10 de junho de 2014

As duas opções (por Michael Prescott)


Apresentamos uma tradução para o português do texto de Michael Prescott "The two options" (1) que discorre de uma forma lógica sobre teorias que competem com as explicações espíritas para os fenômenos mediúnicos. Em particular, o que me chamou a atenção neste texto foi a brilhante classificação das 'teorias de super-psi' como uma variedade de "teoria da conspiração" e, portanto, sua impossibilidade de refutação. Pedimos autorização ao autor para a tradução apresentada em azul. Adicionamos alguns comentários na parte final. 

Como os leitores assíduos desse blog sabem, existe uma variedade sugestiva de evidências da sobrevivência da consciência depois da morte. Algumas delas, naturalmente, são mais persuasivas do que outras, mas, quando se olha para a totalidade da pesquisa, é fascinante ver como várias investigações convergem para a mesma conclusão.

Entre tais evidências estão as experiências de quase morte, experiências fora do corpo induzidas, aparições e assombrações, comunicações espontâneas e induzidas após a morte, mediunidade, memórias espontâneas de vidas anteriores reportadas por crianças, alegadas memórias de vidas passadas e de existência entre vidas descritas por adultos hipnotizados e fenômenos de vozes eletrônicas. Isso não é uma lista que pretenda ser completa. Tenho certeza que deixei de lado poucas coisas.  

De novo, não digo que todas essas linhas de investigação são igualmente convincentes: por exemplo, a regressão hipnótica pode ser problemática porque sujeitos hipnotizados tem a tendência de confabular. E muito dos fenômenos de vozes eletrônicas se parecem mais com ruído do que com vozes de fato, pelo menos para mim. Mesmo assim, quando olhamos tudo de uma perspectiva maior, acho que apenas duas alternativas podem explicar a totalidade dessas evidências. 

A primeira e mais óbvia explicação é que a consciência realmente sobrevive à morte, ao menos por certo tempo e, em alguns casos, reencarna (2).

A segunda explicação possível é que existe um tipo de conspiração cósmica em operação - um esforço orquestrado pelo subconsciente coletivo da humanidade, ou por demônios enganadores, ou por qualquer outra força preternatural - uma conspiração para nos convencer de que sobreviveremos à morte quando, de fato, isso não irá acontecer. 

As alternativas não materialistas à sobrevivência se classificam todas de certa forma nessa segunda categoria. Defensores de superpsi (ou super ESP, 3) essencialmente dizem que poderes desconhecidos da mente (4) estão nos enganando (Fig. 1) para diminuir nosso medo de morrer. Alguns fundamentalistas religiosos dizem que a mediunidade e experiências de quase morte são obra do demônio para nos afastar da ortodoxia. 

Agora, o ponto sobre teorias de conspiração é que elas são impossíveis de se refutar. Não importa quanta evidência for reunida, elas sempre irão reforçar a ideia; o devotado teórico conspiracionista simplesmente dirá que a evidência é parte da conspiração. Por exemplo, algumas pessoas acreditam que a aterrissagem na lua foi uma fraude feita em estúdio (5). Se se afirmar que astrônomos no mundo inteiro rastrearam a trajetória da espaçonave Apolo, eles irão afirmar que tais astrônomos fazem parte do jogo conspiratório. Se for mostrado que rochas foram trazidas da Lua e analisadas por especialistas, será dito que tais especialistas, por sua vez, também fazem parte da conspiração. Quanto mais evidência for apresentada, tanto maior terá que ser a conspiração, o que não é um problema para o teórico da conspiração, que se encanta com a ideia de que ele é a voz solitária da verdade e lucidez a lutar contra chances improváveis. 

Não estou a dizer que conspirações nunca ocorrem. Obviamente, houve conspirações ao longo da história. Por exemplo, uma conspiração foi feita para assassinar o imperador Júlio César. Mas, ela não permaneceu oculta por muito tempo e não envolveu um número grande de pessoas. Houve um tipo de conspiração para evitar que o público soubesse de benefícios recebidos por Franklin Roosevelt durante o seu mandato e que o casamento de John Kennedy era basicamente uma farsa. De novo, tais montagens envolveram um número limitado de pessoas e foram eventualmente descobertas depois.  

O problema das teorias de conspiração com explicações de tudo é que, não somente elas nunca podem ser refutadas, mas também elas invocam um sentido de incapacidade, passividade ou cinismo. Se o mundo todo existe para nos consumir, então, nada podemos fazer para escapar, a não ser alimentar o desespero.  

Quando nos voltamos para uma ideia como super-psi, encontramos uma teoria de conspiração que é ainda mais difícil de refutar do que qualquer outra. Por definição, super-psi envolve potencialmente o subconsciente de todo mundo - qualquer pensamento ou sentimento que quem quer que seja tenha tido ou irá ter um dia. 

Mas, é possível ter muito mais que isso! Se recursos combinados de mentes subconscientes de todos os seres humanos estão envolvidos em perpetrar uma charada, e se tais recursos não reconhecidos são imensamente maiores do que se pode imaginar, então, tal conspiração será capaz de produzir literalmente qualquer evidência necessária, ao mesmo tempo que suprimirá qualquer outra que lhe seja contrária. 
Fig. 1  Pe O. G. Quevedo que se especializou em usar hipóteses da superpsi e fraudes em seu combate ao Espiritismo. O grosso de sua argumentação sustentava-se na ideia de que a mente tem recursos desconhecidos ou que não é confiável. Como M. Prescott pondera, tais explicações não têm caráter científico porque são irrefutáveis, sendo melhor classificadas como variedades de teorias de conspiração.
Isso não apenas significa que nunca poderemos saber a verdade sobre a vida após a morte. Significa que jamais saberemos a verdade a respeito de qualquer coisa. Não podemos confiar em nossas mentes, já que, no nível mais profundo, ela foi criada para nos enganar. Não podemos confiar na percepção de ninguém, incluindo na nossa própria. Se levarmos super-psi a sério ou, de outra forma, se acreditarmos que qualquer evidência que contradiga nosso sistema de crenças foi fabricado por demônios para testar nossa fé, ou criado por 'fantasmas devoradores de almas' para nos entorpecer antes do abate final, ou por alienígenas desejosos de nos observar em tubos de ensaio, então, nunca haverá chance alguma de usar tanto nossa faculdade de raciocínio como recorrer às evidências para saber a verdade. 

Então, ficamos assim. Assumindo que encontramos evidências da sobrevivência que são razoavelmente convincentes e que não podem ser explicadas de outra forma como observações incorretas, fraudes, lendas urbanas ou 'wishful thinking' etc, estamos diante de uma escolha básica. Podemos aceitar a evidência pelo seu valor de face, na hipótese de que o Universo é essencialmente benigno (6)  e que nossas mentes são, em princípio, capazes de discernir a verdade a respeito das coisas (7). Ou, podemos assumir que a evidência é o resultado de gigantesco trabalho conspiratório, sendo que o Universo é essencialmente maligno e nossa consciência e mente racional são, em princípio, incapazes de saber a verdade de qualquer coisa.

Concordo que não há jeito de se, definitivamente, decidir entre as duas alternativas (8). De alguma forma, ela depende de nossa visão sobre a existência ser basicamente otimista ou pessimista. Seria o Universo amigável ou será que ele existe para nos consumir? Seria a vida uma aventura ou um pesadelo? Haveria espaço para esperança ou somente o medo?

Isso está de certa forma relacionado ao que William James chamou de 'desejo de acreditar', o seja, a necessidade de se tomar um ato de fé no ponto onde o raciocínio não consegue mais ir além. Cada um de nós deve tomar esse passo a mais em uma ou outra direção, por nós mesmos.

Referências e comentários

(1) Michael Prescott's blog: http://michaelprescott.typepad.com/michael_prescotts_blog/

(2) Numa visão puramente empírica, isto é, ditada pelas 'evidências', não há bases para se afirmar que todos reencarnam e nem que todos reencarnam.

(3) Com explicado por Prescott em seu texto, a teoria de 'super-psi' é uma das alternativas 'não espíritas' e 'não materialistas' aos fenômenos psíquicos. Resulta de um desenvolvimento de teorias do subconsciente que chegam ao extremo de refutar a sobrevivência usando da ideia de 'orquestração inconsciente' e 'super-mente'. Como também explicado por Prescott, essas teorias caem na categoria de 'teorias de conspiração' e são incapazes de produzir qualquer previsão de fenômeno. 

(4) No Brasil, nos anos 80-90 foi bastante conhecida a campanha do clérigo jesuíta Oscar G. Quevedo contra o Espiritismo usando essencialmente conspiração de super-psi nos casos mais difíceis de se refutar e uma variedade de explicações do tipo 'fraude' nos considerados 'mais fáceis'. Por isso, a importância do texto de Prescott. A 'teoria do demônio' é tratada com brilhantismo por Allan Kardec em "O Livro dos Médiuns", Primeira Parte - Noções preliminares, Capítulo IV - Dos sistemas.

(5) Sobre isso, ver também nosso texto: "Crenças Céticas XXI: Será que o homem pousou na Lua?".

(6) O texto de Prescott torna possível perceber a visão puramente empírica que alguns espiritualistas considerados 'científicos' sustentam. Para eles, a verdade deve vir, por indução, a partir da mera observação dos fenômenos. Porém, a fenomenologia psíquica representa uma espécie de 'esquina' para o pensamento, uma vez que, para sua correta explicação, exige a adoção de uma postura filosófica sobre o Universo que é dispensável nas explicações dos fenômenos materiais. Para a física, química etc, não é necessário que o Universo seja 'benigno', mas apenas que ele seja 'racional'.  Prescott torna evidente porque Kardec iniciou a apresentação das questões aos Espíritos em 'O Livro dos Espíritos' - que é a obra fundamental do Espiritismo - pela questão 'O que é Deus?' 

(7) Esse é o ponto de vista da ciência. O Universo pode ser explicado racionalmente, isto é, conhecendo-se as causas, é possível explicar os efeitos e nossas mentes não estão sendo enganadas.

(8) Na visão empírica do autor, deveria ser possível colher evidências adicionais sobre esse caráter, que torne discernível qual é a opção correta. Obviamente, a discussão aqui toca questões metafísicas que estão além da busca meramente empírica e que são, na Doutrina Espírita, tratadas de forma conveniente pela contraparte filosófica. O Universo é benigno porque Deus - como causa primária de todas as coisas - é bom.

26 de maio de 2014

Geografia(s) do Mundo Espiritual (por Chrystiann Lavarini)


Apresentamos aqui um resumo do trabalho publicado 9o Enlihpe (2013) de autoria de Chrystiann Lavarini (*), que consideramos relevante na refutação de críticos da existência de estruturas no Mundo Espiritual. O trabalho do Chrystiann é pioneiro porque chama atenção para detalhes de geografia a escapar desses críticos, ignorantes dessa disciplina que, na sua versão física, é uma ciência natural. Para evitar perda de continuidade na apreciação deste trabalho, ele é apresentado de uma só vez. 

Considerações Introdutórias
No primeiro quartel do século 20, o filósofo alemão Ernst Cassirer afirmava que todas as criações do espírito humano estão, de alguma forma, relacionadas ao mundo do espaço, onde o espírito busca sentir-se a vontade, conhecer o mundo e dar o primeiro passo no sentido da objetivação, através da apreensão e da determinação do ser (CASSIRER, 1957). De forma semelhante, Milton Santos, eminente geógrafo brasileiro, iniciava um de seus ensaios considerando uma pergunta do pensamento aristotélico, instigando os leitores se: aquilo que não está em nenhuma parte não existe? (SANTOS, 1988).

Na literatura espírita, as obras “O Céu e o Inferno”, “A Crise da Morte” e “Nosso Lar” podem ser entendidas como verdadeiros marcos de informações oriundas do Além. As duas primeiras – coordenadas, respectivamente, por Allan Kardec e Ernesto Bozzano – mesmo apresentando critérios metodológicos semelhantes (1) exibem, como resultado, um panorama espiritual bastante diverso. Por sua vez, a obra “Nosso Lar”, ao contrário das demais, não é um resultado de catalogação de diversas psicografias e, portanto, não é o resultado de investigação metodológica intersubjetiva, como é próprio da Ciência (POPPER, 1974).

Distante do desejo de validar ou invalidar as obras supracitadas, este trabalho busca tão somente, em suas linhas gerais, entender, com base em categorias de análise da Geografia, as descrições relativas ao Mundo Espiritual tais quais estas se encontram discutidas nas obras de Allan Kardec e Ernesto Bozzano. 

Mais especificamente, almeja-se comparar as descrições mais relevantes entre si, e como estas se assemelham e diferenciam em termos de uma(s) Geografia(s) do Mundo Espiritual.

Definindo as Categorias de Análise da Geografia


Em Geografia, as categorias de análise, juntamente com seus métodos e objetivos, foram sempre mutáveis ao longo do tempo, diferindo em função do local, do gênero de estudos e dos geógrafos que empreendiam tais pesquisas. Este fato faz com que não haja, sobretudo hoje, um consenso sobre as definições destas categorias de análise (ROCHA, 2008). 

Apesar de toda esta diversidade, alguns conceitos permanecem como categorias-chave na abordagem geográfica, primordialmente as concepções do território, região, lugar e paisagem, todos essencialmente ligados ao espaço geográfico (2).

Através destas categorias de análise da Geografia, far-se-á a investigação das descrições relativas ao Mundo Espiritual presente nas obras mencionadas.

O Mundo Espiritual Segundo Allan Kardec
Kardec, no capítulo intitulado “Céu”, ao analisar as diversas comunicações espíritas recebidas por diferentes médiuns (3), demonstra a existência de um espaço espiritual com características geográficas, embora não esteja circunscrito à Terra, nem a este sistema solar. Esta expressão se relaciona ao espaço geográfico, pois, como acentua Allan Kardec, há uma intrínseca coexistência entre as formas que caracterizam o espaço do Mundo Espiritual, a vida e o movimento. Isto indica que ao existir este espaço de relações entre um mundo de formas quintessenciadas e materiais, juntamente com o movimento dos Espíritos que nele vivem, há uma contínua modificação, ou se preferirem, uma continuada ação de produção e reprodução deste espaço pela sociedade espiritual que o coloca e o percebe em movimento, de maneira semelhante ao que ocorre no espaço terrestre (SANTOS, 1988).
Outras duas categorias de análise da Geografia plenamente perceptíveis neste fragmento são as regiões e os lugares.
Embora infinito e amplamente povoado, o espaço espiritual, denominado por Kardec como Mundo Espiritual, não possui uma região nem um lugar circunscrito destinado àqueles mais desmaterializados, capazes de viver em um ambiente equivalente ao Céu dos cristãos (KARDEC, 2008). Em outras palavras, seu lugar [ou lugares] não se encontra necessariamente vinculado a uma determinada porção do espaço, ou território, mas a qualquer ambiente. Convém notar, entretanto, que embora não haja um lugar específico destinado ao gozo dos Espíritos, Kardec assevera a existência de regiões do Espaço (4), como os mundos evoluídos e atrasados, onde grupos de Espíritos a eles vinculados estabeleceram características bastante próprias de organização social e cultural, resultantes das experiências vividas pelos seus membros, o que permite individualizar estes espaços em regiões ou centros de atração. Com efeito, tais centros podem funcionar, muitas vezes, como lugares de convivência, onde os Espíritos afeitos pelas suas simpatias possuem um sentimento de pertencimento àquela região, embora cada indivíduo possa ter ainda outros lugares em outras escalas de preferência.
A partir da análise dos casos (5), verifica-se, de um modo geral, que a dimensão da paisagem espiritual continuaria, à semelhança da vida terrena, sendo percebida pelos sentidos, e sempre em um processo seletivo da realidade, na qual o Espírito, em face de suas concepções prévias e de seu grau evolutivo, estabelece sua forma de conceber o Mundo, “pintando com diferentes cores” sua própria paisagem espiritual. Não se pode, contudo, supor que as diferentes percepções do Mundo Espiritual sejam específicas, não-objetivas, mentais e, portanto, unicamente subjetivas aos Espíritos desencarnados. Como é possível compreender pela análise dos casos, mesmo nos ambientes mais desmaterializados, como os habitados por Espíritos Felizes, há semelhanças nas descrições de todos os relatos, o que permite inferir a existência de um mundo objetivo, real, com espaço, paisagens, regiões, territórios, e, consequentemente, uma Geografia do Mundo Espiritual.
Os territórios ocupados pelos Espíritos Sofredores diferem, e muito, do quadro apresentado pelos Espíritos Felizes, sobretudo, pela sua incapacidade de viver e perceber as regiões distintas do grau evolutivo a que pertencem, associado à impossibilidade de se locomoverem livremente no espaço (6). Consequentemente, grupos de Espíritos nesta categoria tenderiam a formar um verdadeiro território espiritual. Este território espiritual representaria, assim como os territórios terrenos, uma determinada porção do espaço apropriada por um grupo, estabelecendo uma identidade de pertencimento e posse. 

O Mundo Espiritual Segundo Ernesto Bozzano
A partir dos relatos recolhidos por Ernesto Bozzano pode-se depreender, em seu conjunto, que os Espíritos vivendo no espaço espiritual que lhes é próprio transformam-no a partir do pensamento, seja de maneira voluntária, consciente e dirigida pela vontade, ou involuntária, quando o fenômeno se dá por criação inconsciente, não planejada. A existência de um conjunto destas criações gera, em cada região do Mundo Espiritual, o estabelecimento de paisagens espirituais e permite que os indivíduos criem os seus próprios lugares dentro destes territórios (7). Bozzano (2006) considera também que os Espíritos em condições medianas procuram criar pela vontade ou mesmo inconscientemente um Mundo Espiritual análogo ao espaço terrestre, o que lhes dá a percepção de um mundo terrestre espiritualizado, onde seja possível, de certa forma, se adaptar à nova realidade espiritual.  
Dentre as psicografias mencionadas por Bozzano (2006), há concordância sobre a existência de uma paisagem espiritual objetiva, que nem sempre é passível de ser produzida ou reproduzida somente pela vontade individual, mas que se enquadra dentro das manifestações psíquicas coletivas do Mundo Espiritual (8).
Neste sentido, surgem novos elementos a uma possível Geografia do Mundo Espiritual: a existência de uma morfologia da paisagem. Como é possível deduzir – a partir da utilização de expressões como plana, ondulada, e a existência de um céu para descreverem a paisagem espiritual – remete-se, intuitivamente, a uma Geomorfologia do Mundo Espiritual (9).
Desta forma, há um espaço e uma paisagem inserida neste espaço que resulta de uma construção coletiva, onde são modelados os lugares de convívio destes Espíritos. Sobre este aspecto pode-se, inclusive, extrapolar as análises para além das categorias de análise da Geografia. Os detalhes contidos neste caso demonstram, em concordância com diversos outros Espíritos, a existência de qualidades da matéria quintessenciada que compõe o Mundo Espiritual, semelhante às rochas e metais existente na Terra, e ainda, de uma divisão social do trabalho, tendo em vista que nem todos os Espíritos são capazes de modelar seu próprio lugar de convivência (10). Isto implica que muitos Espíritos dependem, em maior ou menor escala, não somente do concurso de outros que convivem nas regiões que lhes são afins, mas igualmente daqueles mais evoluídos e capazes de modelar a paisagem conforme as suas necessidades.

Considerações Finais
Estas comunicações, assim como diversas outras que integram os trabalhos de Allan Kardec e Ernesto Bozzano, demonstram a existência de diversas percepções, regiões e categorias de Espíritos no Mundo Espiritual.
A hipótese de um espaço espiritual, conforme foi possível constatar, apresenta um caráter fortemente geográfico, que indicaria a existência física, objetiva e quintessenciada de diversos territórios, territorialidades, regiões e paisagens, desde os trabalhos de Allan Kardec.
Tomadas somente as descrições dos Espíritos compiladas pelo Codificador já seria possível deduzir concordâncias principais e secundárias em quase todas as comunicações por ele obtidas sobre a hipótese de diversos “Mundos Espirituais” e suas consequentes Geografias. A obra de Ernesto Bozzano, por sua vez, assim como a obra kardequiana, confirma, com dados e médiuns em países diferentes da França, a existência e a importância destas categorias de análise geográfica para o entendimento do Mundo Espiritual.
Como desafio a futuras investigações persistem a busca, e sua subsequente análise, de obras que tenham sido validadas metodologicamente e possam contribuir para a aplicação dos conceitos de análise geográfica na sua correspondente Geografia, ou Geografias, do Mundo Espiritual. 
Notas

(1) As obras “O Céu e o Inferno”, de Allan Kardec, e “A Crise da Morte”, de Ernesto Bozzano, foram metodologicamente analisadas através da Universalidade do Ensino dos Espíritos e da Análise Comparada, respectivamente. A Análise Comparada dos relatos de Espíritos em condições medianas, muito deles obtidos no período do surgimento do Espiritismo, assemelha-se, em termos metodológicos, ao modelo de pesquisa utilizado por Allan Kardec na elaboração da Doutrina dos Espíritos.

(2) Por questão de espaço, estas categorias não foram explicitadas neste resumo. Para um entendimento mais detalhado destas categorias de análise ver Moraes (1992); Raffestin (1993); Ribeiro (1993); Lisboa (2007); e Santos (1988).

(3) O trecho ressaltado refere-se ao capítulo intitulado “Céu” (KARDEC, 2008, p. 42).

(4) Adotamos neste texto a expressão Espaço com igual significado utilizado por Allan Kardec, ou seja, para denotar o Mundo Espiritual.

(5) Dentre estes casos destacam-se os Espíritos identificados como “um médico russo”, a “Condessa Paula” e “Jean Reynaud”.

(6) Além destes, existem Espíritos que relatam viver em trevas, onde haveria uma ausência da percepção de espaço-tempo e, consequentemente, de uma Geografia do Mundo Espiritual. São mencionados também na obra kardequiana diversos relatos de Espíritos que se recusam a deixar os ambientes terrenos na tentativa de vivê-los e, portanto, territorializá-los.  

(7) Estas criações involuntárias parecem uma explicação bastante razoável para as descrições feitas por Espíritos Sofredores analisados por Allan Kardec que relatam viver em um ambiente de trevas e insulamento devido ao egoísmo que lhes define o caráter.

(8) Uma dessas psicografias, também em concordância com as demais, é feita por um soldado morto em combate cujo nome não fora revelado, sendo conhecido pelas iniciais K. H. R. D.

(9) A Geomorfologia é uma disciplina acadêmica que estuda o relevo da Terra e de outros planetas. Neste caso, a Geomorfologia do Mundo Espiritual diria respeito às diversas criações morfológicas de origem espirítica que se assemelhariam a um relevo terrestre.

(10) Sobre estas criações ver os relatos dos Espíritos Daddy e Rodolfo Valentino. 

Referências Bibliográficas

BOZZANO, E. A Crise da Morte. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006.
CASSIRER, E. The Phenomenology of Knowledge In: CASSIRER, E. The Philosophy of Symbolic Forms. New Haven: Yale University Press, 1953.
KARDEC, A. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 60a Ed, 2008.
LISBOA, S. S. A Importância dos Conceitos da Geografia para a Aprendizagem de Conteúdos Geográficos Escolares. Revista Ponto de Vista, v.4, 2007.
MORAES, A. C. R. Ratzel: Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1992.
POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 1974.
RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.
RIBEIRO, L. A. M. Questões regionais e do Brasil. In: RUA, J. et al. (Org.). Para ensinar geografia. Rio de Janeiro: ACCESS Editora, 1993.
ROCHA, J. C. Diálogo entre as categorias da Geografia: espaço, território e paisagem. Caminhos de Geografia, 9, 27, 128-142, 2008.
SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

(*) "Geógrafo licenciado pela Universidade Federal de Minas Gerais e, atualmente, mestrando em Geografia e Análise Ambiental (IGC-UFMG). É membro dos grupos de pesquisa em Geomorfologia e Recursos Hídricos (UFMG-CNPq) e Geoquímica Ambiental (UFMG-CNPq). Dentro do movimento espírita, contribui com a Liga de Pesquisadores do Espiritismo (Lihpe)."