Mostrando postagens com marcador física quântica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador física quântica. Mostrar todas as postagens

3 de março de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica II


O homem não pode, pelas investigações das ciências, penetrar em alguns dos segredos da natureza? A ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas, mas não pode ultrapassar os limites fixados por Deus. (´'O Livro dos Espíritos, Questão #19)

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física.

O caráter não ordinário da experiência das duas fendas (ver post anterior) é porque a Natureza revela um comportamento ondulatório, mesmo para objetos pertencentes ao mundo físico que antes imaginávamos bem sólidos. Como dissemos, o experimento das duas fendas surgiu nos estudas da óptica, ou seja, com fenômenos luminosos. Poderíamos nos perguntar se a luz, apresentando esse comportamento, de fato revela algo essencial e definitivo na natureza em seu comportamento ondulatório. Contrariamente ao esperado tal não acontece. A luz também se comporta como uma partícula!

O efeito fotoelétrico

O experimento crucial que demonstra esse fato é o efeito fotoelétrico explicado por Einstein (1905) como a colisão de fótons com elétrons. Na Fig.3 ilustramos o efeito. Um placa (E de emissor) é iluminada por luz. Elétrons são arrancados e recolhidos por uma segunda placa (C de coletor):

Fig. 3 Ilustração do princípio do efeito fotoelétrico.
Se as placas forem ligadas a um circuito elétrico externo, uma corrente elétrica flui. Esse sistema tem inúmeras aplicações tecnológicas tais como sensores de intensidade de luz (fotômetros), baterias solares, câmeras fotográficas digitais etc. A única explicação possível para o fenômeno é se admitirmos que partículas luminosas colidem diretamente com os elétrons, fornecendo energia a eles que é suficiente para iniciarem a jornada até a placa C. Cada partícula de luz fornece o chamado quantum de energia aos elétrons, que depende bastante da espectro (ou freqüência das oscilações luminosas) característico da fonte de luz. Para retirar um elétron do metal é necessário uma certa energia que chamamos de E. Os elétrons livres adquirem uma energia cinética que denotaremos por K. A relação fundamental descoberta por Einstein então se escreve:

hf = K + E

onde f é a freqüência da luz incidente (número de vibrações por segundo) e h é uma nova constante conhecida como constante de Planck (=6,6E-34 Js). Essa relação diz duas coisas: que a energia associada ao quantum de luz é dada pelo produto hf e que tal energia é dividida no fenômeno entre a energia de liberação (representada pelo potencial K) e a energia cinética ou energia de movimento (E) da partícula. Se existir um potencial mínimo para a liberação do elétron do material (concebivelmente, o elétron está associado ao material e precisa de energia para ser libertado), então apenas quando a energia luminosa conseguir atingir o valor característico do material é que o efeito fotoelétrico ocorrerá (o necessário para que E>0).


Na mecânica clássica (que é a mecânica dos objetos macroscópicos) sabemos que objetos possuem uma energia característica que é uma medida de sua liberdade dentro de um sistema ('sistema' aqui é entendido de forma bem geral como um arcabouço físico ou arrajo que permite que determinados fenômenos ocorram). Consideremos, por exemplo, um objeto movendo-se em uma dimensão como mostra a Fig.4. Esse objeto tem uma energia cinética inicial que chamamos de E. Imaginemos que ele seja lançado contra uma barreira de potencial de origem gravitacional, isto é, trata-se de um “morro” que o móvel pode transpor ou não dependendo de sua energia inicial. Se o “morro” tem altura A, dado que a massa do corpo é m e a aceleração da gravidade é g, somente haverá transposição da barreira se

E > mgA

ou seja, somente se E for maior que a energia potencial como determinada pela altura da barreira. Tal processo é chamado de espalhamento clássico. Sabemos que desde que o objeto tenha energia suficiente para transpor a barreira, ele será encontrado no lado direito como mostra a fig. 3. Se não ele retorna em sentido contrário como mostra a Fig. 4 para E < mgA .

Fig. 4 Processo de espalhamento 'clássico'.
Aspectos bastante inusitados aparecem se considerarmos o processo de espalhamento de uma “partícula quântica” por um potencial Vo (ver fig. 5). Como vimos uma partícula quântica não se comporta bem como uma partícula. Devemos associar uma onda de probabilidade a ela. Por causa do caráter probabilístico, não se pode falar que a partícula ultrapassou a barreira de uma maneira definitiva. Se quisermos “confinar” a partícula a uma região do espaço onde se tem maior certeza, então não podemos associar a partícula uma energia qualquer, muito menos uma energia definida. Ao invés de E, dizemos que existe uma energia média <E>. O fato é que se <E> > Vo, a partícula atravessa a barreira, mas a probabilidade de se encontrar a partícula antes da barreira não é nula. Isso porque a onda de probabilidade inicial é parcialmente transmitida e parcialmente refletida. Isso contrasta com o caso clássico onde para E > mgA, a partícula necessariamente é transmitida completamente.

Fig. 5 Tunelamento quântico.
Por outro lado, se <E> < Vo, é possível encontrar a partícula do outro lado da barreira! Esse fenômeno estranho é chamado de tunelamento quântico e é uma das marcas registradas da fenomenologia quântica. Tudo ocorre como se a partícula tivesse atravessado a barreira de potencial e aparecesse do outro lado. Uma outra maneira de se ver isso é considerar que a natureza ondulatória da matéria se manifesta através da incerteza de posição, o que designa uma probabilidade diferente de zero para se encontrar a partícula do outro lado da barreira, ainda que a energia dela seja insuficiente para atravessar o morro de potencial. Veremos depois onde ele se aplica (p. ex., a física nuclear faz uso do tunelamento quântico para explicar e explorar processos nucleares; geração de energia etc).

Fig. 6 Ilustração sumária sobre diferença entre o efeito de tunelamento clássico (acima) e quântico (abaixo).

O que podemos concluir disso tudo? Que, uma vez garantida as condições para que os efeitos quânticos ocorram, a Natureza se comporta de uma maneira bastante diversa da maneira como estamos acostumados a ver em nosso mundo (Fig. 6).

Entretanto, a maneira como esses fenômenos são apreendidos pelas técnicas experimentais tem pouco a ver com a maneira como nos certificamos das coisas a nossa volta. Isso é uma lição importante a ser observada, já que ela nos revela que a maneira como vemos o mundo é muito particular e não pode ser estendida para outras 'realidades'. No caso quântico essa 'realidade nova' aparece quando consideramos fenômenos envolvendo partículas ou sistemas verdadeiramente microscópicos (mesmo um vírus é um ser vivo grande se comparado a um sistema quântico). Também, fenômenos quânticos podem ocorrer quando a temperatura dos sistemas físicos é abaixada para valores muito próximos ao chamado 'zero absoluto' (-273 graus abaixo do zero centígrado). Nessa condição, os efeitos quânticos também aparecem, pois então a matéria está 'congelada', o que permite que o comportamento microscópico de seus constituintes (os átomos) se revelem de forma organizada no nível macroscópica.

Veremos em detalhes isso nos próximos postos da série 'Conceitos básicos de Física Quântica'. 

Referências

 Einstein A. (1905) Annalen der Physik, 17,132.

Outros posts

Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar).Conceitos básicos de Física Quântica I.

4 de fevereiro de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica I


As moléculas têm uma forma determinada?" Sem dúvida, as moléculas têm uma forma, que não é perceptível para vós." ('O Livro dos Espíritos', questão # 34, 1857)

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física. 
1. Introdução

A física exerceu enorme influência sobre o desenvolvimento das ciências modernas nos últimos tempos. Sabemos hoje o quanto e ciência e a tecnologia têm contribuído para o aprofundamento do abismo entre as sociedades ricas e pobres, numa situação nunca antes vista na história. Nosso objetivo com a série de posts que se inicia hoje é apresentar brevemente alguns conceitos de física quântica, a fim de elucidar aparentes diferenças entre a visão do mundo fornecido por essa disciplina e a maneira usual de ver o mundo. Isso é importante, uma vez que descobrimos que o nosso jeito particular e puramente sensorial de apreender a realidade não corresponde ao único existente. Existem 'outras realidades', o que pode ajudar a nos distanciar do ceticismo em relação a novos fenômenos da Natureza. Sabemos também que a física quântica tem sido evocada por grupos de espiritualistas numa tentativa de justificar ideias e noções transcendentes do ser humano ou do próprio Universo (ver "Física Quântica e os espiritualistas do século 21 - uma análise preliminar"). Antes de analisarmos e criticarmos essa postura, é importante apresentar os novos conceitos da física quântica, mesmo que em nível elementar, a fim de que o leitor também possa julgar melhor a polêmica e a dificuldade apresentada por esse tipo de debate. Nosso objetivo não é, portanto, a crítica.

Grande parte dos avanços da física neste século foram possíveis graças ao desenvolvimento do programa de pesquisa da chamada "mecânica quântica" também conhecida como física quântica. Seu desenvolvimento se deve basicamente à convergência de três especialidades da física: o eletromagnetismo, a óptica e o surgimento da física nuclear, bem como um conjunto de novos fenômenos que não poderiam ser explicados de forma satisfatória pela física anterior, chamada de 'física clássica'. Em sua essência a mecânica quântica visa o estudo de sistemas quânticos. Sistemas quânticos são sistemas físicos (isto é, podem ser sistemas elétricos, ópticos, nucleares, eletrônicos, térmicos, mecânicos etc) cuja quantidade de movimento ou energia associada é tão pequena que uma descrição clássica não é possível. 

2. Descrição clássica

O que é porém uma descrição clássica?

É a descrição de sistemas físicos desenvolvida pelos cientistas antes da descoberta de fenômenos quânticos e que atingiu seu pleno desenvolvimento com as contribuições de Isaac Newton (1643-1727) no século 18 (mas não exclusivamente por ele). Newton tornou-se um dos pais fundadores da física clássica. Nossa crença do mundo é clássica. Daí o nome 'física clássica' ou 'mecânica clássica'. Quando dirigimos automóveis acreditamos que as posições e velocidades dos automóveis que passam a nossa frente realmente refletem o estado desses sistemas de forma simultânea. Sabemos que um erro de cálculo de nossas mentes pode ser fatal pois, em se tratando dos sistemas “automóveis”, não é possível que dois deles ocupem a mesma posição no espaço no mesmo instante de tempo. Quando ligamos aparelhos elétricos sabemos (na verdade, nós acreditamos nisso) que a corrente elétrica da tomada de força flui continuamente, o que possibilitamos o correto uso de equipamentos. Quando observamos objetos a nossa frente, acreditamos que eles estão na posição que nós observamos, no momento em que são observados, parados ou em movimento, e não que se encontrem em outro lugar (mesmo que esse outro lugar seja alguns poucos milésimos da distância da posição onde nós acreditamos que esses objetos estejam).

Nota de 1 libra trazendo a imagem de Newton. O desenvolvimento da física clássica foi um dos triunfos da civilização moderna. 
A física clássica é a física dos objetos e coisas muito próximos de nossos sentidos. Para ela o tempo flui continuamente, sem consideração a nada mais; o medidas no espaço são definidos a partir de sua referência a um determinado ponto arbitrário nesse mesmo espaço, que não se altera pela presença de objetos nele. Espaço e tempo são conceitos primitivos e independentes um do outro. Objetos existem no espaço com posições muito bem definidas. Movimentam-se nele com velocidades que se pode determinar com precisão. O estado desses objetos clássicos é determinado por arranjos experimentais sem que o observador interfira de forma mais fundamental no processo de medida. Ou, se isso não for absolutamente possível, há sempre uma maneira de se fazer um experimento de forma que o processo de medida interfira o mínimo possível com o estado anterior desse objeto (antes da medida). Ainda assim, é possível separar o efeito do observador, de forma a se prever e reduzir sua influência sobre o objeto medido.

Essas características da física clássica acima deixam de ser válidas no universo quântico, que é o domínio de existência de fenômenos quânticos. Isso ocorre freqüentemente, porém, dentro de uma escala de dimensão peculiar. A Natureza freqüentemente prega peças nos seres humanos, principalmente quando nos baseamos em nossas experiências ordinárias ou tomamos como certo o mundo que nos cerca (nossa experiência ordinária sensorial dele). Nesta nossa discussão, apresentaremos brevemente alguns dos fenômenos quânticos que se tornaram notórios no desenvolvimento da física quântica, a dificuldade de compreensão desses fenômenos pelo “bom senso” que nos guia diariamente, e um panorama geral da situação atual acadêmica da interpretação física desses mesmos fenômenos. Por causa da dificuldade intrínseca do assunto, não poderemos senão apresentar uma descrição necessariamente qualitativa e elementar, deixando aspectos quantitativos e mais complexos de lado para inúmeras referências que existem. 

Se o domínio dos fenômenos quânticos é muito diferente do nosso, por que conhecer física quântica é importante? Uma resposta a essa questão não pode ser dada fora das aplicações dessa nova física. Isso porque todo conhecimento científico que é útil tem uma aplicação definida de onde aproveitamentos práticos podem ser feitos. Todos os equipamentos eletrônicos que usamos modernamente têm como elementos básicos componentes que funcionam utilizando fenômenos ou propriedades de sistemas quânticos. Também nos processos de comunicação a distância (telecomunicações) alguns princípios quânticos importantes tais como a noção de comprimento de onda, freqüência etc são utilizados. Dificilmente porém teremos que nos preocupar com a física quântica em se tratando dos fenômenos que impressionam diretamente nossos sentidos, pois a maior parte dos fenômenos quânticos não podem ser apreendidos dessa maneira. 

3. Alguns fenômenos quânticos

Experimento das duas fendas.

Um fenômeno quântico antigo que é de fácil montagem experimental é o fenômeno de interferência de ondas  (também chamado de experimento das duas fendas). Esse fenômeno era bem conhecido muito antes do nascimento da física quântica, pertencendo à óptica, pois se acreditava então (até o fim do século 19) que a luz fosse formada por vibrações (ondas) propagando-se em um meio especial chamado éter. Uma imagem  ilustrativa do experimento é mostrada na Fig. 1. Uma anteparo com uma fenda (S1) é iluminado uniformemente desde a esquerda. A luz, propagando-se inicialmente seguindo frentes de onda plana (regiões de mesma intensidade de luz), ao passar pela fenda, propaga-se com frentes de onda esférica ou circular como mostrado. Se essa onda passar agora por duas fendas (S2), por causa da interferência entre as oscilações provenientes de cada fenda, um anteparo distante registrará a interferência na forma de regiões claras e escuras como mostrado.
Fig. 1 Experimento das duas fendas.
Observamos que, invocando a natureza ondulatória do fenômeno, esse experimento pode ser feito tanto com luz como com som. No caso de som, o que se registra na região de interferência é a alternação entre zonas de ruído e zonas de silêncio. Uma extrapolação do experimento de duas fendas que foi confirmada na prática experimental e que constitui uma assinaturas da natureza quântica da matéria é a seguinte: se, ao invés de luz, lançarmos matéria na forma de partículas desde a esquerda, esperamos intuitivamente que as partículas atravessem as fendas discretamente, não se observando figura alguma de interferência no anteparo final. Isso acontece porque nossa concepção aprendida de matéria é de algo bem definido no espaço. Partículas são tratadas como 'bolinhas' que se movimentam no espaço colidindo-se umas com as outras, sem chance de interferirem.

Fig. 2 Experimento de duas fendas com 'ondas de matéria'.
Entretanto isso não acontece! Lançando muitas partículas no experimento de duas fendas, encontramos no anteparo final partículas que se distribuem no espaço segundo uma padrão de interferência característico (Fig. 2). Poderíamos achar que o padrão de interferência final fosse resultado da colisão (interação) entre as muitas partículas que lançamos e que atravessam as fendas ao mesmo tempo. Isso porém não é verdade, pois o padrão de interferência aparece ainda que lançemos uma partícula por vez. A única explicação possível é mudar nosso conceito usual de partícula ou matéria e associarmos um comportamento ondulatório a ela. Dizemos que uma determinada partícula (pode ser um elétron, um átomo, coleções de átomos etc) está associado uma onda que tem um certo comprimento de onda ou freqüência característica e que se propaga no espaço prescrevendo nele a intensidade de probabilidade de se encontrar a partícula em um dado ponto.

Uma Partícula  está associada a 


que é uma representação simbólica para a onda da partícula (letra grega psi, na representação acima pronuncia-se 'psi de x', uma função matemática especial). Ela está associada à probabilidade, por exemplo, de se achar a partícula em uma certa posição do espaço dado por x. A primeira diferença da nossa descrição usual (clássica) do mundo aparece. De fato, a matéria descrita do ponto de vista quântico não pode ter sua posição fornecida com infinita precisão; existe uma incerteza dada pela onda de probabilidade. Na experiência das duas fendas, essa onda de probabilidade se manifesta na forma de interferência. Cada orifício na fenda 2 produz ondas de probabilidade que se interferem para formar a figura no anteparo. Perceba que isso é verdade mesmo que tivéssemos uma única partícula. Mas como pode uma partícula interferir com ela mesma? Há algo que se espalha no espaço, ligado a uma partícula que, ao passar pelas duas fendas, é modificado no espaço, resultando na figura de interferência que se observa no anteparo. Notamos, porém, que no caso de uma única partícula, esta é capturada em algum ponto no anteparo apenas nas zonas previstas pela distribuição de probabilidade modificada (Ver fig. 3 para uma simulação de uma partícula que se encontra confinada inicialmente em uma região circular do espaço em vermelho). É preciso utilizar muitas partículas para se formar uma figura de interferência 'por acumulação' como aquela obtida por meio da luz.

Fig. 3 Fenômeno de espalhamento de uma onda quântica definida em uma região circular do espaço sobre um anteparo com dois orifícios. Se fosse uma 'partícula clássica', ela teria ricocheteado na parede e nada seria visto do outro lado ou ela teria atravessado um dos orifícios (caso fosse menor que eles). No caso de uma partícula quântica, há interferência de sua onda de probabilidade, e a partícula pode ser encontrada do outro lado. (De acordo com Fernandez Palop, 2009)
Essa 'onda de probabilidade' orienta a posição da partícula. Mas não só isso, ela orienta também a velocidade dessa partícula. Como tudo é feito de partículas - átomos e seus agregados - então a matéria que conhecemos tão bem no chamado 'nível macroscópico' como sendo algo tangível e de posição definida, não o é no nível microscópico. Como então acontece de não percebermos essa variação apreciável na probabilidade de posição tão comum no nível quântico? A resposta é que, no nível macroscópico, quando se agregam muitos milhares de bilhões de partículas em agregados, a discretização possível de interferência observada torna-se microscópica, tão pequena que é imperceptível: surge então uma descrição absolutamente contínua da realidade, desaparecem as incertezas e o 'universo clássico' se estabelece. Isso é algo semelhante à ilusão provocada pela contemplação de uma imagem num computador: essa imagem é feita, de fato, por milhões de "pixels", mas cria uma ilusão de continuidade se vista a certa distância.

No próximo post:  efeito fotoelétrico; tunelamento quântico (efeito túnel).

Sobre alguns termos
  • Estado - diz respeito a determinadas características de um sistema físico. Ao se descrever o estado de um sistema físico, se está também definindo o próprio sistema. Esse conceito será foco de um futuro post.
  • Sistema físico - é a região do espaço definida por determinados objetos físicos submetidos a condições específicas. Um sistema físico tem determinadas características que o descrevem, uma delas é o seu estado.
Referências

3 de dezembro de 2011

Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar)

Representação gráfica da molécula de DNA.
Do ponto de vista filosófico, espiritualista é todo aquele que acredita haver algo além da matéria, que justifique os fenômenos da consciência, do ser e da personalidade humana (e, porque não dizer, dos animais). Deixa de ser espiritualista aquele que acredite que a matéria seja a base para se compreender os fenômenos psíquicos e psicológicos. Essa é uma maneira muito didática de apresentar conceitos que sempre geram muita confusão e é de autoria de Allan Kardec (*).

Mas, no que consiste esse materialismo? Já que a física moderna demonstrou que existem modalidades de matéria muito distantes dos nossos sentidos, deixa de ser viável acreditar que fenômenos como o da consciência sejam explicáveis por meio de interação simples entre átomos entendidos como blocos rígidos de matéria. Além desses 'blocos constitutivos', existem outras entidades na forma de campos ou forças que atuam à distância, além de outros conceitos fundamentais que são necessários para explicar como a matéria pode se organizar para constituir algo vivo primeiro e, então, como esse ser vivo pode manifestar consciência. O materialismo moderno, portanto, deve fazer uso dessas ideias e conceitos abstratos para explicar como a vida e a consciência podem existir em nosso mundo. Mas então, a raiz da palavra 'materialismo' na forma de 'matéria' ou aquela coisa sólida e tangível deixa de ter seu significado original.

Visto meramente do ponto de vista das definições que se faz para coisas e conceitos, pode-se defender a ideia hoje em dia que há menos distância entre as noções espiritualistas do ser do que antes, durante o século 19, por exemplo. No auge do positivismo lógico, a matéria que impressionava os sentidos era tudo o que poderia existir. Hoje, há meios de se compreender que o espírito (Nota 1) seria também uma força, outro elemento, inacessível aos sentidos ordinários como  ingrediente fundamental para a formação da consciência. Entretanto, há uma clara dificuldade quando se trata de validar essa noção do ponto de vista considerado 'científico'.

A visão de Mundo pelos cientistas modernos (início do século 21)

Em paralelo com tal constatação, existe uma queixa por parte do mundo acadêmico com relação a qualquer tentativa de explicação do mundo a nossa volta por meio de conceitos que não nascem diretamente do  processo considerado adequado de se fazer ciência. É que o pensamento científico de nossa época se desenvolveu a partir da ideia de que noções como a existência de deuses ou forças invisíveis conscientes que atuariam diretamente no mundo são desnecessárias. No passado, a religião organizada ditava as normas sobre o que seria considerado razoável e não havia problema em se acreditar que o mundo era de fato regido diretamente pelas mãos de Deus. Desde que a física clássica conseguiu explicar muitos dos fenômenos mecânicos e elétricos do Universo com base na existência de leis cegas e sempre operantes (não são leis arbitrárias como arbitrário pareciam ser os caprichos de Deus), todas as outras ciências (principalmente a Biologia e a Medicina) também buscaram desenvolver suas teorias dentro da noção de que leis cegas são suficientes para explicar os fenômenos naturais.

Essa visão do mundo, conjugada à maneira positiva de se encarar as entidades (coisas que existem no mundo, de fato) que trabalham como 'atores' nas teorias científicas, levou a uma situação onde aparentemente não mais seria possível acreditar na possibilidade de forças inteligentes (além daquelas que tem como causa a existência dos seres humanos) atuarem diretamente no Universo. Há uma imensa categoria de fenômenos naturais (que são objeto de estudo das ciências físicas) que são claramente produto de forças ou leis cegas. Entretanto,  a comunidade acadêmica acabou se especializando neles e são hoje  incapazes de aceitar que há uma limitação de escopo na ciências que trabalham. Por se referirem a fenômenos simples, colecionáveis, reprodutíveis etc, as teorias deles derivados são necessariamente limitadas a esses objetos que criam uma visão de mundo igualmente limitada. Acrescenta-se a isso o espírito corporativista das associações científicas e teremos um ambiente notoriamente cético em sua maneira de considerar determinados fenômenos e avesso a qualquer tentativa de mudança ou novidade, que é mal vista como um enxerto desnecessário e suspeito.

Surge a psicologia quântica

No que a física quântica mudou esse quadro? Uma resposta a essa questão pareceria envolver necessariamente grande conhecimento dessa nova física. Mas, no que nos interessa aqui, não deixa de ser interessante observar o fenômeno recente de como essa nova física tem sido invocada para justificar a crença de determinados grupos espiritualistas, psicólogos e até de grupos de acadêmicos marginalizados (Zohar, 1999). O exemplo que encabeça a lista é a do físico e escritor Amit Goswami que, numa série de livros, palestras e congressos, se fez conhecido como um 'ativista quântico' e propõe uma 'interpretação' radicalmente quântica do ser humano.  Além disso, vários parapsicólogos (Kugel, 2000) aderiram à ideia de que é preciso utilizar a física quântica para explicar os fenômenos psíquicos. Essa física também surge como uma novidade capaz de motivar uma nova psicologia (Zohar, 1990).

O fenômeno é curioso porque a física quântica, não obstante ter introduzido uma modificação bastante radical na maneira de se encarar as entidades que fazem parte das teorias da física anterior, apenas é aplicável ao mundo infinitamente pequeno. Trata-se da microfísica ou física das partículas e agregados atômicos, que só atua em escalas muito pequenas. Como então que essa nova física veio parar em compêndios de psicologia e artigos de parapsicologia?

Nossa introdução procurou fornecer um quadro muito resumido da atual maneira de se encarar o mundo por parte dos cientistas. Uma vez que a física quântica é um mistério - sua interpretação ainda é motivo de calorosos debates entre os especialistas - parece ser conveniente para tais grupos invocar a física quântica na psicologia, parapsicologia e até ecologia que também lidam com mistérios. Como a física quântica é um mistério e a consciência é um mistério, então o cérebro é quântico... Dessa forma, a física quântica surge como uma validação científica de mistérios para uma ciência que aprendeu a encarar os fenômenos naturais como se eles não o fossem. É compreensível a irritação de muitos acadêmicos com a 'onda quântica' na psicologia e outras disciplinas.

Desvantagens da abordagem quântica em assuntos espiritualistas

Alguns de nossos leitores poderiam nos questionar porque alguém que se afirma espiritualista poderia ser contra essa abordagem 'quântica'. Minha argumentação, em ordem de importância é conforme segue:
  1. Embora concorde que a física quântica alterou nossa visão do mundo (microscópico), não é possível querer extrapolar essa nova física para a psicologia porque os objetos de estudo dessa disciplina podem não ser quânticos (Jahn, 2011, ver Nota (2)). Abusa-se demais de analogias e interpretações para forçar uma nova maneira de ver o mundo derivada de coisas que não são os objetos da vida cotidiana. Isso tem consequências ainda maiores quando buscamos descrever os fenômenos oriundos da atuação do espírito sobre a matéria. Para mim o princípio inteligente (que é a fonte de toda informação dos seres) não é quântico, os que assim pensam ainda precisam demonstrar que é possível levar adiante essa ideia não apenas como uma simples extrapolação; 
  2. Ao se buscar descrever o comportamento da mente, do espírito ou da consciência com base em analogias da física quântica, será que poderemos também exportar diretamente os métodos de pesquisa da microfísica para esses objetos de estudo? A tarefa de criar uma nova ciência não está apenas em encontrar uma nova explicação para certos fatos, mas criar um método de pesquisa que seja consistente, dê resultados práticos e possibilite relacionamento harmônico entre diversas disciplinas correlacionadas. Em suma: é preciso demonstrar a fertilidade heurística das analogias quânticas nos estudos da consciência e psicologia;
  3. A psicologia e até doutrinas espiritualistas de forma geral não precisam de interpretações quânticas para descrever o principal objeto de seus estudos. É possível conceber aplicações e métodos de grande valor prático para essas disciplinas sem que seja necessário se recorrer à analogia com a física quântica. Podemos argumentar que recorrer a analogias da nova física pode prejudicar o desenvolvimento de novas ideias e novos métodos de investigação nesses campos de conhecimento;
O conhecimento completo dos fundamentos da física quântica, ao ponto que seria possível fazer propostas de aplicações inovadoras na pesquisa corrente da física é uma atividade que leva anos de estudo e exige conhecimento nada elementar de álgebra, geometria e cálculo. Será que as propostas de se interpretar o fenômeno da consciência desde o ponto de vista da física quântica chegarão ao ponto de incorporar também a necessidade de se conhecer e aplicar esses métodos de pesquisa? De outra forma, como a ciência do 'psi quântico' irá se desenvolver? Essas são questões que devem ser respondidas de forma satisfatória, antes que se propague uma ideia que pode estar condenada desde seu princípio.

Além das justificativa pouco convincentes do ativista quântico Goswami (Fonseca, 2010), sabemos que é um fenômeno mais de aceitação, da necessidade de se ter o endosso da ciência - que se crê popularmente ser a guardiã da verdade sobre o mundo - do que qualquer outra coisa. Ao aplicar conceitos da microfísica na psicologia humana, estamos diante de um quadro nunca visto antes de desespero intelectual, um quadro sem nenhum respaldo de evidência possível, permitido por uma brecha de interpretação surgida dentro da própria física.

E que brecha é essa?  As forças admitidas cegas que guiam os fenômenos naturais continuam cegas nos fenômenos quânticos. Mas, mesmo assim, por sugerir fortemente que podemos estar enganados com relação à maneira como vemos o mundo, a física quântica fornece um contexto de conhecimento que se coloca fortemente em desacordo com uma visão mecânica e puramente sensorial do mundo. Nossa visão do mundo macroscópica (não quântica) pode ser apenas um epifenômeno sensorial, não estamos vendo a realidade que é manifestamente oculta. É principalmente isso que os 'ativistas quânticos' querem chamar atenção.  Mas duvido que isso seja um caminho prático para se gerar conhecimento útil no que concerne à realidade do Espírito.

Referências
  • (*) Ver a Introdução de "O Livro dos Espíritos", Parte I.
  • Fonseca, A. F. (2010), Uma análise espírita da obra "A Física da alma" de Amit Goswani, O Espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais, Textos selecionados Ed. por CCDPE-ECM, São Paulo.
  • Goswami, A. (1993) The self-awere universe. New York, Puttnam’s Sons;
  • Goswami, A. (1998). O universo autoconsciente. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos;
  • Jahn R. G., Dunne B. J. (2011), Journal of Scientific Exploration, Vol. 25, No. 2, pp. 339–341.
  • Kugel,W. (2000) Quantum correlation as a potencial detector for Psi-phenomena. Proceeding of 43rd Annual Convention of Parapsychological Association, Frieburg, Alemanha;
  • Zohar, D (1999), O Ser quântico, Editora Best Seller.
Notas


(1) espírito; de acordo com 'O Livro dos Espíritos' (Questão #23) o espírito é o princípio inteligente, necessário para 'espiritualizar' a matéria.  

(2) Os pesquisadores pioneiros em interpretações quânticas para a consciência Robert Jahn e Brenda Dunne alertaram recentemente (Jahn, 2011):
Muitas pessoas envolvidas em áreas de fronteira de estudo científico mostram uma tendência de invocar a nomenclatura da mecânica quântica para aumentar sua credibilidade acadêmica tanto com o público leigo como acadêmico. Embora essa estratégia seja efetiva no esclarecimento de conceitos sutis e podem ser caminhos úteis para se enfatizar a necessidade de perspectivas alternativas à realidade, se levado ao excesso pode se tornar contra produtivo e deve ser cuidadosamente evitado. Primeiro de tudo, existe uma tendência compreensível, se não totalmente legítima, das comunidades das 'ciências exatas' em evitarem a aplicação  do que entendem ser suas conceituações e classificações quânticas a outras áreas menos precisas e rigorosas do conhecimento, especialmente quando tais apropriações são escandalosamente vazias, se não totalmente incorretas.  Em nossa luta continua para o desenvolvimento de um referencial conceitual capaz de acomodar a dimensão subjetiva da realidade, tais tentativas ingênuas parecem ser mais ofensivas do que persuasivas. Mas, além disso, elas tentam obscurecer o fato importante de que a mecânica quântica, como qualquer estrutura teórica, é, em si mesma, uma técnica metafórica para se formalizar e comunicar representações objetivas de observações e interpretações de dados subjetivos. (...)