25 de junho de 2012

Crenças Céticas XIX - Como refutar qualquer coisa (Texto de Daniel Drasin) 1


"...insista sempre que a ciência consiste simplesmente na aplicação pura e simples da dúvida." D. Drasin.

Na sequência de posts "Como refutar qualquer coisa" que se inicia neste post, é feita uma tradução adaptada e comentada do excelente texto de Daniel Drasin "Zen ... and the Art of Debunkery". Já discutimos anteriormente em vários posts da série "Crenças Céticas" o comportamento de céticos e auto-proclamados defensores da razão que se colocam contra a ocorrência de fenômenos considerados anômalos. Dentre esses, fatos psíquicos e mediúnicos estão frequentemente sob ataque, razão porque achamos instrutivo ler o que Drasin já afirmou sobre o assunto. De forma geral, porém, os "contra-conselhos" de Drasin também podem ser usados em vários outros contextos.

Como sempre, o que está em azul é a tradução do texto apresentado. Meus comentários estão referenciados  abaixo.

A. Preparando o palco
  1. Antes de começar a refutar, prepare o equipamento. O que é necessário: uma cadeira (a1);
  2. Arranje a cara certa. Cultive uma face condescendente que dê a impressão de que suas opiniões pessoais estão totalmente embasadas na postura mais correta de todas. Adotar uma cara de desprezo, do tipo 'ar superior' é opcional, mas altamente recomendado;
  3. Empregue termos vagos, subjetivos e enganadores como 'ridículo', 'trivial', 'idiotice' ou 'enganação' de forma que tenham força de autoridade científica (a3);
  4. Mantenha sua argumentação a mais abstrata e teórica possível. Isso dará a impressão que as teorias aceitas são tão superiores que nenhuma evidência as poderá invalidar e, portanto, que não vale a pena examinar evidência alguma;
  5. Faça transparecer de todas as formas possíveis que a ciência é impotente para se defender sozinha contra a fraude e erros dos ignorantes e que, portanto, você foi escalado voluntariamente para a tarefa (a5);
  6. Projete suas opiniões debaixo do manto da mais ostensiva objetividade. Sempre descreva afirmações não ortodoxas como 'suposições' que são 'apregoadas', enquanto que as suas próprias ideias são 'fatos bem estabelecidos'.
B. Redefina a ciência
  1. Não descreva  a ciência como um processo aberto de descobertas, mas como uma guerra santa contra hordas de ignorantes e fanáticos medievais (b1). Como em uma guerra 'os fins justificam os meios', você pode falsear, modificar ou violar qualquer método da ciência, ou mesmo omiti-lo totalmente, em nome da ciência;
  2. Torne equivalente alguns elementos estreitos e críticos da ciência com a ciência toda, ao mesmo tempo em que descarte sumariamente o valor da pesquisa, da exploração e da descoberta;
  3. Ainda que a negatividade mais obtusa não possa ser igualada à própria ciência, da mesma forma que um freio de carro não é o próprio carro, insista sempre que a ciência consiste simplesmente na aplicação pura e simples da dúvida (b3). Caso alguém se oponha a isso, acuse seu oponente de manter uma visão confusa, subjetiva ou 'mística' da ciência;
  4. Embora seja ridículo querer igualar um automóvel ao destino para onde ele se dirige, declare que a 'ciência é equivalente ao corpo de suas conclusões científicas';
  5. Reforçe a crença popular de que certas áreas de pesquisa são inerentemente não científicas. Em outras palavras, deliberadamente confunda o processo de se fazer ciência com o conteúdo da ciência (b5). Se alguém ousa afirmar que a ciência deve ser neutra no que diz respeito ao seu objeto de estudo e que somente o processo investigativo pode ter falhas, descarte prontamente isso usando o método empregado por gerações de políticos: simplesmente diga que 'não existe contradição aqui';
  6. Embora insistindo de um lado que o método científico é universal em sua aplicação e que deve ser aplicado ao qualquer coisa, por outro lado, insista também que ele não se aplica a temas considerados 'não populares' (não científicos). Sempre afirme, de forma bem conservadora, que 'não há licença de liberdade' e que 'certas questões são de interesse apenas de teólogos';
  7. Declare que o progresso da ciência depende de explicar o desconhecido em termo do conhecido. Em outras palavras, que a ciência é igual ao reducionismo (b7). Você pode aplicar livremente a abordagem reducionista em qualquer situação simplesmente descartando mais e mais evidências até que o que sobre possa ser totalmente explicado em termos do conhecimento aceito;
  8. Torne desimportante o fato de que a livre pesquisa e o desacordo legítimo são parte normal da ciência;
  9. Sempre insista que a ciência ocidental é completamente objetiva e que ela nunca se influenciou por crenças ocultas, assunções intestáveis, tendências ideológicas, pressão política ou interesses comerciais. Se um fenômeno não familiar ou desconhecido acontecer de ser considerado verdadeiro ou útil por qualquer sociedade ou grupo não ocidental, você pode descartar isso imediatamente como uma 'bobagem anedótica', 'confusão de ignorante', 'superstição medieval' ou simplesmente 'conto de fadas' (b9);
  10. Declare que o temperamento individual, tipo de personalidade ou emoções humanas nunca exerceram nenhuma influência na objetividade de cientistas 'reais'. Ignore o fato de que emoções, preconceitos, idiossincrasias ou simplesmente insegurança humana pode exercer influência poderosa sobre empreendimentos científicos, frequentemente com resultados risíveis e pouco científicos;
  11. Evite tecer paralelos históricos entre a emergência da ciência e da democracia, ambas originalmente fundamentadas sob conceitos revolucionários como o pensamento independente, livre inquirição, trânsito livre de informações e questionamento da autoridade estabelecida;
  12. Reforce a ficção popular de que nosso conhecimento científico é completo e acabado. Faça isso afirmando simplesmente "Se essa ou aquela descoberta fosse legítima, então certamente já saberíamos disso!"  (b12);
  13. Afirme que nada pode estar acima da formulação Newtoniana do século 17 das leis físicas. Se alguém lembrar a você que o século 17 não tem mais a última palavra em física, mude o assunto o mais rápido possível;
  14. Caracterize qualquer pesquisa de fenômenos misteriosos e genuínos como algo 'indiscriminado', ao mesmo tempo em que sumariamente descarte a crença em ideias não ortodoxas como uma 'discriminação inteligente';
  15. Se alguém se lembrar que em ciência 'um ponto de vista precisa de tanta prova como o ponto de vista contrário', invoque o truísmo irrelevante de que 'crenças ortodoxas já foram provadas!";
  16. Asserte categoricamente que o não-convencional pode ser descartado como, no máximo, uma má interpretação do convencional (b16);
  17. Se pressionado a respeito de qualquer nova interpretação do método científico, declare que a 'integridade intelectual é um problema sutil!";
  18. Em qualquer oportunidade, exalte as virtudes do 'pensamento crítico', ao mesmo tempo em que você deve se comportar como se isso nada mais fosse do que negação pura e simples. Evite explicar que o pensamento crítico pressupõe desejo de examinar todos os lados de uma questão com igual rigor.
Comentários e referências

(a1) Um 'crítico de cadeira' ou de 'sofá' é alguém que maneja a retórica para negar ou refutar fenômenos que ele considera inexistentes. Ele jamais dá-se o trabalho de pesquisar ou conhecer os fatos. A imensa maioria dos céticos pode ser assim considerado.

(a3) Muitas vezes a força da argumentação cética não passa de mera retórica pelo uso de palavras que denigrem a argumentação contrária.

(a5) Ponto muito interessante. Muitos céticos pretendem defender a ciência das investidas da ignorância ou do recrudescimento do misticismo. Para eles, a ciência é como uma princesa indefesa que deve ser protegida a todo custo naturalmente por eles.

(b1) Ver comentário a5.

(b3) Ponto importante destacado por Drasin que é frequentemente visto na retórica do ceticismo.  Muitos acreditam que o ceticismo como negação pura e simples 'faz parte da mentalidade científica'.

(b5) Outro ponto muito importante. Céticos, em geral, tem dificuldade em separar essas duas coisas e simplesmente negam, por uma questão de fé própria, a validade da pesquisa do que não aceitam (como no caso da fenomenologia dos fatos psíquicos ou mediúnicos).

(b7) Ou também conhecido como redução a uma 'explicação naturalista'. Para o caso da mediunidade ostensiva, por exemplo, a explicação naturalista mais acreditada é a hipótese ou assunção de fraude. Em uma primeira tentativa, recorre-se a explicações mais sofisticadas (do tipo, 'coincidência' ou exacerbamento dos sentidos das testemunhas). Se isso não funciona, a tática da explicação pela fraude implementa facilmente o reducionismo. Drasin também chama atenção para a tática cética de desqualificação das evidências até o ponto em que o que sobre possa ser facilmente reduzido ao que é conhecido.

(b9) A crença na reencarnação em algumas sociedades orientais é um exemplo.

(b12) Isso constitui um dos fundamentos do indutivismo ingênuo.

(b16) Isso é uma outra maneira de se implementar o reducionismo ou 'explicar o desconhecido pelo conhecido'.

No próximo post: Relaxando as regras das evidências.

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