Terceiro, digo que, se houvesse verdadeira demonstração de que o Sol
esteja no centro do mundo e a Terra no 3º céu, e de que o Sol não
circunda a terra, mas a Terra circunda o Sol, então seria preciso
proceder com muita atenção na explicação das Escrituras que parecem
contrárias a dizer, antes, que não as entendemos, do que dizer que é
falso aquilo que se demonstra. Mas não crerei que há tal demonstração
até que me seja mostrada...
...Mas, no que se refere ao Sol e à
Terra, não há nenhum perito na matéria que tenha necessidade de
corrigir o erro porque experimenta claramente que a Terra está parada e
que o olho não se engana quando julga que o Sol se move, como também não
se engana quando julga que a Lua e as estrelas se movem. E baste isto
por agora...
Cardeal Bellarmino (In: Galileu Galilei. Ciência e Fé. São Paulo: Nova Stella Editorial; Rio de Janeiro: MAST. , 1988)
Em algum lugar da Europa, antes do final do primeiro quartel do Século 17, um cético empedernido escreve uma carta a um amigo distante...
"Ouvi dizer que em Roma, certo professor de nome Galileu Galilei afronta a verdade ao pretender mostrar que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas o contrário, defendendo a ideia de Copérnico, o idiota que quer reformar toda a astronomia (1).
Galileu Galilei utilizou um tubo 'mágico' (só Deus sabe por quais artimanhas do demônio...) feito por arte trazida de um holandês, que é capaz de amplificar, diz ele, imagens de marinheiros em mastros de navios distantes. Comenta-se que as imagens são por demais toscas para não criar a impressão de que o o tubo introduz ilusões aos órgãos da vista (2), ao ponto de não serem críveis as descrições que esse professor fez de suas observações do céu.Além disso, é fato provado que Galileu fez pequena fortuna com tal tubo (3) vendendo a vários mercadores venezianos e de outras regiões e, agora mesmo, pretende que o exército o compre para suas campanhas militares, uma prova de sua astúcia e falta de decoro.Numa noite, resolveu apontar o tal tubo para a lua e descreve supostas crateras, como se a Lua não fosse uma esfera perfeita, mas quer convencer a todos que ela é como a Terra, cheia de planícies, mares e montanhas (4).
Ao apontar seu instrumento mágico para Júpiter, disse e quer que todos acreditem ter visto esse planeta não como uma estrela andarilha, como toda Humanidade sempre o viu (5), mas como uma pequena esfera rodeada de pontos brilhantes que ele afirma tratar-se de satélites. Esse professor chegou ao ponto de sugerir que o tal astro é um mini sistema solar que tem Júpiter como o maior corpo e que, portanto, o Sol seria por comparação o centro de nosso Universo e não a Terra. Esse professor afirma que isso não prova ser o Sol o centro mas é uma forte evidência a favor disso (6).Pela feitiçaria de seu tubo mágico afirmou que Vênus passa por fases e que seu tamanho varia junto com essas fases, a ponto de acreditar ter provado que Vênus gira em torno do Sol. Fez isso mesmo agora, quando todos os astrônomos da Europa (7) sabem que o sistema de Tycho Brahe resolve maravilhosamente o problema, ao propor que os planetas internos - e externos - girem ao redor do Sol que, por sua vez, gira em torno da Terra como todos sabemos ser fato comprovado.Ao observar Saturno, o planeta mais lento do céu, foi enganado por sua própria artimanha, ao constatar que esse planeta tem orelhas, e quer que todos acreditem nisso!(8)
Para o bem de todos, Galileu já começou a ser punido por sua presunção posto que esse homem, já meio velho, está ficando cego depois de ter apontado seu tubo para o Sol. Mesmo diante da punição, descreve que a superfície do Sol é repleta de manchas escuras que se movem em sua superfície, outra farsa que ele inventou para nos provocar (9).
Não existem evidências nem pelas santas escrituras (que lhe é totalmente contrária), nem na comunidade dos sábios que a Terra gire em torno do Sol (10). Essa é questão já resolvida para todos, que diariamente vêem o Sol se levantar a Leste e se por a Oeste e que ficam a imaginar o que seria dos continentes e mares se a Terra (11), nem que fosse por alguns milésimos de palmo, se movesse - haja vista os acontecimentos recentes de Terremotos no oriente e no ocidente.
Sendo assim, Galileu Galilei trata-se da maior farsa já perpetrada entre a comunidade dos astrônomos (12) a suportar as idéias perigosas de Copérnico. Ele é uma fraude que merece encarceramento e processo inquisitorial, conforme o tribunal eclesiástico já começou a estabelecer."
Analisando com cuidado os documentos da época e colocando-se no papel daqueles que participaram da trama que levou ao julgamento de Galileo bem como sua abjuração daquilo que havia professado, vemos que se tratou de mais um caso onde as 'evidências' não foram aceitos, antes renegados e considerados 'inconclusivos' ou 'insuficientes' para mover o dedo das opiniões a favor da mobilidade da Terra...
Na verdade, os críticos de Galileu na época estavam em uma posição muito mais confortável do que os pseudocéticos das anomalias que hoje se aquartelam exigindo evidências. Mas, mesmo assim, eles estavam errados. Se não vejamos:
(1) Essa frase é atribuída a Martinho Lutero. O reformista alemão obviamente sabia que a tese do movimento da Terra contrariava a Bíblia. Para o pensamento medieval, tudo estava muito bem do jeito que estava: a Bíblia (Velho Testamento) concordava maravilhosamente bem com o pensamento cristão dominante do homem no centro do Universo, feito 'a imagem e semelhança de Deus' e tendo o céu como enfeite de suas noites. Copérnico surge e diz o contrário. Portanto, Copérnico só poderia ser um idiota ou estar a serviço de Satanás;
(2) Aqui nosso crítico de Galileu tenta desqualificar a evidência. 'Não passa de uma ilusão dos sentidos'. Evidências extraordinárias sempre foram tomadas como alucinações ou fraudes, quando não se ajustam ao pensamento pseudocético. Temos que salvar nosso crítico pseudocético aqui, já que, na época de Galileu, a óptica sequer conhecia as leis de refração da luz. Logo, não é tão sem fundamento assim nos colocarmos na posição do crítico de Galileu como acreditando que o telescópio se tratava de um 'tubo mágico'.
(3) Aqui nosso personagem desvia o objetivo de sua crítica e sugere uma possível razão financeira por conta dos atos de Galileu. Isso é bastante comum no ceticismo dogmático, encontrar evidências ilícitas subjacentes aos atos ou comportamento de pessoas ligadas aos fenômenos.
(4) Nosso crítico simplesmente não aceita a evidência do telescópio. A Lua, para ele, é uma esfera perfeita, tal como a vista nos apresenta. Dizer que ela tem crateras e montanhas - ou seja, sugerir que é um mundo como a Terra, é querer contrariar a Bíblia também, afinal não foi a lua uma luminária colocada por Deus no céu para enfeitar a noite dos homens ?
(5) Nosso crítico recorre aqui à evidência dos sentidos. Júpiter é uma estrela e não um planeta!
(6) O argumento de Galileu foi desqualificado totalmente por nosso crítico. De fato, que adianta querer dizer que Júpiter, sendo o astro maior no grupo formado por ele e seus satélites, guarda a mesma posição do Sol em relação à Terra? Argumento muito sofisticado para a mente do cético dogmático.
(7) O crítico tenta aqui recorrer à autoridade da Ciência de sua época. Como vimos, a autoridade da Ciência está baseada em outros pressupostos e não o da autoridade. Mas, nessa época tanto quanto hoje, isso raramente é compreendido;
(8) O que Galileu viu apontando o telescópio para Saturno? A figura abaixo é uma reprodução do desenho original de Galileu:
Um 'planeta com orelhas'...
Por causa da baixa resolução óptica de seu telescópio, Galileu não conseguiu divisar os anéis tão conhecidos desse planeta hoje em dia. Ao invés disso, essa 'evidência extraordinária' corroborava a ideia de que, o que Galileu reportava não passava, na verdade, de produto de uma ilusão produzida por seu tubo mágico. As evidências eram assim altamente suspeitas...
(9) Galileu desconhecia os danos à visão causados pela exposição da retina ao fulgor solar amplificado por seu telescópio. Na cabeça de seu crítico isso é uma punição as suas provocações.
(10) De novo, aqui recorrência à autoridade, tanto da Bíblia com da comunidade científica.
(11) Aqui temos o ponto mais difícil de Galileu e uma razão peremptória para duvidarmos ainda mais do ceticismo dogmático! Por mais que se esforce em fornecer evidências, nada pode sensibilizar os críticos de Galileu de que a Terra se move, afinal, o contrário é o que sentimos e vivemos todos os dias... Entretanto, ela se move!
(12) Por tudo isso foi condenado Galileu, por se tratar de uma farsa colocada no rio da História como fronteira entre o conhecimento da Verdade e o ceticismo dogmático em nome da Religião e de Deus.
Também essa é a razão porque muitos consideram que a Igreja não errou no processo de Galileu. Ainda hoje podemos duvidar do movimento da Terra se adotarmos a mesma visão do cético. De fato, quais são as evidências de que a Terra se move? Não adianta dizer que 'a Ciência já aceita isso, ou já resolveu aquilo'. Há que se provar, com o mesmo tipo de exigência cética, a tese do movimento.
Tentem fazê-lo por si mesmo, assumindo a mesma força de dúvida e descrença dos mais combativos céticos dos fenômenos espíritas e verão que ainda restam dúvidas quanto ao movimento da Terra...
Muito bom.
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