23 de setembro de 2012

Algumas considerações sobre o passe.


O passe é prática muito popular na maioria das casas e centros espíritas. Práticas semelhantes ao do passe também são ou foram comuns em outras religiões e filosofias espiritualistas (1).  São abundantes também descrições encontradas nos evangelhos de que essa prática também era comum no cristianismo primitivo (1). Tanto que esse costume evangélico cristalizou-se na forma de rituais de proferimento de 'bênçãos' e 'imposição de mãos' que se tornaram comuns entre diversas igrejas no movimento cristão posterior. 

À medida que o conhecimento da Humanidade se esclarece, porém, ocorre um processo de liberação de antigos hábitos e rituais. Antigamente a prática médica era indistinguível da magia e do preparo de poções. Da mesma forma, o passe não deve ser visto como um ritual em si, mas como um recurso terapêutico sobre o qual ainda muito é necessário pesquisar. Essa pesquisa se faz necessária tanto para dizer a extensão da atuação da prática como também o que ela não é capaz de fazer.

A mim parece que não se pode considerar como objetivo do passe, por exemplo, obter cura de doenças.  Entretanto, como o ser humano é um sistema muito complexo, é possível que determinadas patologias possam encontrar no passe um valioso recurso adicional para se obter a cura. Isso é diferente de se dizer que o passe cura. Do mesmo modo, com muitas doenças - principalmente aquelas que têm mecanismo bioquímico bem conhecido - há procedimentos e explicações médicas que, não obstante reconhecidas como suficientes para a compreensão e o tratamento, não deixam de sofrer a influência de outros fatores.   

De qualquer forma, o passe espírita é uma prática que deve ser estudada dentro da ciência espírita de forma geral, a fim de que os mecanismos operacionais sejam mais bem compreendidos. Quanto mais isso ocorrer, tanto menor será a 'carga ritualística' sobre essa prática, já que a maioria das pessoas, por falta de esclarecimento ou tendências atávicas (2), se acostuma a considerar o passe dessa forma.

Minha experiência pessoal

Ainda é difícil delimitar e especificar todos os fatores que interferem na eficácia da prática do passe. Por exemplo, é reconhecido em geral que qualquer pessoa em estado de equilíbrio emocional e físico pode aplicar o passe. Por outro lado, também existem 'médiuns curadores' (3), cuja força ou eficiência de atuação através do passe é muito maior do que de uma pessoa comum e bem intencionada. Ora, entre um extremo (4) e outro se pode assumir que há uma gradação enorme de indivíduos com variadas capacidades de atuação, a respeito das quais não se tem nenhuma indicação ou evidência direta.

O efeito do passe parece estar intrinsecamente ligado ao estado psicológico de quem o recebe. Assim, para promover um estudo sistemático, é preciso isolar fatores diversos que interferem no processo (algo que é parecido a se estabelecer 'controle' sobre um experimento (5)). De início já confirmamos que a interação entre os vários elementos que compõem a prática do passe constitui um sistema muito complexo, sujeito a uma ampla gama de fatores intrínsecos e extrínsecos. Ou seja, o estudo do passe é um tema difícil.

Passo a narrar minha experiência pessoal com o assunto. Era bastante comum que experimentássemos, na troça de estações dentro de um ano, uma sequência de resfriados ou gripes que podiam apresentar sintomas mais sérios (como febre, indisposição etc). Esse estado é particularmente comum e, por muitos anos, notamos que ele se apresentava de forma regular (com uma ou duas ocorrências anuais mais 'sérias'). 

Entretanto, essa sequência parece ter sido interrompida depois que passamos a frequentar regularmente aplicações de passe. Entendemos que, se estamos com um resfriado ou gripe mais forte, não se observa 'cura' ou, ao menos, redução do tempo normal de recrudescimento do estado febril ou da gripe. Ao contrário, após uma sucessiva sequência de aplicações, notamos que, depois de certo tempo, as chances de se 'pegar uma gripe' reduziram drasticamente.

Como podemos explicar esse fenômeno? É possível que outras pessoas tenham experimentado a mesma situação, mas não descrevam resultados semelhantes (de fato, fenômeno não ocorreu apenas comigo, mas também com outros parentes). Talvez seja possível se acumular evidências fortes com  relação à ocorrências do mesmo tipo. É provável que o passe, atuando por mecanismos ainda inexplicados sobre o corpo espiritual, equilibre o estado emocional de forma que o sistema imunológico se fortalece. É bem conhecido que estados 'psicológicos' tem influência direta sobre o sistema imunológico (6). Como e por quanto tempo é possível atuar sobre esse estado interno do ser humano é algo ainda desconhecido. De qualquer forma, parecem ser inegáveis os benefícios da aplicação do passe (pelo menos no nível da experiência pessoal). Essa é também a razão porque ele seja tão popular.

Ainda há muito a ser pesquisado

É preciso levantar os fatores externos que afetam diretamente seu mecanismo de sua atuação, as condições necessárias para 'amplificar' seus efeitos, bem como suas limitações. É preciso separar causas e efeitos em um contexto em que existem uma multiplicidade de causas atuantes. Dessa forma, algumas questões para respostas empíricas são:
  1. Qual seria o meio mais eficiente de se acessar os benefícios do passe (definição de um indicador de eficiência)?
  2. Onde se observam o maior impacto (animo do indivíduo, facilidade de recuperação de uma doença, resiliência etc)?
  3. Mantido todos os outros fatores invariantes, há dependência dos efeitos com o tempo de aplicação? (durante qual etapa do processo de aplicação ocorrem os maiores benefícios?)
  4. Qual a dependência dos efeitos com a experiência acumulada do passista ? (há dependência com o tempo em que o aplicador se dedicou à atividade do passe)?
  5. Como se comporta o indicador de eficiência como função da idade do indivíduo que recebe o passe?
  6. Qual a dependência dos efeitos com a distância do aplicador?
  7. Qual a dependência com o modo de aplicação?
É possível que, no futuro, o passe se insira como recurso de profilaxia de larga escala, mas antes que isso venha acontecer é preciso conhecer seus mecanismos e, principalmente, dissociá-lo de qualquer ritualística. Relatos que temos de experimentos feitos fora do Brasil informam que o passe pode não estar tão ligado à operação da vontade de quem o aplica e que não está sujeito à limitações de distância (7). Mas, talvez, essa 'independência da vontade' esteja ligado a que o aplica e não possa ser generalizada. Tais aspectos exigem uma abordagem totalmente diferente na explicação e operação do passe, uma abordagem que dificilmente métodos puramente materialistas terão qualquer sucesso.

Referências e notas

(1)  Um exemplo é o do Reiki e o Jorei em tradições espiritualistas japonesas (ver Igreja Messiânica). No cristianismo primitivo, temos como exemplo o Evangelho de Marcos, Cap. 3 e versículo 23: "E rogava-lhe muito, dizendo: Minha filha está moribunda; rogo-te que venhas e lhe imponhas as mãos para que sare e viva".

(2) 'Atavismo' é um termo usado em ciências sociais para designar práticas (cultos, ritos etc) que relembram ou invocam costumes e práticas anteriores (de 'atavus' ou ancestral). Assim, na casa espírita, o passe pode ser visto como uma substituição de ritos de outras denominações religiosas por conta da influência de pessoas convertidas que trazem inconscientemente a necessidade das práticas anteriores;

(3) Para saber mais, considere Kardec:
  • 'O livro dos Médiuns', 2a Parte, Das manifestações espíritas, Cap. XIV, Dos médiuns, Médiuns Curadores (via www.ipeak.com.br);
  •  Revista Espírita de março de 1868 (Ensaio teórico das curas instantâneas). 
Um excelente texto sobre o assunto é "Um Estudo sobre o Passe', de Clarice Chibeni".

(4) Na Revista Espírita de 1865, Edição de Setembro, encontramos no item 7 de uma resposta de A. Kardec a uma carta sobre a questão da mediunidade curadora.

(5) Não somos adeptos, no estudo de fenômenos psíquicos do uso da palavra 'controle'. Certamente, a crítica cética e materialista de que é necessário estabelecer critérios rigorosos sobre fenômenos psíquicos (ou psicológicos) não procede pois, ao se fazer isso, é possível que estejamos 'anulando' as causas. Portanto, preferimos sugerir que se isolem ao máximo fatores adversos e se dê livre curso à ocorrência dos fenômenos.

This article reviews evidence for the hypothesis that psychological interventions can modulate the inumme response in humans and presents a series of models depicting the psychobiological pathways through which this might occur. Although more than 85 trials have been conducted, meta-analyses reveal only in modest evidence that interventions can reliably alter immune parameters. The most consistent evidence emerges from hypnosis and conditioning trials. Disclosure and stress management show scattered evidence of success. Relaxation demonstrates little capacity to elicit immune change. Although these data provide only modest evidence of successful immune modulation, it would be premature to conclude that the immune system is unresponsive to psychological interventions. This literature has important conceptual and methodological issues that need to be resolved before any definitive conclusions can be reached.

(7) Efeitos de passe a distância são narrados também pelo Dr. Bengston. Ver: William Bengston e a pesquisa de curas por imposição das mãos (passes de cura).

15 de setembro de 2012

Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte: artigo de Michael Nahm (2011) - 1/2.


"Nesses momentos ele vive da vida espiritual, enquanto que o corpo vive apenas da vida vegetativa; acha-se, em parte, no estado em que se achará após a morte: percorre o espaço, confabula com os amigos e outros Espíritos, livres ou encarnados como ele." (A. Kardec, 'A Gênese', Cap. 14, II - Explicação de alguns fenômenos considerados sobrenaturais, visão espiritual ou psíquica, dupla vista, sonambulismo, sonhos, parágrafo 23).

Em um artigo recente e muito interessante, Michael Nahm (2011), "Reflections on the Context of Near-Death Experiences", apresenta uma introdução ao fenômeno de experiências de quase morte (em inglês NDE, near death experiences) como visto pela perspectivas de fenômenos correlacionados a NDE e que ocorrem um pouco antes, durante ou depois dele. Tais ocorrências constituem o que Nahm chama de 'contexto' das NDEs. Ele chama a atenção para o fato de que muitos pesquisadores que buscam explicações 'naturalistas' para a NDE não prestam atenção devida a tais eventos, gerando assim, explicaões incompletas. Esse estudo é interessante pois demonstra a amplitude explanativa da tese espiritualista que descreve o ser humano como composto de um 'duplo': primeiro a noção filosófica dualista de corpo e espírito e, depois, a tese espírita de um novo corpo (perispírito) que sobrevive a morte e que também não deve ser confundido com o Espírito.

Aqui apresentamos a 1a parte (de 2) de um resumo do artigo de Nahm com citação de referências contidas nesse artigo. O estudo mostra também que essas referências modernas confirmam o que Kardec já havia descoberto e descrito em muitos de suas obras. No que consistiria tal contexto? O artigo analisa os seguintes fenômenos registrados na literatura:

Modificações corporais inexplicáveis (Unexplained Bodily Changes): tais modificações ocorrem durante ou logo após uma NDE. São curas ou alívios momentâneos que trazem lucidez ao paciente que passa pela NDE. Há entretanto relatos de modificações físicas inexplicáveis (Pasricha, 2008) que parecem corresponder à experiências que ocorreram durante o estágio de NDE. Há estudos que demonstram a existência de ocorrências de marcas corporais durante estados hipnóticos ou durante sonhos, o que forneceria uma possível mecanismo para explicação das marcas observadas durante NDEs. 

Experiências fora do corpo reciprocamente confirmadas (Reciprocally Confirmed OBEs During Near-Death States), De acordo com Nahm :
Em casos típicos, uma pessoa em um estado de NDE afirma ter visitado membros da família à distância, pessoas que muito se deseja encontrar.  A visita ocorre por meio de uma 'experiência fora do corpo' (OBE: em inglês 'Out-of-the-body experience). Posteriormente, esses membros da família confirmam terem recebido uma impressão da presença da pessoa no momento assinalado por ela. (Nahm, 2011, para o texto original, ver seção, 'Originais do artigo', 1)
Isso seria uma variedade de aparições durante as crises que tem sido narradas na literatura (Fenwick, Lovelace e Brayne, 2010) sobre eventos psíquicos. Já em 1868 em 'A Gênese', Kardec descreveu esse tipo de ocorrência (Nota 1). Pode-se também correlacionar tais experiências como uma variedade dos chamados fenômenos de 'aparições dos vivos' que foi abundantemente tratado por Kardec (Nota 2) e outros (Gurney, Myers e Podmore, 1886). Estudos recente apontam para ocorrência de 'comunicações pós falecimento' (LaGrand, 1997) que seriam curtas notícias verificados junto a familiares:
Em todos esse casos, o modo geral de ocorrência parece ser idêntico ao das aparições durante as crises de vivos ou pessoas quase falecidas, mas as motivações para seu aparecimento ou as mensagens a serem passadas são diferentes: as aparições de crise tendem a informar a pessoa sobre a crise ou a própria morte, enquanto que as aparições de recém falecidos transmitem frequentemente mensagens de bem estar, esperança ou encorajamento aos que ficaram enlutados. (Nahm, 2011, para o texto original, ver seção 'Originais do artigo', 2)
O primeiro caso caracterizaria o que é chamado de DBV (deathbed visions), ou visões do leito de morte. Com relação a esses últimos, Nahm considera: (a) as DBVs trazem mensagens consoladoras; (b) quase sempre surgem imagens de parentes falecidos durante as DBVs; (c) as DBV compartilham de aparência semelhante a de muitas outras 'aparições' tais como visões de emanação de luzes; (d) Muitas DBVs são 'testemunhadas' por apenas uma pessoa, mas há casos de várias pessoas, de forma coletiva, servirem de testemunhas (Bozzano, 1947, Barrett,1926). Não foge de nossa memória o Cap. 8 de 'O Livro dos Espíritos' sobre a 'Emancipação da alma'. O leitor deve comparar a descrição de Nahm com as questões # 413-418.

Existem muitos relatos durante tais aparições de crises de encontro com pessoas falecidas (Osis e Haraldsson, 1997). Explicações não espíritas tem dificuldade em justificar porque isso ocorre com pessoas falecidas e não com pessoas vivas (que, afinal, não poderiam comparecer para um último adeus). Ao contrário, quando o paciente deseja insistentemente se encontrar com um vivo é que ocorrem eventos de visualização desse paciente junto aquele parente-alvo que está vivo (o que seria uma 'aparição de um vivo').

Fato muito interessante que também é descrito por Nahm é quanto a ocorrência de aparições de vivos a pacientes em estado de NDE. A princípio, poder-se-ia imaginar que o surgimento de vivos a pacientes de NDE demonstra o caráter fantasioso da ocorrência. Mas, Nahm descreve que tais aparições se dão em momentos especiais,seja quando o vivo também tem presentimentos a respeito da morte iminente do paciente ou quando o vivo encontra-se em um estado alterado de consciência (dormindo, acamados etc, os chamados casos 'reciprocally confirmed', ver mais adiante).  Portanto, Nahm admite que, nesses casos, o vivo tenha se 'projetado' de alguma forma em direção ao paciente. Além disso, segundo Nahm:
Há inúmeros casos registrados em que o paciente erroneamente achou que estivesse vendo um vivo - mas tal indivíduo em questão já estava morto. Além disso, pacientes de NDE frequentemente tem visões de pessoas totalmente desconhecidas, o que é algo difícil de explicar usando wishful thinking. (Nahm, 2011, para o texto original, ver seção 'Originais do artigo', 3)
Uma referência de casos sobre isso é (Greyson, 2010).
 
Sonhos e NDEs compartilhados: conforme descrito pelo Dr. Moody (2010), há casos de indivíduos absolutamente sãos que têm sonhos onde experimentam sensações e informações semelhantes ao do paciente que passa pelo NDE. Essas experiências podem assim ser compartilhadas, o que dificulda a explicação de que NDE são fenômenos causados por danos cerebrais no paciente. Como explicar as visões compartilhadas por pessoas sãs? Conforme explica Nahm:
NDEs compartilhadas também podem ser consideradas como ND-OBEs compartilhados, que, além disso, incluem estágios posteriores de NDEs onde persistem aspectos mais transcendentais. Dados esses paralelos, parece que NDEs e sonhos (lúcidos) são experiências que podem ser compartilhadas com outras pessoas vivas em um tipo de espaço não físico ou mental. Nesse contexto, é interessante ver que uma grande quantidade de experiências psíquicas sejam reportadas a partir de sonhos onde a morte e o morrer sejam temas predominantes, e que muitos dos sonhos ostensivamente paranormais sejam descritos com uma vivacidade ou intensidade que é ausente na maioria dos sonhos ordinários.(Nahm, 2011, para o texto original, ver seção 'Originais do artigo', 4)
Aqui "ND-OBE" são 'near death out-of-the-body experiences'. Lendo isso, não há como não citar Kardec (Cap. 8 de 'O Livro dos Espíritos': da emancipação da alma, o sonho e os sonhos), Q #402:
O sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em que fica permanentemente depois que morre. Tiveram sonos inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão para junto dos seres que lhes são superiores. Com estes viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em obras que se lhes deparam concluídas, quando volvem, morrendo na Terra, ao mundo espiritual. Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não deveis temer a morte, pois que todos os dias morreis, como disse um santo.
O leitor deve considerar ainda as respostas a outras questões, como a #406 (sobre o 'sonhar com pessoas vivas') e toda a questão #402 da qual reproduzimos acima apenas um parágrafo.

Conclusões preliminares

Portanto, na revisão feita por Nahm da literatura sobre o contexto de NDEs encontramos resultados que validam parte inteiras do Cap. 8 de 'O Livro dos Espíritos'. Chama a atenção que essa confirmação não vem absolutamente da análise de fatos comuns tais como sonhos ordinários ou experiências menos relevantes. Ao contrário, é da análise das anomalias, de fatos não corriqueiros tais como NDEs e ocorrências de experiências psíquicas compartilhadas, que podemos reunir uma grande quantidade de fatos que atestam a realidade da 'emancipação da alma' e da natureza dual do ser humano.

Em um futuro post continuaremos com a exposição comentada da revisão de M. Nahm com os temas: ligações formais entre NDEs, mediunidade e lembranças de vidas  passadas; correspondência entre o conteúdo de NDEs, comunicações mediúnicas e lembranças de vidas passadas; fenômenos físicos registrados no momento da morte; audição de músicas não explicadas no momento da morte e memórias não ordinárias em crianças.

Aguardem!

Referências
  • Barrett, W. F. (1926). Death-Bed Visions. London: Methuen.
  • Bozzano, E. (1947). Le Visioni dei Morenti. Verona: Salvatore Palminteri.
  • Fenwick, P., Lovelace, H., & Brayne, S. (2007). End of life experiences and their implications for palliative care. International Journal of Environmental Studies, 64, 315–323.
  • Greyson, B (2010). Seeing deceased persons not known to have died: "Peak in Darien" experiences. Anthropology and Humanism, 35, p. 159-171.
  • Gurney, E., Myers, F. W. H., & Podmore, F. (1886). Phantasms of the Living (2 vols). London: Trübner.
  • LaGrand, L. (1997). After Death Communication: Final Farewells. St. Paul, MN: Llewellyn.
  • Moody R. (2010), Glimpses of Eternity, New York: Guideposts.
  • Nahm, M (2011), Reflections on the Context of Near-Death Experiences, Journal of Scientific Exploration, 25, No. 3, pp. 453–478.
  • Osis, K., & Haraldsson, E. (1997). At the Hour of Death (third edition). Norwalk, CT: Hastings House.
  • Pasricha, S. (2008). Near-death experiences in India: Prevalence and new features. Journal of Near-Death Studies, 26, 267–282.
Notas e referências a Kardec.

1. A. Kardec, 'A Gênese', Cap. 14, II - Explicação de alguns fenômenos considerados sobrenaturais, visão espiritual ou psíquica, dupla vista, sonambulismo, sonhos, parágrafo 23: 
O laço fluídico que o prende ao corpo só por ocasião da morte se rompe definitivamente; a separação completa somente se dá por efeito da extinção absoluta do princípio vital. Enquanto o corpo vive, o Espírito, a qualquer distância que esteja, é instantaneamente chamado à sua prisão, desde que a sua presença aí se torne necessária. Ele, então, retoma o curso da vida exterior de relação. Por vezes, ao despertar, conserva das suas peregrinações uma lembrança, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui o sonho. Quando nada, traz delas intuições que lhe sugerem idéias e pensamentos novos e justificam o provérbio: A noite é conselheira.

Assim igualmente se explicam certos fenômenos característicos do sonambulismo natural e magnético, da catalepsia, da letargia, do êxtase, etc., e que mais não são do que manifestações da vida espiritual. (*)
(*) Casos de letargia e de catalepsia: Revue Spirite: “Senhora Schwabenhaus”, setembro de 1858, pág. 255; — “A jovem cataléptica da Suábia”, janeiro de 1866, pág. 18.
Originais do artigo
  1. In typical cases, a person in a near-death state claims to have visited family members at a distance whom he or she was intensely wishing to see. This visit was often accomplished by means of an OBE. Later, these family members confi rm that they had perceived a corresponding impression of this person at the time in question. 
  2. In these cases, the overall mode of appearing seems identical to crisis apparitions of the living or dying, although the motivations to appear and the messages conveyed seem different: Crisis apparitions tend to inform the perceiver predominantly about the crisis or of death itself, whereas apparitions of the longer-deceased convey more often messages of their own well-being, or of hope and encouragement for the bereaved.
  3. Moreover, there are numerous cases on record in which the dying erroneously thought they had seen apparitions of living persons - but the individuals in question had in fact died already. In addition, patients in near-death states often see visions of persons entirely unknown to them, a finding difficult to explain along the lines of wishful thinking.
  4. Shared NDEs could also be regarded as shared ND-OBEs - with the addition that they include mutual experiences of later stages of NDEs featuring more transcendental aspects. Given these parallels, it seems that NDEs and (lucid) dreams are experiences that can be shared with other living persons in a sort of nonphysical or mental space. In this context, it is of interest that a large proportion of spontaneous psychic experiences are reported from dreams, with death and dying constituting predominant themes, and that many of these ostensibly paranormal dreams are characterized by a vividness or an intensity missing in most ordinary dreams. 

1 de setembro de 2012

Estatística das cartas psicografadas

Como vimos em vários posts anteriores, os fenômenos psíquicos sempre se apresentaram como processos de comunicação por excelência. Nesse sentido, um médium funciona como um instrumento de comunicação, embora limitado, ou um meio (dai o nome 'médium') que pode afetar o conteúdo de uma mensagem. Críticos ou descrentes na mediunidade vêem um médium de efeitos inteligentes como alguém que inventa deliberadamente informação a partir de si mesmo ou com ajuda de sinais exteriores, sinais que pessoas comuns não conseguem ver. Crentes nos 'poderes Psi' acham que bons médiuns são mentes privilegiadas, capazes de extrair informação do nada ou da mente de pessoas a sua volta (1). 

O problema é que, para muitos críticos desses fenômenos - e mesmo aqueles que os aceitam plenamente - comunicar-se é um processo simples de transferência de informação de um ponto a outro no espaço. Essa visão da comunicação permite supostamente 'explicar' como o médium adquire essa informação em um conjunto muito limitado de casos. Com certos médiuns, entretanto, a situação é muito mais difícil. A disputa sobre qual explicação seria a 'correta' torna-se aparentemente polarizada entre os adeptos da sobrevivência e os crentes nas hipóteses das super-mentes oniscientes, já que a explicação puramente cética não dá conta dos fatos. 

O conjunto das cartas psicografadas de Chico Xavier é um exemplo de anomalia a suscitar perenes  controvérsias para os que não aceitam a possibilidade de comunicação. Céticos vêem as cartas como meras historietas feitas para consolar parentes em desespero. Uma conversa solta com o médium por algum tempo, uma palavra dita por alguém em um momento de descuido e já se comporia o cenário que serviria de pano de fundo para uma carta. Isso, entretanto, acontece com um conjunto muito restrito de cartas. Com a imensa maioria, porém, é possível verificar um acúmulo considerável de informações específicas (nomes de pessoas, lugares), bem como informações de natureza pragmática que não podem ser explicadas de forma satisfatória a menos que se admita que o médium teve ajuda explícita do autor da carta.

Fig. 1 Alguns números de uma pequena amostra de 159 cartas  psicografadas por Chico Xavier.
Para motivar futuros estudos, preparamos um análise extensa das cartas (2) através da criação de métricas e  processo específico que tratam aquilo que está escrito explicitamente nas missivas psicografadas. Dizemos 'explicitamente' porque, no caso de informações de natureza pragmática ou intencional, somente parentes tem a capacidade de 'decodificar' o conteúdo (que estaria, portanto, velado). Assim, nossa análise é limitada porque ela inspecionou apenas aquilo que é aparente. 

A Fig. 1 traz uma tabela contendo alguns resultados gerais. O total de cartas analisados foi 159 distribuídas em 105 autores (há mais de uma carta por autor). O número médio de cartas por autor foi 1,51 sendo que medimos também a extensão das cartas em número de palavras. A média da distribuição de palavras é 531,5 em conjunto com uma idade média dos autores da ordem de 26,9 anos. O que mais nos chamou a atenção, entretanto, foi a estatística de citações de nomes nas cartas. Na nossa amostra com 159 cartas encontramos um total de 1322 citações (não consideramos nomes compostos nem nomes de cidades ou lugares) que se dividem conforme o diagrama da Fig. 2.

Fig. 02
Dividimos o resultado da análise em 3 grupos: citação de 'encarnados' (pessoas que estavam vivas e que foram citadas quando a carta foi escrita), 'desencarnados' (pessoas reconhecidamente falecidas anteriormente à composição da carta) e 'apelidos'. Esse último grupo pode ainda ser dividido (mas não foi feito na análise) entre apelidos de 'encarnados' e 'desencarnados'. Não é difícil ver que uma estatística relevante de citações é a de citação de apelidos de desencarnados. Uma das conclusões de nosso estudo é que, com base em um levantamento preliminar do número total estimado de cartas produzidos (3), uma média de 2000 a 3000 apelidos de desencarnados (pessoas falecidas antes da data da comunicação) podem ser encontrado nas cartas. Não se trata, portanto, de citações de nomes registrados em cartório, mas nomes de indivíduos fora da época das cartas, nomes que teriam sido usados por familiares apenas (ou seja, nomes que não dispõem de registros públicos). Possivelmente, muitos desses nomes não eram conhecidos dos familiares mais próximos do autor das cartas.

O estudo também traz:
  • As distribuições estatísticas para as idades dos autores;
  • A distribuição de tempo de comunicação (com base na diferença entre o tempo de falecimento do autor e da data de sua comunicação);
  • A distribuição de 'causa mortis' dos autores;
  • A estatística de descrição da própria morte (cerca de 60% dos autores descrevem a própria morte);
  • Estudo de correlações entre o tamanho da mensagem (número de palavras) versus idade do autor;
  • Estudo de correlação entre o tamanho da mensagem e o número de citações;
  • As frequências de citações de cada grupo conforme a Fig. 2;
  • A distribuições de parentesco dos nomes citados como 'anfitriões' do autor depois da morte;
O objetivo desse trabalho foi demonstrar a viabilidade de realizar uma análise estatística (Fig. 3) sobre grupos de atributos que se podem extrair das cartas psicografadas por Chico Xavier. Esse estudo também demonstra a riqueza de informação nelas contida, algo que não é aparente tão só pela leitura desatenta e preconceituosa de algumas dessas cartas. De fato, ao analisá-las em quantidade, é possível ter uma ideia da dimensão de fluxo de informação envolvido no processo de psicografia de Chico Xavier.
Fig. 3 Tabulação de dados  das cartas em MSExcel para análise estatística.
Os resultados deste estudo mostram que é plenamente possível extrair medidas numéricas que permitam uma apreciação quantitativa de conteúdo de informação produzido por meios psíquicos. Tal demonstração contrasta com a opinião de céticos (tanto da psicografia em geral como do próprio médium Chico Xavier em especial) que entendem que a ocorrência do fenômeno deve ser submetida a condições controladas, incluindo possivelmente o uso de aparelhos, a fim de que medidas quantitativas sejam obtidas. A aplicação de técnicas de análise de texto (como a análise elementar aqui desenvolvida) auxilia no estudo analítico dos dados tais quais são, sem que o fenômeno seja perturbado pelo uso dessas supostas exigências metodológicas.

Insistimos que, com mediunidade de efeitos inteligentes, não lidamos com sistemas físicos ou químicos para os quais métodos empíricos das ciências materiais (onde é possível controle) são recomendados. É sempre bom ter em mente que esse tipo de postura, que preconiza o ‘controle rigoroso’ – porque vive à custa de hipótese de fraude para todos os casos –, a despeito das características singulares e especiais do fenômeno, assemelha-se muito com uma tentativa desesperada de negar os fatos tais quais eles se apresentam. Caberá às gerações futuras apreciar qual tipo de posicionamento em relação ao fenômeno, a do ceticismo ou a do estudo sistemático dele, trará maiores avanços ao nosso conhecimento.

Notas

1 - A onisciência só é proibida mesmo de captar informação dos 'mortos' porque crentes em Psi negam peremptoriamente a sobrevivência.

2 - Os resultados completos do estudo serão publicados em uma futura edição de textos selecionados do ENLIHPE ('Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo') em 2013 sob o título "Extração de atributos e caracterização estatística de cartas particulares psicografadas por Chico Xavier". Aqui nos limitamos a adiantar apenas algumas informações. Um versão em inglês com uma amostra menor é
3 - Essa estimativa (em cerca de 10 mil cartas) foi-nos indicada por Alexandre Caroli Rocha com base na referência: Silva, C. A. da (2012). As cartas de Chico Xavier: uma análise semiótica. Dissertação de Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa (Unesp/Araraquara). Seção 3.1, 1º parágrafo, p. 87.

24 de agosto de 2012

O que é a morte ? (Victor Hugo*)

"A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade."

O que é que faz o homem livre?

A alma. Quem diz livre, diz responsável.

Responsável por tudo nesta vida?

Efetivamente não, porquanto nada há mais demonstrado do que a prosperidade possível e frequente dos maus e o infortúnio imerecido dos bons durante a sua passagem sobre a Terra.

Quantos homens justos não tiveram só angústias e misérias até o seu derradeiro dia? Quantos homens criminosos viveram até a mais extrema velhice no gozo pacífico e sereno de todos os bens deste mundo, neles incluindo a consideração e o respeito de todos! É o homem, então, responsável depois da vida? Evidentemente sim, pois que não o é durante ela. Alguma coisa dele sobrevive para submeter-se a essa responsabilidade: a alma.

A liberdade da alma explica a sua imortalidade. A morte não é, portanto, o fim de tudo. Ela não é senão o fim de uma coisa e o começo de outra. Na morte o homem acaba, e a alma começa. Tome-se por testemunho o que considerar do rosto de um ente amado com essa ansiedade estranha feita de esperança e de desesperança. Digam esses que atravessaram essa hora fúnebre, a última alegria, a primeira do luto, digam se não é verdade que bem se sente que ainda há ali alguém, que tudo não acabou?

Sente-se em roda dessa cabeça como o frêmito de asas que acabaram de expandir-se, uma palpitação confusa e inaudita que flutua no ar ao redor desse coração que não mais bate. Essa boca aberta parece chamar o que acaba de partir e dir-se-ia que deixa cair palavras obscuras no Mundo Invisível.

Eu sou uma alma.

Bem sinto que o que darei ao túmulo não é o meu Eu, o meu Ser. O que constitui o meu Eu, irá além.

Terra, tu não és o meu abismo.

O homem outra coisa não é senão um cativo.


O prisioneiro escala penosamente os muros da sua masmorra, sobe de saliência em saliência, coloca o pé em todos os interstícios para alcançar o respiradouro. Aí, olha, distingue ao longe a campina, aspira o ar livre, vê a luz.

Assim é o homem.

O prisioneiro não duvida que encontrará a claridade do dia, a liberdade. Como pode o homem duvidar se vai encontrar a Eternidade a sua saída? Por que não possuirá ele um corpo sutil, etéreo, de que nosso corpo humano não é nada mais que grosseiro esboço?

A alma tem sede do absoluto e o absoluto não é deste mundo. É por demais pesado para esta Terra. Há duas leis, a lei dos globos e a lei do Espaço. A lei dos globos é a morte. O limite exige a destruição. A lei do Espaço é a Eternidade. O Infinito permite a continuação.

Entre os dois mundos, entre as duas leis, há uma ponte: a transformação. A ambição do vivo dos globos deve ser, pois, tornar-se um vivo no Espaço.

O mundo luminoso é o Mundo Invisível. O Mundo do Luminoso é o que não vemos. Os nossos olhos carnais só vêem a noite. Ai do que vive com os olhos abertos sobre o mundo material e com as costas voltadas para o mundo desconhecido!

A morte é uma mudança de vestimenta.

Alma, tu estavas vestida de sombra, agora vais te vestir de luz. É no túmulo que o homem faz o último progresso.

Na morte, o homem se torna sideral. A morte é a vindita da alma. A vida é o poder que tem o corpo de manter a alma sobre a Terra, pelo peso que faz nela. A morte é o poder que tem a alma de arrebatar o corpo fora da Terra pela assimilação.

Na vida terrestre, a alma perde o que irradia. Na vida extraterrestre, o corpo perde o que pesa.

A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade.

As almas passam de uma esfera para outra, tornam-se cada vez mais luz, aproximam-se cada vez mais e mais de Deus.

O ponto de junção é o infinito.

O que dorme e desperta, desperta e vê que é homem.

O vivo que morre, desperta e vê que é Espírito.


(*) Gostaria de agradecer a Jérémie Philippe por ter encontrado a referência original:  V. Hugo, "De la Vie et de la Mort", Extrait de Post-scriptum de ma vie, 1901. O texto acima é uma tradução de trechos extraídos desse trabalho original de Victor Hugo.

O texto corresponde, com algumas modificações, ao que pode ser encontrado no livro "O Espiritismo nas Ciências Contemporâneas - Textos selecionados dos terceiro e sétimo encontros nacionais da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE)" (Ed. CCDPE-ECM, 2012).  No artigo "Algumas anotações sobre o Advento do Espiritismo" (p. 153-175) dessa referência, Eduardo C. Monteiro atribui sua autoria a Victor Hugo.