11 de julho de 2014

Questões preocupantes em relação à regressão hipnótica (Por Ian Stevenson*)

Espíritas já conhecem a opinião de muitas autoridades espirituais com relação à regressão de memória usada em buscas por vidas anteriores. Aqui apresentamos a tradução para o português de uma declaração do Dr. Ian Stevenson sobre o tema que vale a pena também ser considerada. As recomendações de Stevenson mostram seu interesse na pesquisa séria com regressão hipnóticas e são céticas com relação a resultados reportados usualmente.

Fonte: "Concerns about Hypnotic Regression. Hypnotic Regression to Previous Lives. A Short Statement by Ian Stevenson", M.D;.:
Regressão hipnótica a vidas anteriores: uma breve declaração.
Ian Stevenson, M. D.
O seguinte texto foi escrito num esforço de resposta a um grande número de cartas que recebi de pessoas desejosas de serem levadas por mim, via hipnose, a vidas anteriores, que gostariam que eu as recomendasse a um hipnólogo ou que eu investigasse materiais que eventualmente tenham emergido de tais experiências.
Muitas pessoas que não dão qualquer importância ao que ocorrem em seus sonhos (imaginando não serem nada mais que imagens da mente subconsciente, sem correspondência com qualquer outra realidade) acreditam bastante que qualquer coisa que emerja durante uma sessão de hipnose pode ser tomado em seu valor de face. De fato, o estado de uma pessoa durante uma hipnose se assemelha bastante - embora não completamente - ao de uma pessoa enquanto sonha. Partes subconscientes da mente são liberadas das inibições ordinárias e podem se apresentar de forma dramática como uma nova "personalidade". Se o paciente foi instruído pelo hipnotista - explicita ou implicitamente - a "voltar para um outro lugar e tempo" ou coisa parecida, a nova "personalidade" parecerá voltar a algum período da história. Tais "personalidades evocadas" podem se mostrarem bastante plausíveis tanto para a pessoa tendo a experiência com para aqueles que a assistem. Experimentos feitos por Baker [1] e Nicholas Spanos et al [2] mostraram como é fácil que sugestões diferentes do hipnotista influenciem as características da "outra personalidade".

De fato, quase todas essas "personalidades anteriores" são totalmente imaginárias, assim como o conteúdo da maioria dos sonhos. Podem talvez retornar detalhes históricos precisos, mas esses são derivados da informação que o sujeito tinha de suas leituras, de programas de rádio e televisão, além de outras fontes. O sujeito pode não se lembrar onde ele obteve aquela informação, mas, muitas vezes, isso pode ser conseguido em outras sessões de hipnose feitas para buscar por tais fontes de informação. Experimentos feito por E. Zolic [3], R. Kampman e R. Hirvenoja [4] demonstraram esse fenômeno. 

Uma experiência emocional marcante durante a regressão hipnótica não garante que as memórias de vidas anteriores tenham sido readquiridas. A impressão subjetiva de lembrança de uma existência anterior pode ser marcante para a pessoa que a experimenta, e, mesmo assim, a "vida anterior" uma fantasia, assim como muitos sonhos. Também, o benefício (mesmo na forma de uma melhora dramática) em sintomas físicos e psicológicos não é evidência que uma vida anterior tenha sido acessada. 

Pessoas com sintomas psicossomáticos e psiconeuroses podem se reabilitar ao seguir uma grande variedade de procedimentos psicoterapêuticos. Há muitos efeitos relacionados a procedimentos psicoterapêuticos. Melhoras podem ser decorrentes exclusivamente dessas medidas e pouco se relacionarem com uma técnica específica, seja regressão hipnótica, psicoanálise ou qualquer outra aplicada pelo psicoterapeuta. 

Vale a pena enfatizar que crianças muito novas que se lembram de vidas anteriores frequentemente apresentam fobias, tais como medo de água e se lembram do evento que parece ter gerado essa fobia, tal como morte por afogamento. Mesmo assim, a simples lembrança da causa de uma fobia ou outro sintoma não necessariamente irá removê-lo. 

Pessoas que pretendem realizar regressão hipnótica devem se perguntar: que benefícios irei colher ao tentar facear minhas presentes dificuldades se eu me lembrasse de algo de alguma forma a ela relacionado em uma vida anterior? Será que minha lembrança, ainda que real, removeria essas dificuldades?

Após essa breve introdução, que não cobre completamente todos os aspectos complexos da questão, eu gostaria de mencionar que, muito raramente, algo de valor emerge de experimentos com regressão hipnótica a "vidas anteriores". Exemplos são quando o indivíduo mostra ser capaz de falar em uma língua estrangeira que ele não aprendeu.

O procedimento de regressão hipnótica a "vidas anteriores" não acontece sem algum risco. Ocasiões houve em que a "personalidade anterior" não "foi embora" quando assim instruída, e o indivíduo permaneceu em um estado alterado de consciência por muitos dias ou mais antes de voltar ao seu estado normal.

Não estou presentemente engajado em experimentos de regressão hipnótica a vidas anteriores. Não faço recomendação de hipnólogos a pessoas que pretendem passar por tais experiências. Não aprovo a conduta de hipnotistas que fazem promessas a seus clientes de que esses voltarão a vidas anteriores reais sob tais procedimentos. Não aprovo quem quer que seja que cobre e se faça passar por um hipnotista para realizar tais experimentos. 

Não realizo verificações de detalhes que emerjam de tais experiências, exceto em casos extremamente raros que me mostrem evidência clara de um processo paranormal. Ocasiões de xenoglossia responsiva (falar uma língua não aprendida) estão incluídos nesse pequeno número de casos que estou interessado em investigar. 

Embora me oponha à exploração comercial de reivindicações sem garantias da regressão hipnótica, sou favorável à pesquisa séria com regressão hipnótica. 

As observações acima aplicam-se com algumas modificações a experimentos amadores com pranchetas e escrita automática. Em tais experiências, as pessoas envolvidas nada mais fazem do que tocar as camadas subconscientes da mente de um ou mais participantes. A chance de engano ou auto engano são talvez maiores do que com experimentos de hipnose, especialmente quando as pessoas que fazem isso se convencem que estão sendo guiadas por personalidades desencarnadas. Aqui, de novo, em alguns casos, um processo paranormal está envolvido nos resultados e, raramente, produzem evidência sugestiva de contato com personalidades desencarnadas. Mas, na maioria dos casos, tais evidências estão ausentes.

Para mais informações e referências a artigos e livros baseados em investigações científica em apoio a minha posição com relação a tais casos, indico o meu livro "Children Who Remember Previous Lives" [5]. Também publiquei "A Case of the Psychotherapist's Fallacy: Hypnotic Regression to 'Previous Lives" [6]. Cópias desses artigos estão disponíveis em várias publicações.

Se este texto não responder adequadamente as questões do leitor, teremos prazer em responder cartas requisitando mais informação. Por favor, as questões devem ser escritas de forma bem específica.  
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Referências

[1] Baker, R.A. "The effect of suggestion on past-lives regression." American Journal of Clinical Hypnosis, 25(1), 71-76, July 1982.
[2] Spanos, N.P., Menary, E., Gabora, N.J., DuBreuil, S.C., Dewhirst, B. "Secondary identity enactments during hypnotic past-life regression: A sociocognitive perspective." Journal of Personality and Social Psychology, 61(2), 308-320, 1991.
[3] Zolik, E. "Reincarnation' phenomena in hypnotic states." International Journal of Parapsychology, 4(3), 66-78, 1962.
[4] Kampman, R. and Hirvenoja, R. "Dynamic relation of the secondary personality induced by hypnosis to the present personality" in Hypnosis at Its Bicentennial, edited by F.H. Frankel & H.S. Zamansky. New York: Plenum Press. 1978
[5] Jefferson, North Carolina: McFarland & Company, 2001.
[6] American Journal of Clinical Hypnosis. Volume 36, pages 188-193, 1994

(*) O Dr. Ian Stevenson (1918-2007) foi um psiquiatra que trabalhou para a School of Medicine da Universidade de Virgínia por 50 anos. Ele foi chair do departamento de psiquiatria de 1957 a 1967, professor Carson de psiquiatria de 1967 a 2001 e professor pesquisador em psiquiatria a partir de 2002 até sua morte. Foi fundador e diretor da "Divisão de estudos de percepção" da Universidade de Virgínia, que investiga fenômenos paranormais tais como reencarnação, experiências de quase morte, experiências fora do corpo, comunicações mediúnicas, visões de leito de morte, estados alterados de consciência e psi. Tornou-se internacionalmente reconhecido por sua pesquisa em reencarnação, ao descobrir evidências sugestivas de memórias e marcas de nascença que podem ser transferidas de uma vida a outra. Viajou bastante, por um período de 40 anos, investigando 3000 casos de crianças em todo o mundo que se lembram de suas vidas anteriores. Sua pesquisa meticulosa apresentou evidências que tais  crianças têm habilidades incomuns, doenças, fobias e gostos que não podem ser explicados pelo ambiente ou pela hereditariedade. (fonte: Kevin Williams)



30 de junho de 2014

Mais sobre super-psi.

Conforme referência que nos foi enviada por Chrystian Lavarini (1), o artigo de M. Sudduth "Super-Psi and the Survivalist Interpretation of Mediumship" (2) merece alguns comentários na esteira do que publicamos aqui recentemente (3) sobre a teoria super-psi. À princípio, esse artigo de Sudduth se apresenta como uma defesa bem elaborada da teoria de super-psi, que se coloca como uma alternativa não materialista à teoria espírita.

Para facilitar a discussão que segue, traduzimos o resumo do artigo de Sudduth:
De acordo com a interpretação da sobrevivência da mediunidade, a existência de individualidades desencarnadas é a melhor explicação para os dados associados a mediunidade física e intelectual. Outros - defensores do que é frequentemente chamado de 'hipótese super-psi' - garantem que os dados da mediunidade podem ser explicados, ao menos igualmente bem, em termos de uma agente vivo (ESP ou psicocinese). Muitos defensores da interpretação da sobrevivência tentam esvaziar as virtudes explicativas da hipótese super-psi argumentando que ela é infalsificável e não tem apoio independente nas evidências. Minha linha argumentativa central neste artigo é que as críticas dos adeptos da sobrevivência à hipótese super-psi são auto-destrutivas à defesa da sobrevivência a partir da mediunidade. Para mostrar isso, primeiro argumento em detalhes que a interpretação da sobrevivência da mediunidade está comprometida de tal forma com psi que ela é indistinguível da hipótese super-psi. A partir dessa perspectiva, pode-se mostrar que qualquer tentativa de se negar virtudes explicativas à hipótese super-psi com base em certo grau de psi que isso exige também acaba por enfraquecer o próprio argumento da sobrevivência.
O conceito de psi

Para compreender a linha argumentativa de Sudduth é importante também conhecer o significado de 'psi' como conceito frequentemente usado  na parapsicologia. 'Psi' seria um tipo de habilidade da mente humana que daria a ela capacidade para produzir diversos fenômenos que, na linguagem típica da parapsicológica, se confundem com os fenômenos mediúnicos - tanto de natura 'física' como 'intelectual' (ou mental). Psi seria, de fato, a fonte desses fenômenos (agentes vivos), enquanto que a informação deles produzida teria como origem a mente de outras pessoas. 

Esvaziada de uma teoria (4), a parapsicologia  tenta construir uma linha de explicação para os fenômenos psíquicos que, em sua maior parte, tem horror à qualquer 'hipótese' externa considerada 'anti-científica' (5). Por causa disso, a parapsicologia se esforçou em construir uma linha meramente empírica de argumentação, onde alguns fenômenos são elevados à categoria de princípios fundamentais. Haveria assim 'fenômenos básicos' (6) como blocos unitários em termos dos quais a explicação de outros fenômenos anômalos seria feita. A consequência disso é que as explicações parapsicológicas soam como tautologias para muitos fenômenos (ver tautologia).  

É preciso compreender que as coisas ficaram assim por causa da própria dificuldade em se justificar psi (7) com base na física conhecida de um lado, o horror a hipóteses adicionais e, de outro, ao ambiente francamente hostil aos fenômenos psíquicos do mainstream acadêmico. 

Diferenças entre a interpretação da sobrevivência e a teoria espírita para a mediunidade.

De fato, a interpretação da sobrevivência a que se refere Sudduth apenas diz que a fonte da informação oriunda dos fenômenos psíquicos está na existência dos Espíritos. Não se detalha o mecanismo através do qual isso seria possível. Por isso, a linha argumentativa do autor de (2) é válida:

1. A hipótese super-psi faz uso de psi em certo grau;
2. A interpretação da sobrevivência usa psi em um grau indistinguível de super-psi;
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C: Portanto, todas as críticas dirigidas a super-psi também valem para a sobrevivência.

Porém, é importante enfatizar que existem grandes diferenças entre a 'interpretação da sobrevivência' a que se refere Sudduth em seu artigo e a teoria espírita elaborada por A. Kardec (8) para a mediunidade. No caso de Kardec, diversos elementos explicativos (existência de fluidos imponderáveis, perispírito, diferenças de densidade entre corpos etc) existem e interagem para explicar uma variedade de fenômenos psíquicos de uma forma bem mais complexa do que a simples assunção da existência dos Espíritos na interpretação da sobrevivência em questão. Por causa disso, a crítica que Sudduth tece à falta de imunidade da tese da sobrevivência em relação à hipótese de 'super-psi' não se aplica à teoria de Kardec como é fácil perceber. 

Obviamente, o debate entre a  'sobrevivência' e 'super-psi' passa longe de Kardec, já que grande parte dos pesquisadores modernos dos fenômenos psíquicos (e que são favoráveis à sobrevivência) desconhecem a teoria de Kardec em detalhes.

Fenômenos de experiências de quase morte e visão de leito de morte não são fenômenos mediúnicos. Aplicar super-psi em tais casos é claramente problemático. De fato, tais fenômenos indicam, de forma independente da mediunidade, a existência do Espírito e sua sobrevivência.

Um problema ainda maior para super-psi

Os leitores não terão dificuldade em perceber a limitação do argumento de Sudduth a partir do próprio título de seu artigo: 'Super-psi e a interpretação da sobrevivência para a mediunidade' (grifo nosso). Em suma, seu argumento só se aplica à mediunidade. Entretanto, existem inúmeras ocorrências que são fenomenologicamente diferentes da mediunidade:
  • Lembranças e fenômenos associados a vidas anteriores em crianças (9);
  • Lembranças de vidas anteriores em adultos submetidos à regressão de memória;
  • Experiências de quase morte, EQM (10);
  • Visões no leito de morte (11);
Aplicar a ideia de super-psi nesses casos seria proibitivamente desonesto como é fácil perceber. Seria esticar em demasiado uma explicação customizada para um tipo de fenômeno. Inúmeros detalhes concorrem para demonstrar que a ideia da sobrevivência se sustenta de forma independente:
  • Por exemplo, no caso das lembranças de vidas anteriores em crianças, o que 'sobreviveu' de uma existência para outra? Como explicar marcas de nascença associada a vidas anteriores usando super-psi?
  • No caso de experiências de quase morte, o que continua a existir enquanto o cérebro está sem oxigênio? 
  • Porque a imensa maioria das lembranças em EQM diz respeito ao encontro com pessoas já falecidas? Nas visões de leito de morte, porque são reportadas imagens de pessoas falecidas?
O leitor interessado identificará facilmente outros detalhes na fenomenologia psíquica 'não mediúnica', que permite facilmente perceber a simplicidade e amplitude explicativa da tese da sobrevivência. Dessa forma, invocando-se a 'Navalha de Occam' (simplicidade), a tese da sobrevivência apresenta-se como a teoria que deve ser escolhida.

Esse é um assunto interessante que merece ser melhor explorado futuramente, principalmente no que diz respeito às consequências da tese da sobrevivência com base em evidências não mediúnicas.

Notas e Referências

(1) Ver post "Geografia(s) do mundo espiritual" de Chrystian Lavarini.

(2) M. Sudduth (2009) "Super-Psi and the Survivalist Interpretation of Mediumship", Journal of Scientifi c Exploration, Vol. 23, No. 2, pp. 167–193.

(3) Ver tradução comentada do texto de M. Prescott "As duas opções".

(4) Sobre isso ver a tradução do artigo de P. Churchland, "Como a Parapsicologia poderia se tornar uma ciência" que foi publicada em uma série de quatro posts.

(5) A existência dos Espíritos é uma dessas hipóteses. 

(6) ESP ou a chamada 'percepção extra sensorial' e psicocinese são esses blocos constituintes.


(7) Ou seja, como seria possível explicar 'psi'? A interação entre mentes (no caso, por exemplo, da telepatia) não pode ser explicada com base em nenhum elemento mais fundamental. Tentativas foram feitas, porém, o fenômeno não se deixa controlar a ponto de se poder testar facilmente.

(8) Uma boa parte dessa teoria, no que diz respeito à mediunidade, pode ser encontrada em "O Livro dos Médiuns".

(9) J. B. Tucker. (2008). Life Before Life: Children's Memories of Previous Lives.  St. Martin's Griffin, primeira edição.

(10) Ver post: Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte. Artigo de Michael Nahm (2011).