O passe é prática muito popular na maioria das casas e centros espíritas. Práticas semelhantes ao do passe também são ou foram comuns em outras religiões e filosofias espiritualistas (1). São abundantes também descrições encontradas nos evangelhos de que essa prática também era comum no cristianismo primitivo (1). Tanto que esse costume evangélico cristalizou-se na forma de rituais de proferimento de 'bênçãos' e 'imposição de mãos' que se tornaram comuns entre diversas igrejas no movimento cristão posterior.
À medida que o conhecimento da Humanidade se esclarece, porém, ocorre um processo de liberação de antigos hábitos e rituais. Antigamente a prática médica era indistinguível da magia e do preparo de poções. Da mesma forma, o passe não deve ser visto como um ritual em si, mas como um recurso terapêutico sobre o qual ainda muito é necessário pesquisar. Essa pesquisa se faz necessária tanto para dizer a extensão da atuação da prática como também o que ela não é capaz de fazer.
A mim parece que não se pode considerar como objetivo do passe, por exemplo, obter cura de doenças. Entretanto, como o ser humano é um sistema muito complexo, é possível que determinadas patologias possam encontrar no passe um valioso recurso adicional para se obter a cura. Isso é diferente de se dizer que o passe cura. Do mesmo modo, com muitas doenças - principalmente aquelas que têm mecanismo bioquímico bem conhecido - há procedimentos e explicações médicas que, não obstante reconhecidas como suficientes para a compreensão e o tratamento, não deixam de sofrer a influência de outros fatores.
De qualquer forma, o passe espírita é uma prática que deve ser estudada dentro da ciência espírita de forma geral, a fim de que os mecanismos operacionais sejam mais bem compreendidos. Quanto mais isso ocorrer, tanto menor será a 'carga ritualística' sobre essa prática, já que a maioria das pessoas, por falta de esclarecimento ou tendências atávicas (2), se acostuma a considerar o passe dessa forma.
Minha experiência pessoal
Minha experiência pessoal
Ainda é difícil delimitar e especificar todos os fatores que interferem na eficácia da prática do passe. Por exemplo, é reconhecido em geral que qualquer pessoa em estado de equilíbrio emocional e físico pode aplicar o passe. Por outro lado, também existem 'médiuns curadores' (3), cuja força ou eficiência de atuação através do passe é muito maior do que de uma pessoa comum e bem intencionada. Ora, entre um extremo (4) e outro se pode assumir que há uma gradação enorme de indivíduos com variadas capacidades de atuação, a respeito das quais não se tem nenhuma indicação ou evidência direta.
O efeito do passe parece estar intrinsecamente ligado ao estado psicológico de quem o recebe. Assim, para promover um estudo sistemático, é preciso isolar fatores diversos que interferem no processo (algo que é parecido a se estabelecer 'controle' sobre um experimento (5)). De início já confirmamos que a interação entre os vários elementos que compõem a prática do passe constitui um sistema muito complexo, sujeito a uma ampla gama de fatores intrínsecos e extrínsecos. Ou seja, o estudo do passe é um tema difícil.
Entretanto, essa sequência parece ter sido interrompida depois que passamos a frequentar regularmente aplicações de passe. Entendemos que, se estamos com um resfriado ou gripe mais forte, não se observa 'cura' ou, ao menos, redução do tempo normal de recrudescimento do estado febril ou da gripe. Ao contrário, após uma sucessiva sequência de aplicações, notamos que, depois de certo tempo, as chances de se 'pegar uma gripe' reduziram drasticamente.
Como podemos explicar esse fenômeno? É possível que outras pessoas tenham experimentado a mesma situação, mas não descrevam resultados semelhantes (de fato, fenômeno não ocorreu apenas comigo, mas também com outros parentes). Talvez seja possível se acumular evidências fortes com relação à ocorrências do mesmo tipo. É provável que o passe, atuando por mecanismos ainda inexplicados sobre o corpo espiritual, equilibre o estado emocional de forma que o sistema imunológico se fortalece. É bem conhecido que estados 'psicológicos' tem influência direta sobre o sistema imunológico (6). Como e por quanto tempo é possível atuar sobre esse estado interno do ser humano é algo ainda desconhecido. De qualquer forma, parecem ser inegáveis os benefícios da aplicação do passe (pelo menos no nível da experiência pessoal). Essa é também a razão porque ele seja tão popular.
Ainda há muito a ser pesquisado
Ainda há muito a ser pesquisado
É preciso levantar os fatores externos que afetam diretamente seu mecanismo de sua atuação, as condições necessárias para 'amplificar' seus efeitos, bem como suas limitações. É preciso separar causas e efeitos em um contexto em que existem uma multiplicidade de causas atuantes. Dessa forma, algumas questões para respostas empíricas são:
- Qual seria o meio mais eficiente de se acessar os benefícios do passe (definição de um indicador de eficiência)?
- Onde se observam o maior impacto (animo do indivíduo, facilidade de recuperação de uma doença, resiliência etc)?
- Mantido todos os outros fatores invariantes, há dependência dos efeitos com o tempo de aplicação? (durante qual etapa do processo de aplicação ocorrem os maiores benefícios?)
- Qual a dependência dos efeitos com a experiência acumulada do passista ? (há dependência com o tempo em que o aplicador se dedicou à atividade do passe)?
- Como se comporta o indicador de eficiência como função da idade do indivíduo que recebe o passe?
- Qual a dependência dos efeitos com a distância do aplicador?
- Qual a dependência com o modo de aplicação?
É possível que, no futuro, o passe se insira como recurso de profilaxia de larga escala, mas antes que isso venha acontecer é preciso conhecer seus mecanismos e, principalmente, dissociá-lo de qualquer ritualística. Relatos que temos de experimentos feitos fora do Brasil informam que o passe pode não estar tão ligado à operação da vontade de quem o aplica e que não está sujeito à limitações de distância (7). Mas, talvez, essa 'independência da vontade' esteja ligado a que o aplica e não possa ser generalizada. Tais aspectos exigem uma abordagem totalmente diferente na explicação e operação do passe, uma abordagem que dificilmente métodos puramente materialistas terão qualquer sucesso.
Referências e notas
(1) Um exemplo é o do Reiki e o Jorei em tradições espiritualistas japonesas (ver Igreja Messiânica). No cristianismo primitivo, temos como exemplo o Evangelho de Marcos, Cap. 3 e versículo 23: "E rogava-lhe muito, dizendo: Minha filha está moribunda; rogo-te que venhas e lhe imponhas as mãos para que sare e viva".
(2) 'Atavismo' é um termo usado em ciências sociais para designar práticas (cultos, ritos etc) que relembram ou invocam costumes e práticas anteriores (de 'atavus' ou ancestral). Assim, na casa espírita, o passe pode ser visto como uma substituição de ritos de outras denominações religiosas por conta da influência de pessoas convertidas que trazem inconscientemente a necessidade das práticas anteriores;
(3) Para saber mais, considere Kardec:
- 'O livro dos Médiuns', 2a Parte, Das manifestações espíritas, Cap. XIV, Dos médiuns, Médiuns Curadores (via www.ipeak.com.br);
- Revista Espírita de março de 1868 (Ensaio teórico das curas instantâneas).
(4) Na Revista Espírita de 1865, Edição de Setembro, encontramos no item 7 de uma resposta de A. Kardec a uma carta sobre a questão da mediunidade curadora.
(5) Não somos adeptos, no estudo de fenômenos psíquicos do uso da palavra 'controle'. Certamente, a crítica cética e materialista de que é necessário estabelecer critérios rigorosos sobre fenômenos psíquicos (ou psicológicos) não procede pois, ao se fazer isso, é possível que estejamos 'anulando' as causas. Portanto, preferimos sugerir que se isolem ao máximo fatores adversos e se dê livre curso à ocorrência dos fenômenos.
(6) Ver: Miller, Gregory E.; Cohen, Sheldon, Psychological interventions and the immune system: A meta-analytic review and critique. Health Psychology, Vol 20(1), Jan 2001, 47-63. O conteúdo do artigo pode ser brevemente conhecido a partir de seu resumo:
This article reviews evidence for the hypothesis that psychological interventions can modulate the inumme response in humans and presents a series of models depicting the psychobiological pathways through which this might occur. Although more than 85 trials have been conducted, meta-analyses reveal only in modest evidence that interventions can reliably alter immune parameters. The most consistent evidence emerges from hypnosis and conditioning trials. Disclosure and stress management show scattered evidence of success. Relaxation demonstrates little capacity to elicit immune change. Although these data provide only modest evidence of successful immune modulation, it would be premature to conclude that the immune system is unresponsive to psychological interventions. This literature has important conceptual and methodological issues that need to be resolved before any definitive conclusions can be reached.
(7) Efeitos de passe a distância são narrados também pelo Dr. Bengston. Ver: William Bengston e a pesquisa de curas por imposição das mãos (passes de cura).