30 de dezembro de 2010

Crenças Céticas IX - Como refutar qualquer coisa que você não gostar.


Uma das melhores lições que se pode ter da literatura cética é sobre como tratar a evidência, fatos ou dados que estejam em conflito com suas próprias crenças, de forma tal que apenas o seu ponto de vista seja válido.

Uma estratégia comum de desmascaramento é apresentar conjecturas 'ad hoc' para descartar qualquer evidência de uma afirmação X. Essa estratégia funciona como método retórico para se ganhar uma argumentação (especialmente se os leitores estiverem inclinados a pensar como você), mas está longe de ser um argumento científico, porque, em ciência, hipóteses alternativas devem ser testadas, não meramente assumidas como possíveis.

Por exemplo, se cientistas estiverem buscando a causa do mal de Parkinson e a evidência confirmar a hipótese de que níveis de dopamina tem um papel fundamental nessa causa, não cai bem para um 'cético da Dopamina' dizer "Bem, é possível que outras causas desconhecidas existam, você não pode concluir que a dopamina seja importante, porque há outras explicações. Você está apenas manipulando as estatísticas."

Com certeza outras explicações são possíveis, mas nosso cético aqui não pode esperar que cientistas levem a sério o que diz, a menos que ele forneça evidências a favor de sua alternativa (antidopamina), isto é, a menos que ele forneça evidência de que 'outras explicações' podem dar conta da doença de Parkinson e tornar a hipótese da dopamina desnecessária ou implausível.

Uma opinião gerada no conforto do sofá sobre cenários imaginários ou possibilidades 'ad hoc' não é nem hipótese científica nem mesmo uma alternativa de hipótese. Somente se deve tomar tais alternativas seriamente se forem testadas ou confirmadas, ou, ao menos, se existir evidências independentes que façam a hipótese alternativa algo plausível ou relevante para aquele caso específico.

Por exemplo, para confirmar a 'hipótese psi' (sobre a existência de capacidades paranormais), você não precisa excluir qualquer outra possibilidade lógica ou cenário imaginário, porque possibilidades lógicas são, por definição, sempre possíveis e a imaginação é livre e ilimitada.

Hipóteses são confirmadas por suas consequências e predições. Se a 'hipótese psi' prediz, por exemplo, que certos cães irão manifestar determinados comportamentos (como no caso da pesquisa de R. Sheldrake), então a hipótese fica confirmada se tais cães manifestarem aquele comportamento por ela previsto. (Confirmado não significa que seja verdade absoluta, mas simplesmente que os dados empíricos a confirmam, pedem por mais pesquisa e que ela seja aceita de forma provisória).

Será que isso exclui outras alternativas ou outras possibilidades imaginárias? Não, mas possibilidades alternativas tem que ser confirmadas e testadas (ou demonstradas como plausíveis naquele caso específico) para que sejam aceitas como reais e pertinentes, não simplesmente assumidas com verdade porque um crítico de sofá não quer aceitar - por quaisquer razões ideológicas - o que a hipótese diz. Caso contrário, seria possível então rejeitar de forma arbitrária um resultado empírico a favor de qualquer hipótese usando de trucagem retórica com base em qualquer outra possibilidade ad hoc imaginável.

Para deixar esses pontos ainda mais claros, vamos supor que estamos examinando a afirmação "Jader Sampaio é o autor do blog espiritismocomentado.blogspot.com".

Uma foto e evidências facilmente refutáveis: será mesmo que Jader Sampaio é o autor de espiritismocomentado ?

Mas suponha que, dado minha filosofia pessoal, ideologia ou visão do mundo, eu queira desacreditar tal afirmação porque, para mim, é simplesmente impossível (isto é., estou certo que Jader Sampaio não existe, ou porque eu acho que ele não sabe usar um computador e, portanto, jamais poderia ter um blog).

Evidências são fornecidas a favor da ideia de que Jader Sampaio é na verdade o autor de tal blog:
  • O blog tem uma foto dele e um logo que ele criou;
  • Em uma determinada entrevista, um sujeito chamado 'Jader Sampaio' diz que aquele blog é dele mesmo;
  • O endereço IP (e outras informações técnicas) mostram que o blog pertence a alguém chamado 'Jader Sampaio';
  • Outros sites têm links para esse blog com a frase 'Blog de Jader Sampaio';
Se eu quiser refutar a tese de que espiritismocomentado é de Jader Sampaio, posso usar o truque da 'possibilidade lógica/explicação ad hoc/cenário imaginário de sofá' e descartar ou rejeitar as evidências acima:
  • Com relação ao nome e ao logo, posso dizer que isso nada prova porque qualquer pessoa pode fazer um blog e colocar como autor 'Jader Sampaio' e ainda fazer um logo parecido;
  • Com relação à entrevista, posso dizer que se trata de uma evidência anedótica e, portanto, inválida. Além disso, é possível que o sujeito em questão esteja simplesmente mentindo que seu nome seja Jader Sampaio. E, ainda que eu aceite que seu nome seja este, isso nada prova que o blog é dele. De qualquer forma, é apenas 'um testemunho' e, portanto, sem muito valor do ponto de vista científico;
  • Com relação ao endereço IP, posso afirmar que isso nada prova, porque é possível falsificar um endereço IP ou qualquer outra informação técnica como aquelas relativas a computadores ou um servidor específico;
  • Com relação aos links de outros sites para o tal blog e a referência como um 'blog de Jader Sampaio', posso mais uma vez dizer que isso nada prova, porque isso pode ser forjado também. De qualquer forma, é uma evidência anedótica (para um cético empedernido e racional como eu, isso nunca prova nada).
Note que os argumentos acima podem muito provavelmente ser motivados pelo meu desejo de desacreditar (especialmente, se eu sou alguém que mantém uma ideologia ou filosofia que pregue a inexistência de um tal Jader Sampaio). Mas, também, esses são argumentos baseados em especulações de sofá não provadas relativas a outras 'possibilidades' ou cenários imaginários que eu uso para invalidar qualquer evidência ou fato que me é apresentado. 

Note também que todas as possibilidades apresentada por mim são perfeitamente possíveis. Mas isso não as faz verdadeiras em nenhum caso específico. Para saber se tais especulações são verdadeiras, evidências que as suportem devem ser apresentadas (por exemplo, que um hacker tenha forjado um endereço IP em um servidor específico para falsificar também um nome como 'Jader Sampaio').

Se eu afirmar que um fator X causa um 'habilidade psi' em laboratório, então estou fazendo uma afirmação empírica positiva e, se eu sou um cientista, tenho que testar minha afirmação a respeito desse tal fator X para saber se isso é certo ou não (se não estiver correta, minha afirmação é cientificamente inútil contra objeções válidas de cientistas que obtenham evidências positivas para a hipótese psi); não basta simplesmente assumir isso sem evidência empírica. Obviamente, se eu quiser desacreditar a existência de uma habilidade psi, então estarei bastante motivado a aceitar qualquer alternativa ad hoc, mesmo que ela não tenha sido testada  ou confirmada. Mas, nesse caso, não estou mais a fazer ciência, estou simplesmente protegendo minhas crenças com especulações ad hoc e post hoc. Basicamente, estou racionalizando minha fé contra a existência de uma determinada coisa que eu não goste. Isso é, em essência, chamado de wishful thinking disfarçado como retórica científica.

Finalmente, como um exercício intelectual, imagine que você não acredite em uma determinada afirmação (você é livre para escolher qual afirmação será). Você descobrirá, então, se usar especulações ad hoc criativas, que sempre será capaz de se livrar de evidências que sejam contrárias as suas crenças. Quanto mais inteligente e esperto você for, tanto mais criativas e persuasivas serão suas 'especulações ad hoc'. Mas isso não muda o fato de que você está se enganando a si mesmo com um método sofisticado de racionalização de dados, fatos e evidências que desafiem suas crenças.

Em outras palavras, você está usando sua própria inteligência e razão para se enganar. Ao invés de usar isso para encontrar a verdade, você está usando sua capacidade para racionalizar ou proteger suas tendências, preconceitos ou preferências pessoais contra qualquer possibilidade de refutação. É um processo sofisticado de auto ilusão (que também impede que você perceba que esta se enganando).

Ninguém pode estar 100% livre de ser tendencioso ou de truques mentais para evitar essa 'dissonância cognitiva'. Mas, se você ama realmente a verdade, você certamente fará um esforço para controlar sua mente e manter seus preconceitos sob controle consciente. Aprenderá então bastante sobre sua própria mente, e também sobre a mente dos outros.

Este é um texto traduzido  e adaptado do original 'How to debunk any claim that you want to disbelieve', acessível em http://subversivethinking.blogspot.com/2009/04/how-to-debunk-any-claim-that-you-want.html

21 de dezembro de 2010

Crenças Céticas VIII - Alfred Wegener e a fraude dos continentes flutuantes.

Alfred Wegener.
O "impossível" é geralmente fixado por nossas teorias, não definido pela Natureza. Teorias revolucionárias habitam no inesperado.

(...) À medida que a ortodoxia Darwinista varria a Europa, seu mais brilhante oponente, o embriologista já velhinho Karl Ernst von Baer disse com amarga ironia que toda teoria triunfante passa por três estágios: primeiro ela é descartada como uma inverdade, então é rejeitada como contrária à Religião e, finalmente, é aceita como dogma e todos os cientistas dizem que sempre lhe apreciaram a verdade. Stephen J. Gould ("Ever since Darwin", Penguin books, 1991)

Continentes que flutuam como barcos no oceano? Então, o solo que pisamos não se mostra firme, robusto, desde a criação da Terra? Talvez a imensa maioria das pessoas não saiba, mas o chão que nós pisamos todos os dias, sobre o qual dirigimos nossos carros ou praticamos esportes está em movimento. Quando criança, me divertia ao constatar, olhando os mapas das aulas de geografia, que a costa oriental da América do Sul encaixava-se, como se fosse um quebra-cabeças, com a costa ocidental da África. Na minha falta de compreensão, não achava que isso seria mera coincidência, mas ignorava totalmente como aquilo poderia ter acontecido.

Essa observação infantil talvez não tenha passado em vão aos primeiros cartógrafos que, da mesma forma que eu, não conseguiram imaginar uma causa simples para semelhante “coincidência”.

De qualquer maneira, a ideia de que os continentes flutuam sempre foi considerada uma heresia científica ou, usando termo mais modernos dos céticos, uma "pseudociência". Evidências alinhadas por seu grande proponente, Alfred Wegener (1880-1930), foram completamente desprezadas e ridicularizadas como erros, incongruências de alguém que, não sendo geólogo, jamais poderia se aventurar em tal campo. Avaliar e estudar a saga de Wegener na defesa da teoria dos continentes flutuantes oferece ao estudioso uma oportunidade para compreender a maneira como a ciência é fabricada e as consequências do ceticismo no seu desenvolvimento.

Diz-se que o ceticismo é importante nas ciências. Ele teve um impacto relativamente profundo na história desse herói que foi Wegener. Ninguém melhor que o paleontólogo e biólogo evolucionista S. J. Gould (1941-2002) para nos contar essa estória, que fala tanto das certezas como das dúvidas no processo de fabricação do conhecimento. O texto abaixo (em azul) é uma tradução nossa de trechos do Cap. 10, Continental Drift, de 'Even Since Darwin' (Penguin books, 1991):

Por que tal profunda mudança (no pensamento científico) teria ocorrido em tão curto espaço de tempo, como em uma década? (Referindo-se à mudança na opinião dos cientistas sobre a teoria de Wegener) 
Muitos cientistas sustentam - ou ao menos argumentam opinião para o público - que sua profissão marcha para a verdade sob a orientação de um procedimento infalível chamado 'método científico'. Se isso fosse verdade, minha questão teria fácil resposta. Os fatos, tais como se apresentavam 10 anos atrás, falavam contra o deslocamento dos continentes; desde então, aprendemos mais e revisamos nossa opinião de acordo com tal aprendizado. Argumentarei que tal cenário não pode ser aplicado de forma geral e é profundamente impreciso nesse caso. (...)

Considero essa estória como típica do progresso científico. Novos fatos, colecionados de forma antiga sob a orientação de velhas teorias raramente resultam em qualquer revisão substancial do pensamento. Fatos "não falam por si mesmos"; são interpretados à luz da teoria. O pensamento criativo, tanto nas ciências como nas artes, é o motor da mudança de opinião. A Ciência é uma atividade quintessencialmente humana, não é algo mecânico, uma acumulação robótica de informação objetiva, guiada por leis de lógica para uma interpretação inescapável. 
Duas são as fortes evidências a respeito da deriva dos continentes, que eram 'varridas para baixo do tapete' quando a teoria de Wegener era herética:

1. A glaciação no Paleozóico tardio. Cerca de 240 milhões de anos atrás, geleiras cobriam partes do que é agora a América do Sul, Antártida, Índia, África e Austrália. Se os continentes fossem fixos, tal ocorrência torna difícil explicar certos fatos. (...). Todas essas dificuldades evaporavam se os continentes austrais (incluindo a Índia) estivessem unidos durante o grande período de glaciação, e localizados mais abaixo, cobrindo o polo sul; as geleiras sul americanas moveram-se da África, não de um oceano aberto; a África 'tropical' e a Índia 'Semitropical' estavam próximas do polo sul; o pólo Norte localizava-se no meio de um grande oceano, de forma que geleiras não poderiam ter se produzido no polo norte; 

2. A distribuição de trilobitas cambrianos (artrópodes fósseis que viviam entre 500 a 600 milhões de anos atrás). Os trilobitas cambrianos da Europa e da América do Norte dividiam-se em duas faunas diferentes com uma distribuição bem peculiar nos mapas modernos. Trilobitas da província 'Atlântica' viviam por toda a Europa e em algumas áreas da costa mais oriental da América do Norte - (oriental e não ocidental). Newfoundland e o sudoeste de Massachusetts, por exemplo. Trilobitas da província 'Pacífica' viviam por toda a América e em alguns locais da costa ocidental da Europa - norte da Escócia e o noroeste da Noruega, por exemplo. É muito difícil dar conta dessa distribuição se os dois continentes estivessem distantes 3000 milhas um do outro.  
Mas a deriva dos continentes sugere uma estranha solução. Em épocas Cambrianas, a Europa e a América do Norte estavam separadas: trilobitas atlânticos viviam em águas pela Europa; trilobitas pacíficos em águas na América. Os continentes (agora incluindo sedimentos com trilobitas encrustados) moveram-se um na direção do outro até se juntarem. Mais tarde, se separaram novamente, mas não exatamente ao longo da linha de onde haviam se juntado. Restos espalhados da Europa antiga, contendo trilobitas atlânticos permaneceram na parte mais oriental da América do Norte, enquanto que algumas restos da velha América do Norte ficaram grudados na parte mais ocidental da Europa.


Em apenas alguns segundos, assista milhões 
de anos de deslocamentos nunca antes imaginados pelas gerações anteriores.
Tais exemplos são citados como "provas" da deriva hoje, mas eram sumariamente rejeitados nos anos anteriores, não porque os dados fossem menos completos do que hoje, mas porque ninguém imaginava um mecanismo que fizesse mover os continentes.

(...) Na verdade, a superfície da Terra parece estar dividida em menos de uma dezena de "placas" maiores, limitadas em ambos os lados por zonas de criação e destruição. Os continentes estão congelados entre tais placas movendo-se com elas à medida que o solo oceânico se afasta de zonas de criação. A deriva dos continentes não é mais orgulhosa de si, ela se tornou conseqüência passiva de nossa nova ortodoxia - a tectônica de placas.
Entretanto, até ganhar o status de ortodoxia, a teoria de Wegener sofreu o escárnio e a desconsideração. Ela hoje nos apresenta como um exemplo vivo que se contrapõe  a qualquer tentativa de estabelecer métodos rígidos na pesquisa científica e de que a Natureza não revela tão facilmente seus mais profundos segredos. Considerado como uma fraude, seu proponente não viu em vida sua aceitação pela comunidade científica, mas morreu acreditando nela e que, dentro em breve, todos haveriam de considerá-la seriamente.




11 de dezembro de 2010

Crenças Céticas VII - A vida além da vida e a necessidade de uma nova Ciência.


Vimos anteriormente que, para que haja Ciência, são necessárias ao menos três coisas: um objeto de estudo, uma linguagem e um método. O pseudoceticismo, em geral, invoca a autoridade da Ciência para si para desqualificar determinadas afirmações sobre o mundo, justamente aquelas que não se alinham com as crenças pseudocéticas.

Vejamos uma afirmação clássica do pseudoceticismo:
A Ciência não comprova a existência de vida depois da morte. A Ciência não comprova a existência de Espíritos.
Qual o significado aqui da palavra 'Ciência'? Em quase todas as discussões que vemos sobre o assunto, parece que podemos interpretar 'Ciência' como o corpo de pesquisadores, o conjunto de cientistas, a opinião de técnicos ou especialistas em assuntos considerados científicos. Se este for o caso, já vimos anteriormente que a opinião dos cientistas não pode ser tomada como autoridade, principalmente no que diz respeito àquilo que foge à especialidade deles. Se não, vejamos:

Qual pode ser o 'objeto de estudo' dessa ciência que desaprova a vida além da vida? Será que a ciência contemporânea, entendida como opinião dos cientistas, tem se debruçado sobre essa questão específica que é negada pelos céticos? A resposta é claramente um não, uma vez que a comunidade científica tem coisas muito bem definidas - objetos de estudo específico - com que se ocupar.

Mas não podemos interpretar como 'comunidade de cientistas' a palavra 'Ciência' na afirmação em análise, mas sim esta como o corpo de conhecimento, sem apelo algum à autoridade de seus principais executores e responsáveis.

Nesse caso, somos obrigados a apontar o objeto de estudo, o método e a linguagem que seriam responsáveis por tal negação... Onde, na ciência contemporânea poderemos encontrar isso? Que ramo da Física, Astronomia, Biologia, Química poderia ser invocado para afirmar que, de fato, inexiste vida após a morte?

Muitos céticos dizem que é isso que vemos ocorrer todos os dias quando animais são mortos ou pessoas deixam a vida em hospitais. Não há evidências - repetem eles - diante de um corpo inanimado, que nunca mais demonstrará nenhum sinal de vida após os momentos derradeiros, de qualquer coisa além. Fisiologistas e bioquímicos de renome poderiam ser invocados para descrever os processos celulares internos que ocorrem após a morte de tecidos biológicos, neurofisiologistas poderiam enfileirar imagens de tomográficas mostrando o apagar das luzes na massa encefálica e chegaríamos realmente a formar uma imagem completa da morte?

Sobre as consequências dela para o corpo: sim, o corpo, eis aqui o objeto de estudo que procurávamos. Aqui há ciência positiva, há uma linguagem descritiva e há um método de pesquisa muito bom. Mas será que isso nos autoriza a dar o passo que permite negar a afirmação que analisamos? Será que não estão fazendo como o Cardeal Bellarmino - do caso Galileu - que afirmou não existir evidências diante de uma Terra que parecia bem fixa, imóvel, e do movimento do Sol, todos os dias a se levantar a leste e se por a oeste?

Ao se tentar ir além, afirmarão: isso é metafísica...Mesmo sem saber o significado dessa palavra, aprenderam sua conotação negativa. O problema aqui é simples: trata-se de uma deficiência na compreensão da existência de uma multiplicidade de objetos de estudos no mundo em que vivemos. Se não se reconhece a existência de um determinado objeto de estudo, não pode haver Ciência. Mas o que fazer para que a questão não se prenda às fronteiras da mera especulação metafísica? O fato de eles, os céticos (veja que não estou me referindo aos pseudocéticos, mas aos céticos bem intencionados), não se darem ao trabalho de buscar, pesquisar e procurar.  Muitos céticos não sabem que a Natureza oculta muito bem os seus segredos. Mas uma das coisas que a nova visão do mundo revela pela Ciência é que existem muitos objetos de estudo que não sensibilizam diretamente nossos sentidos.

Tomemos o exemplo do vírus (figura abaixo) e façamos o exercício mental de nos colocar em uma época onde microscópios eletrônicos não estavam disponíveis. Hoje é  fácil acreditar na existência desses seres. Eles foram 'revelados' pela Ciência e são a causa de muitas patologias. Mas, ao dizer isso, estamos numa posição privilegiada. Há razões para acreditarmos que, no que diz respeito à continuidade da vida além da vida, não detemos tantos privilégios.

Imagem do vírus da gripe espanhola. Se microscópios eletrônicos não estivessem disponíveis, como poderíamos ter 'evidências' sobre a existência desses seres microscópicos? Hoje, estamos numa situação privilegiada em relação ao conhecimento da existência desses seres,  mas o mesmo não é verdade com muitas outras proposições a respeito do Universo.
Se não conseguem 'encontrar' o Espírito, sede da consciência, é porque dele formaram uma ideia errada. Usam concepção arcaica, antiga, de uma época quando nosso conhecimento do mundo era muito pequeno, tão pequeno que ainda nos julgávamos no centro dele. Como se recusam a postular a existência de um novo objeto de estudo, não podem aceitar novos fatos, não podem ir além.

Entretanto... ela se move! afirmaria Galileu. Precisamos de uma nova ciência para nos revelar nosso futuro. Novos Galileus, novos Newtons e novos Laplaces deverão se debruçar sobre esse novo tema, a fim de descobrir suas leis, desenvolver uma nova linguagem e um novo método. Essa será o principal tema da Ciência do futuro.

7 de dezembro de 2010

Crenças Céticas VI - Noções populares de Ciência


Uma coisa que aprendi em minha vida é que toda nossa Ciência, se comparada à realidade, é primitiva e infantil. Mas, mesmo assim, é coisa mais preciosa que temos. A. Einstein.

O público em geral tem várias opiniões formadas sobre o que é Ciência. Isso é importante já que a Ciência substituiu a autoridade religiosa em nosso tempo. Nada há mais bem conceituado hoje em dia do que essa autoridade da Ciência. Entretanto, como seria possível descrever corretamente o conhecimento científico? Será que a Ciência se limita apenas ao conhecimento que está disponível na forma de livros científicos ou artigos?

Aqui descrevo o meu ponto de vista, sem entrar em detalhes complexos que o leitor pode encontrar ao buscar por suporte em algum livro de Epistemologia da Ciência. Essa área da Filosofia foi justamente criada para tratar esses problemas . No que segue não exporei nada sobre as principais teorias do conhecimento, mas discuto precariamente o que aprendi na minha vivência como cientista.

Nosso objetivo aqui é discutir posteriormente essas ideias e as novas proposições de pesquisa dos fenômenos psíquicos, bem como o caráter científico das teorias que se aventaram para os explicar. 

Elementos da Ciência

Para que haja Ciência (note que escrevo essa palavra com letra maiúscula) são necessários, ao meu ver, 3 ingredientes:

Objeto de estudo.: É o objeto, coisa física ou não sobre a qual as teorias e explicações científicas irão versar. Por exemplo,  há uma ciência que estuda átomos e suas relações ou interações, há outra que estuda os fenômenos climáticos etc. A Ciência, para existir, tem que ter definido um objeto de estudo. A questão do objeto de estudo é especialmente crítica, uma vez que, por não se reconhecer a existência de outros objetos além dos que já são conhecidos em uma determinada época, é impossível estabelecer a Ciência.

Linguagem: É a maneira como a Ciência fará suas proposições sobre o objeto de estudo. No caso feliz da Física (ou mesmo da Química), essa linguagem é essencialmente matemática, ou seja, utiliza abstrações lógicas, construções abstratas e teoremas envolvendo essas construções. Há muita gente que acha de forma incorreta que, se o conhecimento científico não puder ser colocado na forma de proposições que se reduzem a números, não há Ciência. Isso é um erro grave, já que as coisas são justamente assim na Física por uma peculiaridade do objeto de estudo. Com outros objetos (por exemplo, seres vivos), o conhecimento científico se estabelece sem recorrer a manipulações numéricas ou teoremas. É importante entender que o objetivo da Ciência é gerar informação que seja útil para a sociedade, sendo que a 'utilidade' dessa informação não pode ser julgada com base em ideias preconcebidas como imaginar que o que é útil amanhã é o mesmo que é útil hoje. A pesquisa científica inovadora e sem limites deve ser fomentada justamente porque é difícil prever as consequências do conhecimento científico.

Método: aqui nos deparamos com algo mais delicado, fonte de inúmeras confusões. O método (assim como a linguagem) não pode ser definido de forma independente do objeto de estudo e da linguagem. Há pessoas (inclusive vários acadêmicos) que acham ser possível estabelecer um método geral para fazer ciência independente do objeto de estudo. Essa crença é resultadode uma visão parcial e deficiente a respeito da maneira como a Ciência operou e se desenvolveu ao longo da história. O método ou processo de se fazer Ciência é altamente dependente do objeto de estudo e da linguagem, ou seja, das teorias científicas que são levantadas preliminarmente para se estudar o objeto de estudo. Ou seja, dependendo da explicação ou hipótese levantada para explicar a origem ou fonte de um determinado fenômeno, um método de investigação diferente deverá ser implementado.

Há muitas pessoas que acham que o método científico é a fonte do conhecimento genuinamente científico - e, portanto, genuinamente verdadeiro. Acreditam que o conhecimento pode ser adquirido através de um conjunto de passos que se inicia com uma evidência, se amontoam ou adicionam outros próximos e, de evidência em evidência, se chega à verdade. O ceticismo dogmático confere grande importância às evidências justamente porque se apoia nessa noção muito popular de se fazer Ciência. Essa ideia é problemática porque, muitas vezes, considerações sobre os objetos de estudo e linguagem não são levados em consideração. Efeitos com origem em determinadas causas são confundidos com outros efeitos que tem natureza conhecida. Acredita-se que um determinado fenômeno deve ser enquadrado dentro da perspectiva de outros conhecidos, com linguagem própria.

Antes do Século XX, a comunidade acadêmica achava que meteoritos eram
pedras lançadas durante erupções de vulcões distantes.

Um exemplo típico dessa visão foram as primeiras teorias sobre quedas de pedras (meteoritos) do céu. A comunidade científica até a época de Arago (1786-1853), não acreditava que pedras poderiam cair do céu. Portanto, as que eram observadas caindo só poderiam provir de erupções vulcânicas distantes, caso os relatos fossem considerados verídicos. Achava-se que vulcões tinham força suficiente para erger monolitos inteiros a centenas de quilômetros de distância. Nenhuma evidência nessa caso foi suficiente para convencer o contrário. Por que isso ocorreu? A explicação mais plausível - frequentemente chamada pelo ceticismo dogmático de 'navalha de Occam' - não exigia que pedras viessem de fora da Terra, mas era suficiente imaginar que voariam com as explosões, pois muitas pedras foram observadas voando nas proximidades de vulcões em erupção.

Ou seja, existiam evidências fortes para a teoria amplamente aceita na época. As evidências mudaram depois que se observou que a maior parte das pedras que cairam tinham um composição característica, diferente daquelas ligadas a erupções vulcânicas. Um estudo muito mais meticuloso foi necessário para comprovar a 'evidência extraordinária' para a queda de pedras do céu. Obviamente que a mera observação dessas ocorrências - testemunhadas por qualquer indivíduo desde o início da civilização - não era considerada evidência extraordinária.

Esse exemplo tirado da História mostra que Ciência não começa com acumulo de evidências e fatos, já que as evidências e os fatos devem ser interpretados para serem aceitos. E a interpretação dos fatos não depende deles mesmos, mas do que está dentro da cabeça das pessoas. Logo a Ciência é uma construção humana, cultural e não algo independente de considerações humanas. 

Ciência fértil ocorre quando há uma interação fértil entre as noções de objeto de estudo, linguagem e método. Entretanto, só isso não é suficiente. Os resultados devem estar disponíveis publicamente. Como sempre ocorre às vezes, as consequências (ou efeitos) são tomadas pelas causas, a ponto de ser bastante comum se confurndir conhecimento científico com conhecimento acadêmico. Não é o conhecimento acadêmico aquele que está publicamente disponível e que foi analisado por um método próprio de análise por consultores independentes etc?

Não há espaço aqui para criar uma disputa sobre as vantagens e desvantagens do método de publicações ou 'análise por pares'. Nosso interesse é na idéia ou concepção de Ciência. Há verdadeira Ciência quando as causas dos fenômenos recebem explicação satisfatória, esteja ela ou não publicamente disponível na forma de publicações acadêmicas. Seja ela aceita ou não. No que segue iremos analisar esse ponto que gera outro tipo de confusão.

27 de novembro de 2010

Crenças Céticas V - O caso Galileu e a fraude do movimento da Terra.


Terceiro, digo que, se houvesse verdadeira demonstração de que o Sol esteja no centro do mundo e a Terra no 3º céu, e de que o Sol não circunda a terra, mas a Terra circunda o Sol, então seria preciso proceder com muita atenção na explicação das Escrituras que parecem contrárias a dizer, antes, que não as entendemos, do que dizer que é falso aquilo que se demonstra. Mas não crerei que há tal demonstração até que me seja mostrada...

...Mas, no que se refere ao Sol e à Terra, não há nenhum perito na matéria que tenha necessidade de corrigir o erro porque experimenta claramente que a Terra está parada e que o olho não se engana quando julga que o Sol se move, como também não se engana quando julga que a Lua e as estrelas se movem. E baste isto por agora...

Cardeal Bellarmino (In: Galileu Galilei. Ciência e Fé. São Paulo: Nova Stella Editorial; Rio de Janeiro: MAST. , 1988)

Em algum lugar da Europa, antes do final do primeiro quartel do Século 17, um cético empedernido escreve uma carta a um amigo distante...
"Ouvi dizer que em Roma, certo professor de nome Galileu Galilei afronta a verdade ao pretender mostrar que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas o contrário, defendendo a ideia de Copérnico, o idiota que quer reformar toda a astronomia (1).
Galileu Galilei utilizou um tubo 'mágico' (só Deus sabe por quais artimanhas do demônio...) feito por arte trazida de um holandês, que é capaz de amplificar, diz ele, imagens de marinheiros em mastros de navios distantes. Comenta-se que as imagens são por demais toscas para não criar a impressão de que o o tubo introduz ilusões aos órgãos da vista (2), ao ponto de não serem críveis as descrições que esse professor fez de suas observações do céu.

Além disso, é fato provado que Galileu fez pequena fortuna com tal tubo (3) vendendo a vários mercadores venezianos e de outras regiões e, agora mesmo, pretende que o exército o compre para suas campanhas militares, uma prova de sua astúcia e falta de decoro.

Numa noite, resolveu apontar o tal tubo para a lua e descreve supostas crateras, como se a Lua não fosse uma esfera perfeita, mas quer convencer a todos que ela é como a Terra, cheia de planícies, mares e montanhas (4).

Ao apontar seu instrumento mágico para Júpiter, disse e quer que todos acreditem ter visto esse planeta não como uma estrela andarilha, como toda Humanidade sempre o viu (5), mas como uma pequena esfera rodeada de pontos brilhantes que ele afirma tratar-se de satélites. Esse professor chegou ao ponto de sugerir que o tal astro é um mini sistema solar que tem Júpiter como o maior corpo e que, portanto, o Sol seria por comparação o centro de nosso Universo e não a Terra. Esse professor afirma que isso não prova ser o Sol o centro mas é uma forte evidência a favor disso (6).

Pela feitiçaria de seu tubo mágico afirmou que Vênus passa por fases e que seu tamanho varia junto com essas fases, a ponto de acreditar ter provado que Vênus gira em torno do Sol. Fez isso mesmo agora, quando todos os astrônomos da Europa (7) sabem que o sistema de Tycho Brahe resolve maravilhosamente o problema, ao propor que os planetas internos - e externos - girem ao redor do Sol que, por sua vez, gira em torno da Terra como todos sabemos ser fato comprovado.

Ao observar Saturno, o planeta mais lento do céu, foi enganado por sua própria artimanha, ao constatar que esse planeta tem orelhas, e quer que todos acreditem nisso!(8)
Para o bem de todos, Galileu já começou a ser punido por sua presunção posto que esse homem, já meio velho, está ficando cego depois de ter apontado seu tubo para o Sol. Mesmo diante da punição, descreve que a superfície do Sol é repleta de manchas escuras que se movem em sua superfície, outra farsa que ele inventou para nos provocar (9).
Não existem evidências nem pelas santas escrituras (que lhe é totalmente contrária), nem na comunidade dos sábios que a Terra gire em torno do Sol (10). Essa é questão já resolvida para todos, que diariamente vêem o Sol se levantar a Leste e se por a Oeste e que ficam a imaginar o que seria dos continentes e mares se a Terra (11), nem que fosse por alguns milésimos de palmo, se movesse - haja vista os acontecimentos recentes de Terremotos no oriente e no ocidente.
Sendo assim, Galileu Galilei trata-se da maior farsa já perpetrada entre a comunidade dos astrônomos (12) a suportar as idéias perigosas de Copérnico. Ele é uma fraude que merece encarceramento e processo inquisitorial, conforme o tribunal eclesiástico já começou a estabelecer."
Analisando com cuidado os documentos da época e colocando-se no papel daqueles que participaram da trama que levou ao julgamento de Galileo bem como sua abjuração daquilo que havia professado, vemos que se tratou de mais um caso onde as 'evidências' não foram aceitos, antes renegados e considerados 'inconclusivos' ou 'insuficientes' para mover o dedo das opiniões a favor da mobilidade da Terra...

Na verdade, os críticos de Galileu na época estavam em uma posição muito mais confortável do que os pseudocéticos das anomalias que hoje se aquartelam exigindo evidências. Mas, mesmo assim, eles estavam errados. Se não vejamos:

(1) Essa frase é atribuída a Martinho Lutero. O reformista alemão obviamente sabia que a tese do movimento da Terra contrariava a Bíblia. Para o pensamento medieval, tudo estava muito bem do jeito que estava: a Bíblia (Velho Testamento) concordava maravilhosamente bem com o pensamento cristão dominante do homem no centro do Universo, feito 'a imagem e semelhança de Deus' e tendo o céu como enfeite de suas noites. Copérnico surge e diz o contrário. Portanto, Copérnico só poderia ser um idiota ou estar a serviço de Satanás;

(2) Aqui nosso crítico de Galileu tenta desqualificar a evidência. 'Não passa de uma ilusão dos sentidos'. Evidências extraordinárias sempre foram tomadas como alucinações ou fraudes, quando não se ajustam ao pensamento pseudocético. Temos que salvar nosso crítico pseudocético aqui, já que, na época de Galileu, a óptica sequer conhecia as leis de refração da luz. Logo, não é tão sem fundamento assim nos colocarmos na posição do crítico de Galileu como acreditando que o telescópio se tratava de um 'tubo mágico'.

(3) Aqui nosso personagem desvia o objetivo de sua crítica e sugere uma possível razão financeira por conta dos atos de Galileu. Isso é bastante comum no ceticismo dogmático, encontrar evidências ilícitas subjacentes aos atos ou comportamento de pessoas ligadas aos fenômenos.

(4) Nosso crítico simplesmente não aceita a evidência do telescópio. A Lua, para ele, é uma esfera perfeita, tal como a vista nos apresenta. Dizer que ela tem crateras e montanhas - ou seja, sugerir que é um mundo como a Terra, é querer contrariar a Bíblia também, afinal não foi a lua uma luminária colocada por Deus no céu para enfeitar a noite dos homens ?

(5) Nosso crítico recorre aqui à evidência dos sentidos. Júpiter é uma estrela e não um planeta!

(6) O argumento de Galileu foi desqualificado totalmente por nosso crítico. De fato, que adianta querer dizer que Júpiter, sendo o astro maior no grupo formado por ele e seus satélites, guarda a mesma posição do Sol em relação à Terra? Argumento muito sofisticado para a mente do cético dogmático.

(7) O crítico tenta aqui recorrer à autoridade da Ciência de sua época. Como vimos, a autoridade da Ciência está baseada em outros pressupostos e não o da autoridade. Mas, nessa época tanto quanto hoje, isso raramente é compreendido;

(8) O que Galileu viu apontando o telescópio para Saturno? A figura abaixo é uma reprodução do desenho original de Galileu:


Um 'planeta com orelhas'...

Por causa da baixa resolução óptica de seu telescópio, Galileu não conseguiu divisar os anéis tão conhecidos desse planeta hoje em dia. Ao invés disso, essa 'evidência extraordinária' corroborava a ideia de que, o que Galileu reportava não passava, na verdade, de produto de uma ilusão produzida por seu tubo mágico. As evidências eram assim altamente suspeitas...

(9) Galileu desconhecia os danos à visão causados pela exposição da retina ao fulgor solar amplificado por seu telescópio. Na cabeça de seu crítico isso é uma punição as suas provocações.

(10) De novo, aqui recorrência à autoridade, tanto da Bíblia com da comunidade científica.

(11) Aqui temos o ponto mais difícil de Galileu e uma razão peremptória para duvidarmos ainda mais do ceticismo dogmático! Por mais que se esforce em fornecer evidências, nada pode sensibilizar os críticos de Galileu de que a Terra se move, afinal, o contrário é o que sentimos e vivemos todos os dias... Entretanto, ela se move!

(12) Por tudo isso foi condenado Galileu, por se tratar de uma farsa colocada no rio da História como fronteira entre o conhecimento da Verdade e o ceticismo dogmático em nome da Religião e de Deus.

Também essa é a razão porque muitos consideram que a Igreja não errou no processo de Galileu. Ainda hoje podemos duvidar do movimento da Terra se adotarmos a mesma visão do cético. De fato, quais são as evidências de que a Terra se move? Não adianta dizer que 'a Ciência já aceita isso, ou já resolveu aquilo'. Há que se provar, com o mesmo tipo de exigência cética, a tese do movimento.

Tentem fazê-lo por si mesmo, assumindo a mesma força de dúvida e descrença dos mais combativos céticos dos fenômenos espíritas e verão que ainda restam dúvidas quanto ao movimento da Terra...

23 de novembro de 2010

Crenças Céticas - IV Onde está fundamentada a autoridade da Ciência?


Mas, estamos certos dos fatos observados? Homens de Ciência são muito rápidos em pontificar que devemos estar certos dos fatos antes de se embarcar em uma teoria. Felizmente, os que dizem isso não o fazem na prática. Observação e teoria funcionam de forma ótima quando integradas, uma ajudando a outra na busca da verdade.  É uma boa recomendação não confiar demais em uma teoria até que tenha sido confirmada pela observação. Espero não chocar os físicos experimentais ao dizer que também é uma boa regra não confiar demais nos resultados da experiência até que eles tenham sido confirmados pela teoria. Sir Arthur Stanley Eddington (1882-1944) Astrônomo e físico inglês.

Embora seja possível ter uma postura dogmática sem apelar para a Ciência, isso raramente acontece na atualidade, visto que a ciência moderna, dado seu alto grau de especialização e sucesso em desenvolvimentos tecnológicos e nas descobertas da Natureza, é invocada pelo pseudoceticismo para invalidar ou sustentar certas proposições a respeito do mundo.

Não há espaço aqui para um estudo profundo sobre os fundamentos da Ciência, o que é feito por um campo da filosofia conhecido como Epistemologia da Ciência. Importa muito mais saber sobre onde repousa a autoridade da ciência, visto que o que é invocado pelo pseudoceticismo é a sua autoridade, muito mais do que seu conteúdo de conhecimento.

Isso é importante, visto que o conhecimento pode ser fundamentado de diversas maneiras, ou seja, podemos sustentar determinada posição a respeito do mundo tanto usando um apelo à autoridade (como fizeram autoridades da Igreja no caso de Galileu Galilei, ao invocarem as Escrituras Sagradas, para invalidarem a tese do movimento da Terra) ou fundamentar a autoridade no próprio conhecimento. Em suma:

* Conhecimento baseado na autoridade: certas proposições sobre as ocorrências do mundo são de uma determinada maneira porque alguém disse que é assim. Exemplos: recorrer à Bíblia para proibir  práticas ou posturas, ou dizer, de certa forma, que 'a Ciência não comprova isso ou aquilo' como querendo implicar que 'os cientistas não acreditam nisso'. Nesse último caso, Ciência é confundida com a 'opinião dos cientistas', que, tanto quanto diz a lógica não tem autoridade fora do campo de estudo a que se dedicam;

* Conhecimento baseado no próprio conhecimento: aqui a fundamentação é algo mais sutil e pouco conhecida. A autoridade da Ciência tem como escopo os objetos de estudo de uma determinada ciência em particular. Dentro desse escopo (e isso é muito importante) a autoridade das doutrinas científicas está baseada nas próprias teorias, ou seja, na capacidade demonstrada dessas teorias em prever acontecimentos e explicar fatos. Exemplo: é certo que a Terra gira em torno do Sol em órbitas elípticas porque o movimento dos astros em seus mínimos detalhes, como vistos desde a Terra pode ser explicado dessa forma. Ao se tentar explicar de outra maneira, as explicações falham em determinados aspectos (mas não em todos!). Por lógica, a explicação mais abrangente e capaz de prever ocorrências não observadas (predições da teoria) é a de maior autoridade.

Muita gente invoca a autoridade da ciência como que fundamentada na opinião dos cientistas. Um exame detalhado de como a Ciência se estabeleceu ao longo de sua história mostra que essa opinião é deficiente. Acreditamos na Ciência porque ela é capaz de nos trazer uma descrição satisfatória a respeito de certos fenômenos que estuda (e não, como pretendem alguns, 'uma visão do mundo').

Acreditar que a Ciência nos traz uma visão de mundo que se pode generalizar para todos os aspectos, mesmo aqueles que ela não estuda e que, por extrapolação, são explicados dentro de determinadas creças, é uma postura chamada 'cientificismo'.

Cientificistas acreditam não só que a Ciência é o caminho a ser usado para estudar qualquer coisa, mas que a Ciência atual já consegue explicar qualquer coisa (teoria de tudo). De fato, podemos dizer que é razoável esperar que a Ciência seja o caminho a ser seguido para se estudar os mais variados fenômenos (mesmo aqueles que não fazem parte do grupo de fenômenos estudados pela comunidade científica presentemente, mas novos fenômenos em estudos de fronteira). Entretanto, será que o conhecimento científico atual pode ser usado para explicar tudo?

É certo que os desenvolvimentos da Ciência revelaram aspectos da estrutura do mundo que merecem a atenção de todos que pretendem estudar novos fenômenos, inclusive anomalias:

* Há uma lógica inerente nas leis da Natureza. O universo conhecido (ou seja, aquele que é objeto de estudo sistemático) pode ser descrito por meio de leis que determinam como os fenômenos ocorrem sob determinads condições ou contextos;

* Acaso e aleatoriedade desempenham um papel importante, embora existam questões profundas relacionadas aos fundamentos do acaso - sobre se ele é 'irredutível' ou não - ou seja, sobre se essa aleatoriedade não se deva antes a ignorância de fatores e não a um caráter inerentemente estocástico das leis da Natureza;

* 'Não existem milagres'. Por definição, um milagre é uma derrogação das leis da Natureza. Como não podemos dizer que temos o conhecimento completo a respeito dessas leis, a ideia de se utilizar milagres para explicar certos fenômenos não pode ser bem vista. O mais correto é assumir que não conhecemos tudo e uma ocorrência 'milagrosa' é uma ocorrência natural de causa e condições de ocorrência desconhecidas;

* O Universo é muito grande. Tanto em termos de suas dimensões físicas e temporais (muito antigo e de futuro desconhecido), como também em sua distribuição hierárquica de dimensões. As variadas escalas de ocorrência dos fenômenos (desde o microcosmo quântico até a escala cosmológica) atestam uma hierarquização extraordinária na maneira como as leis físicas operam. Também a 'grandeza do Universo' implica em nossa incomensurável ignorância a respeito do funcionamento mais íntimo de muitos eventos naturais. A postura correta para se conhecer a verdade é a humildade diante dos fatos naturais e não a arrogância;

* A pesquisa científica é o veículo de busca do conhecimento a respeito das coisas da Natureza. Entretanto, não existe um 'método' ou 'receita' para se fazer ciência. Cada fenômeno, assim como cada objeto de estudo tem seu próprio método ou ferramenta de pesquisa. Querer forçar as coisas, utilizar procedimentos e regras específicas para estudar ocorrências desconhecidas é um erro. Mas erro pior é tirar  conclusões a respeito de certos fenômenos com base numa aplicação incorreta de um método. Por exemplo: eventos psíquicos não podem ser reproduzidos em laboratório. Isso é uma característica do fenômeno que exige condições especiais de ocorrência. Muitos céticos dogmáticos concluem pela inexistência dessas ocorrências psíquicas por causa de sua não reprodutibilidade. A falta de conhecimento a respeito das condições é um entrave ao desenvolvimento da Ciência, tanto no estudo de fenômenos muito conhecidos como com as ocorrências mais raras.

De todas essas considerações, a falha em compreender a última colocação acima tem sido um obstáculo ao desenvolvimento da ciência dos fatos espíritas. Grande parte da retórica pseudocética gira em torno da reprodutibilidade dos fenômenos anômalos exigindo condições descabidas para sua ocorrência. Isso decorre de uma postura tendenciosa de se repelir sistematicamente fatos que não se enquadrem em uma visão preconcebida do mundo que os pseudocéticos dificilmente reconhecem.

Em resumo: a autoridade da ciência está fundamentada em sua própria capacidade de explicar os fenômenos que estuda e não na opinião dos cientistas. Não há como fundamentar a verdade em 'comitês' ou 'grupos de pesquisa', 'associações' ou 'academias'. Para verificar isso é só observar os inúmeros exemplos da História da Ciência, de como a opinião apressada ou sem reflexão de cientistas famosos prejudicaram o desenlvimento dessa própria Ciência. A Natureza guarda suas verdades que somente podem ser reveladas com muito trabalho, esforço, compreensão e proposição audaciosas de novas teorias.

20 de novembro de 2010

Crenças Céticas III - Ceticismo dogmático



"Até que um dia percebi que seu ceticismo não era uma postura de busca da verdade, mas uma filosofia que se usava para manipular os dados conforme suas crenças. Essa filosofia era de natureza pseudo intelectual e costumava desacreditar e invalidar quem quer que propusesse uma evidência. Infelizmente esses céticos pensam que podem fazer uso da semântica e regras de sua filosofia para apagar a evidência da realidade! Pensam que podem invalidar eventos objetivos da vida real de natureza paranormal colocando rótulos sobre eles ou citando teoremas e axiomas do tipo 'evidências anedóticas não são válidas', 'apelo à autoridade', 'argumento da falácia ad populum' dentre outros. De fato, tentam usar a semântica para apagar a realidade objetiva. Infelizmente para eles, a natureza não funciona desse jeito." (Wiston Wu, www.australianparanormalsociety.com). 


Como já são bem conhecidas as táticas que fundamentam o ceticismo dogmático, recomendamos a leitura do post 'Pseudo-skeptical arguments of the Paranormal' disponível em www.australianparanormalsociety.com. Abaixo fazemos uma tradução adaptada para nossa discussão.

1) "Isso não pode ser, portanto, o fato não é verdade!" Ignorar fatos ou evidências que não se enquadram em suas crenças ou concepções pré-estabelecidas do mundo. Isso é feito sem modificação ou atualização das crenças para que se conformem os fatos, o que é mais lógico. Esse processo é conhecido como racionalização por dissonância cognitiva.


2) Tentar forçar falsas explicações para explicar um evento paranormal, independentemente de se encaixarem ou não aos fatos. Em essência, céticos dogmáticos preferem inventar falsas explicações ao invés de aceitar as que se lhe são apresentadas e que sugerem a transcendentalidade das causas associada aos fenômenos espíritas ou paranormais. Por exemplo, o uso sistemático da hipótese da "leitura fria" (cold reading) para explicar a precisão surpreendente da informação trazida por médiuns quando se sabe que tal explicação não dá conta dos fatos e circunstâncias em que os fenômenos ocorrem. 

3) Mudança frequente nas regras que estabelecem os critérios de evidência que o ceticismo dogmático deseja que seja cumprido. Exemplo: um cético dogmático exige experimentos controlados e não o que chamam de 'evidências anedóticas' (esse termo tem caráter claramente pejorativo). Quando isso é feito, ele muda novamente as regras e exige que os experimentos sejam repetidos por outros pesquisadores. Quando isso é feito, o cético dogmático passa a atacar a integridade dos pesquisadores e o seu caráter, atacar os métodos ou exige relatórios dos mais pormenorizados detalhes do experimento. Caso contrário, rapidamente passa a considerar uma evidência de falta de controle como resultando na 'explicação' para o fenômeno. Sempre achará uma desculpa que valida seu ponto de vista pre-estabelecido. Surgiu uma evidência extraordinária ? mude as regras das evidências que elas deixam de ser...

4) Usar 'dois pesos e uma medida' para considerar as evidências. Não aceitam o que chamam de 'evidência anedótica' para fenômenos psíquicos, pois as consideram não confiáveis. Surpreendentemente, porém, aceitam de braços abertos quando tais evidências suportam seus pontos de vista. Também as aceitam se tais evidências circunstanciais depõem contra os fenômenos (um marca inquestionável de postura tendenciosa). Exemplo: 'ninguém nunca reportou nenhum fenômeno paranormal por aqui', ou 'ele/ela disse outra coisa'. Quando um experimento feito em laboratório mostra de forma clara a transcendentalidade da evidência eles não a aceitam. Mas se algum experimento mostra apenas uma probabilidade para essa explicação, então eles tomam o experimento como claramente contrário à evidência;

5) Atacando a personalidade das testemunhas ou a credibilidade das evidências por elas fornecidas quando não há como aceitar essas evidências. A tática se assemelha a dos políticos que, ao perceberem que não poderão ganhar uma eleição, recorrem a afirmações descabidas contra o adversário. Quando uma evidência tem como origem uma testemunha chave que não podem ser desprezada ou refutada, os céticos dogmáticos encontram uma maneira de desacreditar a mesma seja através da contra caracterização de suas personalidades, seja exagerando ou distorcendo eventuais erros triviais que elas tenham cometido. 

6) Desconsiderando todas as evidências para os eventos, seja considerando-os anedóticos (um termo claramente pejorativo), não testáveis, irreplicáveis ou sem controle. Céticos que se fecham para qualquer evidência, mesmo depois de perguntarem por ela de forma irônica, tendem a agir desse modo, conforme as posturas descritas acima. Ainda que a evidência seja na forma de experimento bem feito, eles a descartarão considerando-a irreplicável ou fora controle.

As características que definem o ceticismo dogmático ou pseudoceticismo revelam na verdade forças psicológicas que não são distintas do estado de fanatismo em que muitos crentes convictos se apresentam. Por incrível que pareça, é como se as mesmas forças operassem tanto dentro do fanático como do pseudocético. Mas, entre o ceticismo dogmático mais tenaz e a postura de prudência que nós devemos ter ao se deparar com anomalias relatadas em primeira mão, existe uma infinidade de estados.

Certamente o ceticismo é necessário - não temos dúvida disso - para a vida diária. De certa forma, o ceticismo é como um remédio que deve ser ingerido na dosa certa, pois, se tomado em excesso, intoxica. Mas, antes de analisar com mais detalhe a questão do ceticismo e sua postura diante dos fatos espíritas, convém estudarmos também um pouco dos fundamentos da ciência, como ela opera e sobre qual autoridade repousam seus fundamentos.

Será que a autoridade da ciência repousa na autoridade dos cientistas? Será que cientistas, enquanto homens fora de sua área específica estão autorizados a emitir julgamentos a respeito de fatos que não conhecem?

Tais são as questões a que nos dedicaremos na próxima postagem.






 

18 de novembro de 2010

Crenças Céticas - II Fundamentos do Ceticismo.


"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e a outra é recusar-se a acreditar naquilo é."  Søren Kierkegaard

A. Xavier.

O que é ceticismo? Hoje, é comum encontrar argumentos céticos em grupos que discutem ou rebatem a possibilidade de fenômenos anômalos (os eventos psíquicos são apenas um subconjunto desses que engloba também as ocorrências de objetos voadores não identificados ou, simplesmente, OVNIS dentre outros). Segundo esse grupo de pessoas, a Ciência - entendida em uma concepção particular - não sustenta, aprova ou comprova a existência desses fenômenos. Em outras palavras, os céticos das anomalias clamam para si a autoridade da ciência para fundamentar sua opinião.

Mas, enquanto esse movimento cético pode parecer hoje em dia algo bem moderno, isso não é verdade. Os que duvidam sempre seguiram lado a lado com os que creram desde a mais remonta antiguidade. Como a dúvida é a ausência da crença, para se estabelecer como verdade um determinado fato (não importa qual seja ele), é preciso fundamentar a dúvida em princípios e são esses princípios que pretendemos discutir aqui.

Na filosofia estabelecida como disciplina de estudo, conta-se que Pirro de Elis (~ 300 a. C) pregava a postura da ataraxia (paz da mente) ou falta de preocupação com relação ao conhecimento das coisas, pois ele duvidava que pudéssemos em realidade conhecer qualquer coisa. Pirro pregava dessa forma a acatalepsia ou impossibilidade de qualquer conhecimento. O ceticismo filosófico origina-se assim da crença dos Skeptikoi ou escola de filósofos que não afirmavam absolutamente nada, mas apenas davam sua opinião. A atuação dos céticos foi importante para o desenvolvimento da filosofia. No hinduísmo, a escola Karvaka (por volta de 500 a. C) pregava a linha de pensamento materialista ou de oposição a qualquer tipo de crença. Vê-se assim que a argumentação cética que se contrapõe à crença de qualquer tipo ou à possibilidade de conhecimento não é coisa moderna.

Nas ciências - entendida como atividade dos cientistas tendo suas próprias regras e proposições de raciocínio -  o ceticismo é comumente acreditado como tendo um papel importante. É comum - embora incorreto - dizer que os cientistas são céticos. A postura cética, dependendo do momento e da maneira como é feita, pode tanto ajudar como prejudicar o desenvolvimento científico. Há vários exemplos na História da Ciência sobre isso.

Ao se estabelecerem como verdades provisórias, as teorias científicas precisam erger sistemas de proteção que impeçam a modificação não desejada desses princípios. Justamente por não ser necessário 'comprovar' sempre determinadas verdades é que se organizam as ciências na forma de um corpo de princípios ou 'doutrina'. Essa doutrina científica - que é, em essência a teoria, não pode ser modificada ao longo do processo de investigação na medida em que mais fatos a corrorborarem. Existe assim uma orientação (ou heurística) que impede que as ciências sejam modificadas. Muitas vezes, essa heurística orientadora de proteção dos princípios de conhecimento é confundida com o ceticismo. Ela é, na verdade, uma postura de proteção, pois sua tarefa é proteger o conhecimento, sem fechá-lo a novas investigações.

Para que seja genuíno em sua aplicação, essa postura tem que se expressar na forma de uma linguagem ou teoria científica. Qualquer coisa fora disso pode ser  considerado ceticismo ordinário e não guarda qualquer relação com a Ciência. Assim, podemos definir o cético de forma geral (de acordo com o Webster's Revised Unabridged Dictionary) como alguém que:
"Não está decidido quanto ao que é verdadeiro, alguém que está buscando o que é a verdade, um pesquisador de fatos e raciocínios."
Aqui, no ceticismo ordinário, como postura de direito inalienável de cada um diante de fatos do mundo, existem uma infinidade de posicionamentos. Para cada posicionamento, uma virtude ou defeito gerará essa ou aquela consequência para a crença individual. Como o referêncial de verdade é, muitas vezes, a própria individualidade (embora muitos céticos digam que é a Ciência), há que se julgar a postura cética de acordo com as consequências que ela gera.

Nas considerações sobre o ceticismo, é preciso antes discutir onde estão os alicerces para o estabelecimento de afirmações sobre o mundo. De forma muito simples, ao longo da história das ciências e da filosofia foi possível ver que os fundamentos para o conhecimento estão estabelecidos na autoridade - seja de determinados textos considerados sagrados ou na pessoa de cientistas de renome.Veremos com certo detalhe essa questão da autoridade mais adiante, quando estudarmos os verdadeiros alicerces que fundamentam o conhecimento científico genuíno.

Muitas vezes também o ceticismo tem como força motriz a própria individualidade ou personalidade do cético e ai deve-se invocar considerações sobre psicologia, quando paixões humanas mais elementares tais como orgulho ou a inveja entram em cena. Há pessoas que duvidam simplesmente pelo prazer de se duvidar, sendo que a busca pela verdade quase que nenhum papel toma parte. Outras se admiram com a atenção dispensada pela maioria a determinadas pessoas envolvidas com fenômenos anômalos (como é o caso dos eventos psíquicos, os médiums) e passam a atacar de forma sistemática a personalidade do envolvido. Essa admiração gera a raiva que se prende à inveja ou desejo de atrair a mesma atenção para si. Veremos também alguns fundamentos psicológicos para as crenças céticas.

Pseudoceticismo


‘A Ciência ainda não comprovou que existe vida após a morte nem que existem Espíritos’.

No pseudoceticismo parte-se de premissas que invocam a autoridade da ciência para contradizer ou invalidar explicações para muitos eventos psíquicos (mas não a esses restritos) tais como: possibilidade da sobrevivência, comunicação com inteligências incorpóreas, experiências ou vivências variadas anômalas como as de quase morte que afirmam a independência da consciência do funcionamento do cérebro, dentre outras.

Uma simples análise pelos campos bem definidos do conhecimento científico atual mostra que inexistem disciplinas associadas ou criadas para estudar os fenômenos anômalos. Ou seja, temos aqui o problema do objeto de estudo. Como podem céticos dogmáticos invocar a autoridade da Ciência para invalidar explicações ou mesmo negar certos fatos que as ciências comuns não estudam? A única ciência que se pode invocar nesses casos é a que eles criam segundo suas próprias crenças, as crenças céticas.

Com relaçao a anomalias, é importante dizer que existem dois tipos:

1.    Anomalias que ocorrem dentro de um determinado paradigma científico ou teoria;
2.    Anomalias que não se relacionam a qualquer teoria científica, caracterizando eventos de natureza diferente do escopo de aplicação das ciências ordinárias.

As anomalias do primeiro tipo são tratadas de forma específica dentro do desenvolvimento de uma ciência bem estabelecida. Isso porque são descritas em termos de uma linguagem específica, a linguagem da teoria. Elas levam a uma situação de crise dentro do paradigma aceito que é resolvido pela proposição audaciosa de novas explicações. Ao se incorporarem na forma de novos paradigmas, tornam-se fatos que suportam novas teorias.

As anomalias do segundo tipo, sendo órfãs de uma disciplina científica específica, são território selvagem, ou seja, terras novas onde novos objetos de estudo peculiares devem ser reconhecidos. Mas reconhecidos por quem? Pelos cientistas das ciências que não estudam esses fenômenos? Então só podem ser validados e estudados por quem se disponha a aceitá-los primeiramente tais quais se apresentem.

Invocar a autoridade das ciências que se estabeleceram para estudar assuntos específicos para invalidar ou contradizer fatos considerados anômalos  ou que contradigam a experiência ordinária é o mesmo que pretender usar um médico como revisor de um trabalho de física, ou um físico para aprovar certas considerações de um biólogo. Em tudo há a necessidade de se consultar especialistas, mas, no caso dos fenômenos psíquicos e espíritas eles não podem ser encontrados entre os especialistas das ciências ordinárias como querem muitos céticos dogmáticos. Isso é um absurdo lógico que passa despercebido em muitas discussões céticas. 

Mas qual a causa disso? Uma análise simples revela que a causa é a necessidade de invocar sobre si uma autoridade, para que sua argumetação tenha valor. Em suma, a Ciência e sua autoridade são invocadas para validar as crenças céticas.

17 de novembro de 2010

Crenças céticas I - Introdução



"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e a outra é recusar-se a acreditar naquilo é."  Søren Kierkegaard

Introdução

A movimentação pública em torno de eventos psíquicos, revelações mediúnicas, proposições sobre vida após a morte e reencarnação com base em noticiário da mídia, faz surgir contingente de céticos que se esforçam para tentar refutar (em inglês, 'to debunk') não só a explicação transcendente para essas ocorrências como as próprias ocorrências.

A maioria dos blogs e sites sobre ceticismo, pretende cobrir a falsidade e expor o embuste, apresentando as mais variadas 'explicações' para os fenômenos as quais eles denominam 'explicações naturalistas' ou 'explicações plausíveis' (lê-se, "aquelas em que nós acreditamos"). O nome 'naturalista' evoca um apelo à ciências naturais, como se estas pudessem embasar a crítica à manifestações dos Espíritos ou as inegáveis evidências de reencarnação, além de outros fenômenos insólitos.

Ao invés de discutir cada explicação e cada tentativa de refutação, é conveniente expor argumentos verdadeiramente plausíveis que fundamentam a 'crença cética'. Iremos aqui, em uma sequencia de posts, estudar alguns fundamentos filosóficos do ceticismo tanto para aquele que podemos considerar 'ceticismo genuíno' como outro que poderíamos denominar, falso ceticismo ou 'pseudoceticismo'. A maior parte das críticas que recaem sobre as ocorrências psíquicas tem como origem o segundo tipo de ceticismo que é, a bem da verdade, bastante dogmático em sua maneira de ver o mundo.

Através dessa análise poderemos compreender os argumento verdadeiramente céticos ou não e suas reais disposições e, com isso, economizar tempo. Em toda e qualquer argumentação, subsistem fundamentos ou princípios de raciocínio que constitutem um 'método' de apreensão da realidade externa e de análise dessa realidade, dentro dos paradigmas internos ou crenças de cada um.

O que é ceticismo? Será que a Ciência invalida os fenômenos psíquicos?  Será mesmo que não existem provas para essas ocorrências? Sobre quais bases se pode seguramente estabelecer a verdade sobre muitos eventos considerados anômalos e colocados em dúvida pelo pseudoceticismo? Essas são apenas algumas questões que iremos analisar.

O objetivo destes posts é estudar o fenômeno do ceticismo e apresentar argumentos, além do simples 'não acredito' dos céticos dogmáticos, para compreender que há mais coisas em comum entre os pseudocéticos e os crentes mais cegos, do que se pode imaginar...

16 de novembro de 2010

O grande livro da Natureza


O Universo não pode ser lido até que se aprenda a linguagem e se familiarize com os sinais nos quais ele é escrito. Ele é escrito em linguagem matemática e suas letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender uma única palavra. (Galileo Galilei, Opere Il Saggiatore p. 171.)

Assim em resumo podemos dizer:

O “Livro da Natureza” é o último grande livro que começamos a folhear. Foi escrito desde o início dos tempos por um autor único. Está escrito em linguagem própria, não inventada pelos homens e só admite uma única interpretação. É também um código de leis que se aplica a todos os objetos do mundo, governando soberanamente a relação entre causas e efeitos. Não pode ser copiado, embora possa ser imitado e os homens muitas vezes se maravilham ao descobrir passagens ocultas que manifestam uma estrutura admirável, uma regularidade encantadora se não ao mesmo tempo assustadora. O conteúdo desse livro é infinitamente mais vasto do que tudo aquilo que aprendemos a ler nele, assim como infinitamente mais amplo do que tudo que sabemos, indicando a existência certa de pormenores, leis e verdades nunca dantes imaginados.

Se admitirmos que o mundo não é só constituído por elementos materiais mas também por elementos espirituais, assim como existem leis nesse livro que se aplicam a estes primeiros elementos, devem existir também leis apropriadas a se aplicar aos últimos. Por isso é que dizemos que o conteúdo do livro da Natureza é ignorado em sua grande parte. É importante não confundir as teorias científicas com o próprio conteúdo do livro da Natureza. As teorias científicas são esboços escritos em linguagem humana (quer dizer, apropriada à compreensão pela mente humana) sobre a estrutura desse livro, que tem existência independente. Diz-se, freqüentemente, que os cientistas revisam constantemente suas teorias. Não é porque a natureza tenha mudado mas porque o que se compreendeu a partir de uma primeira leitura de seu livro foi interpretada erroneamente. Mas certamente, nenhuma descrição ou previsão humana se sustenta se estiver em desacordo com o grande livro da Natureza. Conflitos entre a ciência e a religião se originam principalmente pela deficiência que grupos religiosos tem em compreender a existência desse livro. Essa deficiência é fruto da ignorância e ou da presunção humana em sustentar que Deus poderia ser parcial para com determinado grupo. É certo que a comunidade científica reconhece o caráter mutável das teorias da ciência, mas é altamente suspeito a posição de grupos religiosos que pretendem ter a “verdade a todo custo” baseando-se na intepretação literal de textos e sua generalização a qualquer assunto. Assim como a humanidade tem passado por um lento processo de conhecimento científico, todo a cultura religiosa não fugirá de ser comparada a verdade contida no grande livro da Natureza.

Bem vindo à Era do Espírito

Sejam todos bem vindos à 'Era do Espírito', weblog que pretende discutir aspectos e temas relacionados à espiritualidade, espiritismo, ceticismo, religião e ciência. Esperamos que este seja um espaço dedicado à discussões bem fundamentadas e profundas sobre assuntos que irão inaugurar uma nova época na história da humanidade.