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9 de março de 2016

Anomalias possíveis na psicologia de pacientes transplantados


O magnetismo animal pode assim ser definido: 
ação recíproca de dois seres vivos por meio de 
um agente especial chamado fluido magnético. 
(A. Kardec, Instruções práticas 
sobre as manifestações espíritas. 
Vocabulário Espírita. Magnetismo animal.

Todos os objetos que você vê 
emoldurados por substâncias fluídicas 
acham-se fortemente lembrados 
ou visitados  por aqueles que os possuíram. 
(André Luiz, "Nos domínios da mediunidade".)

Quero um coração. Pois cérebros não nos fazem felizes
 e a felicidade é melhor coisa do mundo. 
L. Frank Baum, "O mágico de Oz".


Este texto complementa o artigo "Mudança de personalidades em transplantados cardíacos" que foi publicado no site "O Consolador".
Quase sempre as evidências para a natureza espiritual do ser humano são encontradas em fenômenos invulgares, onde menos se espera. Esse é o caso de reportes sobre mudanças inesperadas de gostos ou "traços" psicológicos em pessoas que receberam órgãos transplantados. Numa época em que se diz que tudo é "gerado pelo cérebro", no mínimo essa anomalia é bastante bizarra a ponto de atrair a rejeição feroz de céticos que dizem ser o fenômeno irreal.

O fenômeno é raro, mas nem por isso pouco notado. Além disso, é mais comum em pacientes que receberam transplantes de coração. Tornou-se famoso o caso de Claire Sylvia (1,2):
No dia 29 de maio de 1988 uma mulher norte-americana chamada Claire Sylvia recebeu um coração transplantado no hospital de Yale, em Connecticut. A ela foi dito apenas que seu doador foi um homem de dezoito anos de idade, residente no Maine (nos Estados Unidos) e que morreu de um acidente de motocicleta. Logo após a operação, Sylvia declarou sentir como se tivesse bebido cerveja, algo que ela nunca teve atração. Mais tarde, passou por uma vontade incontrolável de comer nuggets de frango e uma tendência inesperada de vistar restaurantes da cadeia KFC. Também desenvolveu interesse por pimenta verde, o que, particularmente, ela nunca tinha gostado antes. Começou então a ter sonhos recorrentes, onde aparecia um nome, Tim L, que ela imaginou ser o dono do coração. Com base em uma pista que lhe foi concedida, buscou no obituário e jornais da região do Maine e pôde identificar o jovem cujo coração ela tinha recebido. Seu nome, de fato, era Tim. Depois de visitar a família de Tim, teve confirmado seu gosto por nuggets de frango, pimenta verde e cerveja. (Itálicos nossos).
Outros casos podem ser lidos em (3), registrando-se, inclusive, mudança de orientação sexual (ver caso 5 na ref. (3)). No Brasil, uma novela foi feita explorando o fenômeno (3b).  Obviamente existem muitas explicações céticas para ele (4), desde aquelas que desqualificam esses relatos (com o título odioso de "evidência anedótica"), que o tornam irrelevante pela sua raridade ou que explicam tudo por efeitos de medicação. Segundo esse proposta cética, ainda que existam tais relatos, eles são tão raros que são esperados estatisticamente e seriam frutos de impressões errôneas nos pacientes, ou seja, ocorreram mudanças de gostos etc, mas elas foram erroneamente atribuídas ao transplante (4).

Do ponto de vista puramente materialista, a explicação de tais memórias anômalas é dependente da existência de "memórias celulares", o que é frequentemente adotado pelos que consideram esses relatos (5). Essencialmente: a informação sobre gostos, tendências etc estaria registrada em algum mecanismo celular, dependente ou não da genética, e essa informação seria acessada pelo corpo do paciente transplantado gerando a mudança de comportamento.  

Influência magnética do órgão transplantado ?

Do ponto de vista espírita, não esperamos que tais ocorrências sejam comuns mesmo. Para existirem, provavelmente um conjunto mais extenso de condições deve prevalecer, e não somente um transplante.  Uma delas é uma sensibilidade do receptor ou indivíduo sobre o qual a influência se estabelece. Essa sensibilidade não está distribuída de maneira uniforme e frequente na população.  

Sabe-se que as fontes de influência sobre a personalidade de um Espírito (esteja ele encarnado ou não) são múltiplas e, envolvem, segundo o Espiritismo, um meio de transporte conhecido como fluido. Esse conceito não é o mesmo encontrado em física - o de uma substância sobre a qual não persistem forças de cisalhamento etc - mas tem uma concepção integralmente nova. 

Um fluido é uma substância de natureza "semi-material" que, tanto quanto nos é possível inferir pela literatura espírita, é produzida pelo perispírito (que não existe, alias, desacompanhado de seu espírito) em combinação com fluidos ambientes - ou todas as coisas com as quais o Espírito entra em contato. É através do perispírito que a mente sente o mundo a sua volta:
O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito, por meio do qual este percebe coisas espirituais que escapam aos sentidos corpóreos. Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas sensações são localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido espiritual, ou psíquico, elas se generalizam: o Espírito vê, ouve e sente, por todo o seu ser, tudo o que se encontra na esfera de irradiação do seu fluido perispirítico. ("A Gênese", Capítulo XIV. Os fluidos II. Parágrafo 22.)
A ação dos fluidos é bastante discutida por A. Kardec nas suas diversas obras e é um componente importante para a teoria espírita da mediunidade, em particular nas suas explicações para a mediunidade curadora. Não são incomuns, durante as incorporações, que médiuns descrevam sensações, impressões e até mesmo lembranças associadas à Entidade comunicante. Essa influenciação se dá por meio dos fluidos da Entidade que atuam sobre o perispírito do médium.

Entende-se assim um fluido espiritual como um elemento intermediário, capaz de transportar características que são tipicamente associadas ao Espírito (gostos, impressões e memórias), porém, por meio de algo que  é localizado no espaço e no tempo e que pode ficar impregnado em coisas materiais, inclusive objetos. As sensações dilatadas do Espírito são assim explicadas de forma independente dos cinco sentidos ordinários, o que permite entender uma grande quantidade de fenômenos psíquicos.

Obsessão ?

 Ação fluídica desse tipo estabelece-se particularmente nas chamadas "obsessões":
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que importa desembaraçá-lo. ("A Gênese", Capítulo XIV. Os fluidos II. Parágrafo 45.)
Porém, não há porque sustentar que, depois de um transplante, exista qualquer influência obsessiva do desencarnado doador com o transplantado. Certamente, tal possibilidade existe, mas seria sempre provocada por outros fatores, todos eles comumente associadas aos processos típicos de obsessão, jamais por causa do novo órgão. Se fosse obsessão, por que a mudança seria mais observada com o coração ? Não seria ela ligada a todos os órgãos? 

A explicação que nos parece mais plausível para essas raras mudanças de personalidade com os transplantes estão fundamentadas na impregnação do tecido do órgão com o fluido do desencarnado, fluido esse que pode influenciar o perispírito do transplantado, fazendo surgir nele alguns traços associados à personalidade desencarnada. Não se trata, porém, de uma mudança integral de personalidade, o que exigiria um estado completamente passivo do transplantado. Se isso for possível, sua ocorrência seria bastante transitória e ainda mais rara.

Assim, tudo se passa como em um fenômeno de psicometria (7). Esse termo não pode ser encontrado na obra de A. Kardec, mas seu conceito é anterior a ele (6). Kardec chama de "dupla vista" uma grande variedade de fenômenos psíquicos dentre os quais se inclui a psicometria (6b). Portanto, a raridade das ocorrências de alteração de personalidade em transplantados fica estabelecida sobre uma sensibilidade peculiar, que talvez não seja tão rara como no caso da psicometria clássica, mas que não deixa de se manifestar de forma continuada, por causa da influência do objeto imantado de fluido do desencarnado, em seu novo recipiente. Esse contato é de tal natureza (trata-se da conexão de um órgão vital) que a modificação se estabelece de maneira bastante perceptível pelo transplantado.

Não é difícil imaginar também, para que a intensidade do efeito seja maior, que deva existir uma afinidade entre o fluido impregnado no órgão e o do perispírito do paciente transplantado. Aqui apenas especulamos com base em um paralelo que podemos fazer entre esse fenômeno e o da própria mediunidade, que exige essa afinidade em outra ordem de fenomenologia. 

E por que o coração?
"E, naturalmente, o cérebro não é absolutamente
responsável por qualquer sensação.
A visão correta é que a sede e a fonte
das sensações é a região do coração."
(Aristóteles, 8b)

É crença comum que o principal órgão responsável pela sensibilidade é o cérebro. Em consonância com a tese materialista, tudo é produto do cérebro e o coração é apenas uma bomba de sangue. Porém, mesmo numa descrição puramente material, neurônios (ou células nervosas) não existem exclusivamente no cérebro.

Recentemente descobriu-se que o coração é sede de aproximadamente 40 mil neurônios (8), o que foi chamado "pequeno cérebro do coração". Essa descoberta fez crescer a importância dos relatos de mudanças de personalidade em transplantados cardíacos, como a Ref. 9 mostra, e relembra a explicação Aristotélica da sede das sensações (8b).

O cérebro provavelmente é a interface mais importante, do lado material, para o Espírito, que armazena muitos fluidos a se relacionar com o perispírito e facultar à mente suas sensações. Isso implica, do ponto de vista espírita, que tais fluidos espirituais, capazes de produzir modificações parciais ou completas na personalidade no Espírito sob sua influência, bem como em suas sensações, encontram-se disseminados por todo o corpo, provavelmente mais adensados no sistema nervoso central (11).

Não é verdade, porém que, com o transplante, as conexões neurais preexistentes sejam restabelecidas (10). Isso não acontece, ou seja, os "neurônios cardíacos" do coração transplantado ficam sem função. Uma possível via de compreensão maior desse fenômeno é através de estruturas no corpo espiritual, conforme descritas por vários autores como André Luiz em "Evolução em dois mundos" (12). Portanto, a mudança de personalidade e surgimento de novas sensações (que precisam ser melhor caracterizadas e descritas) abre espaço potencial para a validação da tese da existência de órgãos no perispírito.

Outra conclusão é que, enquanto o sucesso físico do transplante de um órgão exige condições entre doador e recipiente, para que um "pedaço" ou "traço" da personalidade seja "transplantado", deve existir uma condição de sintonia entre fluidos, assim como algum grau de passividade no transplantado.

Teste seu conhecimento

A partir deste post, apresentamos algumas questões para participação dos leitores, que podem enviar suas respostas pela seção de comentários. Não há prazos nem limites de participação. Nas suas respostas, faça referência  à numeração das questões.

Participe!
  1. De acordo com a tese dos fluidos espirituais: elabore uma explicação ou predição sobre o que se espera com relação à mudança de personalidade de transplantados com a idade do paciente. O fenômeno seria mais comuns em crianças ou adultos?
  2. Imagine o seguinte caso: um paciente que recebeu um transplante de coração vive durante muito tempo com ele, mas vem a falecer por outra causa. Seu coração é então transplantado em outro paciente. Se as condições forem satisfeitas, elabore o que se esperaria com relação à mudança de personalidade: (a) Usando a teoria materialista de "memória celular"; (b) Usando a teoria espírita. (Dica: seria possível a coexistência de traços de duas personalidades no segundo transplantado?)
  3. Elabore uma discussão sobre a validação da tese espírita dos fluidos magnéticos impregnados no órgão doado usando a resposta da questão anterior;
  4. Usando o conhecimento espírita e o comentário (10) abaixo, disserte sobre a via de influência sobre o perispírito em transplantados cardíacos. Quem mecanismos perispirituais poderiam substituir as vias rompidas para o transporte das sensações a partir do coração? 
Referências

1 Sylvia, Claire. A Change of heart: a memoir. New York; Warner Books, 1997. O que descrevemos aqui é um comentário algo hilário, mas que reflete a forma direta que americanos costumam fazer em textos populares.

2 http://galileu.globo.com/edic/102/con_transp1.htm (acesso em janeiro de 2015).

http://www.paulpearsall.com/info/press/3.html (acesso em janeiro de 2015).


4. Em http://bigthink.com/neurobonkers/dont-be-taken-in-by-the-bad-science-of-cell-memory-theory (acesso em janeiro de 2016) encontramos um texto que se opõe (corretamente) às explicações do tipo "memória celular", mas que faz isso negando as evidências. Uma desqualificação mal feita pode ser constatada ao se ler isto:
"Only 6% (three patients) felt their personality had changed due to their new heart — a finding that could clearly be due to either random chance, or the patients misattributing the real cause of any change in their personality. Both of the studies are approximately two decades old, if this is the best evidence for a claim that would have such profound implications for our understanding of the workings of the human body, then I think we can safely assume the theory is bunk." "Tradução: Apenas 6% (três pacientes) sentiram suas personalidades mudar com o novo coração - uma descoberta que pode claramente ser explicada por pura sorte ou pelo paciente atribuir erroneamente ao transplante a causa real da mudança. Ambos estudos têm aproximadamente duas décadas de existência e, se essas são as melhores evidências para uma alegação que teria tamanha implicância no nosso conhecimento do funcionamento do corpo humano, acho que podemos seguramente refutar a teoria.  
5 Pearsall, P., Schwartz, G. E., & Russek, L. G. (2000). Changes in heart transplant recipients that parallel the personalities of their donors. Journal of Near-Death Studies, 20(3), 191-206.  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10882878

6. Uma descrição recente de psicometria foi feita por Jader Sampaio em http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2013/01/o-que-e-psicometria.html

6b. A "Revue Spirite de janeiro de 1866 traz, por exemplo, a descrição de uma jovem cataléptica da Suábia, com manifestações típicas de psicometria.

7. Dissemos "como em um" e não "exatamente como".  A mudança de gostos com o transplante parece ser algo novo que merece melhores estudos.

8. Armour, J. A. (2007). The little brain on the heart. Cleveland Clinic journal of medicine, 74, S48.

8b. Gross, C. G. (1995). Aristotle on the brain. The Neuroscientist, 1(4), 245-250.

9 . Your Second Brain is in your Heart Neurons. Trust your Gut Feelings. Acesso em janeiro de 2016. http://hubpages.com/education/your-second-brain-is-in-your-heart

10. De fato, em uma explicação para pre-transplantados, a referência da clínica Vanderbilt:


podemos ler
"The transplanted heart fills with blood and pumps as any other normal heart. However, the transplanted heart is "denervated." This means that the nerves from the central nervous system that supplied connections to your other heart do not supply connections to your transplanted heart. These nerves were divided upon removal of your own heart." Tradução: O coração transplantado se preenche de sangue que é bombeado como qualquer outro coração normal. Entretanto, o coração transplantado é "desenervado". Isso significa que os nervos do sistema nervoso central, que fornecem as conexões para o outro coração, não vão fazer o mesmo com o coração transplantado. Esses nervos foram rompidos com a remoção de seu coração original.
O esclarecimento prossegue informando que transplantados cardíacos não sofrem jamais de angina porque as conexões neurais foram, de fato, rompidas. Isso torna suspeitas as explicações de mudança de personalidade com base em "memórias celulares", e caracteriza o fenômeno como de uma natureza bastante diferente, que pensamos pode estar ligada à influência dos fluidos espirituais. 

11. Não se poderia excluir também o fato de transplantes de coração serem bastante comuns (dai porque os relatos de alteração de personalidade são mais comuns com eles). Porém, mais comuns ainda são os de rins e fígado.

12. C. Xavier e W. Vieira. Evolução em Dois Mundos. Uma versão em pdf pode ser encontrada em:
http://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/l17.pdf


6 de maio de 2015

Livro de Eugene Osty sobre as "Faculdades supranormais"

Eugene Osty (1874-1938)
A internet é mesmo uma invenção miraculosa. Encontramos em um arquivo da rede uma obra muito interessante de Eugene Osty (1874-1938, 1),  um dos pesquisadores mais engajados na metapsíquica. Seu título é Supernormal Faculties in Man, an experimental study (2), ou "Um estudo experimental sobre as faculdades supranormais no homem" em tradução livre. Essa obra é uma tradução de 1923 do francês por S. de Brath e é uma opção aos que não conhecem essa língua. Nessa obra, por exemplo, é possível ler o neologismo "paranormal" como se referindo a processos desconhecidos de acesso a informação. 

Do ponto de vista teórico, a discussão apresentada por Osty é enfadonha e pouco contribui para explicar qualquer coisa. Na época (3), existia uma controvérsia entre explicações de origem espírita e teosófica para o que metapsiquistas chamavam "faculdades metagnômicas" (ver abaixo). Essa controvérsia não deu em nada, como a maioria das controvérsias sobre esses assuntos, em que pese a importância que anti-espíritas e céticos tentam imputar às querelas para desqualificar os espíritas (ou teosofistas). O que interessa mesmo são os relatos ou testemunhos das chamadas "faculdades supranormais" encontrados na obra que, na linguagem de Kardec correspondem à fenomenologia da dupla vista ou visão psíquica (4). 

É conveniente fazer uma explicação inicial de caráter mais teórico por meio de um paralelo. Na vida ordinária, a imensa maioria das pessoas faz uso de cinco sentidos. Esses sentidos entram em ação, por exemplo, quando as pessoas se comunicam. Ouvidos e a faculdade da fala são mobilizados para a comunicação oral. Mãos e braços para a escrita. Ao se transpor esse paralelo para as novas faculdades do Espírito emancipado, obviamente, não é apenas a fala (psicofonia), a capacidade de escrever (psicografia) ou ou a audição (psicofonia) que resultam. Gostos, sensações, impressões e todas as outras capacidades encontradas em encarnados são bastante  aumentadas e estendidas na nova condição em que o ser desligado do corpo se encontra. Portanto, não é de estranhar a existência da dupla vista ou "faculdade supranormal". Essas podem prescindir (5) ou não da influência dos Espíritos para se manifestarem. Não se usa a palavra "mediunidade" nesses casos, porque não se trata aparentemente de uma comunicação explícita. 

A existência das "faculdades supranormais" está ligada à capacidade de emancipação da alma segundo Kardec. Essa capacidade é descrita por meio de seus efeitos já que não temos acesso direto à origem das faculdades integrais do Espírito (6). Portanto, a teoria que Kardec desenvolve (para a presciência, dupla vista, visão espiritual ou psíquica) é totalmente fenomenológica. Assim, não é surpreendente a variedade desses fenômenos, conforme descritos na obra de Osty, e que se adicionam a outros relatados na Revue Spirite de Kardec (ver, por exemplo, edição de Outubro de 1864).

Na parte I do livro encontramos alguns capítulos interessantes que, se por um lado mostram uma tentativa de encaixar os fenômenos em termos metapsíquicos, por outro lado mostram a criatividade na sistematização dos efeitos por parte de seu autor:
Cognição normal e supranormal (Cap. II);
Aspectos diversos da cognição supranormal (Cap. III)
1. Auto-cognição supranormal,
      Autosscopia;
Diagnóstico pre-cognitivo de si;
       2. Cognição supranormal do externo:
        Ambiente imediato;
         Ambiente distante no espaço;
        Ambiente distante no tempo;
Cognição supranormal dirigida a uma personalidade humana (Cap. IV)
Os indivíduos capazes de "cognição supranormal" são chamados "personalidades metagnômicas" (de metagnomen, do grego "meta" -  "além" e "gnome" derivado de  γιγνώσκειν - "gignoskein" - ou "conhecer", "saber", 7 ) e todos os fenômenos são associados diretamente a uma extensão das faculdades chamada "metagnomia". Alias sobre a questão dos nomes, Osty deixa claro sua opinião de "metapsiquista" na página 47 (3o parágrafo):
Não podemos deixar o leitor entender errado. E, para evitar me expor ainda mais no futuro com relação a objeções passadas, que surgem simplesmente pelo desejo de precisão  aplicada geralmente aos termos da literatura psíquica, deixarei de lado de propósito toda essa terminologia confusa que usa nomes prejudiciais aos métodos de produção dos fenômenos, com base nas diversas manifestações da cognição supranormal, ou permitir que qualquer um os interprete como bem queira. "Dupla vista", "segunda vista", "visão a distância", "audição a distância", "telepatia", "clarividência", "lucidez" e coisas parecidas são todas palavras que podem significar muita ou pouca coisa; elas devem desaparecer do uso. 
Sua previsão não aconteceu e ele acabou se expondo, pelo menos aqui em 2015. Havia entre os metapsiquistas a crença de que o uso incorreto de termos seria prejudicial à imparcialidade com que o fenômeno deveria ser tratado. Mas, o problema não está no nome, mas no fenômeno em si. Portanto, quando alguém diz observar fatos à distância de forma anômala, não consigo entender o que a caracterização de "metagnomia" pode ajudar em relação à "visão a distância". De qualquer forma, a divisão apresentada por Osty (que ele chama de "cognição" no espaço e no tempo, cognição em relação a alguém vivo versus alguém morto etc) parece ser útil e permite alguma direção dentro dessa floresta fenomenológica. Penso assim que podemos nos beneficiar dessa classificação, expurgando a verborragia metapsíquica, naquilo que ela, por sua vez, em nada ajuda a entender o fenômeno.

Na psicometria, a simples posse de um objeto
pode revelar ao sensitivo informações sobre seu
dono.

Um exemplo de caso

Vamos aqui apresentar um caso desse livro de forma resumida de forma a servir ao espaço deste blog. É assim que, na p. 55 (capítulo I), vamos encontrar essa interessante passagem de uma experiência feita por Osty com uma "personalidade metagnômica":
No dia 29 de Julho de 1920, pedi a Sra. Jeanne M., que sofre de uma doença obscura cujo diagnóstico parece impossível…, que escrevesse algumas linhas em um pedaço de papel. Ela copiou quatro linhas de um jornal em uma folha de um caderno escolar e assinou seu primeiro nome – Jeanne. Algumas horas depois, no final de uma sessão dirigida a outras pesquisas, coloquei esse papel nas mãos da Senhorita de Berly, uma personalidade metagnômica em estado de vigília, dizendo-lhe apenas: “Mergulhe no estado de saúde desta pessoa”. A escrita estava bem feita e não apresentava informações grafoscópicas que permitissem reconhecer a doença ou estado  de depressão.  A Senhorita de Berly sequer sabia da existência da paciente. Assim que seus olhos caíram nos escritos…., foi tomada por movimentos levemente convulsivos e, sem nenhum gesto de minha parte, disse as seguintes palavras: 
"Quão fraca é esta pessoa…tudo nela é fraco…que fraqueza. Ela deve sentir febres de tempos em tempos porque tenho sede. Ela adormece de repente, mas isso não dura muito… ela é fraca, muito fraca….que cérebro curioso, pesado e entorpecido…creio que esteja esgotada não importa sua idade…seu sistema nervoso está exausto…é o sangue que enfraquece todos os órgãos… há uma doença no sangue…"
De acordo com Osty, Mlle. de Berly não tinha qualquer indicação sobre a existência da paciente e, mesmo assim, ao apenas olhar para as linhas escritas no papel, pôde traçar um diagnóstico da doença de sua autora. Ainda de acordo com Osty - e que era crença da maioria dos metapsiquistas - descrições desse tipo feitas apenas pelo contato do "sensitivo" com algum objeto a ser "lido" não mudavam se seu emissor (a personalidade responsável pelo objeto ou fonte de dados) estivesse morta. Por exemplo, na p. 199, Osty afirma:
Experimentos acumulados mostram que o sensitivo lida com a personalidade morta da mesma maneira que a viva. A ação seletiva da faculdade acontece da mesma maneira. A informação que recebem e expressam são do mesmo tipo e referem-se aos mesmos assuntos.
Como a "leitura" se dava por meio de sensações que pareciam atravessar distâncias enormes ou avançar para frente ou para trás no tempo, acreditavam que se tratasse de algum tipo especial de sensibilidade que não dependesse de outros fatores, exceto do sensitivo e do objeto.

Esse tipo de fenômeno mal explicado serviu para que muitos metapsiquistas duvidassem da presença de Espíritos em sessões mediúnicas ou da própria capacidade mediúnica de muitos médiuns. Acreditavam que informação sobre o morto poderia ser obtida sem sua presença. Entretanto, essa observação era limitada segundo Osty porque, no caso da personalidade viva, seria possível seguir remotamente por meio do sensitivo, todas as mudanças de personalidade ou humor experimentadas pela consciência observada, enquanto que isso seria impossível de se fazer com o morto (8). Ainda assim, com relação ao seu próprio estado (tipo de doença, ou estado futuro), o sujeito metagnômico era incapaz de conhecer qualquer coisa (ver p. 186). Ou seja, sua sensibilidade só se aplicava aos outros. Sem resolver de forma satisfatória o problema da fonte ou origem do conhecimento "metagnômico", Osty se pergunta (p. 204)
Existiria além da personalidade humana aparente um personalidade real, um individualidade transcendente revestida de matéria e participando da vida no mundo, cuja persistência seria uma memória contendo uma estória humana, de onde o sujeito metagnômico tiraria informação após a morte assim como o faz com a mesma personalidade antes da morte? 
Ou seria a fonte do conhecimento supranormal tão inalcançável para a nossa inteligência que nossos conceitos seria estranhos a ela?
Em nenhuma parte dessa obra Osty considera a intervenção dos Espíritos como mediadores da informação metagnômica, mas acreditava firmemente que apenas experiências poderiam resolver a questão.

Conclusões

Que o Espiritismo seria  simplesmente uma explicação para o processo de comunicação mediúnico em alguns casos parecia ser conhecimento compartilhado por muitos metapsiquistas, incluindo Osty. Eles se deixaram levar pelo aparente maravilhoso observado em muitos fenômenos do tipo "dupla vista", como classificados por Kardec, e que teriam na verdade os próprios Espíritos como "entidades mediadoras".  Com relação a pressentimentos (conhecimento de fenômenos futuros discutidos amplamente por Osty), o parágrafo 184 de "O Livro dos Médiuns" esclarece:
184. O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as conseqüências das coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. Mas, muitas vezes, também é resultado de comunicações ocultas e, sobretudo neste caso, é que se pode dar aos que dela são dotados o nome de médiuns de pressentimentos, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados
No parágrafo 5 do Capítulo XVI em "A Gênese", também encontramos este trecho interessante:
Aquele a quem é dado o encargo de revelar uma coisa oculta pode a receber, à sua revelia, por inspiração dos Espíritos que a conhecem, e então transmiti-la maquinalmente, sem se dar conta. É sabido, ao demais, que, assim durante o sono, como em estado de vigília, nos êxtases da dupla vista, a alma se desprende e adquire, em grau mais ou menos alto, as faculdades do Espírito livre. Se for um Espírito adiantado, se, sobretudo, houver recebido, como os profetas, uma missão especial para esse efeito, gozará, nos momentos de emancipação da alma, da faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou menos extenso, e verá, como presente, os sucessos desse período. Pode então revelá-los no mesmo instante, ou conservar lembrança deles ao despertar. Se os sucessos hajam de permanecer secretos, ele os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga intuição do que lhe foi revelado, bastante para o guiar instintivamente.
Portanto, grande parte da fenomenologia metagnômica seria explicada como um tipo de "comunicação oculta", onde a informação não se dá por meio de uma linguagem reconhecível, mas por "simbologia sensorial" que só faz sentido para a substância mental (espírito). A importância de se reconhecer o papel dos Espíritos nesse tipo de fenômeno vai muito além da mera experimentação: por meio dessa explicação seria possível criar novos experimentos e avançar nesse assunto tão fascinante.

Notas e referências

(1) Eugene Osty, o grande pesquisador francês de fenômenos espíritas.

(2) E. Osty (1923) Supernatural Faculties in Man, an experimental Study. Methisen & Son. London. Disponível em:
(3) Ecos daquela época ainda podem ser encontrados na rede presentemente: Ver "Les expériences d’Eugène Osty menées sur le sujet Rudi Schneider" em http://www.metapsychique.org/Les-experiences-d-Eugene-Osty.html (acesso em Abril de 2015)

(4) Fontes sobre o assunto na codificação podem ser encontradas em "A Gênese", Capítulo XVI ou "O Livro dos Espíritos" no Capítulo VIII. 

(5) Ou seja, pode ser que Espíritos estejam envolvidos como mediadores ou catalisadores dos fenômenos.

(6) Sequer sabemos como o cérebro coordena, processa e integra as informações. Do ponto de vista materialista, a consciência (e as percepções, mesmo que ordinárias) ainda é um mistério.

(7) Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Gnome_(rhetoric)

(8) Isso seria possível ao se acessar a personalidade desencarnada por meio de outro médium. Entretanto, um arranjo desse tipo (uma mesma entidade manifestando-se por vários médiuns) não é discutido em nenhum lugar na obra, talvez pelo fato de Osty tratar os dois fenômenos de forma separada.