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19 de outubro de 2020

O Halloween e comemoração do dia dos mortos


A chamada festa de Halloween ou a  "vigília de todos os santos" é comemorada na véspera do chamado "Dia dos Mortos", que a tradição colocou no início de novembro. Como acontece com todas as festas religiosas - o que inclui a data de Natal, considerada a mais "cristã" de todas, mas que na verdade nasceu dentro do Paganismo - o Halloween tem sua origem em tradições muito mais antigas. No Brasil, dada a influência dos Estados Unidos, os costumes têm se modificado para "festejar" tal data quando então as pessoas e as crianças vestem fantasias horripilantes, algumas criativas outras ridículas. Em outra visão, o Halloween é um grande festa comercial, onde muitos negócios e oportunidades de ganhos financeiros prosperam [1].

A tradição do Halloween se iniciou com a festa de Samhaim dos celtas, ou povos que viviam na Europa, e que tinham a tradição de acender fogueiras, assim diz a lenda, para afastar "espíritos". Uma suposta "abertura" das comunicações e relações com as criaturas do além celta ocorreria no final de outubro, o que explicaria a festa. Segundo [2], essa interpretação é incorreta e não corresponde ao verdadeiro sentido da festa de Samhaim, que nada tinha de relação com os mortos. A razão era muito mais banal: a data coincidia com meados do outono, um tempo de colheita e prenunciava uma época de menores ganhos agrícolas, com a chegada do inverno e dias mais curtos. Os celtas dividiam o ano em verão e inverno; com início em 1 de maio para o verão e começo do inverno em 1 de novembro. O nome Samhaim significava "quando o verão acaba".

Por volta do ano 1000, com a Europa completamente cristianizada, o papa Gregório III decretou a data de 2 de novembro como o dia final do tempo em honra aos santos, que se extendia de 13 de maio a 1 de novembro. A data do dia 13 tem a ver com a festividade de "Lemuria", uma festa romana de homenagem aos mortos. A data de 2 de novembro se deve a Santo Odilo, um monge de Cluny que decretou em 998 que todos os monastérios ligados a Cluny deveriam homenagear os mortos no dia seguinte ao dia 1 de novembro (provavelmente sob influencia ainda da data celta ou romana). 

A festa, portanto, teve origem em um conjunto de sincretismos de difícil identificação, com contribuições de inúmeros povos diferentes. Seu relacionamento com a intervenção dos "mortos" tem origem cristã, provavelmente na tradição Clunisiana. Além disso, os Druidas, que se diz influenciaram as tradições do Halloween dos celtas, não permitiram que suas crenças fossem escritas e apenas compartilhavam conhecimento por via oral [2]. Em suma: pouco do que sabemos da contribuição dos Druidas ao Halloween pode ser confiado.

Muitos podem se perguntar: qual a relação entre o Espiritismo e o Halloween? A resposta mais correta é: nenhuma. Quem hoje identifica qualquer relação, o faz sem qualquer base na história, mesmo das tradições, e apenas estabelece uma relação a posteriori que nunca existiu.

Com o advento da compreensão espírita, sabemos que as forças mais próximas de nós no além são única e exclusivamente as almas dos homens (e mulheres que são de  mesma natureza que a dos homens), e que não podem ser destruídas, além, obviamente, de Deus e dos espíritos superiores que presidem ao destino dos mundos. Muitas aguardam novas oportunidades de renascimento em nosso mundo material. Dispondo da compreensão do Evangelho e do esclarecimento sobre a verdadeira natureza da vida humana, sabemos hoje que somos muito favorecidos pelas amizades que guardamos no Além dos que partiram antes de nós. Fora disso, não se confirma a existência independente de nada representado na festividade do Halloween. 

 Referências

 [1] BELK, Russell W. Halloween: An evolving American consumption ritual. ACR North American Advances, 1990.

 [2] GEORGE, Arthur. Halloween: Eve of Transformation. In: The Mythology of America's Seasonal Holidays. Palgrave Macmillan, Cham, 2020. p. 149-173.


29 de outubro de 2019

Victor Hugo sobre a morte (II)

Imagem: túmulo no Cemitério de Bologna.
Quando estiver no túmulo poderei dizer, como tantos outros: 
‘terminei minha jornada’ e não ‘terminei minha vida’. 
Minha jornada recomeçará no outro dia, de manhã. 
O túmulo não é um labirinto sem saída; é uma avenida, 
que se fecha no crepúsculo e volta a se abrir na aurora. (Victor Hugo)

O fragmento de texto que segue foi extraído da referência [1], conforme discurso proferido por Vitor Hugo (1802-1885). Alguns comentários (conforme a numeração) são apresentados na sequência.  
Quem pode dizer-nos que eu não volte a encontrar-me nos séculos futuros? Shakespeare escreveu: «A vida é um conto de fada que se lê pela segunda vez». Poderia ter dito pela milésima vez. Porque não há século pelo qual eu não veja passar minha sombra (1).
Vós não acreditais nas personalidades moventes, quer dizer, nas reencarnações (2), com o pretexto de que não recordais nada de vossas existências passadas, mas como as lembranças dos séculos desvanecidos poderiam estar impressas em vós quando não vos recordais (3) nada das mil e uma cenas de vossa vida presente? Desde 1802 hei de ter tido em mim dez Victor Hugo! Creis vós que me lembro de todas as ações e de todos os seus pensamentos?
Quando houver atravessado o túmulo para voltar a encontrar outra luz, todos esses Victor Hugo me serão um pouco estranhos, mas esta será sempre a mesma alma!  (4)
Sinto em mim toda uma vida nova, toda uma vida futura; sou como a selva que muitas vezes foi derrubada; os jovens rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Eu subo, subo, subo até o infinito. Tudo é radiante à minha frente, a terra me dá sua seiva generosa, mas o céu me ilumina com o reflexo dos mundos entrevistos (5). 
Dizeis vós que a alma é a expressão das forças corporais: por que então minha alma é mais luminosa quando as forças corporais irão já me abandonar? O inverno está sobre minha cabeça, à primavera está em minha alma (6); aspiro aqui nesta hora às lilases e às rosas como se tivesse vinte anos. À medida em que me aproximo da velhice, melhor escuto ao meu redor as imortais sinfonias dos mundos que me chamam. É um conto de fadas, mas é uma história.
Faz meio século que escrevo meu pensamento em prosa e verso, história e filosofia, drama, novela, legendas, sátira, ode, canção; de tudo tenho tratado, mas sinto que não disse mais que a milionésima parte do que é meu. Quando estiver no túmulo poderei dizer, como tantos outros: ‘terminei minha jornada’ e não ‘terminei minha vida’. Minha jornada recomeçará no outro dia, de manhã (7). O túmulo não é um labirinto sem saída; é uma avenida, que se fecha no crepúsculo e volta a se abrir na aurora. [1]
Comentários
  1. Aqui o grande poeta torna explícito sua crença não só na continuidade da vida, mas na multiplicidade das existências. Para isso, ele usa a bela figura de linguagem "não há século pelo qual eu não veja passar a minha sombra". 
  2. Citação explícita da reencarnação. A reencarnação é definida como a 'volta do Espírito à vida corpora'. Ainda segundo Kardec: A reencarnação pode dar-se imediatamente após a morte ou depois de um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual o Espírito fica errante. Pode dar-se na Terra ou em outras esferas, mas sempre num corpo humano e jamais no de um animal. A reen­carnação é progressiva ou estacionária: jamais é retrógrada. Nas novas existências cor­porais pode o Espírito decair como posição social, mas não como Espírito; por outras pa­lavras, de senhor pode tornar-se servo, de príncipe, artesão, de rico, miserável, contudo progredindo em sabedoria e moralidade. Assim, o celerado pode tornar-se homem de bem, mas o homem de bem não se tornará um celerado. (A. Kardec, "Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas", Vocabulário Espírita, REENCARNAÇÃO)
  3. Hugo se coloca aqui contra o argumento ingênuo do 'esquecimento', o de que deveríamos nos lembrar das existências anteriores se elas existem. De fato, sendo a memória humana de vários tipos, não temos acesso a todas as lembranças, algumas se conservam (como no caso das memórias de 'procedimentos', 'habilidades' etc), enquanto que a imensa maioria dos fatos vividos é esquecido. Durante a transição entre corpos, as lembranças pregressas são completamente apagadas e o novo 'eu' se forma com base na bagagem de personalidade que traz do passado com a estrutura do sistema nervoso que tem na nova vida.
  4. O que somos em realidade não se divide pelo fato de termos várias vidas. Isso é verdade mesmo dentro de uma existência e constitui um 'mistério' para as explicações materialistas da mente. Como é possível que a personalidade permaneça una, não se fragmente ou mude com o tempo, não obstante as inúmeras memórias e experiências vividas?
  5. Os 'mundos entrevistos' são os muitos planetas que existem no Universo, mundos em que a vida, em novas formas e densidades, se manifesta de forma exuberante e perene.
  6. Se a alma nada mais é que produto do corpo (cérebro), o poeta argumenta com razão que a decreptidude do corpo em nada alterou sua percepção das coisas, ao contrário, sente-se ainda como se estivesse na juventude e de posse de uma inspiração ainda mais forte.
  7. De fato, após a longa agonia da morte - para aqueles que esperaram sua lenta chegada - ela muito se assemelha a um novo despertar: é a vida que começa em um novo amanhã. Para outros, será o pavor dos que pensam erroneamente ser apenas o fim.
Referência

[1] Mariotti, H (1989). Victor Hugo Espírita. 2a Edição. EME Editora: Capivari/SP. Página 46.