14 de julho de 2012

Rosemary Brown e a arte mediúnica (Érico Bomfim) - I/2

Primeira execução por Érico Bomfim de um Estudo em fá sustenido menor, atribuído ao Espírito de F. Chopin pela médium Rosemary Brown. Assistir também E. Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Vá para a parte II deste artigo.

Rosemary Brown foi a maior médium musical que já houve. Sua obra é extremamente vasta e inclui muitos estilos diferentes. Ela explica:
Hoje, Liszt é o organizador e chefe de um grupo de compositores famosos, que me visitam em minha casa e me transmitem suas novas composições. Há atualmente doze, presentes no grupo: Liszt, Chopin, Schubert, Beethoven, Bach, Brahms, Schumann, Debussy, Grieg, Berlioz, Rachmaninoff e Monteverdi. Enumerei-os na ordem em que se comunicaram. Outros, como Albert Schweitzer, surgem rapidamente, transmitem-me um pouco de música e depois parece que não voltarão mais. Mozart, por exemplo, apareceu apenas três vezes. Mas, após seis anos de trabalho, tenho hoje, em gavetas e armários, espalhadas por toda a minha casa, cerca de 400 peças musicais - canções, composições para piano, alguns quartetos incompletos, o princípio de uma ópera, bem como concertos e sinfonias parcialmente completos. (BROWN, 1971, p. 21, tradução minha)
Rosemary Brown (1916-2001)
Como se vê, num período de apenas seis anos, Rosemary Brown produziu mais de 400 peças musicais. E não escreveu apenas peças para piano, mas também canções e trechos de outros quartetos, de concertos e de sinfonias, além do princípio de uma ópera.

O caso de Rosemary Brown chamou tanta atenção, que a BBC fez um documentário sobre ela, na década de 60. Foi um sucesso. Quando lhe perguntaram se ela poderia compor alguma coisa para as câmeras, ela disse que não dependia dela, portanto não poderia garantir nada, mas, por fim, escreveu Grübelei, uma peça bastante complexa, tanto rítmica como harmonicamente, e que requer um profundo conhecimento de Liszt. Não se tratava de uma peça virtuosística, de exibicionismo técnico tipicamente lisztiano __ o que seria mais óbvio e previsível __ mas de algo muito mais sutil. Como explica Ian Parrott:
Sobre a peça de Liszt já houve bem extenso comentário, citado na capa da gravação de 1970, por Humphrey Searle, destacado compositor e autor de um livro importante sobre Liszt - de fato, uma das maiores autoridades em Liszt neste país. Ele diz: 'Essa [Grübelei] é uma peça muito interessante'. Ele aponta que é o tipo de coisa que Liszt poderia ter escrito durante os 15 últimos anos de vida; ele considera que é notável que a maior parte dela seja escrita em compasso 5/4 contra 3/2; a harmonia é muito cromática e típica de Liszt, como também a forma. A maior parte das marcações é em italiano, com uma em francês ('avec tendresse'), novamente característico; e há um compasso que lembra o muito conhecido Liebestraum. A todos esses pontos impressionantes, eu adicionaria mais um: a peça é uma das melhores de Rosemary por direito. É emocionalmente satisfatória e intelectualmente gratificante de tocar e de ouvir - muito melhor, eu diria, do que um grande número de conhecidas composições devidamente autenticadas de muitos compositores reputados que não tiveram que se expressar através de um médium (PARROTT, 1978, p. 38- 39, tradução minha).

E, segundo V. G. W. Harrison, então membro da Liszt Society, “escrever Grübelei implica não somente conhecimento do Liszt tardio, mas também a habilidade de ver a direção em que o estilo de Liszt estava indo no momento da sua morte, em 1886 (PARROTT, 1978, p. 13, tradução minha).

No entanto, a formação musical de Rosemary Brown era extremamente limitada, de acordo não só com ela, mas com aqueles que tiveram a oportunidade de testá-la: 
Como eu descobri, em 1970, porém, quando tentava ajudá-la com leitura de partitura, instrumentação, forma, história, etc., ela não é como uma estudante de música e se mantém tanto quanto possível uma tábula rasa. (...) Eu posso confirmar a impressão de Mary Firth, que, quando fez testes de escuta em Rosemary, encontrou total ausência de aptidão musical básica que ela esperaria em qualquer estudante, e, certamente, num estudante de composição. Sua música, diz Mary Firth (BBC TV, 17 de junho de 1969), não é uma imitação, “Ela é realmente uma absorção de estilo, o que é diferente”, e isso sem nenhum treinamento e com muito pouco conhecimento de qualquer tipo sobre harmonia (PARROTT, 1978, p. 11, tradução minha).  
De fato, Rosemary era muito pobre, não podendo, portanto, frequentar concertos. A pobreza também era causa de muita irregularidade em suas aulas de piano. E não apenas Grübelei é satisfatório enquanto composição:
Rosemary alegou estar em contato com os Espíritos de certos compositores; ela não apenas tocou, mas escreveu um grande número de composições musicais que, segundo ela, foram ditadas por eles; praticamente todas elas mostram características dos compositores até o ponto que os críticos musicais podem julgar; e, talvez o mais importante, algumas dessas composições têm qualidades musicais intrínsecas de um nível superior. Eu acredito que não tenha havido nada como isso em nenhuma área e mais especialmente na música. (PARROTT, 1978, p. 23, tradução minha). Ver nota 1.
Para elaborar o material musical que Rosemary Brown trouxe ao mundo, seria necessário conhecimento profundo de uma quantidade grande de estilos diferentes, em toda sutileza que os distingue. Seria necessário também o domínio das técnicas de composição que permitem a construção de uma obra bem estruturada do ponto de vista formal, o que pode ser igualmente __ ou até mais __ difícil. Em suma, para elaborar toda a obra musical em questão, seriam necessários os conhecimentos de diversos musicólogos e a habilidade de um compositor maduro. E Rosemary não foi nem uma coisa nem outra. Daí a força de seu caso.
             
Sugeriram-se as hipóteses mais diversas para explicar a gênese das peças. Chegou-se a dizer que Rosemary teria tido estudos profundos de música e os teria esquecido numa amnésia. Então, seus conhecimentos se manifestavam nas composições, sem que ela soubesse de onde vinham. No entanto, não há qualquer indício de semelhantes estudos na vida da médium. Na verdade, esse tipo de hipótese demonstra o quão convincentes são as músicas. Afinal, sugerir uma hipótese dessa extravagância só faz sentido se a música não pode, de nenhum modo, ter sido forjada por alguém com conhecimentos de um principiante em música apenas. Em outras palavras, se a música é ruim, banal e pode ser feita por qualquer um, por que sugerir que Rosemary teria tido estudos profundos de música e os perdido num episódio de grande esquecimento para, então, começar a fazer música, trazendo todos aqueles conhecimentos esquecidos, mas sem se dar conta disso? Se a música pode ter sido feita por qualquer um, bastariam conhecimentos de principiante, que ela não negava ter. Então, não haveria necessidade de se elaborar uma hipótese tão complicada, que me forçasse a gastar tantas linhas para explicá-la.

Do fato de o caso Rosemary Brown ser tão singular na música, não se segue que o caso seja singular de todo. No vasto campo da arte mediúnica encontram-se casos muito análogos. O médium Luiz Antônio Gasparetto, por exemplo, foi capaz de produzir mais de 5.000 telas em diversos estilos, sem ter maiores conhecimentos de artes plásticas. Chico Xavier produziu prosa e poesia em volume gigantesco, atribuídas a uma lista igualmente gigantesca de célebres escritores. Só o livro Parnaso de além-túmulo conta com 259 poemas, atribuídos a 56 poetas. O caso de Chico é extremamente forte, pelo fato de que, quando saiu a primeira edição do Parnaso (então com 60 poemas, atribuídos a 14 autores), em 1932, Pedro Leopoldo/MG, sua cidade, não contava com biblioteca pública, e a biblioteca particular do médium tinha apenas poucos livros, todos espíritas; além disso, ele tinha acesso apenas a almanaques literários (algo semelhante aos jornais de hoje), como registrou o repórter Clementino de Alencar em 1935. Chico só havia estudado até a 4ª série primária (atual 5º ano) e trabalhava como caixeiro num armazém das 7h às 20h. No entanto, elogios que recebeu de críticos literários (inclusive Monteiro Lobato) diziam que se ele era o verdadeiro autor das poesias, então era um escritor notável. Alguns dos críticos falavam que ele poderia gabar-se de ser um dos maiores escritores do Brasil, ou mesmo que as poesias mediúnicas eram melhores que aquelas que os célebres poetas haviam feito em vida. Como se tudo isso não bastasse, Chico abriu mão dos direitos autorais, alegando, naturalmente, que não era ele o autor.

Veem-se, portanto, características comuns aos 3 casos (de Rosemary Brown, L. A.  Gasparetto e de Chico Xavier), o que os torna análogos:
a) o médium é leigo na arte em que cria;
b) o volume de produção é muito grande e atribuído a muitos autores diferentes, mostrando, portanto, muitos estilos diferentes;
c) os estilos das diversas produções artísticas correspondem aos estilos dos autores a quem são atribuídas;
d) a produção não é um apanhado dos clichês mais evidentes de cada estilo, mas sim um conjunto de obras de arte originais e bem construídas, que demonstram a absorção de diferentes estilos e o domínio das técnicas específicas de criação dentro de cada arte;
e) a arte produzida impressiona a crítica;
f) o médium diz que a intenção dos artistas é dar à humanidade evidência de que a morte não existe; de que o espírito sobrevive. No caso da literatura mediúnica, essa ideia se evidencia no próprio conteúdo da obra literária.
Sobre a característica f no caso específico de Rosemary, perceba-se que a intenção dos compositores não parece ter sido inteiramente frustrada. Segundo Rosemary, Colin Davis, um dos maiores regentes dos últimos tempos, disse-lhe que sempre achara que a morte fosse o fim, o nada, mas que, após conhecê-la, fora levado a pensar de novo sobre o assunto.       


Outros textos e vídeos

Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'. 
Érico Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Notas

(1) Texto original em inglês: "Rosemary has claimed to be in touch with the spirits of certain named composers; she [Rosemary Brown] has not merely played but taken down in writing a large number of musical compositions said by her to be dictated by them; virtually all of these show caracteristics of the composers insofar as musical experts are able to judge them; and, perhaps most important, some of these compositions have intrinsic musical qualities of their own of a high order. I believe there has been nothing quite like all this before in any field and more especially in the field of music.” (PARROTT, 1978, p. 23)

2 comentários:

  1. Perfeito o seu BLOG. Parabéns! Será muito útil ainda à doutrina espírita! Sugiro que escreva um livro com a argumentação contra o ceticismo tolo, pois ao meu ver esse será um dos grandes entraves do Espiritismo no futuro.

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  2. Bela execução e melodia.
    Deveríamos ter mais iniciativas como esta.

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