Problema de identidade do fóton: "Sou um fóton de raio X, de rádio ou de luz visível? Bem..., por que se preocupar com isso?!?... Não sei nem se sou uma onda ou uma partícula...!!" |
Em 3 posts anteriores (1), discutimos alguns fundamentos de física quântica, com o objetivo de apresentar de forma simplificada alguns fundamentos dessa parte da Física. De forma resumida, a física quântica tem como objetivo:
- Estudar fenômenos que ocorrem em uma escala de dimensão muito reduzida. É a teoria padrão da chamada 'microfísica'. Embora a questão da escala 'reduzida' aqui seja importante, a física quântica não se aplica apenas ao microcosmo. Sob condições especiais, há fenômenos chamados 'macroscópicos' (de 'macro' ou grande) que demonstram a operação dessa nova física (2).
- O estudo dessa nova física tem como objetivo explicar e prever a ocorrência de fenômenos que são manifestadamente anômalos do ponto de vista da chamada 'física clássica'. Assim, a física quântica estendeu não só nossa compreensão a respeito da Natureza como também nossa compreensão a respeito da 'fenomenologia' (descoberta e previsão de novos fenômenos).
Para isso, foi necessário criar um novo 'formalismo'. Formalismo é a linguagem usada para a descrição dos fenômenos, o que envolve não somente símbolos, mas também novas relações entre símbolos. No caso da física quântica, seu formalismo é essencialmente matemático e propõe um novo espaço especialmente criado para descrever os fenômenos quânticos. Esse novo 'espaço' não tem nenhum equivalente com o 'espaço' de nossa vida comum e é uma ferramenta matemática para descrever fenômenos e relações entre causas ou princípios quânticos.
Problemas de interpretação com a física quântica.
Talvez não fosse difícil prever que a física quântica, uma vez que propõe um novo formalismo para cuidar de fenômenos que são anômalos para a física anterior, tivesse dificuldades com a sua interpretação. No caso da física clássica sua 'interpretação' não é um problema. 'Interpretação' é um conceito usado em uma determinada teoria que se relaciona com ideias e noções consideradas 'intuitivas'. Por exemplo: a noção de velocidade de uma partícula e sua posição no espaço. Esses são conceitos primitivos de fácil compreensão. O mesmo ocorre com a noção de campo elétrico e magnético (3). Pode-se argumentar, porém, que mesmo a física clássica não está imune a problemas de interpretação. Isso porque, na imensa maioria das vezes, conceitos físicos primitivos não podem ser representados por noções derivadas da experiência humana ordinária. Poderíamos 'relaxar' essa necessidade, exigindo que os conceitos da física tivessem relação direta com quantidades medidas em laboratório. Isso também é uma maneira de se interpretar teorias, embora de forma indireta.
Essa integração com noções intuitivas do dia-a-dia ou mesmo conceitos primitivos da física clássica ficou irrealizável na física quântica. Se na física não-quântica conceitos físicos primitivos são interpretados de forma indireta, na física quântica desaparece a possibilidade de qualquer tipo de interpretação, mesmo que indireta. Um exemplo é o problema da dualidade 'onda-partícula'. Não só as quantidades associadas a uma partícula (velocidade e posição) não tem equivalentes 'intuitivos' nessa nova física, mas a própria identidade dessa 'coisa' pode ser ligada à noção intuitiva de 'partícula' e 'onda'.
Se não há interpretações possíveis na física quântica, como é possível usar a teoria? A resposta reside no fato de que uma teoria física prescindir de interpretações diretas ou mesmo indiretas para que seja válida. Utilizando-se corretamente dos conceitos primitivos dessa nova física, é possível montar experimentos envolvendo quantidades mensuráveis que, de fato, são verificadas. Essa maneira 'instrumental' de se utilizar a física quântica resultou na chamada 'interpretação instrumentalista' da física quântica (Chibeni, 1992, ver nota 4). De acordo com essa interpretação, a física quântica nada mais é que um mapa que nos permite conceber experimentos e relações entre conceitos de sua própria linguagem, conceitos que não tem nenhuma relação com o que percebemos no mundo. De certa forma, todo propósito de uma boa teoria - não apenas na física - é fornecer um mapa ou compreensão que nos permita fazer previsões sobre sistemas da Natureza. O que a física mostrou é que uma boa teoria não exige uma interpretação direta com noções intuitivas de objetos físicos.
Se a física quântica tem dificuldades interpretativas, como podemos aplicá-la a fenômenos psicológicos?
Problemas de interpretação com a física quântica.
Talvez não fosse difícil prever que a física quântica, uma vez que propõe um novo formalismo para cuidar de fenômenos que são anômalos para a física anterior, tivesse dificuldades com a sua interpretação. No caso da física clássica sua 'interpretação' não é um problema. 'Interpretação' é um conceito usado em uma determinada teoria que se relaciona com ideias e noções consideradas 'intuitivas'. Por exemplo: a noção de velocidade de uma partícula e sua posição no espaço. Esses são conceitos primitivos de fácil compreensão. O mesmo ocorre com a noção de campo elétrico e magnético (3). Pode-se argumentar, porém, que mesmo a física clássica não está imune a problemas de interpretação. Isso porque, na imensa maioria das vezes, conceitos físicos primitivos não podem ser representados por noções derivadas da experiência humana ordinária. Poderíamos 'relaxar' essa necessidade, exigindo que os conceitos da física tivessem relação direta com quantidades medidas em laboratório. Isso também é uma maneira de se interpretar teorias, embora de forma indireta.
Essa integração com noções intuitivas do dia-a-dia ou mesmo conceitos primitivos da física clássica ficou irrealizável na física quântica. Se na física não-quântica conceitos físicos primitivos são interpretados de forma indireta, na física quântica desaparece a possibilidade de qualquer tipo de interpretação, mesmo que indireta. Um exemplo é o problema da dualidade 'onda-partícula'. Não só as quantidades associadas a uma partícula (velocidade e posição) não tem equivalentes 'intuitivos' nessa nova física, mas a própria identidade dessa 'coisa' pode ser ligada à noção intuitiva de 'partícula' e 'onda'.
Se não há interpretações possíveis na física quântica, como é possível usar a teoria? A resposta reside no fato de que uma teoria física prescindir de interpretações diretas ou mesmo indiretas para que seja válida. Utilizando-se corretamente dos conceitos primitivos dessa nova física, é possível montar experimentos envolvendo quantidades mensuráveis que, de fato, são verificadas. Essa maneira 'instrumental' de se utilizar a física quântica resultou na chamada 'interpretação instrumentalista' da física quântica (Chibeni, 1992, ver nota 4). De acordo com essa interpretação, a física quântica nada mais é que um mapa que nos permite conceber experimentos e relações entre conceitos de sua própria linguagem, conceitos que não tem nenhuma relação com o que percebemos no mundo. De certa forma, todo propósito de uma boa teoria - não apenas na física - é fornecer um mapa ou compreensão que nos permita fazer previsões sobre sistemas da Natureza. O que a física mostrou é que uma boa teoria não exige uma interpretação direta com noções intuitivas de objetos físicos.
Se a física quântica tem dificuldades interpretativas, como podemos aplicá-la a fenômenos psicológicos?
Nossa introdução sobre o problema de interpretação de conceitos da física quântica é importante no contexto das tentativas de se usar essa nova física para explicar categorias de fenômenos psicológicos e mesmo de natureza totalmente diversa. Diante das dificuldades interpretativas da física quântica, como podemos garantir que ela deva ser necessariamente a linguagem ou teoria que deve ser usada para explicar fenômenos psicológicos? Como querer usar a física quântica para explicar ou descrever fenômenos psicológicos, psíquicos ou 'paranormais'? Tais questões (ou problemas) deixam claro a existência de obscurantismo nas tentativas de uso da física moderna fora do contexto em que ela é usada naturalmente por especialistas em microfísica. Assim, longe de elucidar ou explicar novos fenômenos, o uso de conceitos e linguagem da física quântica contribui para tornar ainda menos claro (mais obscuro) o objeto de estudo das ciências psicológicas e de outras causas então consideradas "anomalias" (5).
É importante, entretanto, examinar brevemente quais são as várias interpretações existentes para a teoria da microfísica, o que faremos em um próximo post.
Notas e ReferênciasÉ importante, entretanto, examinar brevemente quais são as várias interpretações existentes para a teoria da microfísica, o que faremos em um próximo post.
(1) Os três textos anteriores são:
- Conceitos básicos de física quântica I;
- Conceitos básicos de física quântica II;
- Conceitos básicos de física quântica III;
(3) Ainda que o caráter intuitivo desses últimos seja menor do que no caso de posição e velocidade, esses são conceitos clássicos também. Um conceito mais intuitivo do que campo, mesmo na física clássica, é a noção de 'força'. Assim, os campos eletromagnéticos poderiam ser substituídos por uma representação de forças elétricas e magnéticas que, para operarem, exigem 'ação à distância'. Como pode-se ver, mesmo a física clássica não está imune a problemas de interpretação.
(4) Uma excelente introdução ao assunto é:
Perfeito este seu "minicurso"!!! kkk Como sou estudante de Filosofia e Psicologia e não de Física, agredeço demais essa importante contribuição!!
ResponderExcluirObrigado Ademir!