24 de agosto de 2011

Mensagem de Hermínio C. Miranda aos Pesquisadores que participaram do 7o ENLIHPE

Aos Estudantes e Participantes do 7.o encontro do LIHPE.

Meus jovens amigos e amigas de ontem, de hoje, de amanhã e de sempre:

Gostaria de estar pessoalmente aqui, para viver este momento com vocês. De certo modo, contudo, é bom que eu não esteja. Sou um sujeito emotivo e até a minha cardiopatia é tida pelos médicos como de natureza emocional. Como iria eu administrar minhas emoções, ao partilhá-las com vocês?

Alegra-me sobremodo ver vocês trabalhando na realização do impossível. Digo isto ao me  lembrar de Sir Winston Churchill, que costumava dizer mais ou menos assim: “Difícil é aquilo  que a gente pode fazer imediatamente. O impossível é que demora um pouco mais.”

As leis divinas me concederam generosamente, tempo para realizar algumas impossibilidades  pessoais, superando pretensos obstáculos e supostos limites, que misteriosamente  desmaterializavam-se e me deixavam passar. 

Foi assim que me tornei até um escritor. Imaginem só: eu, escritor!

Somente agora estou percebendo que os “impossíveis” começaram a acontecer, depois que tomei conhecimento da abençoada Doutrina dos Espíritos, nos idos de 1957. 

De algum tempo para cá passei a perceber algo singular. Ou seja: como é que a gente assiste em certo nível de indiferença ao doloroso espetáculo do estrangulamento do processo evolutivo da humanidade pelos implacáveis punhos do materialismo dominante? É claro que, no decorrer de tal ditadura ideológica, avançamos consideravelmente nas badaladas e sofisticadas conquistas tecnológicas. Mas, não é a esse aspecto que me refiro. Desejamos mais  do que isso, muito mais. E para toda a comunidade humana onde quer que ela esteja pelas dobras infinitas do espaço imenso. 

Será que não podemos mudar – pacificamente e sem dores, pelo amor de Deus! --os modelos  políticos, sociais, econômicos, religiosos e culturais? Claro que sim. Não apenas podemos, mas  devemos mudá-los.Temos de mudá-los. 

Vocês já estão trabalhando no projeto de reformatação do mundo em que vivemos e no qual,  viveremos ainda, não sei quantas vidas. Estão levando para o autorizado foro de debates do meio acadêmico, a desprezada realidade de que não somos meros corpos físicos perecíveis, mas espíritos imortais, pré-existentes, sobreviventes e reencarnantes.  Convém lembrar, ainda, que, ao separar didaticamente o território das coisas materiais, do  espaço reservado às imateriais, Mestre Aristóteles certamente não pretendeu demonizar a Metafísica. Quis apenas chamar a atenção para o fato de que esses vetores de conhecimento exigem abordagem e tratamento diferenciados e despreconceituosos de gente que se  disponha honestamente a aprender com os fatos.

Decorridos mais de dois milênios, ainda ouvimos dizer que os componentes metafísicos da  vida são, crendices e fantasias pré-científicas, indignas da atenção de intelectuais que se  prezam. O que desejamos é presença de gente qualificada que nos ouça e ajude a retirar o  estigma que pesa sobre realidade espiritual. O resto virá por acréscimo.   

Parodiando o ex-Presidente Kennedy, não aspiremos ao que mundo pode fazer por nós, mas ao que podemos fazer pelo mundo

Que Deus nos abençoe. E nos inspire sonhos como este, dado que, se não sonharmos, como é  que nossos sonhos vão se realizar?

Eis o singelo recado do velho escriba.

Hermínio C. Miranda

Agosto de 2011

22 de agosto de 2011

Sobre o 7o ENLIHPE (Agosto de 2011)

Tive a oportunidade de participar do último 'Encontro Nacional da Liga dos Historiadores e Pesquisadores de Espiritismo' e me vi cercado por uma atmosfera de seriedade e profundo interesse em estudar e fazer avançar a temática de estudos espíritas. Muitos poderiam se perguntar o que representaria essa iniciativa, já que 'Espiritismo' é francamente visto apenas como mais uma religião. Para o movimento espírita, os livros de Kardec e algumas obras consideradas fundamentais representam tudo o que o adepto deve procurar conhecer a respeito de sua doutrina. Para os críticos e céticos, é mais uma mania religiosa que provavelmente terminará algum dia.

O sucesso de encontros como o do ENLIHPE demonstram que qualquer que seja a impressão, venha ela de onde for, ela não corresponde à realidade. O Espiritismo, muito mais que um movimento religioso, fundamenta-se como uma maneira de raciocínio filosófico que tem amplas consequências para diversas áreas do conhecimento. É um empreendimento intelectual complexo, de muitas sutilezas, capaz de fornecer respostas que, muitas vezes, nem seus adeptos mais esclarecidos e, muito menos, seus críticos podem imaginar. Em primeiro lugar porque ele nasce a partir de eventos singulares na Natureza, muitas vezes considerados 'insólitos', mas que perdem seu caráter de anormalidade, uma vez que os postulados espíritas sejam compreendidos de forma correta, sem serem exagerados ou desprezados. Depois, porque os princípios espíritas, uma vez admitidos, têm alcance e validade que apenas começamos a vislumbrar. Isso ocorre com toda nova ciência ou novo conhecimento, pois é muito difícil aos pioneiros prever as consequências de um conhecimento genuíno a longo prazo. 

No meu entender, embora se possa professar o ponto de vista de que o lugar onde se deve fazer avançar o conhecimento espírita seja o centro espírita e não a Universidade, ou, segundo outros, que a Universidade representa esse ambiente, associações como o ENLIHPE surgem como entrepostos avançados onde é possível discutir a temática espírita com liberdade, sem a pretensão de se desviar a arena verdadeira onde esse conhecimento se desenvolve. Na verdade, onde deve o conhecimento nascer? Parece-nos que ele pode nascer em qualquer lugar e a partir de qualquer indivíduo que tenha diante de si a chave para resolver um determinado problema. Para isso é preciso ter competência e conhecimento, além de recursos adequados para se fazer avançar o conhecimento. 

O ENLHIPE é uma iniciativa desse tipo que, infelizmente, ainda não parece ter recebido a devida atenção do movimento espírita. Sua maior vantagem é agregar pessoas com interesses comuns, em que pese a ampla gama de disciplinas que contribuem na realização dos estudos. Entretanto, mesmo essa característica é um ponto favorável, já que ela permite o intercâmbio de ideias entre pesquisadores de várias áreas de conhecimento.

Alguns exemplos

Na edição deste ano (2011), muito me impressionou saber que psicólogos e psiquiatras debruçam-se sobre o problema dos gêmeos siameses ou pessoas que nascem irremediavelmente conectadas de forma vital e que permanecem assim por toda uma existência. Reza o conhecimento contemporâneo sobre o desenvolvimento da personalidade humana, que ela é formada pela contribuição de fatores genéticos e de influências do ambiente. Entretanto, como explicar que gêmeos siameses idênticos, tendo permanecidos conectados fisicamente por toda uma existência apresentem diferenças marcantes em suas personalidades? O psicólogo clínico Júlio Peres expôs esse problema durante o evento. Tal evidência demonstra a preexistência da personalidade humana, não depois da chamada 'morte' mas antes do que chamamos 'vida' ou nascimento.

A comunicação de projeto de Nadia Luz: "Simetrias Históricas: o conceito teórico e a prática na metodologia de Hermínio Miranda", também me impressionou bastante. Trata-se possivelmente de uma contribuição importante aos desenvolvimentos e estudos em historiografia utilizando um conceito que pode ser validado no futuro, à medida que identificações de personalidades em múltiplas existências tornarem-se mais frequentes. O trabalho de Nadia Luz, baseado em uma contribuição de Hermínio Miranda, parece revelar mais um tipo de simetria, daqueles que são tão frequentes na Natureza que, realmente, gosta bastante de simetrias. Elas nos permitem descrever o que está 'do outro lado', no caso, revelar o passado oculto de uma personalidade, baseado nos registros dos acontecimentos mais recentes de sua vida. A tese das simetrias que se apresenta como uma conjectura tem assim a vantagem de ser testável. 

Em uma era de incertezas e contestações, de quebras de paradigmas e recrudescimento de dúvidas, iniciativas como o ENLHIPE são muito bem vindas.

Para mais informações, consulte o site do CCDPE-ECM.

21 de agosto de 2011

Lançamento de Livro no 7o ENLIHPE


O Espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais. Textos selecionados.

Sumário

  1. Introdução
  2. Uma análise espírita da obra "A Física da Alma" de Amit Goswami
  3. Conjectura e proposta esperimental para detecção de movimentos de fluidos nas cercanias de médiuns de efeitos físicos;
  4. As narrativas de vida nas rodas de conversas com mulheres na educação de aldultos: um lugar privilegiado de produção de saber na perspectiva espírita;
  5. Espiritismo e engajamento político;
  6. Diálogos e ritmos: em busca de uma ideia de sujeito (na perspectiva espírita) no trabalho com juventudes;
  7. Investigando relações entre voluntariado e contexto sociocultural numa instituição espírita: Contribuições da Fenomenologia;
  8. O Espiritismo em teses e dissertações: um mapeamento da produção acadêmica brasileira;
  9. O Espiritismo na Mídia: uma análise de conteúdo na maior revista semanal do Brasil de 1968 a 2010;
  10. Memória de uma jornada.
Detalhes

Autores: Ademir Xavier, Aldenora Guedes, Alexandre Fontes da Fonseca, Ângela Linhares, Benedito Dagno Moreira, Francisco Antonio Barbosa Vidal, Gardner Arrais, Josael Jario Santos Lima, Kátia Penteado, Marco Antonio F. Milani Filho, Miguel Mahfound, Sinuê Neckell Miguel, Tiago Paz e Albuquerque, Yuri Elias Gaspar.

Organizadores: Jeferson Betarello e Jáder dos Reis Sampaio.

Editora: UNIFRAN / CCDPE-ECM
Ano de Edição: 2011

Para adquirir a obra, consulte o site do CCDPE.

11 de agosto de 2011

Considerações sobre as ideias de verdade e controvérsias em torno dos ensinos dos Espíritos. I/2

A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu modo, dará nascimento a opiniões dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno, que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com o que é essencial. E a doutrina será sempre a mesma, quanto ao fundo, para todos os que receberem comunicações de Espíritos superiores."O Livro dos Espíritos. [1], Prolegômenos.

Versão modificada de um original publicado no Boletim do GEAE, Ano 08 - Número 367 - 1999.

1 - Introdução


Todos aqueles que já tiveram a oportunidade de entrar em contato com conceitos espíritas dificilmente deixaram de se perguntar quanto à natureza e a validade de muitas das informações trazidas pelos mensageiros espirituais. Nesse sentido, é relevante se perguntar quanto aos critérios de aceitação dos ensinos espíritas, sobre como deve ser nossa postura diante da propagação, divulgação e grau de validade desses ensinos. Será que um determinado conceito deve ser aceito absolutamente, sem exame algum, com exclusão daqueles que por ventura possam discordar dele? Será que, por outro lado, devemos sempre manter uma postura reticenciosa, como que eternamente aguardando uma última palavra ou, o que seria ainda mais restrito, considerar tais ensinos como meras figuras passadas pelos Espíritos na impossibilidade de nós, os encarnados, estarmos longe de mais do que seria a verdade? Como se dá o consenso com relação a um determinado ensino? Tais questionamentos podem parecer supérfluos a uma mente excessivamente prática, mas estão provavelmente na raiz de grandes males que afetaram a humanidade. 

Cabeça representando o Imperador Constantino.
Sem dúvida, diversos estudos foram feitos desde os primórdios do desenvolvimento da doutrina com Allan Kardec em torno da validade e aceitação das teses do Espiritismo. No momento histórico da codificação, diante da exuberância dos fenômenos espíritas (a aparecerem espontaneamente em muitas instâncias simultaneamente), Allan Kardec chegou à formulação do critério da concordância universal dos ensinos dos Espíritos. Em termos resumidos tratava-se da aceitação de uma determinada tese (em sua maioria relacionada aos princípios básicos) quando apoiada maciçamente pelos Espíritos através de diferentes médiuns nos mais variados lugares. Voltaremos a esse ponto na Parte 3 deste artigo. Essa ideia lembra vagamente os critérios de aceitação de conceitos e teorias dentro das universidades e institutos de pesquisa científica. Não seria o caso de uma certa ideia ser aceita quando apoiada igualmente por uma variedade de departamentos científicos após, muitas vezes, difíceis e laboriosas experimentações? O mesmo se daria com os princípios espíritas, já que as fontes desses são os Espíritos por meio dos médiuns. A comparação não pode ser estendida indiscriminadamente pois não segue daí que toda ideia espírita deva sempre ser sancionada pelo critério da concordância universal da mesma forma que a aceitação de uma certos pontos de uma teoria científica não precisa ser sancionada por um grande número de laboratórios. Isto, porém, é apenas um ponto de semelhança entre os critérios de aceitação de teses no Espiritismo e a a aceitação de princípios na ciência comum. A aceitação dos princípios espíritas está baseada também no selo de racionalidade e coerência que ele empresta à sua visão do universo, algo muito em comum com as teorias das diversas ciências que estudam a matéria e suas manifestações. 

Pretendemos aqui enfatizar que tais desenvolvimentos colocam o Espiritismo em uma posição ímpar no cenário das religiões atuais. Para esse fim, é muito interessante recorrermos à história com o intuito de conhecer melhor como eram aceitos e avaliadas as verdades pelos povos antigos. Analisando especificamente a história das religiões (para o mais perto possível do que seria o objeto de estudo do Espiritismo), constatamos o quão difícil e as vezes sanguinolenta pode ser a disputa pela aceitação das ideias religiosas. No caso específico da religião católica - com a qual nos encontramos mais próximos culturalmente - é nítida essa dificuldade. Observando a história da Igreja, vemos como foi constante o interesse do Plano Maior na libertação e engrandecimento da Igreja que, amiúde, se via a braços com discussões muitas vezes estéreis e sem interesse para as sociedades onde floresceram as organizações católicas. A grande consequência prática desses debates culminava, muitas vezes, com a morte deliberada de tantos outros que chegaram perto demais da "heresia". Ficou famosa, por exemplo, a chamada controvérsia ariana no começo do Cristianismo. Do historiador católico Eamon Duffy [2] colhemos o seguinte relato: 
"A consternação de Constantino em face das divisões dos cristãos norte-africanos haveria de redobrar quando, tendo deposto Licínio, o imperador pagão rival no Oriente, ele se mudou para sua nova capital cristã a 'Nova Roma', Constantinopla. Pois as divisões da África nada eram em comparação com a profunda fissura na imaginação cristã que se abrira, no Leste, por iniciativa de Ário, um presbítero de Alexandria famoso por sua austeridade pessoal e pela popularidade entre as freiras da cidade. Ário fora afastado pelo bispo local por pregar que o 'Logos', a Palavra de Deus que em Jesus se fizera carne, não era o próprio Deus, mas uma criatura infinitamente superior aos anjos, embora como eles criada do nada antes do começo do mundo. Ele via em tal ensinamento um meio de conciliar a doutrina cristã da Encarnação com a fé igualmente fundamental na unidade divina. Na verdade, essa idéia privava o cristianismo de sua afirmação central segundo a qual a vida e morte de Jesus tinham o poder de redimir, pois eram ações do próprio Deus. Contudo, as verdadeiras implicações do arianismo não foram compreendidas de pronto, e Ário conseguiu amplo apoio. Mestre de propaganda, angariou a simpatia popular compondo canções teológicas para serem cantadas por marinheiros e estivadores nas docas de Alexandria. Escapando aos salões eruditos, o debate teológico irrompeu nas tavernas e nos bares do Mediterrâneo oriental.''

Como foi resolveu o problema de Ário? Na verdade não houve uma solução definitiva. Na época a solução se materializou no concílio de Nicéia (em 325), convocado pelo imperador. Ainda segundo Duffy: 
"Nicéia foi o começo, não o fim da controvérsia ariana. A derrota dos adeptos de Ário havia sido imposta por um imperador decidido a resolver rapidamente as coisas. Eles foram silenciados, não persuadidos, e, terminado o concílio, reagruparam-se para contra atacar." 
É fato conhecido de todos que Constantino considerava a emergente fé cristã uma poderosa força de aglutinação do império romano que estava prestes a desmoronar. Por isso ele via com angústia o debate teológico infindável e, por razões práticas, resolveu impor uma solução. A tradição católica (isto é, a convergência da opinião do clero e do laicato crente em torno da interpretação de certos pontos evangélicos a se materializarem como dogmas) foi, portanto, uma lenta e encarniçada construção que se desenvolve até hoje, onde muitas vezes o interesse político e econômico ditou uma clara delimitação entre o que seria a verdade e a heresia. Não foram poucos os movimentos de renovação católicos e de "reforma" (mesmo antes dos protestantes no Século XVI) e, na Idade Média, foram considerados grandes os papas que se dedicaram vivamente a eles [2]. Os que se admiram de semelhantes movimentos na atualidade apenas desconhecem a milenar história da Igreja. Como eram, entretanto, tomadas as decisões em matéria de fé? Onde deveria estar a verdade quando dois partidos rivais se insuflavam defendendo cada um sua própria opinião? Esta era decidida oficialmente e com esperanças para sempre seja a portas fechadas, seja pela aclamação popular, pelo voto dos bispos (concilium) ou pela vontade do papa. Na prática a Igreja se viu obrigada a revisar constantemente seus pontos de vista sobre conceitos marginais ou centrais à fé católica. É importante ter em mente que a construção de toda Doutrina Católica (e o aparecimento dos movimentos de reforma) se guiou em muito pela necessária manutenção da "pureza doutrinária" da crença em Cristo. Não foi senão em função da sustentação de tal pureza que se ergueram os tribunais eclesiásticos [2] (Inquisição) por Gregório IX em 1231. Nesse sentido, a Igreja de Roma adquiriu sua fama ao longo do tempo por ter se propagandeado livre da heresia (principalmente diante do cisma com a Igreja grega) e guardiã "da fé dos Apóstolos".

2 - Exemplo da Astronomia.

Compreende-se que na nossa vida comum estamos diante de situações que exigem uma posição prática diante dos fatos. Quando alguém diz: "fulano é casado mas tem uma amante mais velha", em geral, a primeira atitude não é a de formulação de teorias que justifiquem ou não a aceitação dessa "verdade". Porque a verificação dela é coisa tão ordinária quanto o próprio fato, sua aceitação é muito simples. Não se dá o mesmo, porém, com certas noções e concepções do mundo que nos cerca. Muito menos com aquelas que dizem respeito à Doutrina Espírita. Mais uma vez recorremos a exemplos simples da ciência. A afirmação "a Terra gira com movimento circular em torno do Sol" parece, se aplicarmos o critério de aceitação vulgar, uma afirmação livre de ambiguidades.

Sistema Ptolomaico, com a Terra no centro do Universo. (~200).
Nossas mentes formam instantaneamente uma ideia perfeitamente clara de seu significado. Por mais incrível que pareça, no entanto, sua validade não pode ser inferida da mesma forma como no exemplo de frase anterior. Ela não era nem um pouco válida aos povos antigos, porque não era bem isso que eles constatavam quando viam o Sol se levantar e se por todos os dias, em aparente movimento circular ao redor da Terra. Ela foi a própria expressão da verdade para Nicolau Copérnico (1540) na sua nova formulação do sistema do Mundo. Para ele, a Terra sim girava circularmente em torno do Sol.
Sistema Copernicano (1540) com o Sol no centro do sistema solar.
Ela deixou de ter validade para astrônomos posteriores, em particular Johannes Kepler (1630) que descobriu que o movimento, de fato, não era circular mas sim elíptico "com o Sol ocupando um dos focos da elipse".
Imagem do Universo revelada por J. Kepler (1630). Os planetas descrevem elipses com o sol ocupando um dos focos.
Essa última conclusão de Kepler deixou de ser válida com Isaac Newton (1670) e sua teoria da gravitação universal. Para Newton (assim como para toda mecânica clássica que ele fundou), o movimento só seria elíptico se no Universo somente o Sol e a Terra existissem. Desde que há outros corpos (não podemos nos esquecer da Lua) o movimento passa a ser "perturbado". Muito aproximadamente a Terra giraria descrevendo uma "roseta" ao redor do Sol por causa do "movimento de precessão dos ápsides" da órbita descrita por ela. Em termos exatos se, porém, no Universo, existisse mais um corpo além da Terra e do Sol, o movimento daquela jamais seria descrito de uma maneira simples.
Perturbação exercida por um terceiro corpo deforma a trajetória elíptica (1670).
Mais uma vez, porém, essa afirmação deixou de ser válida para Albert Einstein (1905), que descobriu efeitos "relativísticos" não desprezíveis.

Para Einstein, ainda que não existisse nenhum outro corpo no Universo mas somente a Terra e o Sol, ainda assim o movimento seria o de uma roseta com uma precessão dos apsides extremamente lenta para a Terra. A existência de outros corpos não alteraria muito a descrição de Newton, embora o movimento se tornasse ainda mais complexo. Tal exemplo nos mostra o quão difícil é a descrição da "verdade" relacionada ao objeto de pesquisa da ciência ordinária, a matéria. A lição que se tira não é a de que certa concepção anterior tenha deixado de ser válida (decretada como "herética" na visão por dogmas) . Ao contrário, as construções científicas presentes fundamentam-se explicitamente naquelas do passado. Para nós a memória dos antigos astrônomos deve ser tão venerável quanto a dos mais recentes. Mesmo hoje em dia, se quisermos construir um relógio do Sol por exemplo, podemos perfeitamente usar os conceitos antigos que consideravam o Sol como girando em torno do Terra. Existe erro nisso? Diante de nossa presumível ignorância com relação às questões ainda abertas nas ciências, estamos certamente tão perto da verdade quanto eles. A verificação desse fato não pode ser motivo porém para escândalos, nem para um descrédito para com as ciências. O que se faz necessário é, pois, uma nova concepção de aceitação da verdade, bem como critérios de compreensão das explicações científicas. A chave que permite essa nova compreensão pode ser conseguida estudando-se um pouco a história das ciências assim como os mecanismos pelos quais as concepções científicas surgiram e têm operado [3].

Precessão da órbita elíptica de acordo com a Relatitividade Geral (1905).

As teorias científicas representam as construções de raciocínio onde essas concepções científicas se estabelecem. Não é senão pelo fato de tais conceitos estarem harmonicamente integrados às teorias que sua aceitação torna-se válida. Além disso, as teorias devem fornecer uma visão consistente do Universo onde tal fenômeno ocorre. Isso implica não só em explicar aquele fenômeno particular, mas também possíveis efeitos a ele correlacionados. Uma excelente teoria deve além disso fornecer as bases para a previsão de fenômenos desconhecidos. Portanto, não é a autoridade de um ou de outro cientista que fundamenta a ortodoxia nas ciências (com sentido muito diferente daquele usado pelas religiões clássicas). Nunca a verdade científica haverá de ser decidida em reuniões a portas fechadas, pela deliberação de conselhos ou organizações ou baseando-se no palpite dos cientistas mais notáveis. É verdade que a opinião de um grande cientista a favor de certa teoria particular pode pesar muito na orientação das pesquisas futuras, mas tal opinião nunca constituirá a teoria

No próximo post, utilizaremos essas lições para tratar do assunto principal do artigo.

Todas as referências serão apresentadas no último post.

2 de agosto de 2011

7º ENCONTRO NACIONAL DA LIGA DE PESQUISADORES DO ESPIRITISMO - ENLIHPE

“Espiritismo e ciência: objetos, fronteiras e métodos de investigação”
20 e 21 de agosto de 2011 - início às 8 horas

Apresentação

O grande êxito alcançado com as edições do Encontro da Liga de  Pesquisadores do Espiritismo* reforçou o propósito de seus integrantes e colaboradores em promover anualmente este evento científico.  O encontro é um espaço privilegiado para apresentação e discussão de conhecimentos na área e tem contado com a participação de pesquisadores de todas as regiões do país, interessados na divulgação e avaliação dos seus estudos científicos.
Até a edição de 2009, o evento se denominava Encontro da Liga dos Historiadores e Pesquisadores Espíritas. Em 2010 o evento passou a se denominar Encontro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, mantendo-se a sigla Enlihpe.
Objetivo

Promover o debate de ideias inovadoras sobre a teoria e a prática espírita, além de incentivar a publicação e debate de trabalhos acadêmicos voltados à temática de fronteira com o Espiritismo. Os trabalhos estão relacionados à temática espírita em diferentes áreas do conhecimento. Alguns dos livros que serão lançados durante o evento: 
  • O Espiritismo visto pelas áreas de Conhecimento atuais – textos selecionados do 6° ENLIPHE
  • O Movimento Espírita Pelotense - e suas raízes sócio-históricas e culturais, de Marcelo Freitas Gil - dissertação de Mestrado;
  • A História Viva do Espiritismo - Instituições espíritas centenárias em funcionamento, Washington Luiz Nogueira Fernandes; 
  • Diálogo com os Céticos, de Alfred Russel Wallace – tradução de Jáder dos Reis Sampaio
Presenças confirmadas:  Jáder Sampaio, Marco Milani, Júlio Prieto Peres, Ademir Xavier, Cléria Bueno, Jeferson Betarello, Washington Nogueira Fernandes.

Proposta que consta no livro a ser lançado "O Espiritismo visto pelas áreas de Conhecimento atuais – textos selecionados" do 6° ENLIPHE.

Conjectura e proposta experimental para detecção 
de movimentos de fluidos nas cercanias de médiuns de efeitos físicos

Ademir Xavier 
eradoespirito.blogspot.com 

Resumo 
A palavra “Espírito” deriva do latim “spiritus” que significa sopro. Não seria a origem dessa palavra ligada a constatações antiquíssimas de movimento de objetos, provocados por médiuns de efeitos físicos, sob influências de Espíritos, mas por analogia com a ação intempestiva dos ventos? Temos aqui um paralelo que não pode ser meramente acidental. Em princípio, o comportamento dos fluidos físicos e suas propriedades dinâmicas é objeto de estudo da fluidodinâmica. Neste trabalho reunimos argumentos físicos a fim de propor uma conjectura testável e um arranjo experimental capaz de evidenciar modificações no estado termodinâmico do ar que cerca um médium de efeitos físicos.


Acompanhamento do evento

Nos últimos eventos do ENLIHPE as apresentações foram gravadas e estão disponíveis no site da Videolog:

http://www.videolog .tv/video. php?id=584621

ou

http://www.espiritualidades.com.br/index.htm

Para este ano, espera-se contar com a mesma cobertura.

Local e Inscrições

Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do
Espiritismo Eduardo Carvalho Monteiro, Alameda dos Guaiases, 16 - Planalto Paulista, São Paulo-SP (veja mapa e lista de hotéis no site: www.ccdpe.org.br)

Inscrições e informações pelo e-mail: 7enlihpe-inscricao@ccdpe.org.br

Apoio: UEM, Correio Fraterno, USE, Unifran, Versatil DVD, LEP 

22 de julho de 2011

Obras históricas raras sobre materializações e fenômenos de efeitos físicos.


Em longa e silenciosa espera, de noite triste e sombria,
Minha alma clama em agonia ao Deus de Amor e Luz.
 
Que em minha hora de densa treva, seus Santos Emissários,
Trazendo luz e esperança, dêem a minh'alma o poder
De se elevar acima da sordidez terrena,
Tão cheia de disputas e preocupações,
A fim de que eu busque os raios da Eterna Existência.
 
Lá, onde o amor se encanta de felicidade, onde tudo é justo e brilhante,
Onde flores se enchem de doce perfume, numa existência sem noites,
Minha alma se levanta indômita, minha noite de angústias se esvai.
 
Oh, Deus de amor, Tu me conduz por celestes praias.
Meu coração chora de contentamento a Ti por todo seu Amor.
Em tuas mãos eu me coloco, meu Senhor, pois Tu atendeste a minha prece.
Recitado pelo Espírito de Tia Agg (foto), materializada em 21 de Julho de 1950, em resposta ao Sr. Brittain Jones - conforme explicado no livro 'Visitas de nossos amigos do outro lado', por T. Harrison (Para o poema original em inglê, ver nota 1, tradução de A. Xavier).

A recente onda de ceticismo, que se contrapõe a outra onda crescente de interesse por questões transcendentes, tratou de descrever como fraude o chamado 'caso' das Materializações de Uberaba. Com o tempo, mentiras inventadas faz bastante tempo (mais de 50 anos) para desqualificar o fenômeno se tornam facilmente 'verdades inquestionáveis' para muitos crentes céticos, que aumentam assim a estatística dos mal informados.

Como diria o filósofo George Berkeley, 'a verdade é o clamor de muitos, mas jogo para bem poucos'. As materializações de Otília Diogo não foram as únicas que ocorreram. Existiram muitas outras, fora do Brasil inclusive, envolvendo centenas ou talvez milhares de testemunhas. Obviamente, a maior parte da crítica e dos céticos ignoram tais casos. Muitas narrativas céticas do 'caso' Otília Diogo são feitas como se ele fosse um evento único e, por essa razão, profundamente suspeito.

Concordamos que não é facil acreditar nesses fenômenos. Eles são raríssimos e implicam em uma revisão radical em nossa maneira de ver o mundo, coisa que pouca gente está disposta a fazer. Entretanto, foge também à lógica e à razão - que tantos céticos e críticos afirmam seguir - classificar todas as pessoas que participaram desse fenômenos como ignorantes, iludidos, embusteiros ou farsantes.

Para ajudar na pesquisa e elucidação dos fenômenos de efeitos físicos, aqui apresentamos uma coletânea de obras espiritualistas - quase todas não traduzidas para o Português e, por isso, desconhecidas no Brasil - que relatam fenômenos de materializações, muitos deles com personalidades bem famosas. Essas obras são importantes não só para a pesquisa histórica, mas para a caracterização correta dos fenômenos (por exemplo, para se conhecer as condições de sua ocorrência, o que é crítico para se garantir sua reprodução futura). O que traduzimos abaixo foi tirado direto do site survivalebooks que tem se comprometido com a digitalização e disponibilização de tais obras.

Esperamos que essas obras possam incentivar o estudo e a reflexão no assunto.

Vislumbres do próximo estado - Vice almirante W. Usborne Moore
Uma investigação sobre fenômenos de efeitos físicos incluindo voz direta com as médiuns Cecil Husk, Etta Wriedt, médium de materialização Ben Jonson e as irmãs Bangs.
Não há morte – Florence Marryat.
Florence Marryat (1838-1899) foi uma atriz famosa em sua época que produziu mais de 90 peças. Editou a publicação mensal da ‘Sociedade Londrina’ e foi correspondente de vários jornais e revistas, além de atriz, cantora de opera e instrutora de jornalismo.


Em ‘Não há a Morte’, ela fornece um relatório completo de 15 anos de experiência com médiuns de materializações em ambos os lados do Atlântico, incluindo uma narrativa de sua experiência em ver sua filha Florence materializada logo após seu falecimento prematuro. 
Materializações – Harry Boddington
Descreve pesquisas e experiências do autor com fenômenos de materialização.
Gente do outro mundo – Henry S. Olcott
Henry S. Olcott, cofundador da Sociedade Teosófica, foi um advogado meticuloso e cientista agrário que aceitou o desafio de dois Jornais de Nova York para investigar as materializações de Espíritos produzidas pelos irmãos Eddy de Chittenden, Vermont/USA, em 1874. Ao longo de 16 semanas de investigação, Olcott testemunhou a materialização de mais de 400 Espíritos. Seus relatórios, como os de Sir. Willian Crookes, tiveram um grande impacto por todos os Estados Unidos e Europa. As observações e testes cuidadosos de Olcott foram consideradas as mais meticulosas e completas já realizadas desses fenômenos. 
Brochura de Camp Silver Belle – Lena Barnes Jefts
Um pequeno livrinho sobre mediunidade de efeitos físicos escrito por Lena Barnes Jefts, que integrou o grupo de Camp Silver Belle com o médium Ethel-Post Parrish. Esse grupo reuniu-se na cidade de Ephrata, Pensilvânia/USA, entre 1932 e 1961. A autora testemunhou formas materializadas de famosos pesquisadores como Charles Richet e Willian James.
A prova palpável da imortalidade – E. Sargent
Um relatório sobrre fenômenos de materialização com explanações sobre a relação desses com fatos de natureza teológica, moral e religiosa.
Rasgando o véu, Além do Véu, O Alvorecer de uma nova Existência e A Estrela Guia – Willian Aber
Uma série de livros escritos entre 1890 e 1903 em Spring Hill, Kansas/USA, contendo ditados diretos de formas espirituais completamente materializadas sob a mediunidade de Willian W. Aber. Dentre os mentores do time que se manifestaram em Spring Hill estavam o Prof. Willian Denton (que havia sido um espiritualista em vida), Dr. Reed, o pioneiro em física de fenômenos elétricos Michael Faraday, e um dos pais dos direitos humanos nos Estados Unidos, Thomas Paine
Aparições materializadas – E. A. Brackett
"A medida que examinava as paredes e tudo relacionado à cabine (onde ocorriam os fenômenos), não hesitava mais em afirmar que as formas que apareciam ou dela surgiam eram de seres materializados. Estive na cabine várias vezes durante as sessões com duas formas ao mesmo tempo. Uma vez, quando me sentei entre as duas, pude sentir sua realidade ao colocar meus braços ao redor delas, tanto quanto fiz isso ao caminhar com elas fora da sala. Enquanto segurava uma delas, aquela envolta pelo meu braço esquerdo e cujo braço direito estava ao redor de meu pescoço, desapareceu sem qualquer movimento aparente. Em um instante, ela lá estava e, depois, não mais. Ainda mantendo outra forma com meu braço direito, com minha mão esquerda puxei a cortina para o lado, de forma a poder ver tudo atrás dela. Não mais pude ver o mais leve traço do ser que tinha tão firmemente segurado momentos antes e com quem tinha conversado." Essa são palavras de E. A. Brackett e suas experiências em sessões com a médium Sra. Fairchild. 
Visitas de nossos amigos do outro lado – Tom Harrison

Formas completamente materializadas e outros tipos de fenômenos físicos são descritos por Tom Harrison, filho da médium de efeitos físicos Minnie Harrison. Há um vídeo no youtube que contem o relato em vida do Sr. Harrison sobre esses fenômenos que ele testemunhou com sua mãe na década de 1950. Um exemplo de poema ditado por um dos Espíritos materializados pelo grupo que participou T. Harrison pode ser visto no início deste post. Trata-se de uma comunicação ditada pelo Espírito materializado de sua tia 'Agg' (a foto traz uma imagem quando encarnada). Futuramente, traremos mais informações sobre esse caso no blog.
Provas sólidas da sobrevivência - Einer Nielsen (Islândia)
"Uma entidade feminina saiu da cabine e foi direto até ele dizendo 'Eu sou sua primeira esposa, Bertha, que você abandonou. Você nos deixou sozinhos, eu e minha filha.  Depois de grande sofrimento, faleci. Meu corpo está enterrado no cemitério de H., e nossa filha vive em estado de grande miséria em L. Tente encontrá-la e ajudá-la; dessa forma, você compensará o mal que nos causou.' Então ela se foi, desmaterializando-se no chão da sala." 
"Uma entidade alta saiu da cabine e disse que seu nome era John King. Parou na frente da primeira fileira formada pelos participantes da sessão, a mesma fileira onde eu estava, em posição mais distante. Sua cabeça estava descoberta, e à luz de uma lâmpada vermelha, podiamos ver sua face avermelhada e seu cabelo encaracolado escuro. Depois de se dirigir a alguns participantes da reunião, disse: 'Olhe para meu corpo, eu irei desmaterializar a parte inferior em baixo.' Tão logo disse isso, a parte inferior de seu corpo desapareceu, e a outra lá estava, suspensa no ar. Não sabia no que acreditar, pois eu era meio cético, mas então a entidade flutuou no ar na minha frente e disse distintamente: 'Está me vendo'?"
O Alvorecer da mente despertada - John S. King

Retrato de Hipátia de Alexandria materializada, feito pelo Dr. King 
em uma sessão com as irmãs Bangs em Chicago. (~1910)
"Questões e respostas dirigidas ao Espírito protetor do Dr. King, Hipátia de Alexandria (370-415A.C.), filósofa e matemática neo-platônica, considerada uma das mulheres mais inteligentes de sua época, brutalmente assassinada por uma seita de monges cristão fanáticos seguidores de Cirilo, por ensinar na época uma ciência que era considerada conhecimento pagão. Esse Espírito protetor, que se dizia filha de Teon, apareceu materializada, saindo da cabine  para a apreciação de todos os presentes. Palavras dificilmente podem ser encontradas para descrever a figura belíssima dessa materialização. Alta e de porte majestático, carregava jóias cintilando a cada movimento, Hipácia estava gloriosa." 
Fantasmas em forma sólida - Gambier Bolton
"Hipótese de trabalho: que sob condições determinadas e razoáveis de temperatura, luz, etc, entidades, existindo em uma esfera fora da nossa, podem se manifestar em corpos materiais temporários, oriundos de fonte desconhecida, até o presente momento, através da atuação de certas pessoas de ambos os sexos, chamados sensitivos, que se pode demonstrar a qualquer pessoa, que terá então as condições de comprovar tais afirmações. 
Quando tais fatos foram a mim apresentados, percebi que estava diante de um problema que exigiria a mais profunda investigação; e, então, decidi largar trabalhos de todos os tipos e dedicar anos, se necessário, ao exame crítico dessas afirmações... O resultado foi que aquilo que era aparentemente impossível foi demonstrado como possível, e eu aceito os fatos completamente, admitindo que nossa hipótese de trabalho foi demonstrada fora de qualquer dúvida, e que tais formas materializadas podem se manifestar a qualquer um, que terá, então, as condições necessárias para comprovar tais afirmações."
Byron, Estação a Estação - Coleen Owen Britt
"Numerosas formas materializadas apareceram e conversaram naquela noite, mas quando nosso filho Byron veio até nós, proferindo seu nome, nos beijando e dizendo que estava feliz, sentimos o primeiro alívio desde que ele havia nos deixado. Minha vida desde então tinha sido gasta em lágrimas e numa existência mórbida. Agora, podia até mesmo cantar, o que me era impossível desde que ele cantou sua última canção conosco."  
O autor descreve fenômenos de materialização obtidos com a médium Lula Taber, de St. Louis, Missouri/USA.
Onze dias em Moravia - Thomas R. Hazard
Relata experiências do autor com a médium de efeitos físicos Sra. Mary Andrews, na cidade de Moravia/USA. Nessa obra há interessantes descrições dos processo de geração de ectoplasma e de materialização em si.
Há outros livros em 'survivalebooks', alguns já conhecidos e com traduções para o português (como 'No País das Sombras' por Madame D´Esperance). Há outros com relatos e gravações de voz direta. Em oportunidade futura discutiremos essas obras, que fornecem material rico de comparação com outras obras conhecidas em países latinos.

É interessante observar que muitas idéia semelhantes foram desenvolvidas, assim como conclusões parecidas em culturas diferentes, mostrando que existem condições únicas - mas bem determinadas - para a ocorrência de todos esses fenômenos.

Notas

(1) Original em Inglês:

In the long and silent watches of the dark and dreary night,
My soul cries out in anguish to the God of Love and Light.

Send down Thy Holy Angels in this my darkest hour,
That they may give me Light and Hope and give my Soul the power
To rise above the sordidness of earthly cares and strife,

That I may look to brighter things in that Eternal Life —
Where Love is crowned with happiness, where all is fair and bright,
Where flowers bloom with sweet perfume and where there is no night.
My Soul arises unafraid, my night of sorrow o'er,

Oh God of Love, Thou leadest me towards that Heavenly shore.
My heart cries out with thanks to Thee for all Thy loving care
Into Thy hands Oh Lord I come— Thou answerest now MY PRAYER.

7 de julho de 2011

Livro II - Estudando o Invisível (por Juliana M. Hidalgo Ferreira)

William Crookes (1832-1919).
Imagine pretender descrever a história do desenvolvimento científico da física, química ou biologia partindo do princípio de que os fenômenos estudados por essas ciências podem ter sido fraudados ao longo do tempo. Imagine descrever, por exemplo, a descoberta do elétron por J. J. Thomson partindo do princípio que os resultados experimentais que ele apresentou ao público possam ter sido forjados por algum assistente de laboratório, de forma consciente ou inconsciente. Alguém responderia: "mas os experimentos dele poderiam ter sido repetidos..." Nesse caso, imagine ser possível defender a ideia de que todas as tentativas posteriores de confirmação desses fenômenos não passaram de uma gigantesca fraude.

De certa forma, esse é o objetivo de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira em seu livro 'Estudando o Invisível', resultado de seu trabalho de mestrado em História da Ciência em 2001 que teve como escopo estudar, do ponto de vista historiográfico, a obra do químico inglês William Crookes (1832-1919) e seu envolvimento com fenômenos espíritas no final do século XIX. Trata-se de uma obra de fôlego (quase 600 páginas de um trabalho minucioso e farto de referências históricas) - o que conta como um ponto positivo da obra. Entretanto, o livro é quase que exclusivamente referenciado a trabalhos de pesquisadores anglo-saxões, na sua maioria ingleses e americanos. 

Antes de discutirmos os fundamentos do trabalho, destacamos uma curiosidade revelada no estudo: muitas das correspondências trocadas entre Crookes e seus pares concernentes aos estudos que faziam sobre o 'Espiritualistmo' desapareceram misteriosamente. Não só isso, trechos de cartas onde esse grande cientista citou e discutiu problemas relacionados ao seus estudos sobre a fenomenologia mediúnica foram literalmente cortados com tesoura tempos após a morte dele:
Vale notar, entretanto, que a seção de manuscritos do Science Museum de Londres, onde se encontra esse último material mencionado, não dispõe de todas as cartas trocadas entre Crookes e o seu assistente na época. Essas caras são numeradas e muitos itens estão faltando. Além disso, trechos de algumas cartas parecem ter sido cortados à tesoura Assim, tem-se a sensação de que certas informações contidas nesses documentos foram, propositalmente, excluídas dos arquivos do cientista. Nessas cartas poderiam estar informações relevantes para entendermos o que estaria acontecendo nas pesquisas de Crookes nesse período. (p. 45)
Embora distantes da época quando a inquisição foi instaurada, uma nova inquisição - movida pelos mesmos fundamentos e interesses filosóficos - deu-se pressa em eliminar tudo o que teria sobrado ainda não publicado das observações de Crookes sobre os fenômenos transcendentes.

No Capítulo 1, 'Introdução' (p. 34), enunciam-se os objetos da pesquisa e destacamos a frase:
Do ponto de vista puramente historiográfico, não há interesse em tentar discutir, a partir de estudos anacrônicos, se os fenômenos espiritualistas existem ou não. 
É perfeitamente compreensível que a Histórica, como ciência, não tenha como objeto de estudo o fato ou fenômeno em si e nem mesmo as teorias que se criaram para explicar tais fatos (o que seria objetivo da Epistemologia da Ciência). O objetivo da História é estudar o fenômeno humano, a narrativa, e tentar encontrar as motivações subjacentes ou relacionamento entre fatos na tentativa de se inferir relações entre ocorrências aparentemente isoladas e para as quais não se tem evidência histórica suficiente. Por isso, o trabalho da Juliana está supostamente resguardado contra quaisquer críticas tanto de espiritualistas como de céticos. Como consequência disso, essa obra também não ajuda o leitor indeciso a resolver a dicotomia conforme o orientador da pesquisa adverte no prólogo:
Espero que ninguém distorça o presente trabalho, utilizando-o com base para defender ou negar a existência dos fenômenos mediúnicos. Ele não foi escrito para isso e não se presta para tal uso. (p. 15)
Espiritualismo X Teorias de Embuste 

Dessa forma, o trabalho apresentado em 'Estudando o Invisível' pretende ser uma narrativa 'neutra'. Tanto seu orientador como a autora reafirmam a necessidade dessa postura que pode ter o mesmo objetivo de Crookes ao 'dosar' o conteúdo de seus artigos para que fossem academicamente aceitos.  A diferença é que Crookes não tinha quaisquer dúvidas quanto à realidade dos fenômenos, enquanto que na narrativa da autora transparece a todo instante a possibilidade de fraude. É abundante assim o uso do futuro do pretérito (composto) no texto: 'teria feito', 'teria observado'. Esse tempo verbal desaparece na narrativa de fenômenos materiais (chamados de 'normais' ou 'não espiritualistas') no Capítulo 5.

Um exemplo característico do tom que permeia todo o livro é o parágrafo que inicia a página 133 em que se explicita a ausência de controle de Crookes na realização de algumas sessões iniciais. A um espiritualista, isso demonstra o conhecimento tácito que Crookes tinha sobre o que era realmente essencial de ser reportado e controlado, enquanto que para a autora isso é obviamente indício de fraude. A questão é impossível de ser decidida tal como apresentada, pois o relato de Crookes é sempre feito de forma não definitiva quanto a conclusões. Um exemplo é encontrado na p. 118 na descrição de uma sessão realizado com D. D. Home (1833-1886) na presença de Crookes:
Os fatos observados em seguida, segundo o autor, foram ainda mais impressionantes: Home retirou a mão que segurava o acordeão, colocando-a em cima da mão da pessoa próxima a ele, enquanto o instrumento continuava a tocar.
Observações desse grau feitas por Crookes não têm nenhum valor frente a outras, tem-se a impressão que todas tem a mesma importância, inclusive as que sugerem fraude. De novo, isso se deve a estratégia de neutralidade adotada. Assim, uma toalha sobre a mesa tem importância magnificada, denunciando o ponto de vista cético adotado.

Embora tanto Kardec quanto Crookes tenham magistralmente listado todas as teorias existentes para se dar conta dos fenômenos (desde a do embuste, a demoníaca, a da fraude inconsciente, a da influência das mentes até a teoria espírita, ver nota [1]), na narrativa de 'Estudando o Invisível' transparece a disputa entre a teoria espiritualista versus fraude como necessária na manutenção dessa postura. A verdade é que essa também é a dicotomia presente em muitos estudos acadêmicos contemporâneos que ainda se aventuram a estudar esse tipo de fenômeno, afinal é preciso tratar o problema dos céticos que, embora mantenham posições filosoficamente contrárias e aparentemente inofensivas, tem impacto na decisão de se distribuir recursos financeiros para a pesquisa. Embora possamos tecer críticas quase perfeitas ao grau de 'cientificidade' das teorias de embuste, é inegável que ela ainda é a preferida por aqueles que dizem seguir 'métodos científicos' de pesquisa. 

Não é possível que não haja diferença entre fazer história da ciência sobre crenças e teorias de cientistas pioneiros que se esforçaram para desenvolver modelos teóricos que embasam fatos naturais simples e altamente repetitivos, e  se fazer o mesmo com determinadas teorias quando sequer os fenômenos a elas associados são acreditados. Como vimos anteriormente no caso de Galileu, o problema desse sábio florentino não era tanto defender suas teorias contra a ortodoxia Aristotélica, mas fazer com que os outros acreditassem nas suas observações de telescópio, numa época em que esse instrumento poderia ser considerado tanto um instrumento de feitiçaria como uma ilusão de óptica. A história se repete com Crookes e com toda a fenomenologia espírita. 

Há certamente duas vias para se fazer ciência: uma é postular teorias diante de determinados fatos e tentar 'desenhar' experimentos que ocorram exatamente conforme prevejam tais teorias. Outra, bem diferente, é iniciar-se tão só pela observação dos fatos e tentar convencer o mundo, pelo uso dos fatos, de que há algo mais. A segunda via foi a escolhida por Crookes porque era impossível defender facilmente qualquer teoria que não fosse a da fraude. De acordo com Juliana Hidalgo, talvez Crookes sempre tenha mantido internamente sua crença na existência dos Espíritos (não importa se isso ocorreu pouco depois da morte de seu irmão em Cuba ou algo depois). Como cientista, ele nutria profundo amor pela Ciência e esforçou-se de todas as formas para chamar a atenção da elite acadêmica de sua época ao menos para a realidade dos fenômenos sem procurar se envolver muito com os espiritualistas. Nesse relato, percebe-se, assim, a diferença entre suas observações particulares, onde ele valorizava comunicações e informes dados pelos controladores invisíveis de seus experimentos psíquicos (e que formavam um contexto espiritualista inadmissível para seus céticos), e aquilo que ele acabava publicando em seus artigos. 

Alguns comentários que a autora tece a respeito da argumentação de Crookes podem ser questionados. Por exemplo, no Capítulo 3, p. 110, ao discutir algumas desculpas de Crookes em não continuar as pesquisas psíquicas por causa da dificuldade de acesso a bons médiuns, a autora considera:
Entretanto, supondo que o autor atribuísse essa característica à força psíquica, pode-se considerar estranho que ele afirmasse que o fato de esses fenômenos só ocorrerem na presença de poucas pessoas seria um empecilho à realização das pesquisas. Como um cientista acostumado a lidar com fenômenos muitas vezes não detectáveis pelos simples sentidos humanos, ele poderia cogitar na construção de aparelhos cada vez mais sensíveis, para que a força psíquica pudesse ser detectada na presença de pessoas não consideradas médiuns. Assim, alegar que as investigações eram difíceis por falta de acesso aos médiuns não parece ser um bom argumento.(p. 110)
Esse comentário é questionável porque todo o problema de Crookes não estava em saber se pessoas comuns poderiam revelar a força psíquica (uma conjectura) em menor intensidade ou não (o que seria uma forma alternativa de chamar a atenção para a realidade dos fenômenos), mas no caráter incontrolável dos experimentos. De fato, Crookes (tanto quando muitos espiritualistas) considerariam o problema resolvido se se dispusesse de meios para se conhecer completamente todas as condições necessárias e suficientes para  a ocorrência dos fenômenos psíquicos. O problema é recorrente hoje em dia, pois, por mais sensíveis sejam os instrumentos utilizados (balanças, câmeras, detectores e sensores), tudo permanece incontrolável. As investigações sempre foram difíceis sim por conta de dificuldades no acesso a fontes fenomenológicas de qualidade, e Crookes estava longe em sua época de contar com dispositivos sensíveis para validar sua conjectura.  A autora foi levada a tal conclusão por desconsiderar a realidade dos fenômenos.

Para pessoas acostumadas com a literatura espiritualista, em nenhum momento de 'Estudando o Invisível' (nem mesmo no capítulo que descreve as famosas materializações de Kate King via Florence Cook) aparece qualquer referência à famosa substância denominada 'ectoplasma' (neologismo criado por Charles Richet (1850-1935) que também não é citado na obra) responsável por muitos fenômenos. Será que Crookes não teria notado essa substância? Como muito da comunicação não publicada de Crookes foi sumariamente eliminada, talvez nunca venhamos a saber. A inexistência de quaisquer citações ao ectoplasma - tão abundantemente registrado por vários pesquisadores no passado - é um ponto negativo na narrativa da obra, já o Capítulo 7 discute investigações de fenômenos espíritas posteriores a Crookes.

Que a conclusão da autora se dá desde o ponto de vista das teorias da fraude (que se justifica pela necessidade de neutralidade e narrativa desde o ponto de vista da época) está claro na conclusão. Por exemplo, no último parágrafo da página 530 está afirmado:
Os relatos das sessões mostraram que as condições de visualização dos fenômenos não eram tão boas quanto o cientista apregoava em suas publicações....Além disso, os médiuns e outros observadores pareciam não ser revistados e, muitas vezes, foram realizadas sessões nas quais, provavelmente, o cientista não podia controlar quem entrava ou saía da sala.
Podemos considerar equivocada a conclusão expressa em seguida, na p. 539 no penúltimo parágrafo:
De qualquer forma, observa-se que o cientista parecia ter suas iniciativas e procedimentos limitados durante as sessões, o que pode explicar a pouca variabilidade dos experimentos e as discrepâncias entre o seu método de agir no caso das investigações 'normais' e nas invesigrações espiritualistas.
O mais correto seria reconhecer que possivelmente a natureza do fenômeno e suas causas não possibilitassem a adoção de métodos semelhantes aos adotados nas pesquisas chamadas 'normais'. De fato, o trecho acima deixa transparecer que Crookes foi 'ludibriado' pelos participantes das sessões e que, por isso, não poderia aplicar seu método universal de pesquisa, no que ele realmente estava equivocado. A autora não questiona em nenhum momento a validade da universalidade de tal método, limitando-se a enfatizar que Crookes nele acreditava.

Considero igualmente confusa a discussão apresentada no Capítulo 9 onde a autora descreve os critérios de demarcação entre 'ciência e não ciência'. Ao mesmo tempo em que discute propostas relevantes de autores como Thomas Kuhn e Imre Lakatos, a autora reforça o ponto de vista de céticos como Nathan Aaseng e Terence Hines que podem ser colocadas em conflito com as teorias epistemológicas de Kuhn e Lakatos. Os critérios apresentados por Aaseng para o que seria ciência (ver p. 513) podem ser descritos como consequência de uma visão positivista lógica da ciência com forte lastro no indutivismo. Portanto, as conclusões da aplicação desse tipo de visão ao trabalho de Crookes (o que é feito na parte final do Cap. 9) obviamente irão refletir o ponto de vista lógico positivista.

A obra 'Estudando o Invisível' demonstra de forma categórica que, por mais famoso seja um pesquisador ou cientista que aceite a  tese espiritualista, sua fama jamais poderá convencer os céticos. De nada serve a opinião de um cientista muito versado em determinada disciplina acadêmica, contrariando o próprio projeto de Crookes, que esperava pudesse modificar a opinião da academia de sua época sobre o assunto. O mesmo fenômeno ocorre modernamente com cientistas famosos (inclusive nobelistas) que defendem a parapsicologia ou o uso da mecânica quântica no estudo de fenômenos chamados paranormais. A opinião e a crença cética sobre determinados assuntos estão estabelecidos sobre fundamentos muito mais profundos e inabaláveis pela disposição da fama em aceitar uma opinião contrária.

Recomendo fortemente a leitura desse livro que certamente é um importante trabalho de resgate da memória universal relativa a esse capítulo tão importante da história da ciência, ainda que os céticos disso discordem.

Informação sobre o livro

Estudando o Invisível.
Autor: Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira.
Coleção Hipóteses.
Educ/FAPESP (2004)
ISBN: 85-283-0306-3.
566 páginas.





Notas

[1] As teorias descritas por Crookes encontram-se descritas na p. 209, Cap. 4 'As investigações de Crookes sobre os fenômenos espirualistas II de 'Estudando o Invisível'. Para referência de A. Kardec ver o Cap. 4 de 'O Livro dos Médins', 'Dos Sistemas'. 

2 de julho de 2011

Usos e maus usos da palavra 'energia' entre espiritualistas


"É uma perda de energia enervar-se com alguém que se comporte mal, assim como com um carro que não ande." Bertrand Russel.

Se a física é a ciência que trata da estrutura íntima da matéria, a energia (do grego antigo ἐνέργειαenergeia ou "atividade", "operação") é a quantidade física de menor semelhança com qualquer coisa sólida ou material que se possa imaginar. Por isso mesmo, ela tem sido utilizada - de forma inapropriada - por grandes grupos de espiritualistas (de várias vertentes, cultos, crenças e nacionalidades) em suas narrativas de fenômenos ou eventos de natureza 'espiritual', ou mesmo fatos corriqueiros sem qualquer significado transcendente. Fala-se em 'energias espirituais', 'energias curativas' ou 'curas energéticas'. Existe ainda as 'energias positivas e negativas' e por ai vai. 

Nosso objetivo aqui não é criticar o uso desta palavra nesses contextos, mas esclarecer o significado de 'energia' que é utilizado em muitas disciplinas acadêmicas como a física, química e biologia. De fato, não somente entre espiritualistas (veja a frase de B. Russel acima), a palavra 'energia' recebe acepções muito diferentes para muitos grupos, sendo talvez o exemplo mais contundente de polissemia que se pode dar. Nosso objetivo aqui é resgatar o sentido original dessa palavra.

O que é energia? Todos temos algum contato com algum tipo de processo ou sistema que faz uso de energia. Na vida moderna, televisores, computadores, telefones celulares, carros etc são exemplos de equipamentos que, para funcionarem, precisam de energia. Sabemos que, se não forem supridos com ela, seu funcionamento é paralisado. Também nossos corpos precisam de energia. A privação do alimento leva à inanição e mesmo à morte. Mas, todos sabemos que, para funcionar, tais equipamentos e mesmo nossos corpos não são 'alimentados' com nada 'sutil', 'invisível' ou imponderável. Sabemos que, para funcionar, um carro precisa de combustível que se apresenta na forma líquida, na maior parte das condições climáticas que habitamos. Para continuarmos vivendo ingerimos alimentos, na forma sólida ou líquida, nada aparentemente sutil - pelo menos no que diz respeito ao quanto tais coisas podem sensibilizar nossos sentidos. 

Energia em física, química e biologia, é um termo essencialmente técnico que se refere a algo imponderável (não podemos 'captar' ou perceber a energia com nossos 5 sentidos), mas que pode ser medido. Trata-se de uma medida de capacidade ou propensidade de um sistema ou processo em realizar trabalho. Energia e trabalho são termos irmãos. O termo 'trabalho' ordinariamente é utilizada com significado totalmente diferente. Falamos em 'hoje não vou trabalhar' para se referir à atividade ou meio de produção a que me dedico diariamente. Entretanto 'trabalho' no sentido dado pela física é uma medida de variação de energia de um sistema. 

Energia pode-se apresentar nas formas mais variadas: fala-se em energia nuclear (quando trabalho é extraído do interior do núcleo atômico), energia química (quando trabalho é extraído da eletrosfera dos átomos), energia luminosa (quando luz pode ser usada para produzir trabalho), energia elétrica (quando cargas em movimento realizam trabalho), energia hidroelétrica (quando trabalho pode ser extraído da vazão e queda de grandes volumes de água através de geradores elétricos), energia potencial (quando a capacidade de um sistema em produzir trabalho está armazenada de forma potencial, isto é, não 'cinética'), energia térmica (quando trabalho pode ser extraído do movimento de moléculas) etc. Mais importante do que compreender que existem diversos tipos de energia é saber que a ela está associada um valor que as fazem todas equivalerem entre si quantitativamente.
Exemplos de transformações energéticas entre sistemas físicos.
Por causa disso, fala-se em transformar 'energia elétrica' em 'energia cinética' (em motores elétricos) ou vice-versa (em geradores elétricos), em transformar energia química em eletricidade (em baterias elétricas) ou vice-versa (quando se 'carregam' as baterias) e assim por diante. Até hoje ainda não se conseguiu encontrar nenhum sistema para o qual a lei de 'conservação de energia' não possa ser aplicada. Uma vez gerada, energia não pode ser destruída, embora uma fração da energia presente em um sistema físico (qualquer que seja ele) se perde de forma irreversível, fazendo com que não possamos extraír toda a energia potencial associada a esse sistema. Isso dá origem ao termo 'eficiência' (uma porcentagem) que mede o trabalho máximo que se pode produzir por um sistema que é sempre menor do que o disponíbilizado por sua fonte energética. Por exemplo, baterias solares tem eficiência de 14%, o que significa que apenas 14% da energia solar é convertida em eletricidade nessas baterias.

De qualquer forma, energia não se refere a 'algo' que exista concretamente, que se possa ver ou tocar (o que é diferente do 'Espírito' que é algo que existe embora de forma 'incorpórea'). Quando sentimos o calor na proximidades de uma chapa quente, não estamos 'sentindo energia térmica'. Há certa quantidade de energia armazenada na chapa (a uma temperatura acima da ambiente) que é transferida para as moléculas em torno da chapa. Essas moléculas (de ar) adquirem velocidades superiores às velocidades médias das moléculas que estão à temperatura ambiente. Nossa pele tem 'células' capazes de sentir a colisão dessas moléculas mais rápidas, o que que se manifesta em nós como uma sensação do calor. 

Do ponto de vista semântico, assim, a palavra energia não se refere, na física, biologia ou química a nada que se possa ver ou tocar. Desta forma, luz não é 'energia' tecnicamente falando, pois a luz é considerada um tipo de radiação ou movimento de ondas de natureza definida pela teoria física. Entretanto, talvez por não se referir a algo ponderável, o termo adquiriu outra conotação quando caiu no gosto popular. Assim, é comum ouvir-se que 'luz é um tipo de energia'. 

Energia tornou-se um dos termos mais polissêmicos na atualidade por representar uma 'novidade' que confere atualização ou modernidade para a linguagem de muitos movimentos espiritualistas, mas que não tem nenhuma relação com sua acepção original. Colocado dessa maneira, seu uso não representa endosso das várias disciplinas acadêmicas para as novas formas de 'energia' que se está a propor.

Referências

Para saber mais sobre polissemias veja A. P. Chagas,'Polissemias no Espiritismo'. Revista Internacional de Espiritismo, setembro de 1996, pp. 247-49.

25 de junho de 2011

Crenças Céticas XVI - O ceticismo dogmático como charlatanismo intelectual.

Søren Kierkegaard (1813-1855).
"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e a outra é recusar-se a acreditar naquilo é." Søren Kierkegaard
Queremos até admitir, nestes últimos, uma opinião conscienciosa, visto que por si mesmos não puderam constatar os fatos; mas se, em tal caso, é permitida a dúvida, uma hostilidade sistemática e apaixonada é sempre inconveniente. (...). Explicai-os como quiserdes, mas não os contesteis a priori, se não quiserdes que ponham em dúvida o vosso julgamento. A. Kardec, Revie Spirite, Arigo 'Sr. Home', Fevereiro de 1858.
Dicionários definem fraude como o 'ato de enganar, esconder, distorcer informações, não cumprir com a verdade'. O ato em si de fraudar pode ser consciente, quando quem frauda tem interesses no ato, ou pode ser inconsciente. Nesse último caso, o agente da fraude não tem interesse explícito em enganar. Seu interesse é outro e ele nem tem consciência do engano.

As 'teorias da fraude' (ou do 'charlatanismo') formam o grupo das explicações mais preferidas do ceticismo dogmático quando se trata de relativizar, reduzir ou negar fenômenos psíquicos. Através dela, médiuns respeitados são considerados farsantes, fraudadores conscientes ou não da fé pública, mesmo que não se identifiquem nenhum interesse escuso tais como vantagens pecuniárias ou outros. Mas, não somente as fontes dos fenômenos são inescrupulosamente envolvidos, testemunhas, mães, parentes e amigos são todos envolvidos, seja como membros de uma quadrilha de embusteiros ou como vítimas de um gigantesco engodo propositado.

Fraudes também podem ser divididas em 2 tipos: as fraudes materiais e as intelectuais. As primeiras obviamente são preferidas dos céticos. Basta uma foto, um som, uma evidência sensorial que não esteja de acordo com as noções do senso comum que facilmente se pode acusar o material como uma tentativa burlesca e grave de se enganar. Quanto às fraudes intelectuais - as que são geradas através de argumentação ou material de natureza intelectual, essas são muito mais difíceis de serem identificadas. Se inexistem dúvidas quanto a existência das fraudes de primeira classe (materiais), com as de segunda classes existe uma clara dificuldade em sua identificação, mas é inegável que ela tem poder muito maior (e mais duradouro) de convencimento do que as primeiras. 

Nosso objetivo aqui é demonstrar que o grosso da argumentação pseudocética pode ser descrito verdadeiramente como uma mistificação de natureza intelectual e inconsciente. Isso porque, no rastro das explicações forçadas dos céticos 'linha dura' está a constatação de que eles mesmos, os que pretendem 'denunciar' a fraude ou o embuste, acabam se tornando os verdadeiros charlatães. Obviamente aqui não se trata de fraude vulgar: nenhum crítico, sério ou não, se interpelado, revelará ter outros interesses a não ser a sua 'verdade'. Mas, para todos os efeitos práticos, acabam 'enganando, escondendo, distorcendo informações e faltando com a verdade' Se não vejamos:

1 - Para que se possa ajustar uma explicação aos fatos, é necessário escrutiná-los detalhadamente e encontrar nos menores deles razões que aumentem a importância da explicação postulada, a da fraude. Assim, os menores erros feitos por médiuns são magnificados de tal forma a se tornarem 'evidências' conclusivas. Isso faz parte da tática da fraude pois é preciso que se acumulem evidências que, na cabeça dos pseudocéticos, formam um quadro favorável à tese que defendem. Como não podem distorcer muitos fundamentos, acabam se agarrando aos detalhes que são, por isso, magnificados para que adquiram importância. Detalhes como, 'por que o médium saiu 15 minutos mais cedo ou mais tarde', 'por que ele estava usando essa roupa e não outra' são considerados muito relevantes.

2 - Justamente porque os detalhes insignificantes são considerados muito importantes, o contexto ou muitas outras circunstâncias relevantes de fato são desprezados. Isso caracteriza o status 'intelectual' da fraude. O foco da crítica no detalhe faz com que se relativizem as circunstâncias, a idoneidade e outros detalhes menos aparentes. Pouco importa se testemunhas sérias podem ser encontradas. Se não foram enganadas fizeram parte da fraude. Como para o pseudocético é muito mais fácil apelar para os sentidos, condições não aparentes e circunstanciais devem ser obrigatoriamente desprezadas.  

3 - Foco em ressaltar o caráter ordinário e facilmente forjável de evidências materiais apresentadas. A tática é criar hipóteses das mais variadas e mutáveis para explicar qualquer material apresentado como evidência. Assim, hipóteses mirabolantes, teatralizações inusitadas ou confusões consistentes e incidentais de testemunhas são sempre levadas em conta.  Isso ocorre porque a crítica pseudocética focaliza-se no que é considerado evidência palpável. Todo o esforço é então gasto na sua invalidação pois, se isso for feito em paralelo com o passo (1) - quando detalhes menos importantes são magnificados - cria-se uma imagem do 'caso' obviamente identificável como embuste.  

4 - Existam pessoas que enganam, que exploram a credulidade e a  fé alheia. Esse fato óbvio é a explicação  principal e invariável da crítica pseudocética que se faz apresentar sempre como uma extrapolação justa. Juntando-se os passos 1-2-3 descritos acima, torna-se uma tarefa 'fácil' chegar a mesma conclusão sempre.

Analisemos todas as críticas que céticos endurecidos lançaram contra médiuns e os fenômenos espíritas e veremos sempre o processo descrito acima. Tal processo caracteriza charlatanismo intelectual em sua essência, pois é forjado como argumentação tendenciosa e, muitas vezes, 'inconsciente'. 
Quanto mais endurecido for o pseudoceticismo tanto mais ele se aproxima de um fraude ou mistificação intelectual porque as conclusões a que chega não são verdadeiras. Assim como se pode hoje facilmente, usando recursos tecnológicos, criar imagens fantásticas que explorem o que pessoas acreditem, o 'charlatanismo cético' pode modificar, retocar, forjar argumentos para se criar uma imagem aparentemente convincente embora falsa de determinado fato, principalmente quando esse fato ainda é considerado uma anomalia ou aberração para o senso comum.
Pouquíssimos céticos de carteirinha se dão conta disso, quando então descem em um processo de alienação pessoal flagrante. Analisemos detalhadamente cada caso particular e veremos que o motor principal da alienação será sempre o orgulho ferido, a necessidade de ser reconhecido e acreditado por suas audiências, a inveja pela admiração causada nos outros por esse ou aquele fenômeno transcendente que eles, os céticos, não conseguem reproduzir e que, por isso, passam a combater com todas as suas forças.


Outras identificações do charlatanismo cético: Diferenças entre quem busca verdadeiramente a verdade e o pseudocético. 

Estas diferenças também reforçam nossa tese do pseudoceticismo como mistificação intelectual:
  • Quem busca a verdade procura as questões relevantes a serem feitas. O pseudocético fornece de imediato aquelas que ele considera como as únicas possíveis;
  • Quem busca a verdade motiva-se por amor desinteressado à verdade. O pseudocético está interessado em que todos pensem que ele está certo, esteja ele ou não;
  • Quem busca a verdade aceita o fato de que aquilo que existe é muito mais do que ele sabe. O pseudocético afirma saber tudo o que se pode saber sobre determinado assunto;
  • Quem busca a verdade reconhece de bom grado casos que ele não pode explicar. O pseudocético ataca qualquer coisa que se lhe oponha o ponto de vista, e se esforça em destruí-la a fim de se mostrar superior.
  • Quem busca a verdade está realmente convencido das limitações da razão humana. O pseudocético faz da sua razão particular um deus que é capaz de perscrutar qualquer coisa;
  • Quem busca a verdade a procura em todas as partes, consciente de que idéias podem surgir em qualquer lugar ou nas pessoas menos prováveis. O pseudocético apenas aceita idéias que venham de pessoas consideradas 'experts' ou especialistas (segundo seu ponto de vista), além de autoridades convenientemente 'carimbadas';
  • Quem busca a verdade propõe hipóteses na esperança de que sejam verdadeiras. O pseudocético impõe dogmas como verdadeiros;
  • Quem busca a verdade reconhece que nem sempre os opostos são contraditórios, mas que, as vezes, podem se reforçar. O pseudocético pinta um quadro em preto e branco, certo e errado, sem chance para um ponto de vista contrário;
  • Quem busca a verdade está consciente de que não existem respostas finais para as questões humanas. O pseudocético faz com que cada resposta provisória ou tentativa pareça como a última final;
  • Quem busca a verdade reconhece quando se coloca contrário à opinião da maioria. O pseudocético segue sempre 'as autoridades mais confiáveis' no seu modo sarcástico de lidar com heresias;
  • Quem busca a verdade nunca fala em tom mais 'alto' com sua audiência. O pseudocético fala de modo contrário, de forma a mistificar ou impressionar a todos.