30 de junho de 2014

Mais sobre super-psi.

Conforme referência que nos foi enviada por Chrystian Lavarini (1), o artigo de M. Sudduth "Super-Psi and the Survivalist Interpretation of Mediumship" (2) merece alguns comentários na esteira do que publicamos aqui recentemente (3) sobre a teoria super-psi. À princípio, esse artigo de Sudduth se apresenta como uma defesa bem elaborada da teoria de super-psi, que se coloca como uma alternativa não materialista à teoria espírita.

Para facilitar a discussão que segue, traduzimos o resumo do artigo de Sudduth:
De acordo com a interpretação da sobrevivência da mediunidade, a existência de individualidades desencarnadas é a melhor explicação para os dados associados a mediunidade física e intelectual. Outros - defensores do que é frequentemente chamado de 'hipótese super-psi' - garantem que os dados da mediunidade podem ser explicados, ao menos igualmente bem, em termos de uma agente vivo (ESP ou psicocinese). Muitos defensores da interpretação da sobrevivência tentam esvaziar as virtudes explicativas da hipótese super-psi argumentando que ela é infalsificável e não tem apoio independente nas evidências. Minha linha argumentativa central neste artigo é que as críticas dos adeptos da sobrevivência à hipótese super-psi são auto-destrutivas à defesa da sobrevivência a partir da mediunidade. Para mostrar isso, primeiro argumento em detalhes que a interpretação da sobrevivência da mediunidade está comprometida de tal forma com psi que ela é indistinguível da hipótese super-psi. A partir dessa perspectiva, pode-se mostrar que qualquer tentativa de se negar virtudes explicativas à hipótese super-psi com base em certo grau de psi que isso exige também acaba por enfraquecer o próprio argumento da sobrevivência.
O conceito de psi

Para compreender a linha argumentativa de Sudduth é importante também conhecer o significado de 'psi' como conceito frequentemente usado  na parapsicologia. 'Psi' seria um tipo de habilidade da mente humana que daria a ela capacidade para produzir diversos fenômenos que, na linguagem típica da parapsicológica, se confundem com os fenômenos mediúnicos - tanto de natura 'física' como 'intelectual' (ou mental). Psi seria, de fato, a fonte desses fenômenos (agentes vivos), enquanto que a informação deles produzida teria como origem a mente de outras pessoas. 

Esvaziada de uma teoria (4), a parapsicologia  tenta construir uma linha de explicação para os fenômenos psíquicos que, em sua maior parte, tem horror à qualquer 'hipótese' externa considerada 'anti-científica' (5). Por causa disso, a parapsicologia se esforçou em construir uma linha meramente empírica de argumentação, onde alguns fenômenos são elevados à categoria de princípios fundamentais. Haveria assim 'fenômenos básicos' (6) como blocos unitários em termos dos quais a explicação de outros fenômenos anômalos seria feita. A consequência disso é que as explicações parapsicológicas soam como tautologias para muitos fenômenos (ver tautologia).  

É preciso compreender que as coisas ficaram assim por causa da própria dificuldade em se justificar psi (7) com base na física conhecida de um lado, o horror a hipóteses adicionais e, de outro, ao ambiente francamente hostil aos fenômenos psíquicos do mainstream acadêmico. 

Diferenças entre a interpretação da sobrevivência e a teoria espírita para a mediunidade.

De fato, a interpretação da sobrevivência a que se refere Sudduth apenas diz que a fonte da informação oriunda dos fenômenos psíquicos está na existência dos Espíritos. Não se detalha o mecanismo através do qual isso seria possível. Por isso, a linha argumentativa do autor de (2) é válida:

1. A hipótese super-psi faz uso de psi em certo grau;
2. A interpretação da sobrevivência usa psi em um grau indistinguível de super-psi;
_____________________________________________
C: Portanto, todas as críticas dirigidas a super-psi também valem para a sobrevivência.

Porém, é importante enfatizar que existem grandes diferenças entre a 'interpretação da sobrevivência' a que se refere Sudduth em seu artigo e a teoria espírita elaborada por A. Kardec (8) para a mediunidade. No caso de Kardec, diversos elementos explicativos (existência de fluidos imponderáveis, perispírito, diferenças de densidade entre corpos etc) existem e interagem para explicar uma variedade de fenômenos psíquicos de uma forma bem mais complexa do que a simples assunção da existência dos Espíritos na interpretação da sobrevivência em questão. Por causa disso, a crítica que Sudduth tece à falta de imunidade da tese da sobrevivência em relação à hipótese de 'super-psi' não se aplica à teoria de Kardec como é fácil perceber. 

Obviamente, o debate entre a  'sobrevivência' e 'super-psi' passa longe de Kardec, já que grande parte dos pesquisadores modernos dos fenômenos psíquicos (e que são favoráveis à sobrevivência) desconhecem a teoria de Kardec em detalhes.

Fenômenos de experiências de quase morte e visão de leito de morte não são fenômenos mediúnicos. Aplicar super-psi em tais casos é claramente problemático. De fato, tais fenômenos indicam, de forma independente da mediunidade, a existência do Espírito e sua sobrevivência.

Um problema ainda maior para super-psi

Os leitores não terão dificuldade em perceber a limitação do argumento de Sudduth a partir do próprio título de seu artigo: 'Super-psi e a interpretação da sobrevivência para a mediunidade' (grifo nosso). Em suma, seu argumento só se aplica à mediunidade. Entretanto, existem inúmeras ocorrências que são fenomenologicamente diferentes da mediunidade:
  • Lembranças e fenômenos associados a vidas anteriores em crianças (9);
  • Lembranças de vidas anteriores em adultos submetidos à regressão de memória;
  • Experiências de quase morte, EQM (10);
  • Visões no leito de morte (11);
Aplicar a ideia de super-psi nesses casos seria proibitivamente desonesto como é fácil perceber. Seria esticar em demasiado uma explicação customizada para um tipo de fenômeno. Inúmeros detalhes concorrem para demonstrar que a ideia da sobrevivência se sustenta de forma independente:
  • Por exemplo, no caso das lembranças de vidas anteriores em crianças, o que 'sobreviveu' de uma existência para outra? Como explicar marcas de nascença associada a vidas anteriores usando super-psi?
  • No caso de experiências de quase morte, o que continua a existir enquanto o cérebro está sem oxigênio? 
  • Porque a imensa maioria das lembranças em EQM diz respeito ao encontro com pessoas já falecidas? Nas visões de leito de morte, porque são reportadas imagens de pessoas falecidas?
O leitor interessado identificará facilmente outros detalhes na fenomenologia psíquica 'não mediúnica', que permite facilmente perceber a simplicidade e amplitude explicativa da tese da sobrevivência. Dessa forma, invocando-se a 'Navalha de Occam' (simplicidade), a tese da sobrevivência apresenta-se como a teoria que deve ser escolhida.

Esse é um assunto interessante que merece ser melhor explorado futuramente, principalmente no que diz respeito às consequências da tese da sobrevivência com base em evidências não mediúnicas.

Notas e Referências

(1) Ver post "Geografia(s) do mundo espiritual" de Chrystian Lavarini.

(2) M. Sudduth (2009) "Super-Psi and the Survivalist Interpretation of Mediumship", Journal of Scientifi c Exploration, Vol. 23, No. 2, pp. 167–193.

(3) Ver tradução comentada do texto de M. Prescott "As duas opções".

(4) Sobre isso ver a tradução do artigo de P. Churchland, "Como a Parapsicologia poderia se tornar uma ciência" que foi publicada em uma série de quatro posts.

(5) A existência dos Espíritos é uma dessas hipóteses. 

(6) ESP ou a chamada 'percepção extra sensorial' e psicocinese são esses blocos constituintes.


(7) Ou seja, como seria possível explicar 'psi'? A interação entre mentes (no caso, por exemplo, da telepatia) não pode ser explicada com base em nenhum elemento mais fundamental. Tentativas foram feitas, porém, o fenômeno não se deixa controlar a ponto de se poder testar facilmente.

(8) Uma boa parte dessa teoria, no que diz respeito à mediunidade, pode ser encontrada em "O Livro dos Médiuns".

(9) J. B. Tucker. (2008). Life Before Life: Children's Memories of Previous Lives.  St. Martin's Griffin, primeira edição.

(10) Ver post: Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte. Artigo de Michael Nahm (2011).

23 de junho de 2014

O cérebro como a última fronteira da ciência: perspectivas recentes e a visão espírita (2)

Continuação do post contendo o artigo "Le cerveau comme ultime frontière de la science: perspectives récentes et vision spirite" que foi publicado na revista Revue Spirite, número 93 (Revue trimestrelle: 157 année - Revue Spirite - Journal d'Études Psychologique.). Agradeço ao Leandro Pimenta e ao Jérémie Philippe pela oportunidade dessa publicação. Para ver a primeira parte, clique aqui.

A fenomenologia psíquica que expande a variedade de experiências conscientes
Muito antes que as primeiras teorias modernas sobre a consciência fossem desenvolvidas, o espiritualismo no século XIX já considerava a existência de uma rica variedade de experiências de consciência que se manifestam como uma forma expandida das experiências ordinárias descritas anteriormente. Consideremos, por exemplo, a diferença entre a perspectiva de primeira e terceira pessoa na descrição dos estados mentais. É amplamente aceito que apenas eu tenho lucidez plena de minhas sensações, memórias e percepções (que é a própria definição de translucidez). Entretanto, médiuns de efeitos inteligentes descrevem sensações e cognições experimentadas por indivíduos já falecidos que puderam ser verificadas por seus parentes mais íntimos. Em um nível mais elementar, as experiências de ‘transmissão de pensamento’ (ou telepatia) permanecem como instâncias de acesso privilegiado ao campo mental, mesmo entre os vivos, desafiando o conceito de translucidez. Consideremos os casos de fobias em crianças como descritos por I. Stevenson (1990), que se manifestam como origem em memórias de vidas passadas. É bem aceito que muitas emoções (como o medo) têm como base determinadas crenças (memórias), mas o que dizer de fobias a partir de memórias inexplicáveis como a de vidas passadas? Nesse sentido, a variedade dos fenômenos psíquicos aumenta o conjunto das experiências ordinárias de duas formas: como uma expansão dos sentidos ordinários (novas sensações, percepções e emoções) e como uma não conservação da informação mental (se a consciência tem origem no cérebro, por conservação de informação, ela não pode manifestar conhecimentos localizados fora dela tanto no espaço como no tempo). Infelizmente, ainda não existe uma medida generalizada da informação que seja suficientemente aplicável a todas as experiências da consciência. Esse problema contribui, por exemplo, para o desprezo acadêmico dos relatos de sensações e percepções mediúnicas ou de memórias de vidas anteriores. Não se trata de um problema simples, porque o reconhecimento da não conservação da informação pressupõe o próprio reconhecimento da informação que, por sua vez, exige um paradigma completamente novo para a consciência.

Kardec, de forma pioneira, considerou muitos dos fenômenos de consciência expandida, conforme podemos ler no Cap. VIII de ‘O Livro dos Espíritos’ (Kardec, 1949). É possível, por exemplo, fazer um paralelo entre os fenômenos de visitas espíritas entre pessoas vivas, transmissão oculta de pensamento, letargia, catalepsia, sonambulismo com o artigo recente de M. Nahm (2011) “Reflections on the Context of Near-Death Experiences”, que trata do ambiente ou contexto de muitas experiências de quase-morte (NDE). Esses relatos envolvem experiências fora do corpo que foram reciprocamente confirmadas, sonhos e NDE compartilhados, relações entre lembranças de vidas passadas, NDE e mediunidade, lucidez terminal e visões de leito de morte. Toda essa rica fenomenologia atesta para a existência de um segundo corpo que sobrevive à morte do corpo material e que manifesta a independência de estados mentais da fisiologia do cérebro. Conforme comenta Nahm:
A hipótese de que uma NDE não depende do estado da organização orgânica no cérebro constitui um modelo explicativo capaz de lidar com o enigma sobre porque as experiências NDE podem ser tão notavelmente similares sob condições tão variadas da fisiologia do cérebro.
Surge a física quântica

A existência de estados mentais que parecem não depender do estado fisiológico do cérebro, bem como a possível extensão das propriedades desses estados através do aparecimento de novas percepções forma uma rica fenomenologia que contrasta fortemente com os modelos reducionistas da mente. Em pelo menos um fenômeno, o da transmissão de pensamento, estados mentais são vistos como transcendendo ao aparelho físico de onde, ordinariamente, parecem surgir. Mesmo fora das considerações espiritualistas, não parece ser possível associar a dinâmica determinista dos neurônios com as experiências de cognição, sensações e percepções que são vividas em primeira pessoa pelo ser pensante. Tudo isso fez com que se procurassem um novo arcabouço físico capaz de acomodar algumas das propriedades mais estranhas dos estados mentais. A física quântica, com suas bizarras manifestações no reino microscópio, é vista como um desses arcabouços potencialmente férteis em torno do qual uma nova ciência da mente poderia ser construída.

Fundamentalmente, a física quântica tem como objetivo explicar o comportamento da matéria, principalmente em seu nível microscópio. Não há nada nela que preveja a existência de um elemento mental independente (Chalmers, 1995). Os estados quânticos são estados da matéria e são descritos por um formalismo especial muito diferente do formalismo da física clássica que a antecede. Portanto, as interpretações não ortodoxas da física quântica, que são vistas como promissoras para o desenvolvimento de uma nova teoria da consciência, não abandonam o monismo necessariamente, embora o papel do observador – como responsável pelo ‘colapso da função de onda’ – seja privilegiado (Wigner, 1961). O mainstream acadêmico dentro das neurociências não aceita o papel da física quântica como fundamental na explicação da dinâmica do cérebro porque não se encontrou um mecanismo para sua atuação, embora algumas propostas já tenham sido feitas (Hameroff e Penrose, 1996). Isso não impede, porém, que sejam feitos paralelos entre interpretações da física quântica e sua aplicação a estados mentais. Esse paralelo se estabelece de duas formas: através de um possível papel privilegiado do observador no fenômeno do colapso da função de onda – que faria com que indivíduos conscientes determinassem a realidade até certo ponto (e, principalmente, os estados microscópicas das células nervosas, encontrando-se lugar para o livre-arbítrio intrínseco no cérebro) e no fenômeno da não localidade, que fornece subsídios para se entender o acesso privilegiado a estados mentais de terceiros como uma manifestação de emaranhamento quântico. É preciso que o leitor compreenda, porém, que essas propostas se dão em um nível heurístico – elas são propostas de interpretação – não se constituindo teoria geral para os estados de consciência em termos do formalismo da física quântica. Essas são propostas que permitem que se discuta academicamente a ‘fenomenologia das anomalias mentais’ ou outros fenômenos pouco aceitos, diante de uma teoria dominante para a qual nada disso existe. Desprovido de exageros, esse talvez, seja a principal vantagem do uso heurístico da física quântica na abordagem dos problemas da consciência.

Discussão final

Não obstante toda a sofisticação dos métodos modernos de exame neurológico e teorias matemáticas em inteligência artificial, o problema da consciência permanece não resolvido. Esse problema se agiganta quando consideramos as múltiplas variedades de experiências mentais anômalas que são conhecidas desde os primeiros dias do Espiritismo. Heurísticas de interpretação de fenômenos mentais que se baseiam nos fundamentos da física quântica abrem perspectivas acadêmicas – embora com pouco apoio formal – na consideração justa de fenômenos mentais anômalos. A existência da fenomenologia psíquica coloca severos limites às teorias reducionistas da mente que têm na complexidade, não linearidade e realimentação das células neurais os principais fundamentos dessa abordagem reducionista. O reducionismo fisicalista, da forma como é concebido hoje, não é completo o suficiente para abarcar todos os fenômenos mentais existentes. No nosso ponto de vista, o maior problema para o desenvolvimento de uma correta ciência da mente a partir de tais modelos reducionistas está na inexistência de uma definição suficientemente abrangente para a informação, de como ela pode ser gerada e armazenada. De um ponto de vista puramente acadêmico, temos certeza de que, entendido o cérebro como um sistema fechado, será possível demonstrar a não conservação de informação em muitos fenômenos mentais relevantes, indicando que a consciência não se encontra limitada ao cérebro, que funciona como órgão transmissivo da informação mental e das diversas manifestações conscientes.

Referencias

Chalmers, D. J. (1995). The conscious mind, in search of a theory of conscious experience. Dep. of Philosophy, Univ. of California.

Haykin, S. (1994), Neural Networks, a comprehensive foundation. Prentice-Hall, Inc.

Hopfield, J. J. (1982). Neural networks and physical systems with emergent collective computational abilities. Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA. 79, p. 2554.

Hameroff, S. e Penrose, R. (1996).  Conscious Events as Orchestrated Space-Time Selections. Journal of Consciousness Studies 3(1) , p.36.

Hopfield, J. J. e Tank, T. W. (1986). Computing with neural circuits: a model. Science, 233, p. 625.
James, W. (n.d.), Human Immortality. Texto digital disponível em: http://godconsciousness.com/humanimmortality.php (acesso em 2013).

Kardec, A. (1949), O Livro dos Espíritos, Ed. Federação Espírita Brasileira.

Kardec, A. (1986). A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Gênese orgânica, o homem corporal, Parágrafo 30. Trad. Victor Tollendal Pacheco. São Paulo: Ed. NG Promoções editoriais, 

Maslin, K. T. (2001), An introduction to the philosophy of mind, Blackwell publishers Inc.  

McCulloch, W. S. e Pitts, W. (1943). A logical calculus of the ideas immanent in nervous activity. Bulletin of Mathematical Biophysics. 5, p. 115.

Nahm, M. (2011), Reflections on the Context of Near-Death Experiences, Journal of Scientific Exploration, 25(3), pp. 453.

Rosenblatt, F. (1958). The perceptron: a probabilistic model for information storage and organization in the brain. Psychological review, 65, p. 386.

Searle, J. (1989), Mind, Brains and Science: Reith Lectures, Harmondsworth: Penguin.

Stevenson, I (1990), Phobias in Children who claim to remember previous lives, Journal of Scientific Exploration, 4(2), p. 243.

Wigner, E.P. 1961. Remarks on the mind–body question. In (I.J. Good, ed.) The Scientist Speculates. New York: Basic Books.

10 de junho de 2014

As duas opções (por Michael Prescott)


Apresentamos uma tradução para o português do texto de Michael Prescott "The two options" (1) que discorre de uma forma lógica sobre teorias que competem com as explicações espíritas para os fenômenos mediúnicos. Em particular, o que me chamou a atenção neste texto foi a brilhante classificação das 'teorias de super-psi' como uma variedade de "teoria da conspiração" e, portanto, sua impossibilidade de refutação. Pedimos autorização ao autor para a tradução apresentada em azul. Adicionamos alguns comentários na parte final. 

Como os leitores assíduos desse blog sabem, existe uma variedade sugestiva de evidências da sobrevivência da consciência depois da morte. Algumas delas, naturalmente, são mais persuasivas do que outras, mas, quando se olha para a totalidade da pesquisa, é fascinante ver como várias investigações convergem para a mesma conclusão.

Entre tais evidências estão as experiências de quase morte, experiências fora do corpo induzidas, aparições e assombrações, comunicações espontâneas e induzidas após a morte, mediunidade, memórias espontâneas de vidas anteriores reportadas por crianças, alegadas memórias de vidas passadas e de existência entre vidas descritas por adultos hipnotizados e fenômenos de vozes eletrônicas. Isso não é uma lista que pretenda ser completa. Tenho certeza que deixei de lado poucas coisas.  

De novo, não digo que todas essas linhas de investigação são igualmente convincentes: por exemplo, a regressão hipnótica pode ser problemática porque sujeitos hipnotizados tem a tendência de confabular. E muito dos fenômenos de vozes eletrônicas se parecem mais com ruído do que com vozes de fato, pelo menos para mim. Mesmo assim, quando olhamos tudo de uma perspectiva maior, acho que apenas duas alternativas podem explicar a totalidade dessas evidências. 

A primeira e mais óbvia explicação é que a consciência realmente sobrevive à morte, ao menos por certo tempo e, em alguns casos, reencarna (2).

A segunda explicação possível é que existe um tipo de conspiração cósmica em operação - um esforço orquestrado pelo subconsciente coletivo da humanidade, ou por demônios enganadores, ou por qualquer outra força preternatural - uma conspiração para nos convencer de que sobreviveremos à morte quando, de fato, isso não irá acontecer. 

As alternativas não materialistas à sobrevivência se classificam todas de certa forma nessa segunda categoria. Defensores de superpsi (ou super ESP, 3) essencialmente dizem que poderes desconhecidos da mente (4) estão nos enganando (Fig. 1) para diminuir nosso medo de morrer. Alguns fundamentalistas religiosos dizem que a mediunidade e experiências de quase morte são obra do demônio para nos afastar da ortodoxia. 

Agora, o ponto sobre teorias de conspiração é que elas são impossíveis de se refutar. Não importa quanta evidência for reunida, elas sempre irão reforçar a ideia; o devotado teórico conspiracionista simplesmente dirá que a evidência é parte da conspiração. Por exemplo, algumas pessoas acreditam que a aterrissagem na lua foi uma fraude feita em estúdio (5). Se se afirmar que astrônomos no mundo inteiro rastrearam a trajetória da espaçonave Apolo, eles irão afirmar que tais astrônomos fazem parte do jogo conspiratório. Se for mostrado que rochas foram trazidas da Lua e analisadas por especialistas, será dito que tais especialistas, por sua vez, também fazem parte da conspiração. Quanto mais evidência for apresentada, tanto maior terá que ser a conspiração, o que não é um problema para o teórico da conspiração, que se encanta com a ideia de que ele é a voz solitária da verdade e lucidez a lutar contra chances improváveis. 

Não estou a dizer que conspirações nunca ocorrem. Obviamente, houve conspirações ao longo da história. Por exemplo, uma conspiração foi feita para assassinar o imperador Júlio César. Mas, ela não permaneceu oculta por muito tempo e não envolveu um número grande de pessoas. Houve um tipo de conspiração para evitar que o público soubesse de benefícios recebidos por Franklin Roosevelt durante o seu mandato e que o casamento de John Kennedy era basicamente uma farsa. De novo, tais montagens envolveram um número limitado de pessoas e foram eventualmente descobertas depois.  

O problema das teorias de conspiração com explicações de tudo é que, não somente elas nunca podem ser refutadas, mas também elas invocam um sentido de incapacidade, passividade ou cinismo. Se o mundo todo existe para nos consumir, então, nada podemos fazer para escapar, a não ser alimentar o desespero.  

Quando nos voltamos para uma ideia como super-psi, encontramos uma teoria de conspiração que é ainda mais difícil de refutar do que qualquer outra. Por definição, super-psi envolve potencialmente o subconsciente de todo mundo - qualquer pensamento ou sentimento que quem quer que seja tenha tido ou irá ter um dia. 

Mas, é possível ter muito mais que isso! Se recursos combinados de mentes subconscientes de todos os seres humanos estão envolvidos em perpetrar uma charada, e se tais recursos não reconhecidos são imensamente maiores do que se pode imaginar, então, tal conspiração será capaz de produzir literalmente qualquer evidência necessária, ao mesmo tempo que suprimirá qualquer outra que lhe seja contrária. 
Fig. 1  Pe O. G. Quevedo que se especializou em usar hipóteses da superpsi e fraudes em seu combate ao Espiritismo. O grosso de sua argumentação sustentava-se na ideia de que a mente tem recursos desconhecidos ou que não é confiável. Como M. Prescott pondera, tais explicações não têm caráter científico porque são irrefutáveis, sendo melhor classificadas como variedades de teorias de conspiração.
Isso não apenas significa que nunca poderemos saber a verdade sobre a vida após a morte. Significa que jamais saberemos a verdade a respeito de qualquer coisa. Não podemos confiar em nossas mentes, já que, no nível mais profundo, ela foi criada para nos enganar. Não podemos confiar na percepção de ninguém, incluindo na nossa própria. Se levarmos super-psi a sério ou, de outra forma, se acreditarmos que qualquer evidência que contradiga nosso sistema de crenças foi fabricado por demônios para testar nossa fé, ou criado por 'fantasmas devoradores de almas' para nos entorpecer antes do abate final, ou por alienígenas desejosos de nos observar em tubos de ensaio, então, nunca haverá chance alguma de usar tanto nossa faculdade de raciocínio como recorrer às evidências para saber a verdade. 

Então, ficamos assim. Assumindo que encontramos evidências da sobrevivência que são razoavelmente convincentes e que não podem ser explicadas de outra forma como observações incorretas, fraudes, lendas urbanas ou 'wishful thinking' etc, estamos diante de uma escolha básica. Podemos aceitar a evidência pelo seu valor de face, na hipótese de que o Universo é essencialmente benigno (6)  e que nossas mentes são, em princípio, capazes de discernir a verdade a respeito das coisas (7). Ou, podemos assumir que a evidência é o resultado de gigantesco trabalho conspiratório, sendo que o Universo é essencialmente maligno e nossa consciência e mente racional são, em princípio, incapazes de saber a verdade de qualquer coisa.

Concordo que não há jeito de se, definitivamente, decidir entre as duas alternativas (8). De alguma forma, ela depende de nossa visão sobre a existência ser basicamente otimista ou pessimista. Seria o Universo amigável ou será que ele existe para nos consumir? Seria a vida uma aventura ou um pesadelo? Haveria espaço para esperança ou somente o medo?

Isso está de certa forma relacionado ao que William James chamou de 'desejo de acreditar', o seja, a necessidade de se tomar um ato de fé no ponto onde o raciocínio não consegue mais ir além. Cada um de nós deve tomar esse passo a mais em uma ou outra direção, por nós mesmos.

Referências e comentários

(1) Michael Prescott's blog: http://michaelprescott.typepad.com/michael_prescotts_blog/

(2) Numa visão puramente empírica, isto é, ditada pelas 'evidências', não há bases para se afirmar que todos reencarnam e nem que todos reencarnam.

(3) Com explicado por Prescott em seu texto, a teoria de 'super-psi' é uma das alternativas 'não espíritas' e 'não materialistas' aos fenômenos psíquicos. Resulta de um desenvolvimento de teorias do subconsciente que chegam ao extremo de refutar a sobrevivência usando da ideia de 'orquestração inconsciente' e 'super-mente'. Como também explicado por Prescott, essas teorias caem na categoria de 'teorias de conspiração' e são incapazes de produzir qualquer previsão de fenômeno. 

(4) No Brasil, nos anos 80-90 foi bastante conhecida a campanha do clérigo jesuíta Oscar G. Quevedo contra o Espiritismo usando essencialmente conspiração de super-psi nos casos mais difíceis de se refutar e uma variedade de explicações do tipo 'fraude' nos considerados 'mais fáceis'. Por isso, a importância do texto de Prescott. A 'teoria do demônio' é tratada com brilhantismo por Allan Kardec em "O Livro dos Médiuns", Primeira Parte - Noções preliminares, Capítulo IV - Dos sistemas.

(5) Sobre isso, ver também nosso texto: "Crenças Céticas XXI: Será que o homem pousou na Lua?".

(6) O texto de Prescott torna possível perceber a visão puramente empírica que alguns espiritualistas considerados 'científicos' sustentam. Para eles, a verdade deve vir, por indução, a partir da mera observação dos fenômenos. Porém, a fenomenologia psíquica representa uma espécie de 'esquina' para o pensamento, uma vez que, para sua correta explicação, exige a adoção de uma postura filosófica sobre o Universo que é dispensável nas explicações dos fenômenos materiais. Para a física, química etc, não é necessário que o Universo seja 'benigno', mas apenas que ele seja 'racional'.  Prescott torna evidente porque Kardec iniciou a apresentação das questões aos Espíritos em 'O Livro dos Espíritos' - que é a obra fundamental do Espiritismo - pela questão 'O que é Deus?' 

(7) Esse é o ponto de vista da ciência. O Universo pode ser explicado racionalmente, isto é, conhecendo-se as causas, é possível explicar os efeitos e nossas mentes não estão sendo enganadas.

(8) Na visão empírica do autor, deveria ser possível colher evidências adicionais sobre esse caráter, que torne discernível qual é a opção correta. Obviamente, a discussão aqui toca questões metafísicas que estão além da busca meramente empírica e que são, na Doutrina Espírita, tratadas de forma conveniente pela contraparte filosófica. O Universo é benigno porque Deus - como causa primária de todas as coisas - é bom.

26 de maio de 2014

Geografia(s) do Mundo Espiritual (por Chrystiann Lavarini)


Apresentamos aqui um resumo do trabalho publicado 9o Enlihpe (2013) de autoria de Chrystiann Lavarini (*), que consideramos relevante na refutação de críticos da existência de estruturas no Mundo Espiritual. O trabalho do Chrystiann é pioneiro porque chama atenção para detalhes de geografia a escapar desses críticos, ignorantes dessa disciplina que, na sua versão física, é uma ciência natural. Para evitar perda de continuidade na apreciação deste trabalho, ele é apresentado de uma só vez. 

Considerações Introdutórias
No primeiro quartel do século 20, o filósofo alemão Ernst Cassirer afirmava que todas as criações do espírito humano estão, de alguma forma, relacionadas ao mundo do espaço, onde o espírito busca sentir-se a vontade, conhecer o mundo e dar o primeiro passo no sentido da objetivação, através da apreensão e da determinação do ser (CASSIRER, 1957). De forma semelhante, Milton Santos, eminente geógrafo brasileiro, iniciava um de seus ensaios considerando uma pergunta do pensamento aristotélico, instigando os leitores se: aquilo que não está em nenhuma parte não existe? (SANTOS, 1988).

Na literatura espírita, as obras “O Céu e o Inferno”, “A Crise da Morte” e “Nosso Lar” podem ser entendidas como verdadeiros marcos de informações oriundas do Além. As duas primeiras – coordenadas, respectivamente, por Allan Kardec e Ernesto Bozzano – mesmo apresentando critérios metodológicos semelhantes (1) exibem, como resultado, um panorama espiritual bastante diverso. Por sua vez, a obra “Nosso Lar”, ao contrário das demais, não é um resultado de catalogação de diversas psicografias e, portanto, não é o resultado de investigação metodológica intersubjetiva, como é próprio da Ciência (POPPER, 1974).

Distante do desejo de validar ou invalidar as obras supracitadas, este trabalho busca tão somente, em suas linhas gerais, entender, com base em categorias de análise da Geografia, as descrições relativas ao Mundo Espiritual tais quais estas se encontram discutidas nas obras de Allan Kardec e Ernesto Bozzano. 

Mais especificamente, almeja-se comparar as descrições mais relevantes entre si, e como estas se assemelham e diferenciam em termos de uma(s) Geografia(s) do Mundo Espiritual.

Definindo as Categorias de Análise da Geografia


Em Geografia, as categorias de análise, juntamente com seus métodos e objetivos, foram sempre mutáveis ao longo do tempo, diferindo em função do local, do gênero de estudos e dos geógrafos que empreendiam tais pesquisas. Este fato faz com que não haja, sobretudo hoje, um consenso sobre as definições destas categorias de análise (ROCHA, 2008). 

Apesar de toda esta diversidade, alguns conceitos permanecem como categorias-chave na abordagem geográfica, primordialmente as concepções do território, região, lugar e paisagem, todos essencialmente ligados ao espaço geográfico (2).

Através destas categorias de análise da Geografia, far-se-á a investigação das descrições relativas ao Mundo Espiritual presente nas obras mencionadas.

O Mundo Espiritual Segundo Allan Kardec
Kardec, no capítulo intitulado “Céu”, ao analisar as diversas comunicações espíritas recebidas por diferentes médiuns (3), demonstra a existência de um espaço espiritual com características geográficas, embora não esteja circunscrito à Terra, nem a este sistema solar. Esta expressão se relaciona ao espaço geográfico, pois, como acentua Allan Kardec, há uma intrínseca coexistência entre as formas que caracterizam o espaço do Mundo Espiritual, a vida e o movimento. Isto indica que ao existir este espaço de relações entre um mundo de formas quintessenciadas e materiais, juntamente com o movimento dos Espíritos que nele vivem, há uma contínua modificação, ou se preferirem, uma continuada ação de produção e reprodução deste espaço pela sociedade espiritual que o coloca e o percebe em movimento, de maneira semelhante ao que ocorre no espaço terrestre (SANTOS, 1988).
Outras duas categorias de análise da Geografia plenamente perceptíveis neste fragmento são as regiões e os lugares.
Embora infinito e amplamente povoado, o espaço espiritual, denominado por Kardec como Mundo Espiritual, não possui uma região nem um lugar circunscrito destinado àqueles mais desmaterializados, capazes de viver em um ambiente equivalente ao Céu dos cristãos (KARDEC, 2008). Em outras palavras, seu lugar [ou lugares] não se encontra necessariamente vinculado a uma determinada porção do espaço, ou território, mas a qualquer ambiente. Convém notar, entretanto, que embora não haja um lugar específico destinado ao gozo dos Espíritos, Kardec assevera a existência de regiões do Espaço (4), como os mundos evoluídos e atrasados, onde grupos de Espíritos a eles vinculados estabeleceram características bastante próprias de organização social e cultural, resultantes das experiências vividas pelos seus membros, o que permite individualizar estes espaços em regiões ou centros de atração. Com efeito, tais centros podem funcionar, muitas vezes, como lugares de convivência, onde os Espíritos afeitos pelas suas simpatias possuem um sentimento de pertencimento àquela região, embora cada indivíduo possa ter ainda outros lugares em outras escalas de preferência.
A partir da análise dos casos (5), verifica-se, de um modo geral, que a dimensão da paisagem espiritual continuaria, à semelhança da vida terrena, sendo percebida pelos sentidos, e sempre em um processo seletivo da realidade, na qual o Espírito, em face de suas concepções prévias e de seu grau evolutivo, estabelece sua forma de conceber o Mundo, “pintando com diferentes cores” sua própria paisagem espiritual. Não se pode, contudo, supor que as diferentes percepções do Mundo Espiritual sejam específicas, não-objetivas, mentais e, portanto, unicamente subjetivas aos Espíritos desencarnados. Como é possível compreender pela análise dos casos, mesmo nos ambientes mais desmaterializados, como os habitados por Espíritos Felizes, há semelhanças nas descrições de todos os relatos, o que permite inferir a existência de um mundo objetivo, real, com espaço, paisagens, regiões, territórios, e, consequentemente, uma Geografia do Mundo Espiritual.
Os territórios ocupados pelos Espíritos Sofredores diferem, e muito, do quadro apresentado pelos Espíritos Felizes, sobretudo, pela sua incapacidade de viver e perceber as regiões distintas do grau evolutivo a que pertencem, associado à impossibilidade de se locomoverem livremente no espaço (6). Consequentemente, grupos de Espíritos nesta categoria tenderiam a formar um verdadeiro território espiritual. Este território espiritual representaria, assim como os territórios terrenos, uma determinada porção do espaço apropriada por um grupo, estabelecendo uma identidade de pertencimento e posse. 

O Mundo Espiritual Segundo Ernesto Bozzano
A partir dos relatos recolhidos por Ernesto Bozzano pode-se depreender, em seu conjunto, que os Espíritos vivendo no espaço espiritual que lhes é próprio transformam-no a partir do pensamento, seja de maneira voluntária, consciente e dirigida pela vontade, ou involuntária, quando o fenômeno se dá por criação inconsciente, não planejada. A existência de um conjunto destas criações gera, em cada região do Mundo Espiritual, o estabelecimento de paisagens espirituais e permite que os indivíduos criem os seus próprios lugares dentro destes territórios (7). Bozzano (2006) considera também que os Espíritos em condições medianas procuram criar pela vontade ou mesmo inconscientemente um Mundo Espiritual análogo ao espaço terrestre, o que lhes dá a percepção de um mundo terrestre espiritualizado, onde seja possível, de certa forma, se adaptar à nova realidade espiritual.  
Dentre as psicografias mencionadas por Bozzano (2006), há concordância sobre a existência de uma paisagem espiritual objetiva, que nem sempre é passível de ser produzida ou reproduzida somente pela vontade individual, mas que se enquadra dentro das manifestações psíquicas coletivas do Mundo Espiritual (8).
Neste sentido, surgem novos elementos a uma possível Geografia do Mundo Espiritual: a existência de uma morfologia da paisagem. Como é possível deduzir – a partir da utilização de expressões como plana, ondulada, e a existência de um céu para descreverem a paisagem espiritual – remete-se, intuitivamente, a uma Geomorfologia do Mundo Espiritual (9).
Desta forma, há um espaço e uma paisagem inserida neste espaço que resulta de uma construção coletiva, onde são modelados os lugares de convívio destes Espíritos. Sobre este aspecto pode-se, inclusive, extrapolar as análises para além das categorias de análise da Geografia. Os detalhes contidos neste caso demonstram, em concordância com diversos outros Espíritos, a existência de qualidades da matéria quintessenciada que compõe o Mundo Espiritual, semelhante às rochas e metais existente na Terra, e ainda, de uma divisão social do trabalho, tendo em vista que nem todos os Espíritos são capazes de modelar seu próprio lugar de convivência (10). Isto implica que muitos Espíritos dependem, em maior ou menor escala, não somente do concurso de outros que convivem nas regiões que lhes são afins, mas igualmente daqueles mais evoluídos e capazes de modelar a paisagem conforme as suas necessidades.

Considerações Finais
Estas comunicações, assim como diversas outras que integram os trabalhos de Allan Kardec e Ernesto Bozzano, demonstram a existência de diversas percepções, regiões e categorias de Espíritos no Mundo Espiritual.
A hipótese de um espaço espiritual, conforme foi possível constatar, apresenta um caráter fortemente geográfico, que indicaria a existência física, objetiva e quintessenciada de diversos territórios, territorialidades, regiões e paisagens, desde os trabalhos de Allan Kardec.
Tomadas somente as descrições dos Espíritos compiladas pelo Codificador já seria possível deduzir concordâncias principais e secundárias em quase todas as comunicações por ele obtidas sobre a hipótese de diversos “Mundos Espirituais” e suas consequentes Geografias. A obra de Ernesto Bozzano, por sua vez, assim como a obra kardequiana, confirma, com dados e médiuns em países diferentes da França, a existência e a importância destas categorias de análise geográfica para o entendimento do Mundo Espiritual.
Como desafio a futuras investigações persistem a busca, e sua subsequente análise, de obras que tenham sido validadas metodologicamente e possam contribuir para a aplicação dos conceitos de análise geográfica na sua correspondente Geografia, ou Geografias, do Mundo Espiritual. 
Notas

(1) As obras “O Céu e o Inferno”, de Allan Kardec, e “A Crise da Morte”, de Ernesto Bozzano, foram metodologicamente analisadas através da Universalidade do Ensino dos Espíritos e da Análise Comparada, respectivamente. A Análise Comparada dos relatos de Espíritos em condições medianas, muito deles obtidos no período do surgimento do Espiritismo, assemelha-se, em termos metodológicos, ao modelo de pesquisa utilizado por Allan Kardec na elaboração da Doutrina dos Espíritos.

(2) Por questão de espaço, estas categorias não foram explicitadas neste resumo. Para um entendimento mais detalhado destas categorias de análise ver Moraes (1992); Raffestin (1993); Ribeiro (1993); Lisboa (2007); e Santos (1988).

(3) O trecho ressaltado refere-se ao capítulo intitulado “Céu” (KARDEC, 2008, p. 42).

(4) Adotamos neste texto a expressão Espaço com igual significado utilizado por Allan Kardec, ou seja, para denotar o Mundo Espiritual.

(5) Dentre estes casos destacam-se os Espíritos identificados como “um médico russo”, a “Condessa Paula” e “Jean Reynaud”.

(6) Além destes, existem Espíritos que relatam viver em trevas, onde haveria uma ausência da percepção de espaço-tempo e, consequentemente, de uma Geografia do Mundo Espiritual. São mencionados também na obra kardequiana diversos relatos de Espíritos que se recusam a deixar os ambientes terrenos na tentativa de vivê-los e, portanto, territorializá-los.  

(7) Estas criações involuntárias parecem uma explicação bastante razoável para as descrições feitas por Espíritos Sofredores analisados por Allan Kardec que relatam viver em um ambiente de trevas e insulamento devido ao egoísmo que lhes define o caráter.

(8) Uma dessas psicografias, também em concordância com as demais, é feita por um soldado morto em combate cujo nome não fora revelado, sendo conhecido pelas iniciais K. H. R. D.

(9) A Geomorfologia é uma disciplina acadêmica que estuda o relevo da Terra e de outros planetas. Neste caso, a Geomorfologia do Mundo Espiritual diria respeito às diversas criações morfológicas de origem espirítica que se assemelhariam a um relevo terrestre.

(10) Sobre estas criações ver os relatos dos Espíritos Daddy e Rodolfo Valentino. 

Referências Bibliográficas

BOZZANO, E. A Crise da Morte. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006.
CASSIRER, E. The Phenomenology of Knowledge In: CASSIRER, E. The Philosophy of Symbolic Forms. New Haven: Yale University Press, 1953.
KARDEC, A. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 60a Ed, 2008.
LISBOA, S. S. A Importância dos Conceitos da Geografia para a Aprendizagem de Conteúdos Geográficos Escolares. Revista Ponto de Vista, v.4, 2007.
MORAES, A. C. R. Ratzel: Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1992.
POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 1974.
RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.
RIBEIRO, L. A. M. Questões regionais e do Brasil. In: RUA, J. et al. (Org.). Para ensinar geografia. Rio de Janeiro: ACCESS Editora, 1993.
ROCHA, J. C. Diálogo entre as categorias da Geografia: espaço, território e paisagem. Caminhos de Geografia, 9, 27, 128-142, 2008.
SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

(*) "Geógrafo licenciado pela Universidade Federal de Minas Gerais e, atualmente, mestrando em Geografia e Análise Ambiental (IGC-UFMG). É membro dos grupos de pesquisa em Geomorfologia e Recursos Hídricos (UFMG-CNPq) e Geoquímica Ambiental (UFMG-CNPq). Dentro do movimento espírita, contribui com a Liga de Pesquisadores do Espiritismo (Lihpe)."