8 de setembro de 2021

Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - IX

Concepção artística da Terra em "fase nova" vista desde a lua. De "Popular Science Monthly", Volume III, maio-outubro de 1873. [1]

Continuação do post anterior: Comentários sobre "Uranografia geral" de "A gênese" de A. Kardec - VIII.

Obra completa contendo todos os comentários e a conclusão.

Comentários sobre "A vida universal".

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O autor se propõe a correlacionar o assunto tratado em "Uranografia Geral" com a imortalidade da alma. Tendo afirmado anteriormente a sucessão de mundos - que voltam a se formar a partir dos restos dos mundos anteriores - ele ressalta a ligação entre essa sucessão e a imortalidade da alma como consequência da perfeição Divina.

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Considera isenta de dúvida a questão da existência de seres em outros mundos - pois "as obras de Deus foram criadas para o pensamento e a inteligência". Hoje podemos ler essa declaração como uma formulação do chamado "Princípio Antrópico" [2], ou seja, que o Universo existe dessa forma para que a vida e a consciência nele possam existir e se desenvolver. 

É relevante agora considerar se, além disso, esses seres estão ligados uns aos outros, tendo em vista que os mundos onde habitam estão certamente ligados de alguma forma. Há vínculos de natureza gravitacional entre os mundos, então, haveria influências equivalentes entre os seres?

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Tanto hoje como na época de A Gênese esses mundos distantes são quase sempre representados como "simples massas de matéria inerte e sem vida".  Como exemplo, consultemos o resultado de uma busca do Pinterest para "Chesley Bonestell", que foi um dos grandes ilustradores da "arte espacial" no Século XX. Quase todas as imagens (Fig. 1) representam mundos sem atmosfera, com superfícies secas e aparentemente estéreis como a lua.

Fig. 1 Resultado da busca de imagens associadas a "Chesley Bonestell" no Pinterest um dos grandes ilustradores em arte espacial no Século XX. Mundos alienígenas são quase sempre representados como corpos estéreis e sem vida.

Sobre isso, o autor qualifica:

Custa-lhe a pensar que não haja, nessas regiões distantes, magnífcos crepúsculos e noites esplendorosas, sóis fecundos e dias transbordantes de luz, vales e montanhas, onde as produções múltiplas da natureza desenvolvam toda a sua luxuriante pompa. 
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O autor toca em uma questão que receberia grande atenção do público apenas 80 anos mais tarde da publicação de A Gênese:

Uma mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos e os laços de uma fraternidade que ainda não sabeis apreciar foram postos a esses mundos. Se os astros que se harmonizam em seus vastos sistemas são habitados por inteligências, não o são por seres desconhecidos uns dos outros, mas, ao contrário, por seres que trazem marcado na fronte o mesmo destino, que se hão de encontrar  temporariamente segundo suas funções de vida e suas mútuas simpatias. É a grande família dos espíritos que povoam as terras celestes; é a grande irradiação do espírito divino que abrange a extensão dos céus e que permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual. (destaque do autor)

Trata-se da questão da existência de seres extraterrestres ou alienígenas

O que seriam eles? O autor se adianta muito para sua época e declara que eles são seres harmonizados entre si - dentro do concerto grandioso da vida universal - formando uma "grande família de espíritos".  Considera ainda que eles se encontrarão conforme suas "funções de vida e múltiplas simpatias". Tais afirmações eram completamente estranhas às concepções antigas e religiosas, embora hoje elas façam muito mais sentido. 

De fato, para quem considera seriamente a sobrevivência e a existência de outros seres vivos nos diversos mundos do Universo, são as mesmas as leis que regulam a encarnação. Portanto, a natureza dos Espíritos deve ser a mesma (dai seus laços de fraternidade). Isso é assim ainda que seus corpos, estágios evolutivos e aparências sejam muito diferentes, posto que obedecem a diferentes condições de habitabilidade e se encontram em diferentes graus de progresso.

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Faz-se aqui uma referência às doutrinas religiosas que negavam (e ainda o fazem) a possibilidade de vida extraterrestre, considerando que o homem na Terra é o único destinado à salvação. Por isso "negaram à imortalidade as vastas regiões do éter", ou seja, negam às almas salvas o acesso ao resto do Universo,  já que o destino de parte delas é um céu que nada tem a ver com esse mesmo Universo. 

Quanto ao resto, vão para o inferno que também nenhuma relação guarda com as magnificências relevadas pela Astronomia.

Comentários sobre "Diversidade dos mundos".

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Parágrafo que sumariza um retrospecto. Tendo se dedicado a realizar um "excursão celeste", onde os inúmeros detalhes de recentes descobertas da Astronomia puderam assombrar o espírito antigo e revelar um destino completamente novo à alma, resta a obrigação de uma conclusão.

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O autor se propõe a fazer uma interpretação "moral" da grandiosidade do Universo e da pequenez da vida humana diante dele. Se somos minúsculos diante desse Universo, o que significaria isso além das diferenças de escala? Não é que nada somos desde esse ponto de vista moral, mas que ainda temos muito a progredir.

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Carentes de ilustrações ou provas tangíveis da realidade em outros mundos, quase sempre projetamos neles o que temos aqui na Terra. Por isso, o autor faz uso de uma comparação:

Lançai por um instante o olhar sobre uma região qualquer do vosso globo e sobre uma das produções da vossa natureza. não reconhecereis aí o cunho de uma variedade infinita e a prova de uma atividade sem par? não vedes na asa de um passarinho das canárias, na pétala de um botão de rosa entreaberto a prestigiosa fecundidade dessa bela natureza?

Portanto, da mesma forma como se vê variedade assombrosa de arranjos e estruturas na vida na superfície de um planeta que traz em si condições uniformes de habitabilidade, devemos esperar enormes variedades de formas de vida nos diversos mundos habitados para os quais essas condições variam de múltiplas formas. Segundo o autor, a "natureza onipotente age conforme os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções". 

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Desta forma, o autor finaliza seu estudo com uma importante exortação:

Não vejais, pois, em torno de cada um dos sóis do espaço, apenas sistemas planetários semelhantes ao vosso sistema planetário; não vejais, nesses planetas desconhecidos, apenas os três reinos que se estadeiam ao vosso derredor. Pensai, ao contrário, que, assim como nenhum rosto de homem se assemelha a outro rosto em todo o gênero humano, também uma portentosa diversidade, inimaginável, se acha espalhada pelas moradas eternas que vogam no seio dos espaços. (grifo nosso)

Outros reinos existem nesses mundos - a referência aos "três reinos" implica naqueles então conhecidos: mineral, vegetal e animal - reinos que podem inclusive estar completamente fora de nossa capacidade de percepção.

Por isso, não devemos concluir que as "milhões e milhões de terras que rolam pela amplidão sejam semelhantes" à Terra. Essas diferenças se mostram, de certa forma, na maneira como exoplanetas recentemente descobertos se dispõem ao redor das estrelas. Há uma variedade imensa de dimensões, tipos de órbita, prováveis temperaturas e composições químicas. 

Tais descobertas recentes da astronomia aprofundaram ainda mais o fosso que existe entre as antigas concepções do mundo (centradas no homem como única criação inteligente de Deus) e uma nova concepção que torna o homem parte desse Universo imenso. 

Ele sempre viverá graças a alguns parcos recursos distribuídos em equilíbrio restrito ao redor de uma estrela sem importância, e a peregrinar por tempo indeterminado junto a seus irmãos de outros mundos, alguns inferiores e outros superiores, mundos que muito embelezam as inumeráveis estrelas a iluminar o firmamento de seu mundo insignificante.

No próximo post: nossa conclusão.

Referências

[1] https://archive.org/details/popularsciencemo03newy/

[2] Comitti, V. S. (2011). Princípio antrópico cosmológico. Revista Brasileira de Ensino de Física, 33. https://www.scielo.br/j/rbef/a/3K3fKStqHd5zmbdyW9H6QPD/?lang=pt  

5 de agosto de 2021

Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - VIII

O "grande glomerado do sul" conforme ilustração de 1848. Fonte: "Mundos planetários e estelares: um exposição popular das grandes descobertas e teorias da moderna astronomia"  [1].

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Obra completa contendo todos os comentários e a conclusão.

Comentário sobre "Os desertos do espaço"

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Relembra-se o espaço aparentemente vazio que existe entre as estrelas e entre os "aglomerados de estrelas", entendidos como associações estelares reunidas pela força da gravidade. Como vimos, na época de "A Gênese" a ideia de "galáxia" ainda não existia. Assim, o autor de "Uranografia Geral" não só defendeu a ideia de que o sol faz parte de um imenso aglomerado, mas também que há outros aglomerados no Universo, que ele denomina "ilhas estelares". O que existiria entre esses?

Inimaginável deserto, sem limites, se estende para lá da aglomeração de estrelas...

A solidões sucedem solidões e incomensuráveis planícies do vácuo se distendem pela amplidão afora.

...essas solidões mudas e baldas de toda aparência de vida...

Hoje se sabe que a nossa Via-Láctea tem um diâmetro de 100 mil anos luz, enquanto que a distância média entre as estrelas na galáxia varia enormemente conforme a posição da estrela na galáxia. Por exemplo, próximo ao núcleo das galáxias, a distância média é da ordem de frações de anos luz, enquanto que mais próximo da borda essa distância chega a dezenas de anos luz. Isso significa que a razão do diâmetro da galáxia para essa distância média varia várias ordens de magnitude.

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Esse "deserto celeste" é afirmado como fazendo parte da "trama da criação". De fato, como podemos nós hoje afirmar que ele é absolutamente vazio? Preenchido por substância de densidade sutilíssima, esse vácuo que separa as ilhas estelares é o substrato de uma substância capaz de criar qualquer coisa - inclusive a matéria. Seria ele uma enorme reserva potencial de energia, validando a "visão e o poder infinito do Altíssimo", conforme descrito.

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Sucedem-se lá os agregados longínquos de substância cósmica, que o profundo olhar do telescópio percebe através das regiões transparentes do nosso céu e a que dais o nome de nebulosas irresolúveis, as quais vos parecem ligeiras nuvens de poeira branca, perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo.

A descrição das ilhas estelares é contextualizada pelo autor ao descrever as chamadas "nebulosas irresolúveis" que foi também alvo de um comentário de A. Kardec: 

Dá-se, em Astronomia, o nome de nebulosas irresolúveis àquelas em que ainda se não puderam distinguir as estrelas que as compõem. Foram, a princípio, consideradas acervos de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos; hoje, porém, geralmente se entende que essa aparência é devida ao afastamento e que, com instrumentos bastante poderosos, todas seriam resolúveis.

Kardec se refere aqui às "nebulosas espirais" que,  como já vimos, foram tomadas inicialmente como provas da teoria de Laplace. Seu aspecto lenticular lembrava os vórtices postulados como origem para sistemas planetários. Pelo fato de não serem facilmente decompostas em estrelas menores, muitos astrônomos antigos nunca chegaram a considerá-las outros "universos ilhas". Algumas das conclusões de Kardec (feita no comentário à seção 47, ver Fig. 2) somente devem ser revisadas para cima: de fato, o número de estrelas em nossa galáxia é da ordem de centenas de bilhões e não "30 milhões de estrelas", o que eleva consideravelmente o número de mundos habitados e torna ainda mais assombrosa a "insignificância" da Terra no Universo.

Fig.1 - Ilustração de diversos tipos de nebulosas: Em (a) vemos uma galáxia espiral típica que se apresentava como "nebulosa lenticular" aos astrônomos do século 19. Sem resolução suficiente, era considerada na verdade uma nebulosa de formação planetária ou prova da teoria de Laplace. Com o desenvolvimento das técnicas de medida de distância (apenas na década de 1920), provou-se definitivamente que eram outros "universos ilhas" ou "galáxias" na acepção moderna. Em (b) temos a imagem de uma nebulosa planetária, verdadeiramente "irresolúvel" já que é formada por gás da explosão de uma estrela. A nebulosa de Órion (b') é outro exemplo de nebulosa irresolúvel. Tais nebulosas formadas de gás são muito menores que a galáxia que as abriga. Em (c) é ilustrado o aspecto de um aglomerado globular a vista desarmada. Ao se usar um telescópio, sua verdadeira constituição é revelada (c') como composta de milhares de estrelas - é uma nebulosa resolúvel. Tais objetos são muito menores que a galáxia, de forma que separar cada um desses objetos em classes distintas foi um grande desfio na astronomia.  

O aspecto nebuloso dessas formações celestes depende, de fato, do "poder de resolução" do instrumento óptico usado para observá-las. A vista desarmada muitos aglomerados estelares nada mais parecem do que meras manchas ou nuvens luminosas (Fig. 1). Ao se utilizar um telescópio mais potente, esses aglomerados se desfazem em milhares de estrelas. A descrição apresentada por Kardec corresponde, de fato, à opinião de um dos mais ilustres astrônomos europeus do Séc 18, que foi Sir W. Herschel, conforme descreve H. Curtis [2]:

A história das descobertas científicas oferece muitos exemplos quando homens, com algum estranho dom de intuição, olharam para a frente a partir de dados escassos, e vislumbraram ou adivinharam verdades que foram totalmente verificadas após décadas ou séculos somente. Herschel foi um gênio muito afortunado. Do próprio movimentos de muito poucas estrelas, ele determinou a direção do movimento do sol quase com a mesma precisão que as investigações mais modernas, devido a uma feliz seleção de estrelas para esse propósito. Ele notou que os aglomerados de estrelas que aparecem nebulosos em textura em telescópios menores e com menor potência são resolvidos em estrelas com instrumentos maiores e mais poderosos. A partir disso, argumentou que todas as nebulosas poderiam ser resolvidas em estrelas pela aplicação de ampliação suficiente, e que as nebulosas eram, de fato, unidades separadas, uma teoria que havia sido sugerida anteriormente de forma puramente hipotética por Wright, Lambert e Kant. A partir de sua aparência no telescópio, ele, novamente com presciência quase sobrenatural, excluiu algumas poucas nebulosas definitivamente como gasosas e irresolúveis.

O autor de "Uranografia Geral" corretamente identificou as verdadeiras "nebulosas irresolúveis" como "os agregados longínquos de substância cósmica" já identificado por ele como responsáveis pela criação da vida. 

De forma distinta, para ele os outros aglomerados estelares (as galáxias) são onde "se revelam e desdobram novos mundos, cujas condições variadas e diversas das que são peculiares ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não podem imaginar". 

Essas declarações podem ser vistas como audaciosas no contexto das dificuldades na época de A Gênese, quando não se fazia qualquer ideia das distâncias envolvidas e, portanto, da real dimensão que esses diversos objetos tinham (Fig. 1).

Comentário sobre "Eterna sucessão dos mundos"

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Recapitula-se como introdução ao tema a ideia de uma lei universal única, "primordial e geral", que "assegura eternamente" a estabilidade do Universo. Reafirma-se a harmonia do Universo como consequência dessa lei.

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Ressalta-se que a mesma lei que preside á formação dos mundos, pela agregação da matéria cósmica disseminada no espaço, também resulta na sua destruição: 

Se é exato dizer-se, em sentido literal, que a vida só é acessível à foice da morte, não menos exato é dizer-se que para a substância é de toda necessidade sofrer as transformações inerentes à sua constituição.

O termo "substância" aqui deve ser entendido como as entidades mais fundamentais que existem no Universo. Por exemplo, a matéria e o espírito. Ambos estão sujeitos à vida e a morte como disfarces da lei de transformação. Portanto, nascimento e morte de mundos no espaço são estágios de uma transformação incessante levada a cabo pela ação da lei universal sobre o princípio material.

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Como entender o destino dos astros cadaverizados? Se na Terra, o corpo que morre retorna ao solo para reintegrar-se aos elementos e dar vida à novas formas de existência, como entender o destino dos astros que não mais cumprem a missão de abrigar a vida? É isso o que o autor pretende discutir quando pergunta:

Ora, dar-se-á que essa terra extinta e sem vida vai continuar a gravitar nos espaços celestes, sem uma finalidade, e passar como cinza inútil pelo turbilhão dos céus? Dar-se-á permaneça inscrita no livro da vida universal, quando já se tornou letra morta e vazia de sentido?

A própria questão da "morte das estrelas" era de difícil abordagem no Século 19, visto que não havia ainda uma teoria que explicasse a evolução estelar, pois nem mesmo se sabia como brilhavam as estrelas. Portanto, de novo, o autor de "Uranografia Geral" se adianta para sua época. E a resposta está na mesma lei universal. Através dos bilhões e bilhões de anos, a matéria residual de planetas e estrelas "falecidas" torna a se agregar e compor novas nebulosas. Essas reciclam o material antigo para criar novas estrelas e planetas.  Entretanto, tal ideia era de difícil comprovação pela evidência. 

Modernamente se sabe que as estrelas e planetas atuais foram formados a partir dos resíduos reciclados de primitivas estrelas que existiram no universo primordial [3]. Não sabemos que mundos já teriam existido muito antes dos planetas de hoje. Mas, há evidências de que a matéria que compõe os nossos corpos já esteve presente em antiquíssimas estrelas. Foi o que quis dizer o cientista e distinto divulgador de ciência Carl Sagan com a frase "We are made of star stuff" (somos feitos de matéria estelar). Precisamente a mesma coisa diz o autor de "Uranografia Geral", mas com relação aos astros presentes:

Esses elementos vão retornar à massa comum do éter, para se assimilarem a outros corpos, ou para regenerarem outros sóis. E a morte não será um acontecimento inútil, nem para a terra que consideramos, nem para suas irmãs. Noutras regiões, ela renovará outras criações de natureza diferente e, lá onde os sistemas de mundos se desvaneceram, em breve renascerá outro jardim de flores mais brilhantes e mais perfumadas.
Fig. 2 Imagem de campo ultra profundo do telescópio Hubble (Wikipedia). Cada ponto é uma galáxia ou "universo ilha" (há apenas uma estrela na imagem). Isso nos faz lembrar a descrição de Kardec: "Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas, contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados", conforme se lê no comentário à seção 47. Trata-se de uma descrição bastante audaciosa para a época, mas que se revelou muito precisa como demonstra esta imagem. 

51 

Descreve-se a aparência presente do Universo diante do fato de que a luz leva certo intervalo de tempo (que pode ser considerável) para atravessar as distâncias "inimagináveis" entre as estrelas. Isso significa que muitos dos sistemas estelares que acreditamos ver podem, na realidade, já não mais existir: 

Onde os vossos olhos admiram esplêndidas estrelas na abóbada da noite, onde o vosso espírito contempla irradiações magníficas que resplandecem nos espaços distantes, de há muito o dedo da morte extinguiu esses esplendores, de há muito o vazio sucedeu a esses deslumbramentos e já recebem mesmo novas criações ainda desconhecidas.

As criações novas são "desconhecidas" porque ainda não se tornaram visíveis as mudanças carregadas pela propagação dos sinais luminosos gerados nessas criações. Essa observação é reforçada por Kardec por meio de um comentário. Portanto, o autor conclui que os seis mil anos de nossa história conhecida nada são diante dos intervalos de tempo (que hoje sabemos chegam a bilhões de anos) que a luz leva para atualizar o aspecto do Universo observável localmente. Isso representa uma severa limitação ao que podemos conhecer presentemente no Universo: quanto mais distante contemplamos, mais antiga e, portanto, desatualizada, será sua imagem para nós. 

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O autor conclui pela insignificância do homem e de seu planeta diante da enormidade do espaço e das criações no Universo. Também conclui que, ainda que o pensamento se esforce para entender essas construções do espaço, tal esforço apenas pode abarcar uma parte muito pequena do que é visível, dada nossa pequenez e nossas limitadas percepções. Como consequência da lei de evolução, apenas quando "houvermos habitado esses diversos degraus da nossa hierarquia cosmológica" é que seremos capazes de realmente compreender a "sucessão ilimitada de mundos" e a perspectiva da "eternidade imóvel". 

Referência

[1]  O. M. Mitchel (1848). "The planetary and stellar worlds: a popular exposition of the great discoveries and theories of modern astronomy. New York, Baker & Scribner.

[2] Curtis, H. D. (1920). Modern theories of the spiral nebulae. Journal of the Royal Astronomical Society of Canada, 14, 317.

[3] Frebel, A., Aoki, W., Christlieb, N., Ando, H., Asplund, M., Barklem, P. S., ... & Yoshii, Y. (2005). Nucleosynthetic signatures of the first stars. Nature, 434(7035), 871-873.










7 de julho de 2021

Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - VII




Comentário sobre "As estrelas fixas".

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Trata-se de uma descrição precisa do que entendemos como sendo a Via-Láctea como vista desde a Terra, ou seja, como a projeção da galáxia Via-Láctea no céu. De fato, a imensa maioria das "estrelas fixas" pertencem à nossa galáxia. As que estão muito distantes fundem-se na forma de uma nuvem de estrelas - exatamente como cada molécula de vapor se funde para formar uma densa névoa. Nenhuma delas está absolutamente imóvel: a influência gravitacional entre elas é responsável pelo seu movimento, assim como a energia dinâmica herdada da nebulosa primordial que as criou confere a elas um movimento próprio.

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Destaca-se, em especial, a passagem:
Esses diversos sóis estão na sua maioria, como o nosso, cercados de mundos secundários, que eles iluminam e fecundam por intermédio das mesmas leis que presidem à vida do nosso sistema planetário. Uns, como sírio, são milhares de vezes mais magníficos em dimensões e em riquezas do que o nosso e muito mais importante é o papel que desempenham no universo. também planetas em muito maior número e muito superiores aos nossos os cercam. outros são muito dessemelhantes pelas suas funções astrais. 
que confere especial valor profético ao autor.  Na época em que essa mensagem foi dada, a existência de planetas ao redor de outras estrelas era mero tema de ficção. Ele dependia mais da crença de alguns astrônomos, com base em suposições sem qualquer base experimental ou alicerçada em dados. 

Hoje, esses novos mundos têm um nome: exoplanetas ou planetas extra-solares. Uma lista desses exoplanetas pode ser encontradas em: http://exoplanet.eu/catalog/, que conta com aproximadamente 4800 entradas em 2021. O que foi descoberto confirma a descrição do autor de Uranografia Geral, embora os tipos de planetas detectáveis dependa demais das técnicas de medida disponíveis. Estima-se em trilhões em nossa galáxia os planetas do tamanho da Terra. 


Fig 1. Concepção artística moderna da superfície de um planeta em um sistema de três estrelas. Esse assunto é tema de um comentário de Kardec na seção 38. Fonte: pixels.com. 

O autor continua e chama a atenção para os sistemas de múltiplas estrelas, ou seja, sistemas em que mais de uma estrela formam arranjos ligados por forças gravitacionais. Essa informação resultou no comentário de Kardec:
É o a que se dá, em Astronomia, o nome de “estrelas duplas”. São dois sóis, um dos quais gira em torno do outro, como um planeta em torno do seu sol. De que singular e magnífico espetáculo não gozarão os habitantes dos mundos que formam esses sistemas iluminados por duplo sol! Mas, também, quão diferentes não hão de ser neles as condições da vitalidade!
Uma representação artística moderna do "singular e magnífico espetáculo" que Kardec comenta acima pode ser visto na Fig. 1. De fato, dada a possibilidade de estrelas de cores diferentes, a superfície dos planetas que orbitam esses sistemas deve mostrar uma policromia jamais vista na Terra. Por condições de vitalidade, entendemos as condições de posição, distância e rotação que os planetas nesses sistemas devem ter para que seja possível haver vida neles. Se o tipo de vida terreno for assumido, provavelmente os planetas devem, por exemplo, se localizarem a distâncias maiores das estrelas que os abrigam para evitar o excesso de luz. Isso tornaria os anos (como revoluções em torno de uma estrela principal) bem mais longos. 

Da mesma forma como há estrelas cercadas de inúmeros planetas, "outros astros, sem cortejo, privados de planetas, receberam os melhores elementos de habitabilidade". Desnecessário dizer que a comprovação da existência de estrelas desacompanhadas de planetas é muito mais difícil. Para isso, seria necessário vencer as distâncias imensas até essas estrelas e constatar que elas não possuem planetas. 

39

Reafirma-se corretamente que as estrelas fixas vistas da Terra pertencem à Via-Láctea que nada mais é do que uma das galáxias na "ordem das nebulosas" que compõem o Universo visível.

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O autor explica que as constelações (e, por derivação as ideias astrológicas ligadas a essas figuras no céu) são meras ilusões. O conteúdo do que é explicado nessa seção é ilustrado na Fig. 2.

Fig. 2 Constelações são projeções sem perspectiva na esfera celeste de conjunto de estrelas que podem estar, na verdade, muito distantes entre si.

41

O autor reintroduz o assunto do movimento das estrelas que compõem a Via-Láctea afirmando que essas estrelas:
Rolam, não segundo roteiros traçados pelo acaso, mas segundo órbitas fechadas, cujo centro um astro superior ocupa.
ou seja, que "em parte nenhuma existe o repouso absoluto". No que segue, é dado como exemplo o movimento do sol.

42

O movimento do sol descrito pelo autor é chamado modernamente de "movimento solar próprio". Todas as estrelas têm também um "movimento estelar próprio", o que foi descoberto por E. Halley  em 1677 em suas observações na Ilha de Santa Helena [1]. Esse movimento modifica o aspecto do céu ao longo de milhares de anos, visto que ele é imperceptível no tempo médio de uma vida humana. Isso é ilustrado na Fig. 3.

Fig. 3 Animação do movimento próprio na constelação da Ursa Maior conforme os anos gravados na parte superior em verde. Como tempo, o aspecto do céu muda pois cada estrela está dotada de um movimento particular.

43

Considerando a influência gravitacional mútua exercida entre as estrelas, o autor pondera que nosso sol é um corpo secundário a se mover conforme a força exercida por outro corpo maior. Hoje sabemos que o movimento do sol - e de sua vizinhança estelar - é regido por forças que se dirigem para o centro da galáxia, ou seja, esse movimento se dá em torno dela. Isso resulta no conceito de "ano galático" como o tempo que o sol leva para dar uma volta completa em sua órbita em torno do centro galático, que é da ordem de 230 milhões de anos. Em torno desse centro, o sol se move à velocidade de 830.000 km/h ou 1/13000 da velocidade da luz.  Essas medidas não eram conhecidos no Sec. XIX. 

Repete-se o número de estrelas do sistema "Via-Láctea" já apresentado anteriormente:
...uma trintena de milhões de sóis se pode contar na Via Láctea.
Esse número é uma estimativa baseada nas estrelas visíveis, ou seja, acessíveis por meio da tecnologia óptica e não fotográfica. O número de estrelas visíveis a vista desarmada em uma noite límpida é da ordem de 6000. Ao se usar instrumentos, esse número cresce consideravelmente, pelo que se chega ao valor de 30 milhões. Com a descoberta do formato real da Via-Láctea [2] e de que a maior parte dela está oculta de nossa observação, esse número subiu consideravelmente, embora não seja possível conhecer o número exato ou mesmo com marge de erro inferior a, digamos, 10%. Estima-se, entretanto, como 300-400 bilhões o número dessas estrelas.

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À guiza de conclusão e introdução do próximo assunto, o autor relembra que: 
Em parte nenhuma há imobilidade, nem silêncio, nem noite! O grande espetáculo que então se nos desdobraria ante os olhos seria a criação real, imensa e cheia da vida etérea, que no seu imenso conjunto o olhar infinito do criador abrange. 
Isso para introduzir o conceito de que a Via-Láctea é apenas um dos sistemas perdidos na imensidade do Universo. Apoiado em uma ideia que não tinha comprovação na época em que A Gênese foi escrita, o autor defende vivamente a "hipótese dos universos-ilhas" pela qual nossa Via-Láctea é apenas uma "ilha no arquipélago infinito". 

Para ver isso, basta consultar a referência [3] para a qual a ideia era considerada "audaciosa e pitoresca, que falava alto à imaginação de escritores populares de astronomia e que foi mantida pela literatura astronômica por muitos anos". Isso até 1870 e, por volta de 1900, diversas descobertas tornaram a teoria de "universos-ilhas"  suspeita.

Mas isso será assunto de um próximo post.
 
Referências

[1] Brandt, J. C. (2010). St. Helena, Edmond Halley, the discovery of stellar proper motion, and the mystery of Aldebaran. Journal of Astronomical History and Heritage, 13, 149-158.
[2] Xu, Y., Reid, M., Dame, T., Menten, K., Sakai, N., Li, J., ... & Zheng, X. (2016). The local spiral structure of the Milky Way. Science Advances, 2(9), e1600878.
[3] MacPherson, H. (1919). The problem of island universes. The Observatory, 42, 329-334.





6 de junho de 2021

Comentários sobre "Uranografia geral" de "A Gênese" de A. Kardec - VI

 

Continuação do post anterior: Comentários sobre "Uranografia geral" de "A gênese" de A. Kardec - V.

Obra completa contendo todos os comentários e a conclusão.

Comentário sobre "Os cometas" e "A Via-Láctea".

28

Cometas, também conhecidos com "astros errantes", dado o seu movimento inusitado pelo céu, sempre chamaram a atenção, quase sempre pelo medo. Esclarecida sua verdadeira origem, como pequenos astros dotados de movimento próprio, em órbitas muito diferentes das dos planetas, cometas podem ser vistos como relíquias de um passado muito distante, quando o sistema solar ainda estava em formação.

Como suas órbitas podem chegar até os confins do sistema solar, o autor os descreve como "guias que nos ajudarão a transpor os limites do sistema a que pertence a Terra". Na verdade, seu estudo pode tanto no levar para bem longe como, principalmente, para bem distante no tempo.

29

O autor resume de forma breve as diversas teorias antigas sobre os cometas. Ele cita de passagem algumas ideias sobre a natureza dos cometas, como a de que eles seriam "mundos nascentes", como "mundos em estágio de destruição" ou como mundos "pressagiadores de desgraças", todas já obsoletas na época de "A Gênese".

30

Depois de criticar as concepções que os antigos fizeram dos cometas, o autor declara que eles

...não têm por destinação, como estes, servir de habitação a humanidades. Eles vão sucessivamente de sóis em sóis, enriquecendo-se, às vezes, pelo caminho, de fragmentos planetários reduzidos ao estado de vapor, buscar, nos seus centros, os princípios vivificantes e renovadores que derramam sobre os mundos terrestres.

Em suma, para o autor, os cometas podem ir de estrela em estrela, de forma a trasportar "princípios vivificantes e renovadores" que são "derramados" sobre os mundos. Essa ideia está ligada à ainda misteriosa origem dos cometas. 

Concebida em 1950 [22] por J. Oort, a hipótese moderna é que os cometas têm sua origem principal em uma gigantesca nuvem que envolve o sistema solar, a chamada "nuvem de Oort". Por causa de perturbações de diversos tipos - principalmente encontros com outras estrelas - essa nuvem pode se agitar, o que causa a precipitação dos cometas em direção ao sol. Assim, eles se tornam conhecidos, visto que na imensidão da distância dessa nuvem, eles não podem ser vistos. Note que isso faz da própria ideia da nuvem de Oort uma hipótese, já que ela não pode ser observada diretamente desde a Terra. 

A ideia de que cometas poderiam estar ligados a "princípios vivificantes e renovadores que derramam sobre os mundos" está ligado ao conceito de panspermia [23]. Segundo essa hipótese, a vida na Terra não teve origem nela, mas foi "semeada" por cometas que trouxeram os princípios da vida de fora. 

Fig. 1 Concepção artística do objeto Oumuamua cuja origem foi determinada como externa ao sistema solar.  Embora, a princípio, não seja um cometa (pois nenhuma cauda foi observada), cometas também podem se originar fora do sistema solar. 

Que cometas possam passar de uma estrela a outra é muito difícil de ser demonstrado, embora isso  seja possível para alguns cometas - conforme previsto pela teoria da nuvem de Oort. Recentemente, um corpo estranho, descoberto e batizado Oumuamua [24] (Fig. 1), se aproximou do sol com velocidade muito grande e teve sua origem confirmada como sendo externa ao sistema solar.

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Partindo dessa ideia, de que cometas podem vagar entre as estrelas, o autor descreve o que veríamos se pudéssemos acompanhar em pensamento a marcha dos cometas. Descreve corretamente que observações incompletas não seriam capazes de prever seu retorno, se um cometa fosse capturado por alguma outra estrela a exercer uma força em seu ponto mais afastado - o afélio (a tradução usa as palavras "perigeu" e "apogeu", entretanto, periélio e afélio são os termos mais precisos que descrevem sua posição mais próxima e distante do sol, respectivamente, e não da Terra). 

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É uma introdução onde o autor descreve a aparência leitosa da Via-Láctea à vista desarmada como uma ilusão, enquanto que o telescópio decompôs esse rastro em milhares de estrelas. Tal fato somente pode ser compreendido depois da invenção do telescópio (por volta de 1609).

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O autor define a Via-Láctea como uma coleção de estrelas e planetas em que o sol e seu cortejo de planetas é apenas um dos integrantes. Estima em 30 milhões o número de estrelas constituintes da Via-Láctea. Estima também a distância entre as estrelas em mais de 100.000 vezes o raio da órbita terrestre (que forma a "unidade astronômica" ou U. A., da ordem de 150 milhões de quilômetros). A estrela mais próxima do sol está localizada a 4,4 anos-luz de distância ou aproximadamente 280.000 U. A. Os valores dados pelo autor são estimativas: as distâncias corretas entre as estrelas mais próximas já era conhecida na época de "A Gênese". 

Hoje essa noção foi substituída pela da "galáxia". O que vemos como sendo a Via-Láctea é a projeção do disco galático na esfera celeste, sendo que a maior parte da galáxia está oculta da nossa visão na Terra. O número exato de estrelas que compõem a galáxia Via-Láctea não é conhecido, mas estimativas vão desde 100 a 400 bilhões de estrelas. As distâncias médias entre as estrelas na Via-Láctea é da ordem de várias centenas de anos-luz.

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Mesmo aproximados, os valores permitem saber como o sistema solar - e, portanto, a Terra - é pequeno:

...pode-se igualmente julgar da exiguidade do domínio solar e, a fortiori, do nada que é a nossa pequenina terra. Que seria, então, se se considerassem os seres que a povoam!

O cálculo das distâncias e dos números "astronômicos" têm como objetivo mostrar o quão pequeno é o nosso mundo, em vários sentidos, inclusive em seu aspecto moral. Por outro lado, lá na imensidão de incontáveis mundos povoados de inteligência prodigiosa, temos as provas da criação "em toda a sua majestade".

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Concordando com o que havia de ser ainda demonstrado (a saber, que muitas nebulosas eram, de fato, outras vias-lácteas), para o autor nossa Via-Láctea:

não representa mais do que um ponto insensível e inapreciável, vista de longe, porquanto ela não é mais do que uma nebulosa estelar, entre os milhões das que existem no espaço.

Ele estaria falando das muitas galáxias que existem em nosso universo observável. Modernamente, não se sabe o número exato delas, que é, não obstante, estimado entre 200 bilhões a dois trilhões de galáxias. Portanto, as conclusões do autor de "Uranografia geral" continuam bastante válidas. 

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Como fechamento do tema, o autor relembra a "hierarquia de escalas" que existe entre os diversos sistemas estelares, que demonstra a incrível pequenez da Terra:

...a Terra nada é, ou quase nada, no sistema solar; que este nada é, ou quase nada, na via láctea; esta por sua vez é nada, ou quase nada, na universalidade das nebulosas e essa própria universalidade é bem pouca coisa dentro do imensurável infinito, começa-se a compreender o que é o globo terrestre.

Em suma, apenas quando essas escalas são justapostas é que podemos compreender o real significado de nossa vida no concerto universal, o que nos livra da ilusão de achar que tudo se limita à nossa Terra - em todos os sentidos, inclusive moral...

Referências

[22] Oort, Jan Hendrik. "The structure of the cloud of comets surrounding the Solar System and a hypothesis concerning its origin". Bulletin of the Astronomical Institutes of the Netherlands, v. 11, p. 91-110, 1950.
[23] Hoyle, F., & Wickramasinghe, C. (1981). Comets-a vehicle for panspermia. In Comets and the Origin of Life (pp. 227-239). Springer, Dordrecht.
[24] Bannister, M. T., Bhandare, A., Dybczyński, P. A., Fitzsimmons, A., Guilbert-Lepoutre, A., Jedicke, R., ... & Ye, Q. (2019). The natural history of ‘Oumuamua. Nature Astronomy, 3(7), 594-602.