6 de maio de 2015

Livro de Eugene Osty sobre as "Faculdades supranormais"

Eugene Osty (1874-1938)
A internet é mesmo uma invenção miraculosa. Encontramos em um arquivo da rede uma obra muito interessante de Eugene Osty (1874-1938, 1),  um dos pesquisadores mais engajados na metapsíquica. Seu título é Supernormal Faculties in Man, an experimental study (2), ou "Um estudo experimental sobre as faculdades supranormais no homem" em tradução livre. Essa obra é uma tradução de 1923 do francês por S. de Brath e é uma opção aos que não conhecem essa língua. Nessa obra, por exemplo, é possível ler o neologismo "paranormal" como se referindo a processos desconhecidos de acesso a informação. 

Do ponto de vista teórico, a discussão apresentada por Osty é enfadonha e pouco contribui para explicar qualquer coisa. Na época (3), existia uma controvérsia entre explicações de origem espírita e teosófica para o que metapsiquistas chamavam "faculdades metagnômicas" (ver abaixo). Essa controvérsia não deu em nada, como a maioria das controvérsias sobre esses assuntos, em que pese a importância que anti-espíritas e céticos tentam imputar às querelas para desqualificar os espíritas (ou teosofistas). O que interessa mesmo são os relatos ou testemunhos das chamadas "faculdades supranormais" encontrados na obra que, na linguagem de Kardec correspondem à fenomenologia da dupla vista ou visão psíquica (4). 

É conveniente fazer uma explicação inicial de caráter mais teórico por meio de um paralelo. Na vida ordinária, a imensa maioria das pessoas faz uso de cinco sentidos. Esses sentidos entram em ação, por exemplo, quando as pessoas se comunicam. Ouvidos e a faculdade da fala são mobilizados para a comunicação oral. Mãos e braços para a escrita. Ao se transpor esse paralelo para as novas faculdades do Espírito emancipado, obviamente, não é apenas a fala (psicofonia), a capacidade de escrever (psicografia) ou ou a audição (psicofonia) que resultam. Gostos, sensações, impressões e todas as outras capacidades encontradas em encarnados são bastante  aumentadas e estendidas na nova condição em que o ser desligado do corpo se encontra. Portanto, não é de estranhar a existência da dupla vista ou "faculdade supranormal". Essas podem prescindir (5) ou não da influência dos Espíritos para se manifestarem. Não se usa a palavra "mediunidade" nesses casos, porque não se trata aparentemente de uma comunicação explícita. 

A existência das "faculdades supranormais" está ligada à capacidade de emancipação da alma segundo Kardec. Essa capacidade é descrita por meio de seus efeitos já que não temos acesso direto à origem das faculdades integrais do Espírito (6). Portanto, a teoria que Kardec desenvolve (para a presciência, dupla vista, visão espiritual ou psíquica) é totalmente fenomenológica. Assim, não é surpreendente a variedade desses fenômenos, conforme descritos na obra de Osty, e que se adicionam a outros relatados na Revue Spirite de Kardec (ver, por exemplo, edição de Outubro de 1864).

Na parte I do livro encontramos alguns capítulos interessantes que, se por um lado mostram uma tentativa de encaixar os fenômenos em termos metapsíquicos, por outro lado mostram a criatividade na sistematização dos efeitos por parte de seu autor:
Cognição normal e supranormal (Cap. II);
Aspectos diversos da cognição supranormal (Cap. III)
1. Auto-cognição supranormal,
      Autosscopia;
Diagnóstico pre-cognitivo de si;
       2. Cognição supranormal do externo:
        Ambiente imediato;
         Ambiente distante no espaço;
        Ambiente distante no tempo;
Cognição supranormal dirigida a uma personalidade humana (Cap. IV)
Os indivíduos capazes de "cognição supranormal" são chamados "personalidades metagnômicas" (de metagnomen, do grego "meta" -  "além" e "gnome" derivado de  γιγνώσκειν - "gignoskein" - ou "conhecer", "saber", 7 ) e todos os fenômenos são associados diretamente a uma extensão das faculdades chamada "metagnomia". Alias sobre a questão dos nomes, Osty deixa claro sua opinião de "metapsiquista" na página 47 (3o parágrafo):
Não podemos deixar o leitor entender errado. E, para evitar me expor ainda mais no futuro com relação a objeções passadas, que surgem simplesmente pelo desejo de precisão  aplicada geralmente aos termos da literatura psíquica, deixarei de lado de propósito toda essa terminologia confusa que usa nomes prejudiciais aos métodos de produção dos fenômenos, com base nas diversas manifestações da cognição supranormal, ou permitir que qualquer um os interprete como bem queira. "Dupla vista", "segunda vista", "visão a distância", "audição a distância", "telepatia", "clarividência", "lucidez" e coisas parecidas são todas palavras que podem significar muita ou pouca coisa; elas devem desaparecer do uso. 
Sua previsão não aconteceu e ele acabou se expondo, pelo menos aqui em 2015. Havia entre os metapsiquistas a crença de que o uso incorreto de termos seria prejudicial à imparcialidade com que o fenômeno deveria ser tratado. Mas, o problema não está no nome, mas no fenômeno em si. Portanto, quando alguém diz observar fatos à distância de forma anômala, não consigo entender o que a caracterização de "metagnomia" pode ajudar em relação à "visão a distância". De qualquer forma, a divisão apresentada por Osty (que ele chama de "cognição" no espaço e no tempo, cognição em relação a alguém vivo versus alguém morto etc) parece ser útil e permite alguma direção dentro dessa floresta fenomenológica. Penso assim que podemos nos beneficiar dessa classificação, expurgando a verborragia metapsíquica, naquilo que ela, por sua vez, em nada ajuda a entender o fenômeno.

Na psicometria, a simples posse de um objeto
pode revelar ao sensitivo informações sobre seu
dono.

Um exemplo de caso

Vamos aqui apresentar um caso desse livro de forma resumida de forma a servir ao espaço deste blog. É assim que, na p. 55 (capítulo I), vamos encontrar essa interessante passagem de uma experiência feita por Osty com uma "personalidade metagnômica":
No dia 29 de Julho de 1920, pedi a Sra. Jeanne M., que sofre de uma doença obscura cujo diagnóstico parece impossível…, que escrevesse algumas linhas em um pedaço de papel. Ela copiou quatro linhas de um jornal em uma folha de um caderno escolar e assinou seu primeiro nome – Jeanne. Algumas horas depois, no final de uma sessão dirigida a outras pesquisas, coloquei esse papel nas mãos da Senhorita de Berly, uma personalidade metagnômica em estado de vigília, dizendo-lhe apenas: “Mergulhe no estado de saúde desta pessoa”. A escrita estava bem feita e não apresentava informações grafoscópicas que permitissem reconhecer a doença ou estado  de depressão.  A Senhorita de Berly sequer sabia da existência da paciente. Assim que seus olhos caíram nos escritos…., foi tomada por movimentos levemente convulsivos e, sem nenhum gesto de minha parte, disse as seguintes palavras: 
"Quão fraca é esta pessoa…tudo nela é fraco…que fraqueza. Ela deve sentir febres de tempos em tempos porque tenho sede. Ela adormece de repente, mas isso não dura muito… ela é fraca, muito fraca….que cérebro curioso, pesado e entorpecido…creio que esteja esgotada não importa sua idade…seu sistema nervoso está exausto…é o sangue que enfraquece todos os órgãos… há uma doença no sangue…"
De acordo com Osty, Mlle. de Berly não tinha qualquer indicação sobre a existência da paciente e, mesmo assim, ao apenas olhar para as linhas escritas no papel, pôde traçar um diagnóstico da doença de sua autora. Ainda de acordo com Osty - e que era crença da maioria dos metapsiquistas - descrições desse tipo feitas apenas pelo contato do "sensitivo" com algum objeto a ser "lido" não mudavam se seu emissor (a personalidade responsável pelo objeto ou fonte de dados) estivesse morta. Por exemplo, na p. 199, Osty afirma:
Experimentos acumulados mostram que o sensitivo lida com a personalidade morta da mesma maneira que a viva. A ação seletiva da faculdade acontece da mesma maneira. A informação que recebem e expressam são do mesmo tipo e referem-se aos mesmos assuntos.
Como a "leitura" se dava por meio de sensações que pareciam atravessar distâncias enormes ou avançar para frente ou para trás no tempo, acreditavam que se tratasse de algum tipo especial de sensibilidade que não dependesse de outros fatores, exceto do sensitivo e do objeto.

Esse tipo de fenômeno mal explicado serviu para que muitos metapsiquistas duvidassem da presença de Espíritos em sessões mediúnicas ou da própria capacidade mediúnica de muitos médiuns. Acreditavam que informação sobre o morto poderia ser obtida sem sua presença. Entretanto, essa observação era limitada segundo Osty porque, no caso da personalidade viva, seria possível seguir remotamente por meio do sensitivo, todas as mudanças de personalidade ou humor experimentadas pela consciência observada, enquanto que isso seria impossível de se fazer com o morto (8). Ainda assim, com relação ao seu próprio estado (tipo de doença, ou estado futuro), o sujeito metagnômico era incapaz de conhecer qualquer coisa (ver p. 186). Ou seja, sua sensibilidade só se aplicava aos outros. Sem resolver de forma satisfatória o problema da fonte ou origem do conhecimento "metagnômico", Osty se pergunta (p. 204)
Existiria além da personalidade humana aparente um personalidade real, um individualidade transcendente revestida de matéria e participando da vida no mundo, cuja persistência seria uma memória contendo uma estória humana, de onde o sujeito metagnômico tiraria informação após a morte assim como o faz com a mesma personalidade antes da morte? 
Ou seria a fonte do conhecimento supranormal tão inalcançável para a nossa inteligência que nossos conceitos seria estranhos a ela?
Em nenhuma parte dessa obra Osty considera a intervenção dos Espíritos como mediadores da informação metagnômica, mas acreditava firmemente que apenas experiências poderiam resolver a questão.

Conclusões

Que o Espiritismo seria  simplesmente uma explicação para o processo de comunicação mediúnico em alguns casos parecia ser conhecimento compartilhado por muitos metapsiquistas, incluindo Osty. Eles se deixaram levar pelo aparente maravilhoso observado em muitos fenômenos do tipo "dupla vista", como classificados por Kardec, e que teriam na verdade os próprios Espíritos como "entidades mediadoras".  Com relação a pressentimentos (conhecimento de fenômenos futuros discutidos amplamente por Osty), o parágrafo 184 de "O Livro dos Médiuns" esclarece:
184. O pressentimento é uma intuição vaga das coisas futuras. Algumas pessoas têm essa faculdade mais ou menos desenvolvida. Pode ser devida a uma espécie de dupla vista, que lhes permite entrever as conseqüências das coisas atuais e a filiação dos acontecimentos. Mas, muitas vezes, também é resultado de comunicações ocultas e, sobretudo neste caso, é que se pode dar aos que dela são dotados o nome de médiuns de pressentimentos, que constituem uma variedade dos médiuns inspirados
No parágrafo 5 do Capítulo XVI em "A Gênese", também encontramos este trecho interessante:
Aquele a quem é dado o encargo de revelar uma coisa oculta pode a receber, à sua revelia, por inspiração dos Espíritos que a conhecem, e então transmiti-la maquinalmente, sem se dar conta. É sabido, ao demais, que, assim durante o sono, como em estado de vigília, nos êxtases da dupla vista, a alma se desprende e adquire, em grau mais ou menos alto, as faculdades do Espírito livre. Se for um Espírito adiantado, se, sobretudo, houver recebido, como os profetas, uma missão especial para esse efeito, gozará, nos momentos de emancipação da alma, da faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou menos extenso, e verá, como presente, os sucessos desse período. Pode então revelá-los no mesmo instante, ou conservar lembrança deles ao despertar. Se os sucessos hajam de permanecer secretos, ele os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga intuição do que lhe foi revelado, bastante para o guiar instintivamente.
Portanto, grande parte da fenomenologia metagnômica seria explicada como um tipo de "comunicação oculta", onde a informação não se dá por meio de uma linguagem reconhecível, mas por "simbologia sensorial" que só faz sentido para a substância mental (espírito). A importância de se reconhecer o papel dos Espíritos nesse tipo de fenômeno vai muito além da mera experimentação: por meio dessa explicação seria possível criar novos experimentos e avançar nesse assunto tão fascinante.

Notas e referências

(1) Eugene Osty, o grande pesquisador francês de fenômenos espíritas.

(2) E. Osty (1923) Supernatural Faculties in Man, an experimental Study. Methisen & Son. London. Disponível em:
(3) Ecos daquela época ainda podem ser encontrados na rede presentemente: Ver "Les expériences d’Eugène Osty menées sur le sujet Rudi Schneider" em http://www.metapsychique.org/Les-experiences-d-Eugene-Osty.html (acesso em Abril de 2015)

(4) Fontes sobre o assunto na codificação podem ser encontradas em "A Gênese", Capítulo XVI ou "O Livro dos Espíritos" no Capítulo VIII. 

(5) Ou seja, pode ser que Espíritos estejam envolvidos como mediadores ou catalisadores dos fenômenos.

(6) Sequer sabemos como o cérebro coordena, processa e integra as informações. Do ponto de vista materialista, a consciência (e as percepções, mesmo que ordinárias) ainda é um mistério.

(7) Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Gnome_(rhetoric)

(8) Isso seria possível ao se acessar a personalidade desencarnada por meio de outro médium. Entretanto, um arranjo desse tipo (uma mesma entidade manifestando-se por vários médiuns) não é discutido em nenhum lugar na obra, talvez pelo fato de Osty tratar os dois fenômenos de forma separada.

23 de abril de 2015

O Jornal de Estudos Espíritas publica artigo sobre Marte.

O Jornal de Estudos Espíritas (JEEhttps://sites.google.com/site/jeespiritas/) acaba de publicar o artigo "O problema da interpretação das mensagens espíritas: as paisagens de Marte por M. J. de Deus na psicografia de F. C. Xavier" (1), que foi assunto de um post anterior em março de 2015 (2). 

Indicamos a leitura desse artigo porque ele traz informação atualizada, bem como outras análises do assunto, além de referências acadêmicas mais completas. O artigo também traz um título e um resumo em inglês.

Recomendamos também a leitura de todo JEE, que em sua página de entrada se descreve:
O Jornal de Estudos Espíritas (JEE) é um projeto piloto de um periódico espírita em moldes acadêmicos destinado à divulgação de pesquisa original em Espiritismo. Seu escopo é amplo e abrange tópicos puramente doutrinários e multidisciplinares em que outras áreas do conhecimento humano possam contribuir para o progresso do Espiritismo em quaisquer um dos seus aspectos científico, filosófico e religioso.
e é editado pelo Alexandre F. da Fonseca. Este jornal já está no terceiro ano (volume 3) e contém análises bem apresentadas de diversos assuntos de interesse ao movimento espírita.

Referências

(1) Xavier A. (2015) Jornal de Estudos Espíritas 3, 010301.
(2) Paisagem de Marte (sobre a visita a Marte em "Cartas de uma Morta")

3 de abril de 2015

Redução da Maioridade Penal e Espiritismo


Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvidos, Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e temerá. (Deuteronômio 21:18-21)

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.” (Resposta à questão 796 em "O Livro dos  Espíritos", Allan Kardec)

A questão da redução da maioridade penal tem diversas perspectivas possíveis:
  • A perspectiva do cidadão que com razão não se sente seguro com a escalada da violência alimentada por fluxo de jovens precocemente educados no crime;
  • A da justiça, que é obrigada a lidar com milhares de processos criminais de jovens envolvidos com a criminalidade;
  • A das mães e famílias dos jovens em ligação com o crime desde cedo, e que também têm a tarefa de zelar pela educação desses jovens;
  • A do Estado, que executa e é obrigado a definir políticas públicas para reduzir ou controlar a violência crescente, bem como prover educação apropriada aos jovens criminosos;
  • A perspectiva do próprio jovem criminoso que, conforme suas tendências internas e situações a que for exposto, talvez deixe de ser um criminoso, mas fatalmente deixará de ser jovem e terá que lidar com o estigma de ter sido classificado como criminoso um dia.  
A polarização se explica pela disputam de prioridade entre cada uma dessas perspectivas que são representadas por diversos grupos na sociedade. Mas, qual delas é a mais relevante? Faz sentido definir uma como mais relevante? Por que uma seria mais prioritária sobre a outra? Ainda assim, cada uma dessas perspectivas têm detalhes que nos parecem ainda mais complexos. Por exemplo: há indivíduos que amadurecem precocemente, enquanto outros nunca amadurecem. Do ponto de vista das ciências psicológicas, até que ponto seria possível determinar o grau de maturidade de um adolescente ou criança e, conforme esse grau, definir medidas educacionais versus punições mais apropriadas? Qual seria o impacto da adoção de uma redução na maioridade na mente infantil precocemente ligada ao crime ? 

Tais são as questões que devem ser respondidas antes que possamos nos posicionar. Além dessas, há o problema de usar princípios ou fundamentos de religiões ou doutrinas filosóficas para decidir a questão. Esse seria um outro ponto de vista ou perspectiva possível na lista acima. Por exemplo, religiões que aceitam a tradição literal do Velho Testamento podem entender que a morte ou sacrifício de menores são atos naturais e concebíveis segundo a concepção de Deus que se encontram nesses textos.  Um exemplo que nos parece abominável hoje é o sacrifício do filho de Isaque em Gênesis 22:2 (1):
E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.
Ou, o que dizer de Deuteronômio 21:18-21 citado no início deste texto? O que esperar de doutrinas que acreditam piamente nessa noção de justiça divinamente inspirada? Hoje, mais do que nunca, é estranho ouvir falar de grupos religiosos que se movimentam para vetar ou propor leis conforme a crença que esposem. Como se acham investidos de poder divino, acreditam que a divindade fala por eles e assim determina que suas regras sejam impostas à sociedade. 

Com o esclarecimento dos povos (desenvolvimento científico, técnico e moral), religião e sociedade apartaram-se. Leis se apresentam como expressões de consenso da sociedade em uma determina época, seus valores, aspirações e crenças momentâneas de como cada indivíduo deve se comportar e de quais seriam os direitos correspondentes aos deveres. A tarefa da religião a partir de agora é melhorar os homens para que eles, por sua vez, melhorem suas leis. Assim, quanto mais evoluída for uma religião ou sistema de crença, tanto maior será o efeito benéfico que trará à sociedade, pela educação (essa sim induzida por crenças superiores) de seus seguidores.  

O objetivo desse post é apresentar alguns desses valores e crenças esposados pela Doutrina Espírita que considero relevantes para o posicionamento do espírita ante a mudança nas leis que regulam a maioridade penal. A referência fundamental é "O Livro dos Espíritos" complementado pelo "Evangelho Segundo o Espiritismo". Importante ressaltar: o que foi explicado nessas obras sobre a justiça, a governar a relação entre os encarnados, pode ser dividida em duas componentes: a "lei natural" - sempre presente e a "lei humana" condicionada ao estado de sociedade. Ao Espiritismo coube a tarefa de elucidar aspectos da lei natural.

Não cabe aqui estabelecer uma posição espírita para a questão da redução da maioridade penal (2), já que isso seria contrariar o que afirmamos acima.  Que o leitor julgue por si, com base em possíveis motivos já listados (3), favoráveis ou contrários à redução da maioridade penal.

Começamos pelo começo: a regra áurea.

Em "O Livro dos Espíritos", a justiça a que um encarnado está sujeito é regulada pela "lei natural" e pela "lei humana" (ver subquestão (a) da questão # 875).  Os questionamentos feitos por Kardec dizem respeito, portanto, apenas à lei natural, já que a lei humana é específica conforme a sociedade. Assim, no que diz respeito a essa lei, a diretriz máxima está exposta na questão #876 "Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo".  A questão # 877 complementa a anterior com relação ao primeiro dever que é "respeitar os direitos de seus semelhantes".

O direito mais fundamental do homem e a a missão da paternidade

Ainda segundo a lei natural, explicam os Espíritos na questão # 880, o primeiro de todos os direitos naturais do homem: O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.

A esfera de ação da sociedade no encaminhamento da criança e do adolescente (segundo a lei natural) está toda sob a tutela da paternidade. Aqui encontramos o campo de maior efeito sobre os atos das crianças.  Por causa disso, a questão 582 (na II Parte, Capítulo X) qualifica a paternidade e maternidade como uma missão:
582. Pode-se considerar como missão a paternidade?  
“É, sem contradita possível, uma verdadeira missão. Constitui, ao mesmo tempo grandíssimo dever, que empenha, mais do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização física débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de endireitar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de endireitar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”
Portanto, segundo a lei natural, a educação dos filhos é de responsabilidade dos pais. É pela falta ou ausência desses, porém, que a criminalidade infantil pode se tornar um problema da sociedade (como condições necessárias, mas não suficientes, para manifestação dessa criminalidade). Ainda no segundo essa responsabilidade natural, a justiça verdadeira, quando outro é o caso, é ressaltada na questão seguinte: 
583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram? 
“Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”
Indiretamente a resposta implica a existência de Espíritos rebeldes, precocemente ligados ao mal e que, provavelmente, poderão reincidir em delinquência, se limites não forem estabelecidos a partir do lar.

Evolução do direito e justiça.

Finalmente, não deixa de ser elucidativa a questão # 796 que aparece na III Parte do Capítulo VIII do "Livro dos Espíritos":
796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”
Essa resposta explica duas coisas: o estado anterior da lei humana e o foco que se deve buscar - segundo os Espíritos - no desenvolvimento das leis futuras.  Deixa claro que apenas a educação é capaz de modificar os homens, de forma de forma a se dispensar o rigor das leis no futuro. 

Finalmente, a multiplicidade de pontos de vista (como apresentados no início deste post e que é a causa de polêmicas infindáveis como a da redução da maioridade penal) já teve sua causa explicada pela questão #974:
874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto? 
“É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.”
Conclusão

O comentário da questão 796 nos deixa tranquilos quanto ao ponto fundamental apresentado pelos Espíritos para o abrandamento das leis humanas. Trata-se porém de uma resposta geral que explica porque as leis humanas anteriores (como no caso do Deuteronômio) eram tão severas. A que distância chegamos com o ensino dos Espíritos em comparação com aquelas regras, que hoje parecem tão ultrapassadas!

Nos tempos modernos, não compete mais a nenhuma religião ou doutrina alterar leis humanas. Isso acontecia no passado por força da importância que a religião tinha dentro do Estado e vice-versa.  No caso do Espiritismo, as respostas dadas pelos Espíritos dizem respeito à lei natural e sua justiça e não poderão ser extrapoladas nem copiadas para a lei humana que, por causa de suas inúmeras necessidades adicionais, é bem diferente da regra natural. No máximo o estudo e a convicção da lei natural poderá mostrar aos encarnados o estado em que se encontrarão no futuro, caso se desvirtuem dessa lei. Então, tal como o homens que bem planejam o futuro, os encarnados poderão viver melhor em sociedade. Que essa justiça natural existe e é operante é assunto para outro post.

Ainda assim, o espírita que quiser contribuir para o debate sobre a redução da maioridade penal não deve se esquecer da importância da educação infantil, da missão da paternidade, da necessidade de aprimorar nosso conhecimento sobre a psicologia humana, da existência no mal no coração de mentes perversas recém encarnadas e da infinita capacidade do amor no resgate desses corações desviados.

Referências e notas.

(1) O Deus do Velho Testamento parece ter predileção pela morte de crianças. Ver não só Gênesis 22:2 mas também: Êxodo 4:23, Êxodo 11:5, Êxodo 12:29, Números 31:17, Oséas 13:16,  I Samuel 15:3, Salmos 135:8, Salmos 137:9, Levíticos 26:29, Isaías 13:16, Jeremias 11:22 dentre outros versos bíblicos. (referência: https://www.bibliaonline.com.br/)

(2) Sobre pontos favoráveis e contrários:
  • https://acidblacknerd.wordpress.com/2013/04/25/euvi-reducao-da-maiorida-penal10-motivos-para-ser-a-favor-10-motivos-para-ser-contra/


17 de março de 2015

Partituras de músicas mediúnicas de Rosemary Brown

Início da partitura de uma sonata ditada pelo Espírito de Schubert através de Rosemary Brown.
Em uma busca não intencional na rede encontrei alguém no youtube que disponibilizou recentemente "partituras em vídeo" de músicas mediúnicas de Rosemary Brown. Como os seguidores deste blog sabem, essa é a médium sobre quem já escrevemos (1,2) e que surge na história como a mais importante manifestação de mediunidade musical que se tem notícia. 

São elas:

1) Ditado pelo Espírito de Brahms:

Waltz in b-mollhttps://www.youtube.com/watch?v=yPlRGLqeHwY

2) Ditado pelo Espírito de Rachmaninoff:

Lyric in h-mollhttps://www.youtube.com/watch?v=0bxuRekN0b0

3) Ditato pelo Espírito de Debussy:

Danse Exotique in Fis-durhttps://www.youtube.com/watch?v=PpZ1gBAxFWY

4) Ditado pelo Espírito de Chopin:

Nocturne in As-durhttps://www.youtube.com/watch?v=7JqnJ5qgDZI
Impromptu in f-moll, https://www.youtube.com/watch?v=k-CzCd4AJyQ
Impromptu in Es-dur, https://www.youtube.com/watch?v=-UT8dqabdf0

5) Ditado pelo Espírito de Liszt:

 Lament in e-moll, https://www.youtube.com/watch?v=UBhYgZoQpak
Waltz in b-moll, https://www.youtube.com/watch?v=yPlRGLqeHwY
Jesus Walking on the Water, https://www.youtube.com/watch?v=mdPQj4pXovQ

7) Ditado pelo Espírito de Schubert (na interpretação de Leslie Howard):

Sonata in f-mollhttps://www.youtube.com/watch?v=SN3R_xwj1Rs

Chamou-me a atenção a Sonata de Schubert, que não conhecia (reproduzida acima). Para quem conhece um pouco das obras compostas por F. Schubert, "salta aos ouvidos" a semelhança incrível de estilo que essa sonata apresenta.  Outra observação: a diversidade de estilos musicais, que torna difícil para quem ouve pela primeira vez acreditar que tais peças foram obtidas a partir das mãos de um mesmo compositor. Prova mais inconteste da realidade da sobrevivência dificilmente poderá ser conseguida.

Referências
  1. Ver post: Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
  2. Ver post: Vídeo IV - Uma médium e um Piano - Entrevista com Rosemary Brown (1973)