15 de janeiro de 2022

Comentários sobre a Gênese Orgânica de "A Gênese" - I

Ilustração representando diferentes ordens de "Intestina et Mollusca Linnaei"  do "The Genera Vermium" de Charles Linneus (1707-1778). Fonte: Wikipedia.

Continuamos nosso estudo online de "A Gênese", desta vez com o Capítulo X. Exploraremos esse capítulo em uma nova contextualização, trazendo algumas novidades mais recentes sobre o assunto.

Ao se consultar a organização em que alguns temas sobre a criação do mundo estão expostos em "A Gênese", vemos que Kardec conferiu uma sequência pedagógica e temporal a eles:

  1. A "Uranografia Geral" (que foi tema de nossos comentários em uma sequência de posts anteriores, ver "Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - CONCLUSÃO") está o Capítulo VI. Contextualiza a origem dos sistemas estelares e do Universo, que deram origem à Terra;
  2. O "Esboço geológico da Terra" até "Revoluções do globo" dos Capítulos VII a IX que continuam a gênese para tratar de um imenso período que existiu entre a formação da Terra e a origem da Vida;
  3. A "Gênese Orgânica" no Cap. X sobre a origem dos seres vivos;
  4. A "Gênese Espiritual" no Cap. XI, não que tenha ocorrido depois da criação dos seres, mas para demarcar o início da consciência entre os animais com a junção da matéria ao princípio espiritual;
  5. A "Gênese Moisaica" no Cap. XII que discorre sobre as concepções religiosas dominantes com relação à origem do mundo com base na Bíblia. 

A existência de um capítulo inteiro dedicado à "Gênese Moisaica" tem relevância moderna, considerando os debates recentes entre os proponentes do "Desenho Inteligente" (em essência, uma "teoria" simplista que credita a origem da vida a uma intervenção direta de Deus) e os cientistas. Discutiremos sobre esse debate oportunamente em nossa releitura do Capítulo X.

O Capítulo X está dividido em vária seções que se iniciam plea "Formação primária dos seres vivos" e termina em "O homem corpóreo", considerando também uma possível "escala dos seres orgânicos". Vale a pena rever o que Kardec escreveu, tendo com base a 5a edição que foi publicada no Brasil pela FEB com tradução de Guillon Ribeiro.

Importante considerar que esse capítulo passa pela apresentação feita por Kardec sobre a teoria da "geração espontânea", uma concepção inicial sobre a criação dos seres típicas do ambiente "pré-evolucionista" do Século XIX que culminaram com a publicação em 1859 de "A Origem das Espécies" de C. Darwin (1809-1882) . 

Se o famoso tratado de Darwin foi publicado antes de "A Gênese", qual a razão para não existir nenhuma referência a ele no texto de Kardec? Essa é uma das questões que responderemos. Já tocamos nesse assunto quando publicamos o post "Será que Kardec leu Darwin ?" Agora aprofundaremos o assunto no contexto do Capítulo X.

Nossa estudo revisitará esse período da história da ciência e mostrará que, não obstante a geração espontânea não ter hoje qualquer papel a desempenhar nas modernas teorias científicas da biologia, as questões sobre a origem dos seres colocadas por Kardec em "A Gênese" ainda permanecem sem resposta. Assim, de certa forma, podemos reviver o debate sobre a origem da vida, considerando agora os princípios majoritariamente aceito da abiogênese

O problema da origem da vida é muito pouco falado pela mídia especializada em divulgação científica, pois quase sempre se admite que ele já foi resolvido, o que não é verdade.  Por causa disso, o assunto certamente continua no cerne dos objetivos de "A Gênese" de A. Kardec e é relevante para os princípios do Espiritismo.

Aguardem!

18 de dezembro de 2021

Finalistas do Concurso Bigelow sobre provas da Imortalidade


O Instituto Bigelow acaba de publicar integralmente os ensaios vencedores do concurso "BICS Contest" - BICS pelo nome do instituto: Instituto Bigelow de Estudos da Consciência. Esse concurso premiou ensaios que discorreram sobre as "melhores provas" da imortalidade. O prêmio foi dividido em categorias, com destaques para os três primeiros lugares:
  1. Lugar: Jeffrey Mishlove Ph.D.: Beyond the Brain: The Survival of Human Consciousness After Permanent Bodily Death ("Além do cérebro: a sobrevivência da consciência humana depois da morte permanente do corpo")
  2. Lugar: Pim van Lommel M.D.: The Continuity of Consciousness: A concept based on scientific research on near-death experiences during cardiac arrest ("A continuidade da consciência: um conceito baseado em pesquisa científica sobre experiências de quase morte durante paradas cardíacas")
  3. Lugar: Leo Ruickbie Ph.D.: The Ghost in the Time Machine ("O fantasma na máquina do tempo")

Detalhes sobre o concurso podem ser lidos em Purpose of BICS Essay Competition. (ref. como acessível em dezembro de 2021). Uma das razões para o concurso segundo essa referência é

Não obstante intrigantes evidências, o número de grupos de pesquisa e fomento dedicados a investigar a sobrevivência da consciência humana além da morte é excessivamente pequeno no mundo ocidental. Ainda que todas as 7,8 bilhões de pessoas no planeta Terra venham a morrer eventualmente, muito pouca pesquisa de qualidade é feita nessa que é talvez uma das questões mais fundamentais a desafiar nossa espécie.

Dentre os fatos interessantes ocorridos durante o concurso está a defesa do BICS contra críticas de céticos que parecem ter insistido contra o concurso. Por exemplo, em uma das notas publicadas pelo patrono do BICS, podemos ler essa insistência nas entrelinhas: 

Reconhecemos que muitas pessoas e organizações não necessariamente acreditam que a consciência humana sobrevive à morte do corpo. O BICs está simplesmente tentando gerar debates e discussões, e apresentar argumentos que possam esclarecer ou gerar mais discussões sobre esse importante tópico.

Isso é complementado pela declaração:
Gostaria de declarar que o Concurso de Ensaios do BICS não é uma reflexão sobre se eu ou a equipe do BICS temos ou não nossas opiniões pessoais sobre se a consciência humana sobrevive à morte do corpo. Naturamente, todos temos opiniões. Eu pessoalmente acredito que a consciência humana sobrevive e que provavelmente conta o que você faz com sua vida aqui.

Em suma, sendo o dinheiro do prêmio de origem privada, não há o que se falar contra o concurso.

Uma grata surpresa foi a presença de brasileiros entre os premiados. Em especial citamos a premiação de Alexandre Caroli Rocha, Marina Weiler e Raphael Fernandes Casseb com o ensaio:

Mediumship as the Best Evidence for the Afterlife: Francisco Candido Xavier, a White Crow  (Mediunidade como a melhor evidência do além-túmulo: Francisco Cândido Xavier, um corvo branco)

A referência ao "corvo branco" remete a caráter especialíssimo do "caso Chico Xavier" que se distingue como um corvo branco no meio da imensa maioria de "corvos pretos" da opinião comum. O ensaio completo pode ser acessado no link acima (conforme disponível em dezembro de 2021).

Os ensaios vencedores estão disponíveis gratuitamente para acesso em: All Twenty Nine Winning BICS Contest Essays are Published Here! 

Parabéns aos premiados nacionais e que venham outros concursos desse tipo!

Referências

Instituto Bigelow de Estudos da Consciência: https://www.bigelowinstitute.org/index.php

3 de outubro de 2021

Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - CONCLUSÃO

Capa do compêndio dos comentários na forma de um e-book (link abaixo). 
Em comemoração ao 217º aniversário de A. Kardec, apresentamos aqui uma primeira versão compilada de todos os comentários feitos sobre Uranografia Geral, o Capítulo VI de A Gênese. Nesse compêndio, os leitores também encontrarão, na Parte 3, nossas conclusões anunciada no último post.

Desde quando os comentários foram iniciados algumas novas descobertas astronômicas surgiram, o que nos deu a oportunidade de integrá-las ao texto e relacioná-las ao assunto já tratado em Uranografia Geral. Esses comentários foram então revisados, aumentados e melhorados a partir das versões disponíveis neste blog publicadas desde janeiro de 2021.

O trabalho em PDF pode ser baixado no link:

"Comentários sobre Uranografia Geral de A. Gênese de A. Kardec". (2.7Mb, 85 páginas).

Na Fig. 1 apresentamos uma imagem do índice proposto, que segue a ordem de assuntos tratados no texto original. O arquivo fonte foi editado em Latex e foram programados links tanto para as diversas seções como para o conteúdo externo referenciado.

Fig. 1 Índice dos Comentários

Trata-se do primeiro e-book da Era do Espírito que disponibilizamos aos leitores do blog. A obra contém ainda uma lista de 43 referências atualizadas e expandidas em relação àquelas indicadas nos textos originais. Outras referências são fornecidas nas notas de rodapé.

8 de setembro de 2021

Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - IX

Concepção artística da Terra em "fase nova" vista desde a lua. De "Popular Science Monthly", Volume III, maio-outubro de 1873. [1]

Continuação do post anterior: Comentários sobre "Uranografia geral" de "A gênese" de A. Kardec - VIII.

Obra completa contendo todos os comentários e a conclusão.

Comentários sobre "A vida universal".

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O autor se propõe a correlacionar o assunto tratado em "Uranografia Geral" com a imortalidade da alma. Tendo afirmado anteriormente a sucessão de mundos - que voltam a se formar a partir dos restos dos mundos anteriores - ele ressalta a ligação entre essa sucessão e a imortalidade da alma como consequência da perfeição Divina.

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Considera isenta de dúvida a questão da existência de seres em outros mundos - pois "as obras de Deus foram criadas para o pensamento e a inteligência". Hoje podemos ler essa declaração como uma formulação do chamado "Princípio Antrópico" [2], ou seja, que o Universo existe dessa forma para que a vida e a consciência nele possam existir e se desenvolver. 

É relevante agora considerar se, além disso, esses seres estão ligados uns aos outros, tendo em vista que os mundos onde habitam estão certamente ligados de alguma forma. Há vínculos de natureza gravitacional entre os mundos, então, haveria influências equivalentes entre os seres?

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Tanto hoje como na época de A Gênese esses mundos distantes são quase sempre representados como "simples massas de matéria inerte e sem vida".  Como exemplo, consultemos o resultado de uma busca do Pinterest para "Chesley Bonestell", que foi um dos grandes ilustradores da "arte espacial" no Século XX. Quase todas as imagens (Fig. 1) representam mundos sem atmosfera, com superfícies secas e aparentemente estéreis como a lua.

Fig. 1 Resultado da busca de imagens associadas a "Chesley Bonestell" no Pinterest um dos grandes ilustradores em arte espacial no Século XX. Mundos alienígenas são quase sempre representados como corpos estéreis e sem vida.

Sobre isso, o autor qualifica:

Custa-lhe a pensar que não haja, nessas regiões distantes, magnífcos crepúsculos e noites esplendorosas, sóis fecundos e dias transbordantes de luz, vales e montanhas, onde as produções múltiplas da natureza desenvolvam toda a sua luxuriante pompa. 
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O autor toca em uma questão que receberia grande atenção do público apenas 80 anos mais tarde da publicação de A Gênese:

Uma mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos e os laços de uma fraternidade que ainda não sabeis apreciar foram postos a esses mundos. Se os astros que se harmonizam em seus vastos sistemas são habitados por inteligências, não o são por seres desconhecidos uns dos outros, mas, ao contrário, por seres que trazem marcado na fronte o mesmo destino, que se hão de encontrar  temporariamente segundo suas funções de vida e suas mútuas simpatias. É a grande família dos espíritos que povoam as terras celestes; é a grande irradiação do espírito divino que abrange a extensão dos céus e que permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual. (destaque do autor)

Trata-se da questão da existência de seres extraterrestres ou alienígenas

O que seriam eles? O autor se adianta muito para sua época e declara que eles são seres harmonizados entre si - dentro do concerto grandioso da vida universal - formando uma "grande família de espíritos".  Considera ainda que eles se encontrarão conforme suas "funções de vida e múltiplas simpatias". Tais afirmações eram completamente estranhas às concepções antigas e religiosas, embora hoje elas façam muito mais sentido. 

De fato, para quem considera seriamente a sobrevivência e a existência de outros seres vivos nos diversos mundos do Universo, são as mesmas as leis que regulam a encarnação. Portanto, a natureza dos Espíritos deve ser a mesma (dai seus laços de fraternidade). Isso é assim ainda que seus corpos, estágios evolutivos e aparências sejam muito diferentes, posto que obedecem a diferentes condições de habitabilidade e se encontram em diferentes graus de progresso.

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Faz-se aqui uma referência às doutrinas religiosas que negavam (e ainda o fazem) a possibilidade de vida extraterrestre, considerando que o homem na Terra é o único destinado à salvação. Por isso "negaram à imortalidade as vastas regiões do éter", ou seja, negam às almas salvas o acesso ao resto do Universo,  já que o destino de parte delas é um céu que nada tem a ver com esse mesmo Universo. 

Quanto ao resto, vão para o inferno que também nenhuma relação guarda com as magnificências relevadas pela Astronomia.

Comentários sobre "Diversidade dos mundos".

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Parágrafo que sumariza um retrospecto. Tendo se dedicado a realizar um "excursão celeste", onde os inúmeros detalhes de recentes descobertas da Astronomia puderam assombrar o espírito antigo e revelar um destino completamente novo à alma, resta a obrigação de uma conclusão.

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O autor se propõe a fazer uma interpretação "moral" da grandiosidade do Universo e da pequenez da vida humana diante dele. Se somos minúsculos diante desse Universo, o que significaria isso além das diferenças de escala? Não é que nada somos desde esse ponto de vista moral, mas que ainda temos muito a progredir.

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Carentes de ilustrações ou provas tangíveis da realidade em outros mundos, quase sempre projetamos neles o que temos aqui na Terra. Por isso, o autor faz uso de uma comparação:

Lançai por um instante o olhar sobre uma região qualquer do vosso globo e sobre uma das produções da vossa natureza. não reconhecereis aí o cunho de uma variedade infinita e a prova de uma atividade sem par? não vedes na asa de um passarinho das canárias, na pétala de um botão de rosa entreaberto a prestigiosa fecundidade dessa bela natureza?

Portanto, da mesma forma como se vê variedade assombrosa de arranjos e estruturas na vida na superfície de um planeta que traz em si condições uniformes de habitabilidade, devemos esperar enormes variedades de formas de vida nos diversos mundos habitados para os quais essas condições variam de múltiplas formas. Segundo o autor, a "natureza onipotente age conforme os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções". 

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Desta forma, o autor finaliza seu estudo com uma importante exortação:

Não vejais, pois, em torno de cada um dos sóis do espaço, apenas sistemas planetários semelhantes ao vosso sistema planetário; não vejais, nesses planetas desconhecidos, apenas os três reinos que se estadeiam ao vosso derredor. Pensai, ao contrário, que, assim como nenhum rosto de homem se assemelha a outro rosto em todo o gênero humano, também uma portentosa diversidade, inimaginável, se acha espalhada pelas moradas eternas que vogam no seio dos espaços. (grifo nosso)

Outros reinos existem nesses mundos - a referência aos "três reinos" implica naqueles então conhecidos: mineral, vegetal e animal - reinos que podem inclusive estar completamente fora de nossa capacidade de percepção.

Por isso, não devemos concluir que as "milhões e milhões de terras que rolam pela amplidão sejam semelhantes" à Terra. Essas diferenças se mostram, de certa forma, na maneira como exoplanetas recentemente descobertos se dispõem ao redor das estrelas. Há uma variedade imensa de dimensões, tipos de órbita, prováveis temperaturas e composições químicas. 

Tais descobertas recentes da astronomia aprofundaram ainda mais o fosso que existe entre as antigas concepções do mundo (centradas no homem como única criação inteligente de Deus) e uma nova concepção que torna o homem parte desse Universo imenso. 

Ele sempre viverá graças a alguns parcos recursos distribuídos em equilíbrio restrito ao redor de uma estrela sem importância, e a peregrinar por tempo indeterminado junto a seus irmãos de outros mundos, alguns inferiores e outros superiores, mundos que muito embelezam as inumeráveis estrelas a iluminar o firmamento de seu mundo insignificante.

No próximo post: nossa conclusão.

Referências

[1] https://archive.org/details/popularsciencemo03newy/

[2] Comitti, V. S. (2011). Princípio antrópico cosmológico. Revista Brasileira de Ensino de Física, 33. https://www.scielo.br/j/rbef/a/3K3fKStqHd5zmbdyW9H6QPD/?lang=pt