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23 de fevereiro de 2013

Conceitos básicos de Física Quântica V (a questão do vácuo quântico)

Imagem de uma nuvem molecular no espaço. Pensava-se que se tratava de um espaço vazio, mas ela é, na verdade, preenchida por matéria opaca que não permite ver as estrelas ao fundo.

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física. 

Uma considerável mudança na nossa maneira de compreender o 'vazio' e o 'nada' surgiu com o desenvolvimento subsequente da física quântica. Para compreender melhor as descobertas que foram feitas sobre essa questão (e as implicações filosóficas disso), é preciso saber qual era a situação antes dos desenvolvimentos fundamentais dessa nova física. Depois, veremos como o papel criador do vácuo quântico pode aparentemente substituir Deus e abrir uma via de argumentação para o ateísmo.

O papel do espaço vazio na física clássica

Em realidade, o espaço considerado 'vazio' (desprovido de qualquer tipo de substância) não correspondia ao conceito mais abstrato de vazio absoluto (que guarda correspondência grande com a noção de 'zero' da matemática). Desde o surgimento das primeiras teorias mecânicas no Sec. XVII, como foi o caso da teoria da Gravitação, uma lacuna enorme entre a concordância teórico-experimental que era observada e a ausência de uma justificativa ou 'interpretação' para a ação à distância que existia entre corpos gravitantes foi percebida.

Fig. 1 Lei de Newton entre corpos gravitantes. Triunfo analítico
sem explicação ou justificativa intuitiva.
Se os planetas e o Sol influenciavam uns aos outros, como se dava essa influência? Compreedia-se bem como uma força poderia ser transmitida entre dois corpos por contato entre eles, mas, entre o Sol e um determinado planeta, o que causava o efeito da força? Havia algo no espaço que era responsável pela transmissão dessa força? Se sim, esse 'algo' invisível preencheria o espaço entre o Sol e o planeta e tornava a ideia de 'nada' difícil de ser aceita de forma absoluta (Fig. 1). 

Mais tarde (segunda metade do Sec. XIX), a física clássica atingiu o apogeu com a formulação precisa das leis de Maxwell para o eletromagnetismo. Outros tipos de força à distância, além da gravitacional, foram descobertos e formalizados por meio de teorias especiais que resultaram na explicação de uma grande quantidade de fenômenos, bem como na previsão antecipada de outros nunca imaginados. 

A 'joia da coroa' em termos de interpretações de teorias físicas era a explicação para a propagação da luz. Reconhecida como um resultado da oscilação de dois tipos de 'campos' que eram gerados por cargas aceleradas, a radiação eletromagnética só poderia se propagar por causa da existência de um meio especial - chamado de éter luminífero (que não tem nada a ver com as substâncias do grupo éter em química!) - no espaço considerado vazio. 

A analogia com oscilações mecânicas era evidente: da mesma forma como o som precisa de um meio para se propagar (no caso ordinário, esse meio é 'invisível' ou 'transparente' - o ar), ondas de luz também prescindiriam de uma substância especial igualmente invisível que preencheria todo o espaço considerado vazio para os sentidos humanos. Se fosse possível retirar essa substância do espaço, fenômenos luminosos não ocorreriam. Como o éter era considerado 'intangível', jamais seria possível atingir a condição de vácuo absoluto.

Flutuações do ponto zero

Mesmo dentro da física clássica, diversos questionamentos ao conceito de éter luminífero foram feitos com o surgimento da Relatividade Restrita. De forma resumida, ficou claro que seria possível continuar com desenvolvimentos teóricos e explicativos de fenômenos físicos envolvendo a luz sem que a noção de um éter luminífero fosse invocada. Isso porque a ideia de um éter desse tipo estava ligado ao conceito, que se tornou desnecessário, de 'referencial absoluto' - o próprio referencial do éter luminífero (ou seja, o sistema de coordenadas em que o 'éter' estaria em repouso). O formalismo das equações do eletromagnetismo só exigia que tais equações fossem 'invariantes' (não mudassem de forma) entre referenciais chamados 'inerciais', dispensando a ideia de referencial absoluto e esse tipo de interpretação de éter junto (1).
Fig. 2 Um diagrama que descreve o fenômeno conhecido como 'polarização do vácuo'. Dois elétrons (e-) interagem através da força eletromagnética - o que se dá, fundamentalmente, por meio da troca de fótons 'virtuais'. Nessa interação, flutuações no vácuo podem causar a produção de pares 'partícula-antipartícula' (e-, e+) como representado no desenho. Essas partículas são geradas no 'vácuo quântico' em todos os pontos do espaço dando origem a fenômenos interessantes.
Um novo papel para o vácuo seria descoberto com a junção de duas grandes teorias físicas: a relatividade e os primeiros formalismos da física quântica. Conhecida como 'teoria de campos', essa nova teoria foi capaz de prever novos fenômenos na Natureza que foram interpretados como tendo origem no espaço considerado vazio. Isso foi feito por meio da quantização do campo eletromagnético. O processo de 'quantização' envolve tomar quantidades físicas bem conhecidas (energia total, momentos etc) e aplicar as regras da física quântica, de forma a se obter uma teoria aplicável ao mundo microscópico (Fig. 2).

A quantização do campo produziu um resultado notável: era impossível deixar de associar a cada ponto do espaço uma quantidade de energia oriunda do campo eletromagnético, mesmo na ausência total de cargas. Ou seja, cada ponto do espaço 'vazio' é preenchido por uma substância eletromagnética e tem uma energia 'infinita' associada. Como esse estado é o de menor energia, é impossível retirar energia dele, mas, nem por isso ele deixa de ter papel fundamental em vários fenômenos quânticos. O mais notável deles - por se manifestar no 'mundo macroscópio' -  é o da força atrativa entre placas de metal, força gerada por desbalanceamento da quantidade de modos eletromagnéticos dentro e fora das placas. Essa força mecânica é gerada pelos modos do vácuo que atuam sobre as placas e é conhecido como efeito Casimir (Fig. 3). Essa força foi medida quantitativamente em 1997 por S. Lamoreaux (3).

Ilustração explicativa de um efeito real do vácuo quântico . Duas placas de metal são constantemente atuadas por fótons 'virtuais' (partículas do vácuo) no efeito Casimir. As placas limitam a quantidade de modos de oscilação no interior de forma que a quantidade maior delas na parte externa gera uma força de atração que é mensurável experimentalmente. Se flutuações de vácuo quântico não existissem, não haveria nenhuma força. 

Pode-se imaginar que todo o espaço é sempre preenchido por campos eletromagnéticos quantizados que oscilam de forma aleatória. Por isso, o vácuo quântico também é conhecido como fenômeno de 'flutuações do ponto zero', numa referência ao estado de menor energia desse campo.

Um conceito agradável ao ateísmo

A noção de vácuo quântico mostrou ser útil nas críticas modernas do ateísmo. O 'poder criador' do vácuo quântico pode muito bem substituir a necessidade de um agente criador independente, a ideia de Deus. Como, numa interpretação superficial, a potencialidade do vácuo é infinita, então qualquer coisa pode resultar dele, inclusive tudo no Universo. Para apreciar melhor esse ponto, considere o trecho extraído de 'Daylight Atheism' (2):
Logicamente falando, há apenas duas possibilidades para a origem última do Universo: ou há uma regressão infinita de causas, ou existe uma causa primeira que não pode ser explicada em termo de causas ainda mais fundamentais. Ateus ou religiosos devem concordar que essas são as únicas alternativas. Se existe uma regressão infinita de causas, parece sem sentido continuar com investigações cada vez mais profundas; pois tal fim jamais será atingido. Se há uma causa, porém, podemos produtivamente nos perguntar sobre como ela seria 
Esse é o ponto onde Craig e Strobel tem problemas, porque nós já temos um candidato excelente para causa primária: o vácuo quântico, um estado infinito e caótico que continuamente gera novos universos através de flutuações estatísticas. Sabemos já que o vácuo existe, assim como muitas de suas propriedades, então, nenhuma nova entidade é mais necessária aqui. Numa tentativa arbitrária de decidir que o vácuo tem que ter uma causa, Craig introduz uma nova entidade ou divindade sobrenatural que ele acredita tem o poder de criar novos universos. Isso é coisa para a qual não temos evidência experimental alguma e que não resolve o problema da causa primária melhor do que o vácuo já o faz. (grifos nossos; sobre o trecho original ver 4)
Essa ideia é ingênua, pois  energia e matéria não são as únicas coisas que existem no Universo para as quais o vácuo seria causa suficiente. Ateus devem encontrar uma maneira de explicar como a informação, que organiza a matéria a partir de certo nível, apareceu desse "nada" também.

A noção de vácuo como 'vazio' ou 'nada' torna-se uma arma de retórica na língua de adeptos do ateísmo que consideram isso uma maneira de atacar o princípio básico de que 'nada existe sem uma causa'. Como vácuo tem como sinônimo o 'nada', então 'o nada pode gerar tudo' torna-se um novo motto para o ateísmo. O vácuo quântico não corresponde ao 'nada', mas está simplesmente preenchido por algo intangível.

Chegamos a uma situação engraçada hoje, quando espiritualistas exaltados, que vêem com bons olhos as descobertas da física sobre o papel do vácuo físico, fazem coro com ateus no reconhecimento do papel criador desse novo vazio que tem em comum com o 'nada' apenas semelhança de palavras...

Notas e referências
  1. Ainda hoje, há quem acredite no éter luminífero. O conceito de 'éter luminífero' tornou-se uma bandeira de físicos que não aceitam as explicações padrão em relatividade e cosmologia. 
  2. Ver: http://www.daylightatheism.org/2009/09/cfac-its-all-because-of-quantum.html (acesso em Dezembro de 2012);
  3. Lamoreaux, S. K. (1997). "Demonstration of the Casimir Force in the 0.6 to 6 μm Range". Physical Review Letters 78: 5;
  4. Trecho original:
Logically speaking, there are only two possibilities for the ultimate origin of the universe: either there is an infinite regress of causes, or there is a first cause that cannot be explained in terms of earlier causes. Both atheists and theists should be able to agree that those are the choices. If there's an infinite regress of causes, it seems pointless to keep investigating further and further back; such a quest would be guaranteed never to end. If there is a first cause, though, we can productively ask questions about what sort of thing it might be. 
This is where Craig and Strobel run into trouble, because we already have an excellent candidate for a first cause: the quantum vacuum, a timeless, chaotic state that continually spawns new universes through random statistical fluctuation. We already know that the vacuum exists and we know what many of its properties are, so no new entities are required in this explanation. In arbitrarily deciding that the vacuum must have a cause, however, Craig introduces a new entity - a supernatural deity which he believes has the power to create new universes. This is something we have no experimental evidence for, and it solves the first-cause problem no better than making the vacuum the first cause.