14 de julho de 2012

Rosemary Brown e a arte mediúnica (Érico Bomfim) - I/2

Primeira execução por Érico Bomfim de um Estudo em fá sustenido menor, atribuído ao Espírito de F. Chopin pela médium Rosemary Brown. Assistir também E. Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Vá para a parte II deste artigo.

Rosemary Brown foi a maior médium musical que já houve. Sua obra é extremamente vasta e inclui muitos estilos diferentes. Ela explica:
Hoje, Liszt é o organizador e chefe de um grupo de compositores famosos, que me visitam em minha casa e me transmitem suas novas composições. Há atualmente doze, presentes no grupo: Liszt, Chopin, Schubert, Beethoven, Bach, Brahms, Schumann, Debussy, Grieg, Berlioz, Rachmaninoff e Monteverdi. Enumerei-os na ordem em que se comunicaram. Outros, como Albert Schweitzer, surgem rapidamente, transmitem-me um pouco de música e depois parece que não voltarão mais. Mozart, por exemplo, apareceu apenas três vezes. Mas, após seis anos de trabalho, tenho hoje, em gavetas e armários, espalhadas por toda a minha casa, cerca de 400 peças musicais - canções, composições para piano, alguns quartetos incompletos, o princípio de uma ópera, bem como concertos e sinfonias parcialmente completos. (BROWN, 1971, p. 21, tradução minha)
Rosemary Brown (1916-2001)
Como se vê, num período de apenas seis anos, Rosemary Brown produziu mais de 400 peças musicais. E não escreveu apenas peças para piano, mas também canções e trechos de outros quartetos, de concertos e de sinfonias, além do princípio de uma ópera.

O caso de Rosemary Brown chamou tanta atenção, que a BBC fez um documentário sobre ela, na década de 60. Foi um sucesso. Quando lhe perguntaram se ela poderia compor alguma coisa para as câmeras, ela disse que não dependia dela, portanto não poderia garantir nada, mas, por fim, escreveu Grübelei, uma peça bastante complexa, tanto rítmica como harmonicamente, e que requer um profundo conhecimento de Liszt. Não se tratava de uma peça virtuosística, de exibicionismo técnico tipicamente lisztiano __ o que seria mais óbvio e previsível __ mas de algo muito mais sutil. Como explica Ian Parrott:
Sobre a peça de Liszt já houve bem extenso comentário, citado na capa da gravação de 1970, por Humphrey Searle, destacado compositor e autor de um livro importante sobre Liszt - de fato, uma das maiores autoridades em Liszt neste país. Ele diz: 'Essa [Grübelei] é uma peça muito interessante'. Ele aponta que é o tipo de coisa que Liszt poderia ter escrito durante os 15 últimos anos de vida; ele considera que é notável que a maior parte dela seja escrita em compasso 5/4 contra 3/2; a harmonia é muito cromática e típica de Liszt, como também a forma. A maior parte das marcações é em italiano, com uma em francês ('avec tendresse'), novamente característico; e há um compasso que lembra o muito conhecido Liebestraum. A todos esses pontos impressionantes, eu adicionaria mais um: a peça é uma das melhores de Rosemary por direito. É emocionalmente satisfatória e intelectualmente gratificante de tocar e de ouvir - muito melhor, eu diria, do que um grande número de conhecidas composições devidamente autenticadas de muitos compositores reputados que não tiveram que se expressar através de um médium (PARROTT, 1978, p. 38- 39, tradução minha).

E, segundo V. G. W. Harrison, então membro da Liszt Society, “escrever Grübelei implica não somente conhecimento do Liszt tardio, mas também a habilidade de ver a direção em que o estilo de Liszt estava indo no momento da sua morte, em 1886 (PARROTT, 1978, p. 13, tradução minha).

No entanto, a formação musical de Rosemary Brown era extremamente limitada, de acordo não só com ela, mas com aqueles que tiveram a oportunidade de testá-la: 
Como eu descobri, em 1970, porém, quando tentava ajudá-la com leitura de partitura, instrumentação, forma, história, etc., ela não é como uma estudante de música e se mantém tanto quanto possível uma tábula rasa. (...) Eu posso confirmar a impressão de Mary Firth, que, quando fez testes de escuta em Rosemary, encontrou total ausência de aptidão musical básica que ela esperaria em qualquer estudante, e, certamente, num estudante de composição. Sua música, diz Mary Firth (BBC TV, 17 de junho de 1969), não é uma imitação, “Ela é realmente uma absorção de estilo, o que é diferente”, e isso sem nenhum treinamento e com muito pouco conhecimento de qualquer tipo sobre harmonia (PARROTT, 1978, p. 11, tradução minha).  
De fato, Rosemary era muito pobre, não podendo, portanto, frequentar concertos. A pobreza também era causa de muita irregularidade em suas aulas de piano. E não apenas Grübelei é satisfatório enquanto composição:
Rosemary alegou estar em contato com os Espíritos de certos compositores; ela não apenas tocou, mas escreveu um grande número de composições musicais que, segundo ela, foram ditadas por eles; praticamente todas elas mostram características dos compositores até o ponto que os críticos musicais podem julgar; e, talvez o mais importante, algumas dessas composições têm qualidades musicais intrínsecas de um nível superior. Eu acredito que não tenha havido nada como isso em nenhuma área e mais especialmente na música. (PARROTT, 1978, p. 23, tradução minha). Ver nota 1.
Para elaborar o material musical que Rosemary Brown trouxe ao mundo, seria necessário conhecimento profundo de uma quantidade grande de estilos diferentes, em toda sutileza que os distingue. Seria necessário também o domínio das técnicas de composição que permitem a construção de uma obra bem estruturada do ponto de vista formal, o que pode ser igualmente __ ou até mais __ difícil. Em suma, para elaborar toda a obra musical em questão, seriam necessários os conhecimentos de diversos musicólogos e a habilidade de um compositor maduro. E Rosemary não foi nem uma coisa nem outra. Daí a força de seu caso.
             
Sugeriram-se as hipóteses mais diversas para explicar a gênese das peças. Chegou-se a dizer que Rosemary teria tido estudos profundos de música e os teria esquecido numa amnésia. Então, seus conhecimentos se manifestavam nas composições, sem que ela soubesse de onde vinham. No entanto, não há qualquer indício de semelhantes estudos na vida da médium. Na verdade, esse tipo de hipótese demonstra o quão convincentes são as músicas. Afinal, sugerir uma hipótese dessa extravagância só faz sentido se a música não pode, de nenhum modo, ter sido forjada por alguém com conhecimentos de um principiante em música apenas. Em outras palavras, se a música é ruim, banal e pode ser feita por qualquer um, por que sugerir que Rosemary teria tido estudos profundos de música e os perdido num episódio de grande esquecimento para, então, começar a fazer música, trazendo todos aqueles conhecimentos esquecidos, mas sem se dar conta disso? Se a música pode ter sido feita por qualquer um, bastariam conhecimentos de principiante, que ela não negava ter. Então, não haveria necessidade de se elaborar uma hipótese tão complicada, que me forçasse a gastar tantas linhas para explicá-la.

Do fato de o caso Rosemary Brown ser tão singular na música, não se segue que o caso seja singular de todo. No vasto campo da arte mediúnica encontram-se casos muito análogos. O médium Luiz Antônio Gasparetto, por exemplo, foi capaz de produzir mais de 5.000 telas em diversos estilos, sem ter maiores conhecimentos de artes plásticas. Chico Xavier produziu prosa e poesia em volume gigantesco, atribuídas a uma lista igualmente gigantesca de célebres escritores. Só o livro Parnaso de além-túmulo conta com 259 poemas, atribuídos a 56 poetas. O caso de Chico é extremamente forte, pelo fato de que, quando saiu a primeira edição do Parnaso (então com 60 poemas, atribuídos a 14 autores), em 1932, Pedro Leopoldo/MG, sua cidade, não contava com biblioteca pública, e a biblioteca particular do médium tinha apenas poucos livros, todos espíritas; além disso, ele tinha acesso apenas a almanaques literários (algo semelhante aos jornais de hoje), como registrou o repórter Clementino de Alencar em 1935. Chico só havia estudado até a 4ª série primária (atual 5º ano) e trabalhava como caixeiro num armazém das 7h às 20h. No entanto, elogios que recebeu de críticos literários (inclusive Monteiro Lobato) diziam que se ele era o verdadeiro autor das poesias, então era um escritor notável. Alguns dos críticos falavam que ele poderia gabar-se de ser um dos maiores escritores do Brasil, ou mesmo que as poesias mediúnicas eram melhores que aquelas que os célebres poetas haviam feito em vida. Como se tudo isso não bastasse, Chico abriu mão dos direitos autorais, alegando, naturalmente, que não era ele o autor.

Veem-se, portanto, características comuns aos 3 casos (de Rosemary Brown, L. A.  Gasparetto e de Chico Xavier), o que os torna análogos:
a) o médium é leigo na arte em que cria;
b) o volume de produção é muito grande e atribuído a muitos autores diferentes, mostrando, portanto, muitos estilos diferentes;
c) os estilos das diversas produções artísticas correspondem aos estilos dos autores a quem são atribuídas;
d) a produção não é um apanhado dos clichês mais evidentes de cada estilo, mas sim um conjunto de obras de arte originais e bem construídas, que demonstram a absorção de diferentes estilos e o domínio das técnicas específicas de criação dentro de cada arte;
e) a arte produzida impressiona a crítica;
f) o médium diz que a intenção dos artistas é dar à humanidade evidência de que a morte não existe; de que o espírito sobrevive. No caso da literatura mediúnica, essa ideia se evidencia no próprio conteúdo da obra literária.
Sobre a característica f no caso específico de Rosemary, perceba-se que a intenção dos compositores não parece ter sido inteiramente frustrada. Segundo Rosemary, Colin Davis, um dos maiores regentes dos últimos tempos, disse-lhe que sempre achara que a morte fosse o fim, o nada, mas que, após conhecê-la, fora levado a pensar de novo sobre o assunto.       


Outros textos e vídeos

Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'. 
Érico Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Notas

(1) Texto original em inglês: "Rosemary has claimed to be in touch with the spirits of certain named composers; she [Rosemary Brown] has not merely played but taken down in writing a large number of musical compositions said by her to be dictated by them; virtually all of these show caracteristics of the composers insofar as musical experts are able to judge them; and, perhaps most important, some of these compositions have intrinsic musical qualities of their own of a high order. I believe there has been nothing quite like all this before in any field and more especially in the field of music.” (PARROTT, 1978, p. 23)

5 de julho de 2012

A descoberta de um novo bóson: em direção a uma causa primária no Universo.

Imagem fornecida pelo CERN que mostra o decaimento de um novo bóson em um par de fótons (linhas amarelas e verdes)

Foi com grande comemoração que o CERN (Laboratório Europeu de Pesquisas Nucleares) anunciou a descoberta de uma nova partícula, resultado de um investimento bilionário em equipamentos e recursos humanos na forma de um laboratório de colisão de partículas, o LHC (grande colisor de hádrons). A assim chamada 'partícula de Deus' - ou bóson de Higgs - ganha um novo ímpeto, embora não se possa afirmar ainda (dadas as exigências típicas da linguagem da teoria que sustenta a descoberta) e contrariamente ao que é noticiado pela mídia, que a partícula de Higgs tenha finalmente sido descoberta.

Nem se trata do primeiro evento da espécie: em 1983 foi anunciada a descoberta dos chamados 'bósons vetoriais' W e Z que são resultado de predições teóricas de Weinberg, Salam, e Glashow em 1979. Ao se aumentar a energia de colisão através de um novo dispositivo experimental, as chances de descoberta de novas partículas aumenta. A história da física de partículas é, de certa forma, uma escalada de investimentos em direção a maiores energias de colisão. No caso do LHC a descoberta era praticamente uma 'obrigação' do laboratório, dada a ordem de grandeza dos investimentos realizados.

Um campo de força que permeia todo o Universo.

O nome 'partícula de Deus' teve origem na mídia. O nome não é resultado de qualquer consenso entre cientistas a respeito de Deus e sua relação com a nova partícula, é importante lembrar isso. Como já dissemos anteriormente (1), a física moderna (assim como toda a Ciência) prescinde da ideia de Deus em suas teorias porque a Ciência busca apenas as causas diretamente ligadas aos fenômenos (que chamamos de 'causas secundárias'). 

Se entendermos essa 'causa primária' como a origem de tudo, não é totalmente incorreto dizer que se está, de certa forma, a procura de Deus, embora, para a Ciência contemporânea, essa noção de Deus não se confunda com nenhuma proposta das religiões, muito menos com aquelas que pregam que Deus é uma pessoa, que ele tenha atributos humanos etc (1).

Uma dessas causas secundárias - na linguagem ultra especializada das teorias modernas de física de partículas - seria o chamado 'campo de Higgs'. Até o momento, descreve-se a existência de tudo o que é 'oficialmente' reconhecido como tendo origem em 4 forças fundamentais: a força (nuclear) forte, a força (nuclear) fraca, a força gravitacional e a força eletromagnética. Por que 4 forças? Essa aparente multiplicidade de 'causas' não agrada muito a físicos teóricos que tentam uma 'unificação'. O desafio é explicar a partir de primeiros princípios como todas essas forças se originaram em algum momento do tempo (dai a relação que a física de partículas tem com a cosmologia) de forma que apenas uma causa 'primária' e 'única' seja referenciada. O campo de Higgs é apenas um dos estágios da proposta geral de unificação. 

Por outro lado, a ideia de se unificar as 4 forças se baseia na crença de que apenas aquilo que é 'oficialmente' aceito, de fato, é a única coisa que existe no Universo. Como o Universo é muito grande (não só em tamanho e idade, mas também em multiplicidade de causas), é possível que novas e excitantes descobertas venham mudar nossa compreensão da física no futuro.

Em busca da origem da matéria

De onde vem a matéria? Para saber isso é necessário saber primeiro do que ela é formada. Aprendemos na escola que ela e composta de partículas elementares (os chamados 'núcleons'), prótons, nêutrons e elétrons. Se isso fosse tudo, bastaria conhecer a origem desse núcleons para conhecer a origem da matéria. Entretanto, tais partículas podem sofrer transformações (nucleares) entre si. Assim, do 'decaimento beta' sabe-se que um próton pode se transformar em um nêutron e um elétron e mais outra partícula (o neutrino). Essas transmutações de partículas (há 'processos inversos' que geram nêutrons a partir de prótons e elétrons, bem como um verdadeiro zoológico de partículas elementares) mostram que os ingredientes que formam a matéria considerada tangível e sólida são, na verdade, estados quânticos de objetos ainda mais elementares. A 'teoria de tudo' que unificaria as 4 forças tem então que lidar com hipóteses e assunções para objetos intangíveis, indetectáveis ou detectáveis indiretamente que formariam os núcleons e outras partículas.


Na linguagem da teoria aceita atualmente, há um campo generalizado que permeia todo o Universo. Por que um campo? Desde que a física quântica surgiu, não se pode mais prescrever ou limitar no espaço a existência de uma partícula (um estado quântico), portanto, os ingredientes que formam a matéria tem mais a ver com 'campos' (propriedades especiais que diferenciam o espaço em determinadas regiões de outras) do que com coisas localizadas no espaço (lembramos que a própria luz ou fóton exibe propriedades de 'partícula' e 'campo' ao mesmo tempo, a chamada 'dualidade onda-partícula'). 

É importante lembrar que há inúmeros 'mecanismos' ou 'vias' através das quais se poderia explicar a existência da descoberta feita pelo LHC. A física de partícula tem recebido contribuição de muitas teorias diferentes, fundamentadas em princípios diversos e não apenas no chamado 'modelo padrão' (Moreira, 2009). Até o momento, a confirmação da existência de uma partícula massiva como o bóson anunciado em 4 de Julho de 2012 apenas aponta para a necessidade de mais recursos e investimentos para a continuação das investigações, dando algum fôlego para que os teóricos do 'modelo padrão' se sintam reconfortados em saber que os esforços feitos até o momento no desenvolvimento desse modelo não foram em vão. 

Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que é um passo adiante em direção à causa primária que deu origem a tudo que existe no Universo.

Notas

(1) Ver: 
Referências

1 de julho de 2012

Crenças Céticas XX - Como refutar qualquer coisa (Texto de Daniel Drasin) 2

"Torne equivalente o conhecimento aprofundado de um assunto não ortodoxo com uma opinião tendenciosa a favor dele. Então, tomando a si próprio como exemplo, afirme que somente a um ignorante completo pode ser confiada uma análise não tendenciosa." (D. Drasin)

Continuamos aqui a tradução adaptada e comentada do excelente texto de Daniel Drasin "Zen ... and the Art of Debunkery". Já discutimos anteriormente em vários posts da série "Crenças Céticas" o comportamento de céticos e auto-proclamados defensores da razão que se colocam contra a ocorrência de fenômenos considerados anômalos. Dentre esses, fatos psíquicos e mediúnicos estão frequentemente sob ataque, razão porque achamos instrutivo ler o que Drasin já afirmou sobre o assunto. Nesta continuação, Drasin se concentra no comportamento dos céticos dogmáticos diante de quaisquer evidências que sejam apresentadas a favor de um fenômeno considerado 'anômalo'.

Como sempre, o que está em azul é a tradução do texto apresentado. Meus comentários estão referenciados  abaixo.

Liberando as regras da evidência
  1. Quando uma anomalia acontecer, evite examinar a evidência real; recuse-se terminantemente acompanhar os proponentes a seus laboratórios ou aos locais da ocorrência. Isso permitirá a você dizer impunimente: “Nunca vi evidência alguma que apoie tais afirmações ridículas!” (note que essa técnica tem sobrevivido ao teste do tempo e remonta, pelo menos, à época de Galileu. Simplesmente recusando-se a observar pelo telescópio, autoridades eclesiásticas garantiram à Igreja mais de três séculos de negativas sistemáticas!);
  2. Tendo uma vez se negado a examinar a evidência, salve as aparências garantido a seus opositores que, você ‘certamente adoraria ter sido tomado como um grande defensor de tais fenômenos fantásticos e, então, por quê, afinal de contas, você se recusaria a examinar qualquer evidência?’ 
  3. Se examinar a evidência for algo que você não puder escapar, simplesmente diga que ‘não há nada novo aqui!’. Se confrontado com um corpo sustentável de evidências que tenha sobrevivido a testes rigorosos, descarte tudo prontamente como sendo ‘muito fraco’; 
  4. Negue a possibilidade de existência de fenômenos para os quais nenhuma explicação tenha sido data. Ignore contra exemplos tais como a existência de doenças antes da descoberta de micróbios, a produção gigantesca de energia pelo sol antes da descoberta da fusão nuclear e a persistência sistemática da gravidade a despeito de nossa sistemática ignorância em compreendê-la; 
  5. Com ar de desdém, afirme que ‘a maioria dos cientistas considera tais afirmações como bobagens!’, o que implica que você pesquisou a opinião de 51% dos cientistas e achou que elas estão de acordo com o seu próprio ponto de vista; 
  6. Convença o mundo de sua própria onisciência declarando que ‘não há evidência para X!’, já que, é óbvio, somente alguém que saiba tudo pode afirmar que não há evidência para X no Universo; 
  7. Argumente que ‘algumas coisas são possíveis, mas improváveis!’, embora saber tudo o que é ou não provável demande conhecimento completo de quaisquer dimensões de realidade no Universo e além dele; 
  8. Se um opositor sistemático manifestar o desejo de examinar uma afirmação anômala em profundidade, simplesmente acuse-o de ‘abandonar sua objetividade’; 
  9. Torne equivalente o conhecimento aprofundado de um assunto não ortodoxo com uma opinião tendenciosa a favor dele. Então, tomando a si próprio como exemplo, afirme que somente a um ignorante completo pode ser confiada uma análise não tendenciosa; 
  10. Já que o público de forma geral não sabe a distinção entre evidência e prova, esforce-se ao máximo para manter essa ignorância. Se prova absoluta não estiver disponível, afirme categoricamente que ‘não há evidência!’. 
  11. Quando confrontado com montanhas de dados a favor de uma anomalia, simplesmente afirme que ‘já que a probabilidade dela ser verdadeira é zero, seria necessária uma quantidade infinita de dados para prová-la!’; 
  12. Se evidência suficiente for apresentada para garantir quaisquer investigações adicionais de um fenômeno não usual, argumente que ‘só a evidência não prova nada!’. Ignore o fato de que não se assume de forma geral que uma evidência preliminar deva provar qualquer coisa; 
  13. Louve publicamente os céticos que inventaram o critério da ‘prova absoluta’, isto é, que prova insofismável deve ser obtida antes que qualquer afirmação não ortodoxa ganhe respeitabilidade para ser discutida seriamente (o que, convenhamos, é uma jogada brilhante, porque, na prática, ‘prova’ é uma questão de consenso científico. Portanto, um fenômeno marginalizado jamais poderá ser ‘provado’!); 
  14. Se quantidades copiosas de evidência documental para uma afirmação não ortodoxa for apresentada, reduza sua importância dizendo: ‘são apenas palavras colocas em papel, não há razão para levar nada a sério!’; 
  15. Exija que a prova venha antes da evidência. Isso eliminará a possibilidade de se iniciar qualquer processo relevante de investigação, particularmente se nenhum critério de prova tiver sido estabelecido para o fenômeno em questão; 
  16. Insista que um critério de prova não poderá possivelmente ser estabelecido para fenômenos que não existem! 
  17. Embora a ciência não tolere padrões vagos ou dúbios, sempre insista que fenômenos não convencionais devam ser julgados por conjunto de regras científicas distintas e mal definidas. Faça isso declarando que ‘afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias!’, com o cuidado de nunca especificar onde o ‘ordinário’ termina e o ‘extraordinário’ começa ou indicar quem quer que seja para fazer tal separação. Isso permitirá a você fabricar um horizonte eternamente distante que manterá as ‘evidências extraordinárias’ fora de alcance a qualquer época. 
  18. Da mesma forma, insista em classes de evidência que são impossíveis de se obter. Por exemplo, declare que fenômenos aéreos não identificados podem ser considerados reais somente se eles puderem ser trazidos para laboratórios para que sejam analisados, a fim de se levantar suas propriedades físicas. Desconsidere as realizações das ciências inferenciais – astronomia, por exemplo – que não exige que planetas, galáxias e buracos negros sejam trazidos para o laboratório para que sejam estudados; 
  19. A qualquer oportunidade, reforce a ideia de que familiaridade é igual à racionalidade. O não familiar é, portanto, igual ao irracional e, consequentemente, inadmissível; 
  20. “A navalha de Occam” ou o “princípio da parcimônia” diz que a explicação correta de um mistério envolve os princípios fundamentais mais simples. Insista, portanto, que a explicação mais familiar é, por definição, a mais simples! Afirme com força que a navalha de Occam não é simplesmente uma ferramenta filosófica que pode cortar qualquer coisa sobre a qual se aplique, mas uma lei imutável que existe para garantir o seu ponto de vista; 
  21. Torne equivalente a falta de evidência sólida, familiar ou óbvia com prova de não existência. Despreze o fato de que muitos fenômenos transientes (a passagem de um pássaro, a brisa, ondas de rádio, luz...) existem de forma demonstrável sem deixarem evidências colecionáveis como souvenir, e que muitas coisas podem existir sem deixarem evidência a seu favor, que podem ser constantemente  ignoradas ou exigir interpretação; 
  22. Decrete que o que existe fora do arcabouço científico presente ‘não pode existir’. Como evidência para o que ‘não pode existir’ não pode, por sua vez, também existir, declare que aplicação do processo de investigação nesses casos é uma atividade inútil; 
  23. A gosto, repita a frase-clichê absurda: ‘não acredite em nenhuma evidência que não tenha sido confirmada pela teoria!’;
Comentários

1, 3, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 21,22 - Isso contribui para tornar as evidências impopulares. A falta de disseminação do conhecimento a respeito de uma ocorrência natural é um dos principais fatores para o atraso no seu desenvolvimento científico.

4 - Consequência da crença popular de que a ciência detém conhecimento completo e finalizado a respeito de qualquer coisa e que esse conhecimento é suficiente para explicar qualquer outra ocorrência natural. Portanto, crê-se também que aquilo que não tem 'explicação' não existe de fato.

6 e 7 - O Universo é infinito não só em dimensão espacial mas em variedade e multiplicidade de fenômenos e causas. Dessa forma, a chance de alguém prever corretamente aquilo que pode existir ou não neste Universo, baseado no conhecimento presente em qualquer época, sempre será nula. 

9 - Em ciência, quanto maior o conhecimento adquirido sobre um determinado fenômeno ou teoria, tanto maior a chance de desenvolvimento e novas descobertas a respeito do objeto de estudo dessa ciência. O mesmo ocorre com ocorrências anômalas. Entretanto, o ceticismo dogmático deliberadamente confunde qualquer conhecimento aprofundado sobre essas ocorrências com uma opinião considerada 'tendenciosa' ou 'não isenta' das mesmas. Dessa forma, o desenvolvimento científico a respeito das anomalias é severamente prejudicado, já que seu estudo não deve, segundo esses críticos, seguir o mesmo método dos objetos de pesquisa das ciências comuns.


18 - O indutivismo ingênua acredita que só pode existir ciência onde for possível teste de laboratório ou controles rígidos. Apenas uma parte da ciência contemporânea existiria se esse critério fosse aplicado indiscriminadamente. Nas mãos dos céticos dogmáticos, esse simplificação extrema do método científico torna-se uma arma para desqualificar evidências 'colhidas de passagem'.  

20 - O princípio de Occam : "Pluralitas non est ponenda sine neccesitate" (Gibbs, 1996), ou 'princípios não devem ser multiplicados desnecessariamente'. De forma simples: ao se ter duas teorias rivais para explicar um mesmo fenômeno, aquela que invocar o menor número de princípios ou leis complementares deve ser escolhida. Isso, de forma alguma significa que, na explicação de fenômenos anômalos (por exemplo, ocorrências psíquicas) a 'explicação mais simples' na cabeça de alguns, i. e., a hipótese de fraude ou explicações 'naturalistas', deva ser escolhida. Mas é isso que ocorre frequentemente em debates com o ceticismo. O assunto merece por si só um post dedicado.

23 - A frase realmente é um clichê. Ela só se aplica a fenômenos para os quais existam teorias bem desenvolvidas e maduras (por exemplo, na diversas ciências naturais, química, física, biologia).  

Referências

Crenças Céticas XX - Como refutar qualquer coisa, parte (texto de D. Drasin) 1.
Sobre a navalha de Occam ver: Phil Gibbs (1996). What is Occam's Razor?

25 de junho de 2012

Crenças Céticas XIX - Como refutar qualquer coisa (Texto de Daniel Drasin) 1


"...insista sempre que a ciência consiste simplesmente na aplicação pura e simples da dúvida." D. Drasin.

Na sequência de posts "Como refutar qualquer coisa" que se inicia neste post, é feita uma tradução adaptada e comentada do excelente texto de Daniel Drasin "Zen ... and the Art of Debunkery". Já discutimos anteriormente em vários posts da série "Crenças Céticas" o comportamento de céticos e auto-proclamados defensores da razão que se colocam contra a ocorrência de fenômenos considerados anômalos. Dentre esses, fatos psíquicos e mediúnicos estão frequentemente sob ataque, razão porque achamos instrutivo ler o que Drasin já afirmou sobre o assunto. De forma geral, porém, os "contra-conselhos" de Drasin também podem ser usados em vários outros contextos.

Como sempre, o que está em azul é a tradução do texto apresentado. Meus comentários estão referenciados  abaixo.

A. Preparando o palco
  1. Antes de começar a refutar, prepare o equipamento. O que é necessário: uma cadeira (a1);
  2. Arranje a cara certa. Cultive uma face condescendente que dê a impressão de que suas opiniões pessoais estão totalmente embasadas na postura mais correta de todas. Adotar uma cara de desprezo, do tipo 'ar superior' é opcional, mas altamente recomendado;
  3. Empregue termos vagos, subjetivos e enganadores como 'ridículo', 'trivial', 'idiotice' ou 'enganação' de forma que tenham força de autoridade científica (a3);
  4. Mantenha sua argumentação a mais abstrata e teórica possível. Isso dará a impressão que as teorias aceitas são tão superiores que nenhuma evidência as poderá invalidar e, portanto, que não vale a pena examinar evidência alguma;
  5. Faça transparecer de todas as formas possíveis que a ciência é impotente para se defender sozinha contra a fraude e erros dos ignorantes e que, portanto, você foi escalado voluntariamente para a tarefa (a5);
  6. Projete suas opiniões debaixo do manto da mais ostensiva objetividade. Sempre descreva afirmações não ortodoxas como 'suposições' que são 'apregoadas', enquanto que as suas próprias ideias são 'fatos bem estabelecidos'.
B. Redefina a ciência
  1. Não descreva  a ciência como um processo aberto de descobertas, mas como uma guerra santa contra hordas de ignorantes e fanáticos medievais (b1). Como em uma guerra 'os fins justificam os meios', você pode falsear, modificar ou violar qualquer método da ciência, ou mesmo omiti-lo totalmente, em nome da ciência;
  2. Torne equivalente alguns elementos estreitos e críticos da ciência com a ciência toda, ao mesmo tempo em que descarte sumariamente o valor da pesquisa, da exploração e da descoberta;
  3. Ainda que a negatividade mais obtusa não possa ser igualada à própria ciência, da mesma forma que um freio de carro não é o próprio carro, insista sempre que a ciência consiste simplesmente na aplicação pura e simples da dúvida (b3). Caso alguém se oponha a isso, acuse seu oponente de manter uma visão confusa, subjetiva ou 'mística' da ciência;
  4. Embora seja ridículo querer igualar um automóvel ao destino para onde ele se dirige, declare que a 'ciência é equivalente ao corpo de suas conclusões científicas';
  5. Reforçe a crença popular de que certas áreas de pesquisa são inerentemente não científicas. Em outras palavras, deliberadamente confunda o processo de se fazer ciência com o conteúdo da ciência (b5). Se alguém ousa afirmar que a ciência deve ser neutra no que diz respeito ao seu objeto de estudo e que somente o processo investigativo pode ter falhas, descarte prontamente isso usando o método empregado por gerações de políticos: simplesmente diga que 'não existe contradição aqui';
  6. Embora insistindo de um lado que o método científico é universal em sua aplicação e que deve ser aplicado ao qualquer coisa, por outro lado, insista também que ele não se aplica a temas considerados 'não populares' (não científicos). Sempre afirme, de forma bem conservadora, que 'não há licença de liberdade' e que 'certas questões são de interesse apenas de teólogos';
  7. Declare que o progresso da ciência depende de explicar o desconhecido em termo do conhecido. Em outras palavras, que a ciência é igual ao reducionismo (b7). Você pode aplicar livremente a abordagem reducionista em qualquer situação simplesmente descartando mais e mais evidências até que o que sobre possa ser totalmente explicado em termos do conhecimento aceito;
  8. Torne desimportante o fato de que a livre pesquisa e o desacordo legítimo são parte normal da ciência;
  9. Sempre insista que a ciência ocidental é completamente objetiva e que ela nunca se influenciou por crenças ocultas, assunções intestáveis, tendências ideológicas, pressão política ou interesses comerciais. Se um fenômeno não familiar ou desconhecido acontecer de ser considerado verdadeiro ou útil por qualquer sociedade ou grupo não ocidental, você pode descartar isso imediatamente como uma 'bobagem anedótica', 'confusão de ignorante', 'superstição medieval' ou simplesmente 'conto de fadas' (b9);
  10. Declare que o temperamento individual, tipo de personalidade ou emoções humanas nunca exerceram nenhuma influência na objetividade de cientistas 'reais'. Ignore o fato de que emoções, preconceitos, idiossincrasias ou simplesmente insegurança humana pode exercer influência poderosa sobre empreendimentos científicos, frequentemente com resultados risíveis e pouco científicos;
  11. Evite tecer paralelos históricos entre a emergência da ciência e da democracia, ambas originalmente fundamentadas sob conceitos revolucionários como o pensamento independente, livre inquirição, trânsito livre de informações e questionamento da autoridade estabelecida;
  12. Reforce a ficção popular de que nosso conhecimento científico é completo e acabado. Faça isso afirmando simplesmente "Se essa ou aquela descoberta fosse legítima, então certamente já saberíamos disso!"  (b12);
  13. Afirme que nada pode estar acima da formulação Newtoniana do século 17 das leis físicas. Se alguém lembrar a você que o século 17 não tem mais a última palavra em física, mude o assunto o mais rápido possível;
  14. Caracterize qualquer pesquisa de fenômenos misteriosos e genuínos como algo 'indiscriminado', ao mesmo tempo em que sumariamente descarte a crença em ideias não ortodoxas como uma 'discriminação inteligente';
  15. Se alguém se lembrar que em ciência 'um ponto de vista precisa de tanta prova como o ponto de vista contrário', invoque o truísmo irrelevante de que 'crenças ortodoxas já foram provadas!";
  16. Asserte categoricamente que o não-convencional pode ser descartado como, no máximo, uma má interpretação do convencional (b16);
  17. Se pressionado a respeito de qualquer nova interpretação do método científico, declare que a 'integridade intelectual é um problema sutil!";
  18. Em qualquer oportunidade, exalte as virtudes do 'pensamento crítico', ao mesmo tempo em que você deve se comportar como se isso nada mais fosse do que negação pura e simples. Evite explicar que o pensamento crítico pressupõe desejo de examinar todos os lados de uma questão com igual rigor.
Comentários e referências

(a1) Um 'crítico de cadeira' ou de 'sofá' é alguém que maneja a retórica para negar ou refutar fenômenos que ele considera inexistentes. Ele jamais dá-se o trabalho de pesquisar ou conhecer os fatos. A imensa maioria dos céticos pode ser assim considerado.

(a3) Muitas vezes a força da argumentação cética não passa de mera retórica pelo uso de palavras que denigrem a argumentação contrária.

(a5) Ponto muito interessante. Muitos céticos pretendem defender a ciência das investidas da ignorância ou do recrudescimento do misticismo. Para eles, a ciência é como uma princesa indefesa que deve ser protegida a todo custo naturalmente por eles.

(b1) Ver comentário a5.

(b3) Ponto importante destacado por Drasin que é frequentemente visto na retórica do ceticismo.  Muitos acreditam que o ceticismo como negação pura e simples 'faz parte da mentalidade científica'.

(b5) Outro ponto muito importante. Céticos, em geral, tem dificuldade em separar essas duas coisas e simplesmente negam, por uma questão de fé própria, a validade da pesquisa do que não aceitam (como no caso da fenomenologia dos fatos psíquicos ou mediúnicos).

(b7) Ou também conhecido como redução a uma 'explicação naturalista'. Para o caso da mediunidade ostensiva, por exemplo, a explicação naturalista mais acreditada é a hipótese ou assunção de fraude. Em uma primeira tentativa, recorre-se a explicações mais sofisticadas (do tipo, 'coincidência' ou exacerbamento dos sentidos das testemunhas). Se isso não funciona, a tática da explicação pela fraude implementa facilmente o reducionismo. Drasin também chama atenção para a tática cética de desqualificação das evidências até o ponto em que o que sobre possa ser facilmente reduzido ao que é conhecido.

(b9) A crença na reencarnação em algumas sociedades orientais é um exemplo.

(b12) Isso constitui um dos fundamentos do indutivismo ingênuo.

(b16) Isso é uma outra maneira de se implementar o reducionismo ou 'explicar o desconhecido pelo conhecido'.

No próximo post: Relaxando as regras das evidências.

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