encyclopedia of Philosophy). Original em inglês (as referências no texto traduzido foram suprimidas):
The term ‘mysticism,’ comes from the Greek μυω, meaning “to conceal.” In the Hellenistic world, ‘mystical’ referred to “secret” religious rituals. In early Christianity the term came to refer to “hidden” allegorical interpretations of Scriptures and to hidden presences, such as that of Jesus at the Eucharist. Only later did the term begin to denote “mystical theology,” that included direct experience of the divine (See Bouyer, 1981). Typically, mystics, theistic or not, see their mystical experience as part of a larger undertaking aimed at human transformation (See, for example, Teresa of Avila, Life, Chapter 19) and not as the terminus of their efforts. Thus, in general, ‘mysticism’ would best be thought of as a constellation of distinctive practices, discourses, texts, institutions, traditions, and experiences aimed at human transformation, variously defined in different traditions.
3 - Revista Espírita, Fevereiro de 1860, Ditados Espontâneos, "Filosofia" (ref.1 )




28 de setembro de 2013

O que a genética e a astrologia têm em comum ?

Recentemente, o JEE (Jornal de Estudos Espíritas) republicou um trabalho com 10 anos de nossa autoria 'O que a genética e a astrologia têm em comum?' (1) e que foi revisado para esta edição especial. Apesar da idade, as conclusões dessa pequena dissertação continuam válidas. Tanto interpretações e extrapolações da genética moderna como da astrologia levam, de uma forma ou de outra, a uma limitação no livre arbítrio do homem. Embora possamos alegar que essa limitação não é 'taxativa', sua existência está em desacordo com o conhecimento espiritualista, com a noção da sobrevivência e com o fato de que a personalidade humana encontra-se assentada em uma entidade independente da matéria chamada espírito.

Embora nosso texto seja de 2003, de lá para cá apareceram serviços de busca por 'anscestrais genéticos' que tem sido comparados à astrologia por cientistas. Um exemplo que nos fala sobre esses exageros é o texto de Pallab Ghosh: "Some DNA ancestry services akin to 'genetic astrology' '' (2) (6) ou "Alguns serviços de busca por ancestrais de DNA se assemelham a 'astrologia genética' ". Em paticular comenta Ghosh:
Cientistas dizem que os perfis genéticos não podem fornecer informação precisa sobre a ancestralidade de um indivíduo.  
Eles dizem que "o negócio da ancestralidade genética explora um fenômeno bem conhecido de outras áreas, tais como os horóscopos onde informação geral é interpretada com sendo mais pessoal do que ela, de fato, é".
Na referência (6) podemos ler:
Sabe-se bem que horóscopos usam afirmativas vagas que os leitores acham que é mais específica e aplicável a eles do que realmente são (o chamado efeito Forer). Testes de ancestralidade genética fazem algo semelhante e extrapolam o que se conhece sobre a origem humana. Você não pode olhar para o DNA e fazer uma leitura como se ele fosse um livro ou mapa de uma estrada. Na maioria das vezes, esses testes não estariam autorizados a dizer o que clamam: não passam de astrologia genética.
Ficamos muito contentes com essa análise e a ocorrência desse 'fenômeno', uma vez que isso demonstra a exatidão de nossas despretensiosas palavras no texto de 2003, que se baseiam no conhecimento contido em 'O Livro dos Espíritos' de Allan Kardec. 

Não obstante isso, há quem defenda os serviços de busca de ancestrais pelo material genético (4). Por isso, a questão está longe de ser resolvida na opinião tanto de especialistas como do público e, talvez, não haja interesse numa solução que desconsidere o serviço, uma vez que ele é pago (5) e abre a possibilidade de um novo mercado, assim como faziam (e ainda fazem) os horóscopos desde a mais remota antiguidade.

Sobre o JEE

O Jornal de Estudos Espíritas é uma publicação eletrônica, totalmente gratuita, voltada para o movimento espírita e que publica artigos no formato acadêmico, buscando incentivar a escrita de trabalhos sobre a temática espírita e seus princípios. Contribuições ao jornal estão abertas no volume I, o volume de 2013.

Referências e notas.


(2) Pallab Ghosh (2013), Some DNA ancestry services akin to 'genetic astrology', BBC News. Acessado em 2013.

(3) Original em inglês: 
"The scientists say that genetic profiles cannot provide accurate information about an individual's ancestry. 
They say "the genetic ancestry business uses a phenomenon well-known in other areas such as horoscopes, where general information is interpreted as being more personal than it really is".

(5) Segundo a Ref. 2, o serviço custa cerca de 220 libras esterlinas.

(6) A publicação acadêmica que critica os testes de ancestralidade genética pode ser encontrada aqui (Acesso em 2013):
  1. http://www.senseaboutscience.org/resources.php/119/sense-about-genetic-ancestry-testing
  2. http://www.senseaboutscience.org/data/files/resources/119/Sense-About-Genetic-Ancestry-Testing.pdf
Original em inglês:
It is well known that horoscopes use vague statements which recipients think are more tailored than they really are (referred to as the ‘Forer effect’). Genetic ancestry tests do a similar thing, and many exaggerate far beyond the available evidence about human origins. You cannot look at DNA and read it like a book or a map of a journey. For the most part these tests cannot tell you the things they claim to – they are little more than genetic astrology. (David Balding, Mark Thomas and Tabitha Innocent, Sense About Genetic Ancestry Testing, ref 6-2)

18 de setembro de 2013

Livro VI - Os vivos e os mortos na sociedade medieval (de J.-C. Schmitt)

Sem indagarem se tais contos, despojados dos acessórios ridículos, encerram algum fundo de verdade, essas pessoas unicamente se impressionam com o lado absurdo que eles revelam. Sem se darem ao trabalho de tirar a casca amarga, para achar a amêndoa, rejeitam o todo, como fazem, relativamente à religião, os que, chocados por certos abusos, tudo englobam numa só condenação. (A. Kardec, 'O Livro dos Médiuns', Primeira Parte, Capítulo 1, 'Há Espíritos?')

Eis a criança investida da função de médiume seus vaticínios, de início reservados ao círculo dos vizinhos, logo são recolhidos e explorados pelos clérigos. Um desses últimos chega mesmo a substituí-la  para traduzir, sob forma adequada, as verdades de além-túmulo. (J.-C. Schmitt, ref. 1, p. 112)

Todas as épocas da humanidade testemunharam a existência de fenômenos invulgares, ocorrências incomuns ou insólitas que participaram e foram incorporadas ao imaginário e à cultura de povos. Frequentemente, cientistas humanos analisam narrativas antigas onde vestígios alterados segundo a ótica de uma determinada época aparecem. Esse é o caso da obra de Jean-Claude Schmitt (1999) "Os vivos e os mortos na sociedade medieval" com tradução de Maria Lúcia Machado e editado pela Companhia das Letras (Ref. 1).

Há que se distinguir dois aspectos após a leitura dessa obra de Schmitt:
  1. Aspecto sociológico ou relativo às ciências sociais (historiografia) que cuidam de interpretar as narrativas culturais que formam as crenças e que embasam uma 'teoria' ou explicação sociológica para as narrativas (Ref. 2);
  2. Aspecto fenomenológico: ao leitor que conhece a fenomenologia espírita não deixa de ser no mínimo curioso observar as várias ocorrência descritas por Schmitt e correlacionar a fontes que atestes sua origem mediúnica (e, portanto, fenomenologicamente real).
O mais interessante de uma leitura espírita da obra de Schmitt é que muitos detalhes passam desapercebidos do historiador, que está interessado na sua teoria histórica para os fatos. Sabemos que a história não é uma ciência exata e suas afirmativas dependem bastante das interpretações e das 'escolas de pensamento' que a influenciam. Portanto, analisar a obra de Schmitt (mesmo que muito brevemente como fazemos aqui) é um exercício interessante de aplicação do conhecimento espírita.

Ao apontar a origem fenomenológica das narrativas, nossos comentários reforçam o aspecto historiográfico, mostrando como elas foram interpretadas e recontadas ao longo do tempo, que é objetivo da obra de Schmitt. O fenômeno de interpretação social e cultural é, assim, tão real como aquele que lhe dá origem. Mas, é preciso separar cada componente, cada contribuição do fenômeno psíquico, segundo ele nos parece hoje, para que se possa conhecer aquele, histórico, que lhe deu origem. Isso possibilita compreender desdobramentos históricos que não são aparentes na narrativa e que jamais poderiam ser descobertos pelo historiador desprovido do conhecimento relativo à fenomenologia das ocorrências espíritas.

Estamos diante assim de futuras aplicações do conhecimento espírita que apenas vislumbramos a partir de uma análise muito limitada como a que aqui fazemos. A obra em apreço é composta de nove capítulos:

1) A rejeição dos fantasmas;
2) Sonhar com os mortos;
3) A invasão dos fantasmas;
4) Os mortos maravilhosos;
5) O bando Hellequin;
6) O imaginário domesticado?
7) Os mortos e o poder;
8) Tempo, espaço e sociedade;
9) Figurar os fantasmas.

Por ser relativamente densa, escolhemos alguns trechos da narrativa que denunciam a origem psíquica (mediúnica) das narrativas analisadas por Schmitt.

Castelo do imperador Carlos IV em Praga do século XIV. Esta construção foi palco de um curioso incidente de efeitos físicos. Com o tempo, a narrativa de Carlos se transformou no 'sonho do imperador', não obstante todos os cuidados que ele teve em certificar a veracidade do ocorrido.
Alguns exemplos

Manifestações físicas

Um exemplo interessante, que demonstra também como relatos são modificados ao longo do tempo, foi o 'sonho' do Imperador Carlos IV (p. 56):
Esse tipo de relato autobiográfico de fantasma parece muito raro. No entanto, pode-se relacionar com ele o relato bem mais tardio que o próprio imperador Carlos IV (1348-1378) fez, em latim, de uma agitada noite passada em seu castelo de Praga. Seu quarto encontra-se na parte antiga do castelo. Seu companheiro Buchko ocupava um outro leito  no mesmo quarto que, apesar da noite, está muito claro pelo fogo que arde na lareira e pelas numerosas velas acesas. Todas as portas e janelas estão fechadas. Mas, mal os dois homens adormecem, um rumor de passos no quarto os desperta. O imperador ordena que seu companheiro se levante, mas este não vê nada de anormal; antes de deitar-se novamente, ela atiça o fogo, reacende os círios e bebe uma taça de vinho que recoloca perto de uma grande vela. Contudo, mais uma vez o imperador ouve alguém que vai e vem, embora ninguém esteja visível. Depois, de súbito, a taça recolocada por Buchko é projetada como por uma mão invisível por cima do leito deste contra a parede, antes de voltar a cair no meio do aposento. (3)
O próprio imperador tomou todas as precauções para atestar a veracidade do ocorrido, que tem todos as características de uma manifestação de efeitos físicos e que foi descrita de forma semelhante em inúmeros outros relatos. Mas, o que aconteceu muito tempo depois? A narrativa de Carlos IV foi contada e recontada inúmeras vezes, até que atingiu uma versão em que o demônio apareceu para o imperador em um sonho. O processo de transformação de uma história real, baseada em fenômenos que hoje são conhecidos, foi paulatinamente apropriado pela Igreja e satanizado para servir a outros propósitos. Em várias outras passagens de documentos da época, essa história é conhecida como o 'sonho do imperador' e teria sido assim narrada hoje não fosse os documentos oficiais do monarca Carlos IV.

Manifestações de Espíritos em Beaucaire, França, em 1211: uma "pequena codificação" em pleno século XI?
A cidade de Beaucaire no sul da França (Languedoc-Roussillon) é o ambiente dos relatos de Gervais de Tilbury. Trata-se de comunicações do Espírito de um rapaz, Guillaume, a sua prima depois de sua morte em uma briga em 1211. O clero local instaurou um verdadeiro tribunal com perguntas e respostas ao Espírito de Guillaume que, auxiliado por seu Espírito protetor, fornece respostas. A narrativa foi adaptada para servir às concepções da época e reforçar a ideia do purgatório na Doutrina Católica.

O episódio conhecido como 'o fantasma de Beaucaire' foi compilado por um contista medieval, Gervais de Tilbury (p. 106 do livro de Schmitt), e narra a história de Guillaume, natural de Apt, morto em uma briga e que aparece a sua prima adolescente em 1211. A narrativa apresenta Guillaume em aparições no quarto da menina, vestido em andrajos e clamando por orações por sua alma. Pode-se identificar a natureza da manifestação através da jovem médium, mas a maneira como é contado e, principalmente, interpretado os ditados do morto, segue rigidamente a crença da época, que via nele uma alma em busca de orações por sua salvação. Entretanto, algumas características do relato são interessantes do ponto de vista espírita: as aparições começam três ou cinco dias após a morte de Guillaume que foi violenta; a jovem sente medo ao entrar em contato com o seu primo e sua conversa é acompanhada pelos pais, que ouvem apenas a voz da menina; várias pessoas aparecem desejosas de 'conversar com o morto' por intermédio da médium;o clero local toma posse do fenômeno e instaura o que Schmitt chama de inquisitio para testar o morto; muito interessante: o morto é acompanhado pela figura de São Miguel que, no simbolismo da época, representa seu Espírito protetor (uma entidade de caráter mais elevado); ao ser instaurado um tribunal para questionar o fantasma, São Miguel é quem, na verdade, dita ao Espírito de Guillaume as mensagens. Vemos então a figura de um Espírito de natureza inferior (Guillaume) que serve de intermediário entre a médium e um Espírito mais elevado. Segundo Schmitt (todos os itálicos são meus, 3):
O defunto confirma em primeiro lugar o horror da morte. A própria palavra lhe é insuportável e o espírito conjura a jovem a falar dela apenas por eufemismos, empregando o termo "trespasse"....O morto recorda as angústias de seu trespasse: viu os anjos bons e os anjos maus disputar sua alma até que os primeiros vencessem. Esse combate faz as vezes, então, de julgamento particular da alma, sem que seja mencionado uma intervenção do Cristo nem mesmo da Virgem... (p. 109)
Ao fim de alguns dias, as almas dos que não são nem santos nem condenados vão para o purgatório, designado, assim, desde o começo do século XIII, por um substantivo. Esse purgatório é aéreo, o que pode corresponder a uma das localizações por vezes alegada do purgatório, mas que o designa sobretudo, na lógica desse relato particular, como um lugar provisório...(p. 109) 
Falando de suas próprias experiências, ele descreve sobretudo a condição das almas no purgatório aéreo. Esse 'lugar' está sujeito a um tempo análogo ao tempo terrestre, com uma alternância de dias e de noites (mas ali as noites são menos escuras do que na terra) e, para as almas penadas, um repouso sabático, entre a noite do sábado e a noite do domingo... O nome de São Miguel não designa um anjo particular, mas uma função de proteção das almas penadas: a cada uma, seu "São Miguel". O do defundo Guillaume sopra-lhe as respostas que ele deve dar à prima ou ao padre. (p. 109) 
No purgatório as almas experimentam um alívio progressivo, apressado pelas preces, esmolas, missas dos vivos e também pela aspersão de água benta. (p.110)
O fantasma insiste muito em suas faculdades sobre-humanas de visão, ou mesmo de previsão. As almas vêem tudo o que se faz na terra. (p. 110)
O fantasma mantêm-se muito perto dos vivos, no mais das vezes à revelia deles. Mas, com a força da autorização divina, ele pode aparecer em dois lugares e de modos diferentes. (p. 110) 
Eis a criança investida da função de médium, e seus vaticínios, de início reservados ao círculo dos vizinhos, logo são recolhidos e explorados pelos clérigos. Um desses últimos chega mesmo a substituí-la  para traduzir, sob forma adequada, as verdades de além-túmulo. (p. 112)
Conforme explicado por Schmitt em sua obra, o relato do fantasma foi sistematicamente modificado para se adaptar às teses medievais católicas de um fantasma como a imagem de um morto, de sua adequação doutrinária à Igreja (o morto Guillaume afirma que é favorável à matança dos Albingenses) etc. As sementes de instruções de além-túmulo foram lançadas, mas caíram em solo infértil e foram adaptadas para seguir ao imaginário e o interesse religioso da época.

abadia de Cluny na França. Segundo Schmitt,  o modelo de sufrágio pelos mortos, a comemoração do 2 de novembro, foi uma 'inovação clunisiana'. As práticas se instauraram depois da constatação das evidências de comunicação e intercâmbio oriundas de diversos relatos medievais, muitos deles no interior de mosteiros como o de Cluny.

Conclusões

Jean-Claude
Schmitt.
Além dos exemplos acima, outros muito interessantes, falam da existência de manifestações mediúnicas extensivas em mosteiros medievais (ver o exemplo de Gertude do mosteiro de Hefta, p. 58, uma abadessa cisterniense que teve visões extáticas com presença de entidades desencarnadas em 1261), da diferença entre os relatos de aparição e o 'sonhar com os mortos', a coleção de relatos de aparição de mortos na abadia beneditina de Marmoutier em 1137 (p. 86), e muitos outros. A narrativa de Schmitt está de acordo com suas teses históricas, mas, como dissemos, é interessante uma leitura espírita, que permite adicionar outras informações quanto à origem fenomenológica de tais relatos medievais. Esses relatos são hoje interpretados livremente por historiadores, que tentam adaptar suas teorias para explicá-los como produtos do imaginário humano. De fato, os desdobramentos, com certeza, estão vinculados às crenças da época, mas a gênese dos relatos não é (4), gênese que ficou impregnada por essas mesmas crenças. 

Fica patente que inúmeros fenômenos psíquicos durante toda a idade média foram registrados, e incorporados à cultura local na França (que é a região de estudo de Schmitt) através do clero. Os relatos lidos nos documentos preservados demonstram as distorções (como no caso do 'sonho do imperador' Carlos IV), os exageros e sua total aderência à crença católica, embora não de uma maneira uniforme, quando muitos dos relatos serviram para desenvolver teses que até então não existiam. A ideia do purgatório, sem dúvida, é a mais notória delas. Essa foi uma ideia que amadureceu aos poucos, com base na observação de fatos mediúnicos em abadias como Cluny, Marmoutier, através das chamadas 'visões monásticas' e outros relatos seculares de visão dos 'mortos', o que atesta a sua contínua comunicação com o mundo dos vivos desde tempos imemoriais. 

Referências
  1. Schmitt, Jean-Claude (1999). Os vivos e os mortos na sociedade medieval. São Paulo, Companhia das Letras. O original tem o título: Les Revenants: les vivants et les morts dans la société médiévale (Gallimard, 1994); 
  2. Sobre esse aspecto, nossos leitores poderão consultar a crítica de Eduardo H. Aubert do FFLCH da USP. (Aubert, Eduardo H. (2001), Rev. hist. n.145, São Paulo, dezembro 2001, (versão impressa ISSN 0034-8309)); 
  3. Consultar o livro de Schmitt (1) sobre todas as referências.
  4. Isto é, a gênese dos relatos está ligada à fenomenologia mediúnica.