24 de agosto de 2012

O que é a morte ? (Victor Hugo*)

"A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade."

O que é que faz o homem livre?

A alma. Quem diz livre, diz responsável.

Responsável por tudo nesta vida?

Efetivamente não, porquanto nada há mais demonstrado do que a prosperidade possível e frequente dos maus e o infortúnio imerecido dos bons durante a sua passagem sobre a Terra.

Quantos homens justos não tiveram só angústias e misérias até o seu derradeiro dia? Quantos homens criminosos viveram até a mais extrema velhice no gozo pacífico e sereno de todos os bens deste mundo, neles incluindo a consideração e o respeito de todos! É o homem, então, responsável depois da vida? Evidentemente sim, pois que não o é durante ela. Alguma coisa dele sobrevive para submeter-se a essa responsabilidade: a alma.

A liberdade da alma explica a sua imortalidade. A morte não é, portanto, o fim de tudo. Ela não é senão o fim de uma coisa e o começo de outra. Na morte o homem acaba, e a alma começa. Tome-se por testemunho o que considerar do rosto de um ente amado com essa ansiedade estranha feita de esperança e de desesperança. Digam esses que atravessaram essa hora fúnebre, a última alegria, a primeira do luto, digam se não é verdade que bem se sente que ainda há ali alguém, que tudo não acabou?

Sente-se em roda dessa cabeça como o frêmito de asas que acabaram de expandir-se, uma palpitação confusa e inaudita que flutua no ar ao redor desse coração que não mais bate. Essa boca aberta parece chamar o que acaba de partir e dir-se-ia que deixa cair palavras obscuras no Mundo Invisível.

Eu sou uma alma.

Bem sinto que o que darei ao túmulo não é o meu Eu, o meu Ser. O que constitui o meu Eu, irá além.

Terra, tu não és o meu abismo.

O homem outra coisa não é senão um cativo.


O prisioneiro escala penosamente os muros da sua masmorra, sobe de saliência em saliência, coloca o pé em todos os interstícios para alcançar o respiradouro. Aí, olha, distingue ao longe a campina, aspira o ar livre, vê a luz.

Assim é o homem.

O prisioneiro não duvida que encontrará a claridade do dia, a liberdade. Como pode o homem duvidar se vai encontrar a Eternidade a sua saída? Por que não possuirá ele um corpo sutil, etéreo, de que nosso corpo humano não é nada mais que grosseiro esboço?

A alma tem sede do absoluto e o absoluto não é deste mundo. É por demais pesado para esta Terra. Há duas leis, a lei dos globos e a lei do Espaço. A lei dos globos é a morte. O limite exige a destruição. A lei do Espaço é a Eternidade. O Infinito permite a continuação.

Entre os dois mundos, entre as duas leis, há uma ponte: a transformação. A ambição do vivo dos globos deve ser, pois, tornar-se um vivo no Espaço.

O mundo luminoso é o Mundo Invisível. O Mundo do Luminoso é o que não vemos. Os nossos olhos carnais só vêem a noite. Ai do que vive com os olhos abertos sobre o mundo material e com as costas voltadas para o mundo desconhecido!

A morte é uma mudança de vestimenta.

Alma, tu estavas vestida de sombra, agora vais te vestir de luz. É no túmulo que o homem faz o último progresso.

Na morte, o homem se torna sideral. A morte é a vindita da alma. A vida é o poder que tem o corpo de manter a alma sobre a Terra, pelo peso que faz nela. A morte é o poder que tem a alma de arrebatar o corpo fora da Terra pela assimilação.

Na vida terrestre, a alma perde o que irradia. Na vida extraterrestre, o corpo perde o que pesa.

A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade.

As almas passam de uma esfera para outra, tornam-se cada vez mais luz, aproximam-se cada vez mais e mais de Deus.

O ponto de junção é o infinito.

O que dorme e desperta, desperta e vê que é homem.

O vivo que morre, desperta e vê que é Espírito.


(*) Gostaria de agradecer a Jérémie Philippe por ter encontrado a referência original:  V. Hugo, "De la Vie et de la Mort", Extrait de Post-scriptum de ma vie, 1901. O texto acima é uma tradução de trechos extraídos desse trabalho original de Victor Hugo.

O texto corresponde, com algumas modificações, ao que pode ser encontrado no livro "O Espiritismo nas Ciências Contemporâneas - Textos selecionados dos terceiro e sétimo encontros nacionais da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE)" (Ed. CCDPE-ECM, 2012).  No artigo "Algumas anotações sobre o Advento do Espiritismo" (p. 153-175) dessa referência, Eduardo C. Monteiro atribui sua autoria a Victor Hugo. 

19 de agosto de 2012

Crenças Céticas XXI: Será que o homem pousou na Lua?


"Ao lado desses céticos endurecidos, há aqueles que querem ver a sua maneira; que tendo formado uma opinião, querem com ela tudo relacionar: eles não compreendem que os fenômenos não possam obedecer a sua vontade; eles não sabem, ou não querem, se colocar nas condições necessárias." (A. Kardec, "O que é Espiritismo, 2o Diálogo, "O Cético").

É instrutivo comparar o ceticismo que existe contra determinados fenômenos de efeitos psíquicos (que passam por todas as classes de eventos mediúnicos - efeitos físicos etc) com o ceticismo em relação ao pouso lunar, que ocorreu pela primeira vez a 20 de julho 1969 e que se tornou um dos triunfos do projeto Apolo.

Em primeiro lugar, cumpre observar que várias características do pouso lunar (consequência do programa espacial americano da época) alimentam o ceticismo contra a sua ocorrência:
  1. Trata-se de um evento extremamente raro: em toda a história da Humanidade (que podemos datar como início a cerca de 10 ou 20 mil anos atrás) ele aconteceu algumas vezes;
  2. 'Pousar na lua' não pode ser facilmente reproduzido (ou, pelo menos, reproduzido quando se quiser) que é uma exigência comum de céticos para fenômenos considerados 'anômalos';
  3. O evento foi divulgado publicamente através de imagens de televisão e fotografia. Não havia 'testemunhas' in loco (além dos próprios astronautas) para 'comprová-lo'. Essas 'provas fotográficas' estão longe de serem suficientes para os céticos do evento. Como discutimos em nosso post anterior (2), há que se considerar a chance de fraude pela manipulação de imagens e videos. Confirmando nossa teoria do ceticismo, podemos encontrar inúmeros céticos do evento do pouso do homem na Lua, céticos que se dedicam a análises detalhadas da 'fraude do pouso lunar' (chamado em inglês, 'moon hoax', ver Referências 1) 
Usando esse feito notório como exemplo, podemos tirar várias lições interessantes com relação às dúvidas e questionamentos que um tipo muito comum de ceticismo tem em relação aos fenômenos mediúnicos (em particular os fenômenos de efeitos físicos). É que a raridade e grau de dificuldade em se reproduzir essas ocorrências contribuem para aumentar a suspeita de fraude. 'Teorias de fraude' se adaptam muito bem como 'explicações que fazem sentido' à mente refratária à existência de ocorrências insólitas ou muito raras.

O objetivo do pensamento expresso no texto no link da primeira referência em (1) está sinteticamente descrito nas suas palavras introdutórias:
"Este artigo foi escrito para provar de uma vez por todas que não estão dizendo a verdade sobre os filmes que a NASA tem das missões Apolo. Ele irá perturbar mesmo o cético mais empedernido e convencerá muitas pessoas de que todo o projeto Apolo do final dos anos 60 ao começo dos 70 não passou de uma fraude completa." (1)
Figura 1 Uma estratégia que os 'céticos do pouso lunar' tem em comum com os céticos dos fenômenos de efeitos físicos é a desqualificação de 'provas fotográficas'. 

O 'cético empedernido' aqui é justamente o 'crente no pouso lunar'. Analisemos a estratégia de desqualificação das provas. A Fig. 1 traz uma imagem tirada do site da referência (1). O texto diz:
"De uma olhada nessas imagens que são apresentadas aqui e veja como partes das cruzes da imagem desapareceram. Isso é impossível, a menos que o filme tenha sido violado. As cruzes devem estar sempre visíveis em todas as tomadas e não ocultas além de objetos na cena. A única solução para isso é que a NASA tenha sido obrigada a retocar certos objetos ou adicioná-los posteriormente sobre as cruzes!"
Outro exemplo é o da Fig. 2. Uma vez que os princípios da dúvida são os mesmos, a argumentação e a estratégia de desqualificação é idêntica. Fotos e imagens são 'analisadas' e demonstradas como sendo 'fraudulentas', acusando interesses ocultos de modificar qualquer registro produzido durante o evento (Ver também Ref. 2).

Figura 2. O texto diz: "Alguns dos sistema de iluminação dos 'vídeos oficiais da NASA' são muitos suspeitos. Esta imagem da NASA à esquerda deveria mostrar o astronauta na sombra completa porque o Sol está atrás dele mas, mesmo assim, por que seu corpo inteiro está iluminado? A imagem deveria se assemelhar à da direita, que é uma simulação feita por  David Percy." Dificilmente entra na cabeça do crítico aqui que o solo lunar é, para todos os efeitos, praticamente branco (como uma superfície salina) e a luz que ilumina o corpo do astronauta (à esquerda) provém desse reflexo. A explicação da direita é a correta para o crítico, pois ele realmente acredita na suposta fraude e despreza (ou desconhece) o efeito da superfície.
Inexiste assim limite para as teorias da dúvida e se podem fazer isso com o pouso lunar, também podem fazer o mesmo com qualquer evento ou fenômeno raro que exista. Portanto, concluímos novamente que o ceticismo dogmático não passa, ele sim, de uma fraude intelectual (3).

No passado, médiuns idôneos foram acusados de organizar uma operação para enganar e ludibriar comunidades ou cidades inteiras. Isso não é nada se comparado ao que fazem os autores da ref. 1 que acusam a agência americana (NASA) de ter orquestrado um acontecimento e ludibriado bilhões de pessoas no mundo a partir de 1969 e vários anos após.

Conclusão

O caso 'do pouso na Lua' é um prato cheio para as crenças céticas que acreditam que esse evento não passou de uma fraude perpetrada por altas autoridades dos governos mundiais (as chamadas teorias da conspiração). O tipo de estratégia de debunking ('refutação') que céticos do pouso lunar usam é exatamente o mesmo usado por céticos de carteirinha contra fenômenos de efeitos psíquicos, em particular os 'efeitos físicos'.

Ao se analisar atentamente o tipo de crítica, vemos que ela se aplica perfeitamente tanto ao primeiro pouso do homem na Lua como a um caso de materialização de Espíritos ou qualquer outro evento psíquico, fenômeno anômalo ou efeito raro que produz algum efeitos tangível registrável por imagens. Como as motivações para se duvidar são as mesmas, tanto as estratégias de 'desqualificação' dos fenômenos como a retórica da crítica são idênticas. 

Notas e referências

9 de agosto de 2012

Rosemary Brown e a arte mediúnica (Érico Bomfim) - II/2

Execução inédita por Érico Bomfim de um Noturno em fá menor, atribuído ao Espírito de F. Chopin pela médium Rosemary Brown. Assistir também E. Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Continuação da parte I do texto Rosemary Brown e a arte mediúnica por Érico Bomfim.

Rosemary Brown versus Fritz Kreisler

Rosemary Brown (1916-2001).
É verdade que há casos de imitações de estilos, inclusive convincentes imitações, na história da arte. Jorge Coli, em O que é arte, descreve alguns casos, tanto na literatura como na pintura e na escultura. As imitações enganaram muita gente, inclusive críticos especializados. No entanto, nenhum caso descrito reunia as características mencionadas acima, especialmente as dos itens a (trocando-se a palavra médium por imitador) e b.(para referência a esses itens, ver post anterior).
            Otto Maria Carpeux descreve um caso na música:
Caberia acrescentar várias sonatas ou movimentos isolados, sobretudo de Pugnani (Prelúdio e allegro), que o famoso violinista Fritz Keisler costumava executar em concerto; e que eram da sua própria lavra, imitações perfeitas e congeniais do estilo violinístico do Rococó. Durante muitos anos Kreisler esperava com paciência que os críticos e musicólogos despertassem do erro; pois todos eles aceitavam a “fraude”. Só quando o grande mestre Vincent d'Indy fez a observação de que a execução daquela “peça de Pugnani” por Kreisler não obedecia fielmente às intenções do compositor antigo, Kreisler resolveu revelar a verdade; provocando tempestade de indignação da parte dos mesmos críticos que tinham cometido tantas gafes.

O “caso Kreisler” é um sinal de advertência. É tão fácil imitar o estilo instrumental do Rococó porque a maior parte dos ouvintes só presta atenção a sinais exteriores daquele estilo: à dissolução das formas barrocas em ornamentação e arabescos. Pelo mesmo motivo, muita gente acredita reconhecer como “mozartiana” qualquer música do século XVIII. Os traços individuais são menos marcados que o ar de família da época. (CARPEUX, 2001, p. 94)
Vejamos as diferenças entre o caso apresentado por Carpeux e o caso Rosemary Brown.
F. Kreisler (1875-1962).
 
De acordo com a lista de composições de Fritz Kreisler (1), o grande violinista teria produzido, como imitação, apenas movimentos isolados, salvo um concerto para violino, imitando Vivaldi. Não consta nenhuma sonata inteira. Há imitações de apenas dois compositores que viveram até o Romantismo (Jean Baptiste Cartier e Joseph Lanner). A grande maioria são imitações de compositores clássicos, sobretudo do Rococó. Há também dois barrocos (Couperin e Vivaldi). Ao todo, são 21 peças; 20 movimentos isolados e o concerto falsamente atribuído a Vivaldi.

Já Rosemary Brown tinha noções de principiante em música, produziu obras nos estilos de bem mais de uma dezena de compositores __ a grande maioria entre os mais importantes da história da música ocidental __ e essas obras se contam às centenas, pertencendo aos mais diversos gêneros.

O contraste é flagrante:
a) Kreisler foi um dos maiores violinistas do século XX. Rosemary Brown tinha noções de uma principiante em música.
b) Kreisler produziu imitações quase apenas de compositores do Rococó, sendo que poucos dos compositores que Kreisler imitou listam-se entre os maiores. Rosemary produziu obras nos estilos de bem mais de uma dezena de compositores, quase todos listados entre os grandes.
c) Kreisler produziu, como imitações, praticamente apenas peças para violino ou violoncelo acompanhado por piano (a única exceção é o concerto para violino no estilo de Vivaldi). Rosemary produziu peças para os mais diversos conjuntos e pertencentes aos mais diversos gêneros.
d) Kreisler escreveu, como imitações, praticamente apenas movimentos isolados. Rosemary Brown tem obras inteiras.
e) Kreisler escreveu 21 imitações em toda vida. Rosemary produziu mais de 400 peças musicais em 6 anos, cerca de 20 vezes mais que toda a produção de Kreisler em imitações.
Note-se ainda que o estilo descrito por Carpeaux como o mais fácil de se imitar (o do Rococó) é o que menos aparece na produção de Rosemary. De fato, Rosemary atribui suas peças a compositores românticos, e é precisamente no Romantismo que os estilos dos artistas se tornam mais pessoais; em que surge a figura do gênio criador cuja subjetividade aflora em sua arte, tornando-a mais marcadamente individualizada e sua. E é desses estilos marcados por traços pessoais que a obra de Rosemary Brown demonstra o domínio.

Estórias do subconsciente

Nos 3 casos de arte mediúnica expostos (Rosemary Brown, Luiz Antônio Gasparetto e Chico Xavier), o médium alegava que a sua produção era, na verdade, de Espíritos. A primeira hipótese alternativa aventada costuma ser a fraude. Quando essa se mostra pouco convincente, troca-se, em geral, para teorias obscuras que mencionam o subconsciente. Essa última se mostra elástica o suficiente para admitir quaisquer fatos, de modo a evitar a todo custo a hipótese da sobrevivência. Em outras palavras, o subconsciente se torna capaz de produzir qualquer coisa, porque retém qualquer conhecimento que cruze com ele. Se o médium já viu um quadro de Renoir na vida, mesmo sem o saber, diz-se que seu subconsciente já é capaz de produzir uma grande quantidade de boas imitações. No caso de médiuns psicopictógrafos, essa alegação é justificada com base no fato de o médium entrar em transe. E, em transe, acessar-se-iam regiões obscuras da mente que reteriam os mais improváveis conhecimentos.

 No entanto, no caso de Rosemary, tal justificativa não serve. Ela escrevia música em estado de plena consciência. Ela era capaz de parar de escrever a música que estava escrevendo e conversar com uma pessoa. Isso não era nenhum problema. E isso aconteceu no documentário da BBC, quando ela achou estranha a peça de Liszt, então ainda incompleta, e pediu para tentar tocá-la. Como não conseguiu, Geoffrey Skelton, músico da equipe da emissora, foi tocá-la e se surpreendeu. Depois, Rosemary continuou a escrevê-la e a terminou. Isso se dava porque não se tratava de uma psicografia. Ela conversava com os Espíritos como quem conversa com qualquer pessoa. E os Espíritos lhe ditavam as notas das músicas. Por isso não havia transe. 

É verdade que Rosemary Brown tenha chegado a mencionar outros processos mediúnicos pelos quais lhe chegavam as composições, mas o que importa aqui é demonstrar que ela era capaz de escrever em perfeita consciência. Aliás, sabe-se que Chico Xavier também era capaz de responder, enquanto psicografava, a perguntas que lhe fossem feitas, o que demonstra que ele nem sempre psicografava em transe, fragilizando-se, assim, a hipótese alternativa mencionada no final do parágrafo anterior.

A arte mediúnica como evidência

A arte mediúnica, enquanto prova de sobrevivência do espírito, é de valor muito particular, em razão da sofisticação de seu conteúdo. Veja-se o caso do Parnaso de além-túmulo, que aguardou quase 70 anos (desde sua primeira edição) para ganhar um estudo mais profundo, na dissertação de mestrado de Alexandre Caroli Rocha. Note-se que na dissertação só foi possível analisar 5 seções da antologia, de 56 seções no total. Agora imaginemos quanto estudo não será necessário para se cobrir toda a literatura mediúnica de Chico Xavier! A propósito, em literatura, não são raros os pesquisadores que dedicam décadas de suas carreiras ao estudo de apenas um ou dois autores.


Para que uma obra de arte mediúnica se converta plenamente em prova da sobrevivência do espírito, são necessárias 2 pessoas, pelo menos: o médium, que nos traz a obra, e o pesquisador, que evidencia quanto conhecimento está embutido nela. Caroli, por exemplo, declara-nos que a seção Guerra Junqueiro do Parnaso sintetiza as características estilísticas desse poeta que foram evidenciadas pela crítica literária apenas 14 anos depois, em um trabalho de Amorim de Carvalho, o que nos mostra que a mediunidade pode ser pioneira em conhecimento. Não houvesse o pesquisador, não se saberia disso. A obra de arte (no caso, o Parnaso) não teria apresentado os desdobramentos que poderia, enquanto prova da sobrevivência da alma. São justamente a sutileza e a profundidade do conhecimento implícito numa obra de arte mediúnica que a tornam tão forte como prova de que o espírito sobrevive. Fica evidente através da pesquisa que a quantidade de conhecimento necessária para se elaborar a obra não pode ser obtida camufladamente. Seriam necessários grandes e profundos estudos. E uma grande trilha de estudo espera também todo aquele que quiser compreender as razões pelas quais é tão difícil furtar-se à hipótese da comunicabilidade dos Espíritos. Diferentemente das evidências trazidas pelos efeitos físicos, os efeitos inteligentes não convencem de imediato. Mas convencem muito mais e geram convicção muito mais firme, desde que se percorra um longo caminho de estudo. 

Uma vez que o espírito é o princípio inteligente, um efeito inteligente (como uma obra de arte ou uma carta psicografada) é uma prova mais forte de sua sobrevivência do que uma batida numa mesa ou outro efeito físico. Os efeitos físicos impressionam mais os sentidos, é verdade, mas o efeito inteligente carrega traços que constroem uma personalidade com muito mais clareza. Para quem lê uma carta psicografada ou aprecia uma obra de arte mediúnica, é especialmente nítida a sensação de que aquele indivíduo específico, dado como autor da carta ou da obra, sobreviveu à morte e passa bem.

As cartas

As cartas de pessoas “mortas” para seus parentes “vivos” também são provas bastante contundentes. Há interessantes semelhanças e diferenças entre uma carta de um parente “morto” e uma obra de arte de um “morto”, enquanto provas da sobrevivência da alma. Ambas contêm demonstrações de que a inteligência do indivíduo sobrevive à sua morte. No entanto, uma carta só se presta como prova da sobrevivência de seu autor para aqueles que conhecem pormenores da vida do “morto”. Àqueles que não o conheceram, uma série de informações reveladoras de identidade passará despercebida.

Uma obra de arte mediúnica contém também demonstrações de identidade. Porém, pode-se dizer que essas sejam mais universais, uma vez que qualquer um que esteja familiarizado com o estilo do artista “morto” pode reconhecê-lo, tendo uma nítida sensação de estar diante de uma obra dele __ no caso das obras convincentes. E quanto mais o apreciador da obra mediúnica em questão conhecer o estilo do autor a quem ela é atribuída, mais a obra se lhe revelará como do “morto” e mais nítida será a sensação que ele vai experimentar de que o “morto”, na realidade, vive.
            
Referências

BROWN, Rosemary. Immortals at my elbow. London: Bachman & Turner, 1974.

BROWN, Rosemary. Look beyond today. London: Bantam Press, 1986.

BROWN, Rosemary. Sinfonias inacabadas: os grandes mestres compõem do além. São Paulo: Edigraf, 1971.

CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

COLI, Jorge. O que é Arte. São Paulo: Brasiliense, 1990.

PARROTT, Ian. The Music of Rosemary Brown. London: Regency Press, 1978.

ROCHA, Alexandre Caroli. A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo: dissertação de mestrado. Campinas: UNICAMP, 2001.

Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'. 
Érico Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Notas

1 Disponível em: http://imslp.org/wiki/List_of_compositions_by_Fritz_Kreisler

4 de agosto de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica IV

Problema de identidade do fóton: "Sou um fóton de raio X, de rádio ou de luz visível? Bem..., por que se preocupar com isso?!?... Não sei nem se sou uma onda ou uma partícula...!!"
Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física. 

Em 3 posts anteriores (1), discutimos alguns fundamentos de física quântica, com o objetivo de apresentar de forma simplificada alguns fundamentos dessa parte da Física. De forma resumida, a física quântica tem como objetivo:
  • Estudar fenômenos que ocorrem em uma escala de dimensão muito reduzida. É a teoria padrão da chamada 'microfísica'. Embora a questão da escala 'reduzida' aqui seja importante, a física quântica não se aplica apenas ao microcosmo. Sob condições especiais, há fenômenos chamados 'macroscópicos' (de 'macro' ou grande) que demonstram a operação dessa nova física (2).
  • O estudo dessa nova física tem como objetivo explicar e prever a ocorrência de fenômenos que são manifestadamente anômalos do ponto de vista da chamada 'física clássica'. Assim, a física quântica estendeu não só nossa compreensão a respeito da Natureza como também nossa compreensão a respeito da 'fenomenologia' (descoberta e previsão de novos fenômenos).
Para isso, foi necessário criar um novo 'formalismo'. Formalismo é a linguagem usada para a descrição dos fenômenos, o que envolve não somente  símbolos, mas também novas relações entre símbolos. No caso da física quântica, seu formalismo é essencialmente matemático e propõe um novo espaço especialmente criado para descrever os fenômenos quânticos. Esse novo 'espaço' não tem nenhum equivalente com o 'espaço' de nossa vida comum e é uma ferramenta matemática para descrever fenômenos e relações entre causas ou princípios quânticos.

Problemas de interpretação com a física quântica.

Talvez não fosse difícil prever que a física quântica, uma vez que propõe um novo formalismo para cuidar de fenômenos que são anômalos para a física anterior, tivesse dificuldades com a sua interpretação. No caso da física clássica sua 'interpretação' não é um problema. 'Interpretação' é um conceito usado em uma determinada teoria que se relaciona com ideias e noções consideradas 'intuitivas'. Por exemplo: a noção de velocidade de uma partícula e sua posição no espaço. Esses são conceitos primitivos de fácil compreensão. O mesmo ocorre com a noção de campo elétrico e magnético (3). Pode-se argumentar, porém, que mesmo a física clássica não está imune a problemas de interpretação. Isso porque, na imensa maioria das vezes, conceitos físicos primitivos não podem ser representados por noções derivadas da experiência humana ordinária. Poderíamos 'relaxar' essa necessidade, exigindo que os conceitos da física tivessem relação direta com quantidades medidas em laboratório. Isso também é uma maneira de se interpretar teorias, embora de forma indireta.

Essa integração com noções intuitivas do dia-a-dia ou mesmo conceitos primitivos da física clássica ficou  irrealizável na física quântica. Se na física não-quântica conceitos físicos primitivos são interpretados de forma indireta, na física quântica desaparece a possibilidade de qualquer tipo de interpretação, mesmo que indireta. Um exemplo é o problema da dualidade 'onda-partícula'. Não só as quantidades associadas a uma partícula (velocidade e posição) não tem equivalentes 'intuitivos' nessa nova física, mas a própria identidade dessa 'coisa' pode ser ligada à noção intuitiva de 'partícula' e 'onda'.

Se não há interpretações possíveis na física quântica, como é possível usar a teoria? A resposta reside no fato de que uma teoria física prescindir de interpretações diretas ou mesmo indiretas para que seja válida. Utilizando-se corretamente dos conceitos primitivos dessa nova física, é possível montar experimentos envolvendo quantidades mensuráveis que, de fato, são verificadas. Essa maneira 'instrumental' de se utilizar a física quântica resultou na chamada 'interpretação instrumentalista' da física quântica (Chibeni, 1992, ver nota 4). De acordo com essa interpretação, a física quântica nada mais é que um mapa que nos permite conceber experimentos e relações entre conceitos de sua própria linguagem, conceitos que não tem nenhuma relação com o que percebemos no mundo. De certa forma, todo propósito de uma boa teoria - não apenas na física - é fornecer um mapa ou compreensão que nos permita fazer previsões sobre sistemas da Natureza. O que a física mostrou é que uma boa teoria não exige uma interpretação direta com noções intuitivas de objetos físicos.

Se a física quântica tem dificuldades interpretativas, como podemos aplicá-la a fenômenos psicológicos?

Nossa introdução sobre o problema de interpretação de conceitos da física quântica é importante no contexto das tentativas de se usar essa nova física para explicar categorias de fenômenos psicológicos e mesmo de natureza totalmente diversa. Diante das dificuldades interpretativas da física quântica, como podemos garantir que ela deva ser necessariamente a linguagem ou teoria que deve ser usada para explicar fenômenos psicológicos? Como querer usar a física quântica para explicar ou descrever fenômenos psicológicos, psíquicos ou 'paranormais'? Tais questões (ou problemas) deixam claro a existência de  obscurantismo nas tentativas de uso da física moderna fora do contexto em que ela é usada naturalmente por especialistas em microfísica. Assim, longe de elucidar ou explicar novos fenômenos, o uso de conceitos e linguagem da física quântica contribui para tornar ainda menos claro (mais obscuro) o objeto de estudo das ciências psicológicas e de outras causas  então consideradas "anomalias" (5).

É importante, entretanto, examinar brevemente quais são as várias interpretações existentes para a teoria da microfísica, o que faremos em um próximo post.

Notas e Referências

(1) Os três textos anteriores são:
(2) Um exemplo é a da superfluidez do hélio. Embora seja um fenômeno de base quântica, ele pode ser observado facilmente no 'nível macroscópico' em que nos situamos:


(3) Ainda que o caráter intuitivo desses últimos seja menor do que no caso de posição e velocidade, esses são conceitos clássicos também. Um conceito mais intuitivo do que campo, mesmo na física clássica, é a noção de 'força'. Assim, os campos eletromagnéticos poderiam ser substituídos por uma representação de forças elétricas e magnéticas que, para operarem, exigem 'ação à distância'. Como pode-se ver, mesmo a física clássica não está imune a problemas de interpretação.

(4) Uma excelente introdução ao assunto é: