7 de julho de 2011

Livro II - Estudando o Invisível (por Juliana M. Hidalgo Ferreira)

William Crookes (1832-1919).
Imagine pretender descrever a história do desenvolvimento científico da física, química ou biologia partindo do princípio de que os fenômenos estudados por essas ciências podem ter sido fraudados ao longo do tempo. Imagine descrever, por exemplo, a descoberta do elétron por J. J. Thomson partindo do princípio que os resultados experimentais que ele apresentou ao público possam ter sido forjados por algum assistente de laboratório, de forma consciente ou inconsciente. Alguém responderia: "mas os experimentos dele poderiam ter sido repetidos..." Nesse caso, imagine ser possível defender a ideia de que todas as tentativas posteriores de confirmação desses fenômenos não passaram de uma gigantesca fraude.

De certa forma, esse é o objetivo de Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira em seu livro 'Estudando o Invisível', resultado de seu trabalho de mestrado em História da Ciência em 2001 que teve como escopo estudar, do ponto de vista historiográfico, a obra do químico inglês William Crookes (1832-1919) e seu envolvimento com fenômenos espíritas no final do século XIX. Trata-se de uma obra de fôlego (quase 600 páginas de um trabalho minucioso e farto de referências históricas) - o que conta como um ponto positivo da obra. Entretanto, o livro é quase que exclusivamente referenciado a trabalhos de pesquisadores anglo-saxões, na sua maioria ingleses e americanos. 

Antes de discutirmos os fundamentos do trabalho, destacamos uma curiosidade revelada no estudo: muitas das correspondências trocadas entre Crookes e seus pares concernentes aos estudos que faziam sobre o 'Espiritualistmo' desapareceram misteriosamente. Não só isso, trechos de cartas onde esse grande cientista citou e discutiu problemas relacionados ao seus estudos sobre a fenomenologia mediúnica foram literalmente cortados com tesoura tempos após a morte dele:
Vale notar, entretanto, que a seção de manuscritos do Science Museum de Londres, onde se encontra esse último material mencionado, não dispõe de todas as cartas trocadas entre Crookes e o seu assistente na época. Essas caras são numeradas e muitos itens estão faltando. Além disso, trechos de algumas cartas parecem ter sido cortados à tesoura Assim, tem-se a sensação de que certas informações contidas nesses documentos foram, propositalmente, excluídas dos arquivos do cientista. Nessas cartas poderiam estar informações relevantes para entendermos o que estaria acontecendo nas pesquisas de Crookes nesse período. (p. 45)
Embora distantes da época quando a inquisição foi instaurada, uma nova inquisição - movida pelos mesmos fundamentos e interesses filosóficos - deu-se pressa em eliminar tudo o que teria sobrado ainda não publicado das observações de Crookes sobre os fenômenos transcendentes.

No Capítulo 1, 'Introdução' (p. 34), enunciam-se os objetos da pesquisa e destacamos a frase:
Do ponto de vista puramente historiográfico, não há interesse em tentar discutir, a partir de estudos anacrônicos, se os fenômenos espiritualistas existem ou não. 
É perfeitamente compreensível que a Histórica, como ciência, não tenha como objeto de estudo o fato ou fenômeno em si e nem mesmo as teorias que se criaram para explicar tais fatos (o que seria objetivo da Epistemologia da Ciência). O objetivo da História é estudar o fenômeno humano, a narrativa, e tentar encontrar as motivações subjacentes ou relacionamento entre fatos na tentativa de se inferir relações entre ocorrências aparentemente isoladas e para as quais não se tem evidência histórica suficiente. Por isso, o trabalho da Juliana está supostamente resguardado contra quaisquer críticas tanto de espiritualistas como de céticos. Como consequência disso, essa obra também não ajuda o leitor indeciso a resolver a dicotomia conforme o orientador da pesquisa adverte no prólogo:
Espero que ninguém distorça o presente trabalho, utilizando-o com base para defender ou negar a existência dos fenômenos mediúnicos. Ele não foi escrito para isso e não se presta para tal uso. (p. 15)
Espiritualismo X Teorias de Embuste 

Dessa forma, o trabalho apresentado em 'Estudando o Invisível' pretende ser uma narrativa 'neutra'. Tanto seu orientador como a autora reafirmam a necessidade dessa postura que pode ter o mesmo objetivo de Crookes ao 'dosar' o conteúdo de seus artigos para que fossem academicamente aceitos.  A diferença é que Crookes não tinha quaisquer dúvidas quanto à realidade dos fenômenos, enquanto que na narrativa da autora transparece a todo instante a possibilidade de fraude. É abundante assim o uso do futuro do pretérito (composto) no texto: 'teria feito', 'teria observado'. Esse tempo verbal desaparece na narrativa de fenômenos materiais (chamados de 'normais' ou 'não espiritualistas') no Capítulo 5.

Um exemplo característico do tom que permeia todo o livro é o parágrafo que inicia a página 133 em que se explicita a ausência de controle de Crookes na realização de algumas sessões iniciais. A um espiritualista, isso demonstra o conhecimento tácito que Crookes tinha sobre o que era realmente essencial de ser reportado e controlado, enquanto que para a autora isso é obviamente indício de fraude. A questão é impossível de ser decidida tal como apresentada, pois o relato de Crookes é sempre feito de forma não definitiva quanto a conclusões. Um exemplo é encontrado na p. 118 na descrição de uma sessão realizado com D. D. Home (1833-1886) na presença de Crookes:
Os fatos observados em seguida, segundo o autor, foram ainda mais impressionantes: Home retirou a mão que segurava o acordeão, colocando-a em cima da mão da pessoa próxima a ele, enquanto o instrumento continuava a tocar.
Observações desse grau feitas por Crookes não têm nenhum valor frente a outras, tem-se a impressão que todas tem a mesma importância, inclusive as que sugerem fraude. De novo, isso se deve a estratégia de neutralidade adotada. Assim, uma toalha sobre a mesa tem importância magnificada, denunciando o ponto de vista cético adotado.

Embora tanto Kardec quanto Crookes tenham magistralmente listado todas as teorias existentes para se dar conta dos fenômenos (desde a do embuste, a demoníaca, a da fraude inconsciente, a da influência das mentes até a teoria espírita, ver nota [1]), na narrativa de 'Estudando o Invisível' transparece a disputa entre a teoria espiritualista versus fraude como necessária na manutenção dessa postura. A verdade é que essa também é a dicotomia presente em muitos estudos acadêmicos contemporâneos que ainda se aventuram a estudar esse tipo de fenômeno, afinal é preciso tratar o problema dos céticos que, embora mantenham posições filosoficamente contrárias e aparentemente inofensivas, tem impacto na decisão de se distribuir recursos financeiros para a pesquisa. Embora possamos tecer críticas quase perfeitas ao grau de 'cientificidade' das teorias de embuste, é inegável que ela ainda é a preferida por aqueles que dizem seguir 'métodos científicos' de pesquisa. 

Não é possível que não haja diferença entre fazer história da ciência sobre crenças e teorias de cientistas pioneiros que se esforçaram para desenvolver modelos teóricos que embasam fatos naturais simples e altamente repetitivos, e  se fazer o mesmo com determinadas teorias quando sequer os fenômenos a elas associados são acreditados. Como vimos anteriormente no caso de Galileu, o problema desse sábio florentino não era tanto defender suas teorias contra a ortodoxia Aristotélica, mas fazer com que os outros acreditassem nas suas observações de telescópio, numa época em que esse instrumento poderia ser considerado tanto um instrumento de feitiçaria como uma ilusão de óptica. A história se repete com Crookes e com toda a fenomenologia espírita. 

Há certamente duas vias para se fazer ciência: uma é postular teorias diante de determinados fatos e tentar 'desenhar' experimentos que ocorram exatamente conforme prevejam tais teorias. Outra, bem diferente, é iniciar-se tão só pela observação dos fatos e tentar convencer o mundo, pelo uso dos fatos, de que há algo mais. A segunda via foi a escolhida por Crookes porque era impossível defender facilmente qualquer teoria que não fosse a da fraude. De acordo com Juliana Hidalgo, talvez Crookes sempre tenha mantido internamente sua crença na existência dos Espíritos (não importa se isso ocorreu pouco depois da morte de seu irmão em Cuba ou algo depois). Como cientista, ele nutria profundo amor pela Ciência e esforçou-se de todas as formas para chamar a atenção da elite acadêmica de sua época ao menos para a realidade dos fenômenos sem procurar se envolver muito com os espiritualistas. Nesse relato, percebe-se, assim, a diferença entre suas observações particulares, onde ele valorizava comunicações e informes dados pelos controladores invisíveis de seus experimentos psíquicos (e que formavam um contexto espiritualista inadmissível para seus céticos), e aquilo que ele acabava publicando em seus artigos. 

Alguns comentários que a autora tece a respeito da argumentação de Crookes podem ser questionados. Por exemplo, no Capítulo 3, p. 110, ao discutir algumas desculpas de Crookes em não continuar as pesquisas psíquicas por causa da dificuldade de acesso a bons médiuns, a autora considera:
Entretanto, supondo que o autor atribuísse essa característica à força psíquica, pode-se considerar estranho que ele afirmasse que o fato de esses fenômenos só ocorrerem na presença de poucas pessoas seria um empecilho à realização das pesquisas. Como um cientista acostumado a lidar com fenômenos muitas vezes não detectáveis pelos simples sentidos humanos, ele poderia cogitar na construção de aparelhos cada vez mais sensíveis, para que a força psíquica pudesse ser detectada na presença de pessoas não consideradas médiuns. Assim, alegar que as investigações eram difíceis por falta de acesso aos médiuns não parece ser um bom argumento.(p. 110)
Esse comentário é questionável porque todo o problema de Crookes não estava em saber se pessoas comuns poderiam revelar a força psíquica (uma conjectura) em menor intensidade ou não (o que seria uma forma alternativa de chamar a atenção para a realidade dos fenômenos), mas no caráter incontrolável dos experimentos. De fato, Crookes (tanto quando muitos espiritualistas) considerariam o problema resolvido se se dispusesse de meios para se conhecer completamente todas as condições necessárias e suficientes para  a ocorrência dos fenômenos psíquicos. O problema é recorrente hoje em dia, pois, por mais sensíveis sejam os instrumentos utilizados (balanças, câmeras, detectores e sensores), tudo permanece incontrolável. As investigações sempre foram difíceis sim por conta de dificuldades no acesso a fontes fenomenológicas de qualidade, e Crookes estava longe em sua época de contar com dispositivos sensíveis para validar sua conjectura.  A autora foi levada a tal conclusão por desconsiderar a realidade dos fenômenos.

Para pessoas acostumadas com a literatura espiritualista, em nenhum momento de 'Estudando o Invisível' (nem mesmo no capítulo que descreve as famosas materializações de Kate King via Florence Cook) aparece qualquer referência à famosa substância denominada 'ectoplasma' (neologismo criado por Charles Richet (1850-1935) que também não é citado na obra) responsável por muitos fenômenos. Será que Crookes não teria notado essa substância? Como muito da comunicação não publicada de Crookes foi sumariamente eliminada, talvez nunca venhamos a saber. A inexistência de quaisquer citações ao ectoplasma - tão abundantemente registrado por vários pesquisadores no passado - é um ponto negativo na narrativa da obra, já o Capítulo 7 discute investigações de fenômenos espíritas posteriores a Crookes.

Que a conclusão da autora se dá desde o ponto de vista das teorias da fraude (que se justifica pela necessidade de neutralidade e narrativa desde o ponto de vista da época) está claro na conclusão. Por exemplo, no último parágrafo da página 530 está afirmado:
Os relatos das sessões mostraram que as condições de visualização dos fenômenos não eram tão boas quanto o cientista apregoava em suas publicações....Além disso, os médiuns e outros observadores pareciam não ser revistados e, muitas vezes, foram realizadas sessões nas quais, provavelmente, o cientista não podia controlar quem entrava ou saía da sala.
Podemos considerar equivocada a conclusão expressa em seguida, na p. 539 no penúltimo parágrafo:
De qualquer forma, observa-se que o cientista parecia ter suas iniciativas e procedimentos limitados durante as sessões, o que pode explicar a pouca variabilidade dos experimentos e as discrepâncias entre o seu método de agir no caso das investigações 'normais' e nas invesigrações espiritualistas.
O mais correto seria reconhecer que possivelmente a natureza do fenômeno e suas causas não possibilitassem a adoção de métodos semelhantes aos adotados nas pesquisas chamadas 'normais'. De fato, o trecho acima deixa transparecer que Crookes foi 'ludibriado' pelos participantes das sessões e que, por isso, não poderia aplicar seu método universal de pesquisa, no que ele realmente estava equivocado. A autora não questiona em nenhum momento a validade da universalidade de tal método, limitando-se a enfatizar que Crookes nele acreditava.

Considero igualmente confusa a discussão apresentada no Capítulo 9 onde a autora descreve os critérios de demarcação entre 'ciência e não ciência'. Ao mesmo tempo em que discute propostas relevantes de autores como Thomas Kuhn e Imre Lakatos, a autora reforça o ponto de vista de céticos como Nathan Aaseng e Terence Hines que podem ser colocadas em conflito com as teorias epistemológicas de Kuhn e Lakatos. Os critérios apresentados por Aaseng para o que seria ciência (ver p. 513) podem ser descritos como consequência de uma visão positivista lógica da ciência com forte lastro no indutivismo. Portanto, as conclusões da aplicação desse tipo de visão ao trabalho de Crookes (o que é feito na parte final do Cap. 9) obviamente irão refletir o ponto de vista lógico positivista.

A obra 'Estudando o Invisível' demonstra de forma categórica que, por mais famoso seja um pesquisador ou cientista que aceite a  tese espiritualista, sua fama jamais poderá convencer os céticos. De nada serve a opinião de um cientista muito versado em determinada disciplina acadêmica, contrariando o próprio projeto de Crookes, que esperava pudesse modificar a opinião da academia de sua época sobre o assunto. O mesmo fenômeno ocorre modernamente com cientistas famosos (inclusive nobelistas) que defendem a parapsicologia ou o uso da mecânica quântica no estudo de fenômenos chamados paranormais. A opinião e a crença cética sobre determinados assuntos estão estabelecidos sobre fundamentos muito mais profundos e inabaláveis pela disposição da fama em aceitar uma opinião contrária.

Recomendo fortemente a leitura desse livro que certamente é um importante trabalho de resgate da memória universal relativa a esse capítulo tão importante da história da ciência, ainda que os céticos disso discordem.

Informação sobre o livro

Estudando o Invisível.
Autor: Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira.
Coleção Hipóteses.
Educ/FAPESP (2004)
ISBN: 85-283-0306-3.
566 páginas.





Notas

[1] As teorias descritas por Crookes encontram-se descritas na p. 209, Cap. 4 'As investigações de Crookes sobre os fenômenos espirualistas II de 'Estudando o Invisível'. Para referência de A. Kardec ver o Cap. 4 de 'O Livro dos Médins', 'Dos Sistemas'. 

2 de julho de 2011

Usos e maus usos da palavra 'energia' entre espiritualistas


"É uma perda de energia enervar-se com alguém que se comporte mal, assim como com um carro que não ande." Bertrand Russel.

Se a física é a ciência que trata da estrutura íntima da matéria, a energia (do grego antigo ἐνέργειαenergeia ou "atividade", "operação") é a quantidade física de menor semelhança com qualquer coisa sólida ou material que se possa imaginar. Por isso mesmo, ela tem sido utilizada - de forma inapropriada - por grandes grupos de espiritualistas (de várias vertentes, cultos, crenças e nacionalidades) em suas narrativas de fenômenos ou eventos de natureza 'espiritual', ou mesmo fatos corriqueiros sem qualquer significado transcendente. Fala-se em 'energias espirituais', 'energias curativas' ou 'curas energéticas'. Existe ainda as 'energias positivas e negativas' e por ai vai. 

Nosso objetivo aqui não é criticar o uso desta palavra nesses contextos, mas esclarecer o significado de 'energia' que é utilizado em muitas disciplinas acadêmicas como a física, química e biologia. De fato, não somente entre espiritualistas (veja a frase de B. Russel acima), a palavra 'energia' recebe acepções muito diferentes para muitos grupos, sendo talvez o exemplo mais contundente de polissemia que se pode dar. Nosso objetivo aqui é resgatar o sentido original dessa palavra.

O que é energia? Todos temos algum contato com algum tipo de processo ou sistema que faz uso de energia. Na vida moderna, televisores, computadores, telefones celulares, carros etc são exemplos de equipamentos que, para funcionarem, precisam de energia. Sabemos que, se não forem supridos com ela, seu funcionamento é paralisado. Também nossos corpos precisam de energia. A privação do alimento leva à inanição e mesmo à morte. Mas, todos sabemos que, para funcionar, tais equipamentos e mesmo nossos corpos não são 'alimentados' com nada 'sutil', 'invisível' ou imponderável. Sabemos que, para funcionar, um carro precisa de combustível que se apresenta na forma líquida, na maior parte das condições climáticas que habitamos. Para continuarmos vivendo ingerimos alimentos, na forma sólida ou líquida, nada aparentemente sutil - pelo menos no que diz respeito ao quanto tais coisas podem sensibilizar nossos sentidos. 

Energia em física, química e biologia, é um termo essencialmente técnico que se refere a algo imponderável (não podemos 'captar' ou perceber a energia com nossos 5 sentidos), mas que pode ser medido. Trata-se de uma medida de capacidade ou propensidade de um sistema ou processo em realizar trabalho. Energia e trabalho são termos irmãos. O termo 'trabalho' ordinariamente é utilizada com significado totalmente diferente. Falamos em 'hoje não vou trabalhar' para se referir à atividade ou meio de produção a que me dedico diariamente. Entretanto 'trabalho' no sentido dado pela física é uma medida de variação de energia de um sistema. 

Energia pode-se apresentar nas formas mais variadas: fala-se em energia nuclear (quando trabalho é extraído do interior do núcleo atômico), energia química (quando trabalho é extraído da eletrosfera dos átomos), energia luminosa (quando luz pode ser usada para produzir trabalho), energia elétrica (quando cargas em movimento realizam trabalho), energia hidroelétrica (quando trabalho pode ser extraído da vazão e queda de grandes volumes de água através de geradores elétricos), energia potencial (quando a capacidade de um sistema em produzir trabalho está armazenada de forma potencial, isto é, não 'cinética'), energia térmica (quando trabalho pode ser extraído do movimento de moléculas) etc. Mais importante do que compreender que existem diversos tipos de energia é saber que a ela está associada um valor que as fazem todas equivalerem entre si quantitativamente.
Exemplos de transformações energéticas entre sistemas físicos.
Por causa disso, fala-se em transformar 'energia elétrica' em 'energia cinética' (em motores elétricos) ou vice-versa (em geradores elétricos), em transformar energia química em eletricidade (em baterias elétricas) ou vice-versa (quando se 'carregam' as baterias) e assim por diante. Até hoje ainda não se conseguiu encontrar nenhum sistema para o qual a lei de 'conservação de energia' não possa ser aplicada. Uma vez gerada, energia não pode ser destruída, embora uma fração da energia presente em um sistema físico (qualquer que seja ele) se perde de forma irreversível, fazendo com que não possamos extraír toda a energia potencial associada a esse sistema. Isso dá origem ao termo 'eficiência' (uma porcentagem) que mede o trabalho máximo que se pode produzir por um sistema que é sempre menor do que o disponíbilizado por sua fonte energética. Por exemplo, baterias solares tem eficiência de 14%, o que significa que apenas 14% da energia solar é convertida em eletricidade nessas baterias.

De qualquer forma, energia não se refere a 'algo' que exista concretamente, que se possa ver ou tocar (o que é diferente do 'Espírito' que é algo que existe embora de forma 'incorpórea'). Quando sentimos o calor na proximidades de uma chapa quente, não estamos 'sentindo energia térmica'. Há certa quantidade de energia armazenada na chapa (a uma temperatura acima da ambiente) que é transferida para as moléculas em torno da chapa. Essas moléculas (de ar) adquirem velocidades superiores às velocidades médias das moléculas que estão à temperatura ambiente. Nossa pele tem 'células' capazes de sentir a colisão dessas moléculas mais rápidas, o que que se manifesta em nós como uma sensação do calor. 

Do ponto de vista semântico, assim, a palavra energia não se refere, na física, biologia ou química a nada que se possa ver ou tocar. Desta forma, luz não é 'energia' tecnicamente falando, pois a luz é considerada um tipo de radiação ou movimento de ondas de natureza definida pela teoria física. Entretanto, talvez por não se referir a algo ponderável, o termo adquiriu outra conotação quando caiu no gosto popular. Assim, é comum ouvir-se que 'luz é um tipo de energia'. 

Energia tornou-se um dos termos mais polissêmicos na atualidade por representar uma 'novidade' que confere atualização ou modernidade para a linguagem de muitos movimentos espiritualistas, mas que não tem nenhuma relação com sua acepção original. Colocado dessa maneira, seu uso não representa endosso das várias disciplinas acadêmicas para as novas formas de 'energia' que se está a propor.

Referências

Para saber mais sobre polissemias veja A. P. Chagas,'Polissemias no Espiritismo'. Revista Internacional de Espiritismo, setembro de 1996, pp. 247-49.

25 de junho de 2011

Crenças Céticas XVI - O ceticismo dogmático como charlatanismo intelectual.

Søren Kierkegaard (1813-1855).
"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e a outra é recusar-se a acreditar naquilo é." Søren Kierkegaard
Queremos até admitir, nestes últimos, uma opinião conscienciosa, visto que por si mesmos não puderam constatar os fatos; mas se, em tal caso, é permitida a dúvida, uma hostilidade sistemática e apaixonada é sempre inconveniente. (...). Explicai-os como quiserdes, mas não os contesteis a priori, se não quiserdes que ponham em dúvida o vosso julgamento. A. Kardec, Revie Spirite, Arigo 'Sr. Home', Fevereiro de 1858.
Dicionários definem fraude como o 'ato de enganar, esconder, distorcer informações, não cumprir com a verdade'. O ato em si de fraudar pode ser consciente, quando quem frauda tem interesses no ato, ou pode ser inconsciente. Nesse último caso, o agente da fraude não tem interesse explícito em enganar. Seu interesse é outro e ele nem tem consciência do engano.

As 'teorias da fraude' (ou do 'charlatanismo') formam o grupo das explicações mais preferidas do ceticismo dogmático quando se trata de relativizar, reduzir ou negar fenômenos psíquicos. Através dela, médiuns respeitados são considerados farsantes, fraudadores conscientes ou não da fé pública, mesmo que não se identifiquem nenhum interesse escuso tais como vantagens pecuniárias ou outros. Mas, não somente as fontes dos fenômenos são inescrupulosamente envolvidos, testemunhas, mães, parentes e amigos são todos envolvidos, seja como membros de uma quadrilha de embusteiros ou como vítimas de um gigantesco engodo propositado.

Fraudes também podem ser divididas em 2 tipos: as fraudes materiais e as intelectuais. As primeiras obviamente são preferidas dos céticos. Basta uma foto, um som, uma evidência sensorial que não esteja de acordo com as noções do senso comum que facilmente se pode acusar o material como uma tentativa burlesca e grave de se enganar. Quanto às fraudes intelectuais - as que são geradas através de argumentação ou material de natureza intelectual, essas são muito mais difíceis de serem identificadas. Se inexistem dúvidas quanto a existência das fraudes de primeira classe (materiais), com as de segunda classes existe uma clara dificuldade em sua identificação, mas é inegável que ela tem poder muito maior (e mais duradouro) de convencimento do que as primeiras. 

Nosso objetivo aqui é demonstrar que o grosso da argumentação pseudocética pode ser descrito verdadeiramente como uma mistificação de natureza intelectual e inconsciente. Isso porque, no rastro das explicações forçadas dos céticos 'linha dura' está a constatação de que eles mesmos, os que pretendem 'denunciar' a fraude ou o embuste, acabam se tornando os verdadeiros charlatães. Obviamente aqui não se trata de fraude vulgar: nenhum crítico, sério ou não, se interpelado, revelará ter outros interesses a não ser a sua 'verdade'. Mas, para todos os efeitos práticos, acabam 'enganando, escondendo, distorcendo informações e faltando com a verdade' Se não vejamos:

1 - Para que se possa ajustar uma explicação aos fatos, é necessário escrutiná-los detalhadamente e encontrar nos menores deles razões que aumentem a importância da explicação postulada, a da fraude. Assim, os menores erros feitos por médiuns são magnificados de tal forma a se tornarem 'evidências' conclusivas. Isso faz parte da tática da fraude pois é preciso que se acumulem evidências que, na cabeça dos pseudocéticos, formam um quadro favorável à tese que defendem. Como não podem distorcer muitos fundamentos, acabam se agarrando aos detalhes que são, por isso, magnificados para que adquiram importância. Detalhes como, 'por que o médium saiu 15 minutos mais cedo ou mais tarde', 'por que ele estava usando essa roupa e não outra' são considerados muito relevantes.

2 - Justamente porque os detalhes insignificantes são considerados muito importantes, o contexto ou muitas outras circunstâncias relevantes de fato são desprezados. Isso caracteriza o status 'intelectual' da fraude. O foco da crítica no detalhe faz com que se relativizem as circunstâncias, a idoneidade e outros detalhes menos aparentes. Pouco importa se testemunhas sérias podem ser encontradas. Se não foram enganadas fizeram parte da fraude. Como para o pseudocético é muito mais fácil apelar para os sentidos, condições não aparentes e circunstanciais devem ser obrigatoriamente desprezadas.  

3 - Foco em ressaltar o caráter ordinário e facilmente forjável de evidências materiais apresentadas. A tática é criar hipóteses das mais variadas e mutáveis para explicar qualquer material apresentado como evidência. Assim, hipóteses mirabolantes, teatralizações inusitadas ou confusões consistentes e incidentais de testemunhas são sempre levadas em conta.  Isso ocorre porque a crítica pseudocética focaliza-se no que é considerado evidência palpável. Todo o esforço é então gasto na sua invalidação pois, se isso for feito em paralelo com o passo (1) - quando detalhes menos importantes são magnificados - cria-se uma imagem do 'caso' obviamente identificável como embuste.  

4 - Existam pessoas que enganam, que exploram a credulidade e a  fé alheia. Esse fato óbvio é a explicação  principal e invariável da crítica pseudocética que se faz apresentar sempre como uma extrapolação justa. Juntando-se os passos 1-2-3 descritos acima, torna-se uma tarefa 'fácil' chegar a mesma conclusão sempre.

Analisemos todas as críticas que céticos endurecidos lançaram contra médiuns e os fenômenos espíritas e veremos sempre o processo descrito acima. Tal processo caracteriza charlatanismo intelectual em sua essência, pois é forjado como argumentação tendenciosa e, muitas vezes, 'inconsciente'. 
Quanto mais endurecido for o pseudoceticismo tanto mais ele se aproxima de um fraude ou mistificação intelectual porque as conclusões a que chega não são verdadeiras. Assim como se pode hoje facilmente, usando recursos tecnológicos, criar imagens fantásticas que explorem o que pessoas acreditem, o 'charlatanismo cético' pode modificar, retocar, forjar argumentos para se criar uma imagem aparentemente convincente embora falsa de determinado fato, principalmente quando esse fato ainda é considerado uma anomalia ou aberração para o senso comum.
Pouquíssimos céticos de carteirinha se dão conta disso, quando então descem em um processo de alienação pessoal flagrante. Analisemos detalhadamente cada caso particular e veremos que o motor principal da alienação será sempre o orgulho ferido, a necessidade de ser reconhecido e acreditado por suas audiências, a inveja pela admiração causada nos outros por esse ou aquele fenômeno transcendente que eles, os céticos, não conseguem reproduzir e que, por isso, passam a combater com todas as suas forças.


Outras identificações do charlatanismo cético: Diferenças entre quem busca verdadeiramente a verdade e o pseudocético. 

Estas diferenças também reforçam nossa tese do pseudoceticismo como mistificação intelectual:
  • Quem busca a verdade procura as questões relevantes a serem feitas. O pseudocético fornece de imediato aquelas que ele considera como as únicas possíveis;
  • Quem busca a verdade motiva-se por amor desinteressado à verdade. O pseudocético está interessado em que todos pensem que ele está certo, esteja ele ou não;
  • Quem busca a verdade aceita o fato de que aquilo que existe é muito mais do que ele sabe. O pseudocético afirma saber tudo o que se pode saber sobre determinado assunto;
  • Quem busca a verdade reconhece de bom grado casos que ele não pode explicar. O pseudocético ataca qualquer coisa que se lhe oponha o ponto de vista, e se esforça em destruí-la a fim de se mostrar superior.
  • Quem busca a verdade está realmente convencido das limitações da razão humana. O pseudocético faz da sua razão particular um deus que é capaz de perscrutar qualquer coisa;
  • Quem busca a verdade a procura em todas as partes, consciente de que idéias podem surgir em qualquer lugar ou nas pessoas menos prováveis. O pseudocético apenas aceita idéias que venham de pessoas consideradas 'experts' ou especialistas (segundo seu ponto de vista), além de autoridades convenientemente 'carimbadas';
  • Quem busca a verdade propõe hipóteses na esperança de que sejam verdadeiras. O pseudocético impõe dogmas como verdadeiros;
  • Quem busca a verdade reconhece que nem sempre os opostos são contraditórios, mas que, as vezes, podem se reforçar. O pseudocético pinta um quadro em preto e branco, certo e errado, sem chance para um ponto de vista contrário;
  • Quem busca a verdade está consciente de que não existem respostas finais para as questões humanas. O pseudocético faz com que cada resposta provisória ou tentativa pareça como a última final;
  • Quem busca a verdade reconhece quando se coloca contrário à opinião da maioria. O pseudocético segue sempre 'as autoridades mais confiáveis' no seu modo sarcástico de lidar com heresias;
  • Quem busca a verdade nunca fala em tom mais 'alto' com sua audiência. O pseudocético fala de modo contrário, de forma a mistificar ou impressionar a todos.

12 de junho de 2011

Entrevista II - 2/2 - William Bengston e a pesquisa de curas por imposição das mãos (passes de cura)


2a. Parte da Entrevista com o Dr. W. Bengston.

EE 8 - O Sr. acha que o mesmo mecanismo que explique o passe pode estar envolvido em outros tipos de cura a distância (obtido com médiuns de cura como, por exemplo, João de Abadiânia no Brasil)?

WB - Não tenho experiência em comparar técnicas diferentes de cura. As que uso no meu trabalho são difíceis de dominar e exigem compromisso da parte da pessoa sendo treinada. Já ouvi falar de outros métodos que são aparentemente mais fáceis de se praticar. É uma interessante questão saber se diferentes métodos resultam em diferentes resultados.

EE 9 - Franz A. Mesmer (1734-1815) acreditava que um tipo de fluido era trocado entre o passista e seu paciente através do que ele chamou 'magnetismo animal'. O que o Sr. acha desta teoria?

WB - Não há, certamente, troca de um fluido no sentido convencional do termo. E digo mais, não acho que a cura ocorra por qualquer tipo de 'efeito de campo'. Em alguns de meus experimentos, ratos foram curados de câncer, ratos usados como controle foram curados e nada no meio foi afetado. Se as curas resultassem da ação de algum campo, tais resultados não fariam muito sentido.

EE 10 - No Brasil, muitos grupos espíritas usam passes ou a imposição das mãos como prática nascida nos tempos de Mesmer no alvorecer do século XIX. O objetivo é promover o equilíbrio psicológico aos que frequentam reunões espíritas. O Sr. acha que tais práticas - por extensão - podem ter algum efeito no humor dos indivíduos? Se sim, o Sr. acredita que não se pode defender a idéia da sugestão envolvida no efeito?

WB - Acredito fortemente que a imposição de mãos não é apenas para se obter cura de doenças. Já vi e ouvi muitos casos onde a prática pode trazer benefícios psicológicos também. Certamente há muita gente que aprendeu minhas técnicas de passes e que reportam terem experimentado benefícios dessa natureza.

EE 11 - Não obstante todo o sucesso e experiência no assunto, por que tanta gente (particularmente os acadêmicos) não se convenceram ainda?

WB - Gente que ainda não está convencida, não olhou ainda os dados. Nesse ponto, mesmo um cético como eu mesmo, deve concluir que, se formos levar em conta os dados, a questão sobre se ocorre cura ou não não é interessante. A questão realmente importante é sobre o mecanismo, sobre o que aumenta ou diminui a eficácia da cura, sobre se o processo de cura pode ser ensinado, ou seja, questões desse tipo. A questão sobre se você deve acreditar nas curas faz tanto sentido para mim como a questão sobre se você deve ou não acreditar na gravidade. 

EE 12- Na sua opinião, o que se deve fazer para mudar a tendência cética em relação à cura por meio de passes?

WB - Para realmente mudar as coisas, precisamos de aplicações práticas.  Se, por exemplo, a capacidade de cura pode ser armazenada e reproduzida sem a presença do passista, então, talvez ela possa ter aplicações maiores. Se a imposição de mãos estimula algo no corpo, tal como o sistema imune e esse estímulo possa ser reproduzido sem o passista, teremos aplicações bem interessantes. Estamos trabalhando nisso agora.

The Energy Cure: Unraveling the Mystery of Hands-on Healing.
(Título: Cura energética:  desvendando os mistérios da cura pelas mãos) Editora: Sounds True.
Para saber mais (artigos científicos em inglês do Dr. Bengston):

"Spirituality, Connection, and Healing with Intent: Some Reflections on Cancer Experiments on Laboratory Mice." Forthcoming in Lisa Miller (ed.), Oxford Handbook of Spirituality and Psychology. Oxford University Press, 2011. Trad. título: Espiritualidade, Conectividade e cura com intenção: algumas reflexões sobre experimentos de curas de câncer em ratos de laboratório.

"Breakthrough: Clues to Healing with Intention." Edge Science, no.2, January/March 2010, p.5-9. www.scientificexploration.org/edgescience/edgescience_02.pdf. Trad. título: Novidade: pistas a respeito de curas com intenção.

"The Healing Connection: EEG Harmonics, Entrainment, and Schumann's Resonances."Journal of Scientific Exploration, vol. 24, no. 4,Winter 2010, pp. 655-666. (with Luke Hendricks and Jay Gunkelman). Trad. título: Correlação nas curas: Harmônicos de Eletroencefalograma, arrastamentos e ressonâncias de Schumann.

"Anomalous DC Magnetic Field Activity during a Bioenergy Healing Experiment." Journal of Scientific Exploration, vol. 24, no. 3, pp. 397-410, 2010. (with Margaret Moga). Trad. título: Atividade de campo magnético DC anômalo em experimento de curas bioenergéticas.

"Some Patterns of Acceptance of Anomalies." The Explorer, vol.22, no.3, Spring 2009, p.7-9. Trad. título: Alguns padrões de aceitação de anomalias.

"Can Healing Be Taught?" Explore, vol 4(3), pp. 197-200, May/June 2008. (with Don Murphy). Trad. Título: Pode-se ensinar a curar (com as mãos) ?