Primeira execução por Érico Bomfim de um Estudo em fá sustenido menor, atribuído ao Espírito de F. Chopin pela médium Rosemary Brown. Assistir também E. Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).
Vá para a parte II deste artigo.
Rosemary Brown foi a maior médium musical que já houve. Sua obra é extremamente vasta e inclui muitos estilos diferentes. Ela explica:
Hoje, Liszt é o organizador e chefe de um grupo de compositores famosos, que me visitam em minha casa e me transmitem suas novas composições. Há atualmente doze, presentes no grupo: Liszt, Chopin, Schubert, Beethoven, Bach, Brahms, Schumann, Debussy, Grieg, Berlioz, Rachmaninoff e Monteverdi. Enumerei-os na ordem em que se comunicaram. Outros, como Albert Schweitzer, surgem rapidamente, transmitem-me um pouco de música e depois parece que não voltarão mais. Mozart, por exemplo, apareceu apenas três vezes. Mas, após seis anos de trabalho, tenho hoje, em gavetas e armários, espalhadas por toda a minha casa, cerca de 400 peças musicais - canções, composições para piano, alguns quartetos incompletos, o princípio de uma ópera, bem como concertos e sinfonias parcialmente completos. (BROWN, 1971, p. 21, tradução minha)
Rosemary Brown (1916-2001) |
O caso de Rosemary Brown chamou tanta
atenção, que a BBC fez um documentário sobre ela, na década de 60. Foi um
sucesso. Quando lhe perguntaram se ela poderia compor alguma coisa para as
câmeras, ela disse que não dependia dela, portanto não poderia garantir nada,
mas, por fim, escreveu Grübelei, uma peça bastante complexa, tanto
rítmica como harmonicamente, e que requer um profundo conhecimento de Liszt.
Não se tratava de uma peça virtuosística, de exibicionismo técnico tipicamente
lisztiano __ o que seria mais óbvio e previsível __ mas de algo muito mais
sutil. Como explica Ian Parrott:
Sobre a peça de Liszt já houve bem extenso comentário, citado na capa da gravação de 1970, por Humphrey Searle, destacado compositor e autor de um livro importante sobre Liszt - de fato, uma das maiores autoridades em Liszt neste país. Ele diz: 'Essa [Grübelei] é uma peça muito interessante'. Ele aponta que é o tipo de coisa que Liszt poderia ter escrito durante os 15 últimos anos de vida; ele considera que é notável que a maior parte dela seja escrita em compasso 5/4 contra 3/2; a harmonia é muito cromática e típica de Liszt, como também a forma. A maior parte das marcações é em italiano, com uma em francês ('avec tendresse'), novamente característico; e há um compasso que lembra o muito conhecido Liebestraum. A todos esses pontos impressionantes, eu adicionaria mais um: a peça é uma das melhores de Rosemary por direito. É emocionalmente satisfatória e intelectualmente gratificante de tocar e de ouvir - muito melhor, eu diria, do que um grande número de conhecidas composições devidamente autenticadas de muitos compositores reputados que não tiveram que se expressar através de um médium (PARROTT, 1978, p. 38- 39, tradução minha).
E, segundo V. G.
W. Harrison, então membro da Liszt Society, “escrever Grübelei
implica não somente conhecimento do Liszt tardio, mas também a habilidade de
ver a direção em que o estilo de Liszt estava indo no momento da sua morte, em
1886” (PARROTT,
1978, p. 13, tradução minha).
Como eu descobri, em 1970, porém, quando tentava ajudá-la com leitura de partitura, instrumentação, forma, história, etc., ela não é como uma estudante de música e se mantém tanto quanto possível uma tábula rasa. (...) Eu posso confirmar a impressão de Mary Firth, que, quando fez testes de escuta em Rosemary, encontrou total ausência de aptidão musical básica que ela esperaria em qualquer estudante, e, certamente, num estudante de composição. Sua música, diz Mary Firth (BBC TV, 17 de junho de 1969), não é uma imitação, “Ela é realmente uma absorção de estilo, o que é diferente”, e isso sem nenhum treinamento e com muito pouco conhecimento de qualquer tipo sobre harmonia (PARROTT, 1978, p. 11, tradução minha).
De fato,
Rosemary era muito pobre, não podendo, portanto, frequentar concertos. A
pobreza também era causa de muita irregularidade em suas aulas de piano. E não
apenas Grübelei é satisfatório enquanto composição:
Rosemary alegou estar em contato com os Espíritos de certos compositores; ela não apenas tocou, mas escreveu um grande número de composições musicais que, segundo ela, foram ditadas por eles; praticamente todas elas mostram características dos compositores até o ponto que os críticos musicais podem julgar; e, talvez o mais importante, algumas dessas composições têm qualidades musicais intrínsecas de um nível superior. Eu acredito que não tenha havido nada como isso em nenhuma área e mais especialmente na música. (PARROTT, 1978, p. 23, tradução minha). Ver nota 1.
Para elaborar o
material musical que Rosemary Brown trouxe ao mundo, seria necessário
conhecimento profundo de uma quantidade grande de estilos diferentes, em toda
sutileza que os distingue. Seria necessário também o domínio das técnicas de
composição que permitem a construção de uma obra bem estruturada do ponto de
vista formal, o que pode ser igualmente __ ou até mais __ difícil. Em suma,
para elaborar toda a obra musical em questão, seriam necessários os
conhecimentos de diversos musicólogos e a habilidade de um compositor maduro. E
Rosemary não foi nem uma coisa nem outra. Daí a força de seu caso.
Sugeriram-se as hipóteses mais
diversas para explicar a gênese das peças. Chegou-se a dizer que Rosemary teria
tido estudos profundos de música e os teria esquecido numa amnésia. Então, seus
conhecimentos se manifestavam nas composições, sem que ela soubesse de onde
vinham. No entanto, não há qualquer indício de semelhantes estudos na vida da
médium. Na verdade, esse tipo de hipótese demonstra o quão convincentes são as
músicas. Afinal, sugerir uma hipótese dessa extravagância só faz sentido se a
música não pode, de nenhum modo, ter sido forjada por alguém com conhecimentos
de um principiante em música apenas. Em outras palavras, se a música é ruim,
banal e pode ser feita por qualquer um, por que sugerir que Rosemary teria tido
estudos profundos de música e os perdido num episódio de grande esquecimento
para, então, começar a fazer música, trazendo todos aqueles conhecimentos
esquecidos, mas sem se dar conta disso? Se a música pode ter sido feita por
qualquer um, bastariam conhecimentos de principiante, que ela não negava ter.
Então, não haveria necessidade de se elaborar uma hipótese tão complicada, que
me forçasse a gastar tantas linhas para explicá-la.
Do fato de o
caso Rosemary Brown ser tão singular na música, não se segue que o caso seja
singular de todo. No vasto campo da arte mediúnica encontram-se casos muito
análogos. O médium Luiz Antônio Gasparetto, por exemplo, foi capaz de produzir
mais de 5.000 telas em diversos estilos, sem ter maiores conhecimentos de artes
plásticas. Chico Xavier produziu prosa e poesia em volume gigantesco,
atribuídas a uma lista igualmente gigantesca de célebres escritores. Só o livro
Parnaso de além-túmulo conta com 259
poemas, atribuídos a 56 poetas. O caso de Chico é extremamente forte, pelo fato
de que, quando saiu a primeira edição do Parnaso
(então com 60 poemas, atribuídos a 14 autores), em 1932, Pedro Leopoldo/MG, sua
cidade, não contava com biblioteca pública, e a biblioteca particular do médium
tinha apenas poucos livros, todos espíritas; além disso, ele tinha acesso
apenas a almanaques literários (algo semelhante aos jornais de hoje), como registrou
o repórter Clementino de Alencar em 1935. Chico só havia estudado até a 4ª
série primária (atual 5º ano) e trabalhava como caixeiro num armazém das 7h às
20h. No entanto, elogios que recebeu de críticos literários (inclusive Monteiro
Lobato) diziam que se ele era o verdadeiro autor das poesias, então era um
escritor notável. Alguns dos críticos falavam que ele poderia gabar-se de ser
um dos maiores escritores do Brasil, ou mesmo que as poesias mediúnicas eram
melhores que aquelas que os célebres poetas haviam feito em vida. Como se tudo
isso não bastasse, Chico abriu mão dos direitos autorais, alegando,
naturalmente, que não era ele o autor.
Veem-se,
portanto, características comuns aos 3 casos (de Rosemary Brown, L. A. Gasparetto e de Chico Xavier), o que os torna
análogos:
a) o médium é leigo na arte em que cria;b) o volume de produção é muito grande e atribuído a muitos autores diferentes, mostrando, portanto, muitos estilos diferentes;c) os estilos das diversas produções artísticas correspondem aos estilos dos autores a quem são atribuídas;d) a produção não é um apanhado dos clichês mais evidentes de cada estilo, mas sim um conjunto de obras de arte originais e bem construídas, que demonstram a absorção de diferentes estilos e o domínio das técnicas específicas de criação dentro de cada arte;e) a arte produzida impressiona a crítica;f) o médium diz que a intenção dos artistas é dar à humanidade evidência de que a morte não existe; de que o espírito sobrevive. No caso da literatura mediúnica, essa ideia se evidencia no próprio conteúdo da obra literária.
Sobre a
característica f no caso específico de Rosemary, perceba-se que a
intenção dos compositores não parece ter sido inteiramente frustrada. Segundo
Rosemary, Colin Davis, um dos maiores regentes dos últimos tempos, disse-lhe
que sempre achara que a morte fosse o fim, o nada, mas que, após conhecê-la,
fora levado a pensar de novo sobre o assunto.
Na próxima parte: Rosemary Brown versus Fritz Keisler, estórias do subconciente, a arte mediúnica como evidência, as cartas, referências.
Outros textos e vídeos
Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'.
Érico Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).
Notas
Érico Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).
Notas
(1) Texto original em inglês: "Rosemary has claimed to be in touch with the spirits of certain named
composers; she [Rosemary Brown] has not merely played but taken down in writing
a large number of musical compositions said by her to be dictated by them;
virtually all of these show caracteristics of the composers insofar as musical
experts are able to judge them; and, perhaps most important, some of
these compositions have intrinsic musical qualities of their own of a high
order. I believe there has been nothing quite like all this before in any field
and more especially in the field of music.” (PARROTT,
1978, p. 23)