1 de setembro de 2012

Estatística das cartas psicografadas

Como vimos em vários posts anteriores, os fenômenos psíquicos sempre se apresentaram como processos de comunicação por excelência. Nesse sentido, um médium funciona como um instrumento de comunicação, embora limitado, ou um meio (dai o nome 'médium') que pode afetar o conteúdo de uma mensagem. Críticos ou descrentes na mediunidade vêem um médium de efeitos inteligentes como alguém que inventa deliberadamente informação a partir de si mesmo ou com ajuda de sinais exteriores, sinais que pessoas comuns não conseguem ver. Crentes nos 'poderes Psi' acham que bons médiuns são mentes privilegiadas, capazes de extrair informação do nada ou da mente de pessoas a sua volta (1). 

O problema é que, para muitos críticos desses fenômenos - e mesmo aqueles que os aceitam plenamente - comunicar-se é um processo simples de transferência de informação de um ponto a outro no espaço. Essa visão da comunicação permite supostamente 'explicar' como o médium adquire essa informação em um conjunto muito limitado de casos. Com certos médiuns, entretanto, a situação é muito mais difícil. A disputa sobre qual explicação seria a 'correta' torna-se aparentemente polarizada entre os adeptos da sobrevivência e os crentes nas hipóteses das super-mentes oniscientes, já que a explicação puramente cética não dá conta dos fatos. 

O conjunto das cartas psicografadas de Chico Xavier é um exemplo de anomalia a suscitar perenes  controvérsias para os que não aceitam a possibilidade de comunicação. Céticos vêem as cartas como meras historietas feitas para consolar parentes em desespero. Uma conversa solta com o médium por algum tempo, uma palavra dita por alguém em um momento de descuido e já se comporia o cenário que serviria de pano de fundo para uma carta. Isso, entretanto, acontece com um conjunto muito restrito de cartas. Com a imensa maioria, porém, é possível verificar um acúmulo considerável de informações específicas (nomes de pessoas, lugares), bem como informações de natureza pragmática que não podem ser explicadas de forma satisfatória a menos que se admita que o médium teve ajuda explícita do autor da carta.

Fig. 1 Alguns números de uma pequena amostra de 159 cartas  psicografadas por Chico Xavier.
Para motivar futuros estudos, preparamos um análise extensa das cartas (2) através da criação de métricas e  processo específico que tratam aquilo que está escrito explicitamente nas missivas psicografadas. Dizemos 'explicitamente' porque, no caso de informações de natureza pragmática ou intencional, somente parentes tem a capacidade de 'decodificar' o conteúdo (que estaria, portanto, velado). Assim, nossa análise é limitada porque ela inspecionou apenas aquilo que é aparente. 

A Fig. 1 traz uma tabela contendo alguns resultados gerais. O total de cartas analisados foi 159 distribuídas em 105 autores (há mais de uma carta por autor). O número médio de cartas por autor foi 1,51 sendo que medimos também a extensão das cartas em número de palavras. A média da distribuição de palavras é 531,5 em conjunto com uma idade média dos autores da ordem de 26,9 anos. O que mais nos chamou a atenção, entretanto, foi a estatística de citações de nomes nas cartas. Na nossa amostra com 159 cartas encontramos um total de 1322 citações (não consideramos nomes compostos nem nomes de cidades ou lugares) que se dividem conforme o diagrama da Fig. 2.

Fig. 02
Dividimos o resultado da análise em 3 grupos: citação de 'encarnados' (pessoas que estavam vivas e que foram citadas quando a carta foi escrita), 'desencarnados' (pessoas reconhecidamente falecidas anteriormente à composição da carta) e 'apelidos'. Esse último grupo pode ainda ser dividido (mas não foi feito na análise) entre apelidos de 'encarnados' e 'desencarnados'. Não é difícil ver que uma estatística relevante de citações é a de citação de apelidos de desencarnados. Uma das conclusões de nosso estudo é que, com base em um levantamento preliminar do número total estimado de cartas produzidos (3), uma média de 2000 a 3000 apelidos de desencarnados (pessoas falecidas antes da data da comunicação) podem ser encontrado nas cartas. Não se trata, portanto, de citações de nomes registrados em cartório, mas nomes de indivíduos fora da época das cartas, nomes que teriam sido usados por familiares apenas (ou seja, nomes que não dispõem de registros públicos). Possivelmente, muitos desses nomes não eram conhecidos dos familiares mais próximos do autor das cartas.

O estudo também traz:
  • As distribuições estatísticas para as idades dos autores;
  • A distribuição de tempo de comunicação (com base na diferença entre o tempo de falecimento do autor e da data de sua comunicação);
  • A distribuição de 'causa mortis' dos autores;
  • A estatística de descrição da própria morte (cerca de 60% dos autores descrevem a própria morte);
  • Estudo de correlações entre o tamanho da mensagem (número de palavras) versus idade do autor;
  • Estudo de correlação entre o tamanho da mensagem e o número de citações;
  • As frequências de citações de cada grupo conforme a Fig. 2;
  • A distribuições de parentesco dos nomes citados como 'anfitriões' do autor depois da morte;
O objetivo desse trabalho foi demonstrar a viabilidade de realizar uma análise estatística (Fig. 3) sobre grupos de atributos que se podem extrair das cartas psicografadas por Chico Xavier. Esse estudo também demonstra a riqueza de informação nelas contida, algo que não é aparente tão só pela leitura desatenta e preconceituosa de algumas dessas cartas. De fato, ao analisá-las em quantidade, é possível ter uma ideia da dimensão de fluxo de informação envolvido no processo de psicografia de Chico Xavier.
Fig. 3 Tabulação de dados  das cartas em MSExcel para análise estatística.
Os resultados deste estudo mostram que é plenamente possível extrair medidas numéricas que permitam uma apreciação quantitativa de conteúdo de informação produzido por meios psíquicos. Tal demonstração contrasta com a opinião de céticos (tanto da psicografia em geral como do próprio médium Chico Xavier em especial) que entendem que a ocorrência do fenômeno deve ser submetida a condições controladas, incluindo possivelmente o uso de aparelhos, a fim de que medidas quantitativas sejam obtidas. A aplicação de técnicas de análise de texto (como a análise elementar aqui desenvolvida) auxilia no estudo analítico dos dados tais quais são, sem que o fenômeno seja perturbado pelo uso dessas supostas exigências metodológicas.

Insistimos que, com mediunidade de efeitos inteligentes, não lidamos com sistemas físicos ou químicos para os quais métodos empíricos das ciências materiais (onde é possível controle) são recomendados. É sempre bom ter em mente que esse tipo de postura, que preconiza o ‘controle rigoroso’ – porque vive à custa de hipótese de fraude para todos os casos –, a despeito das características singulares e especiais do fenômeno, assemelha-se muito com uma tentativa desesperada de negar os fatos tais quais eles se apresentam. Caberá às gerações futuras apreciar qual tipo de posicionamento em relação ao fenômeno, a do ceticismo ou a do estudo sistemático dele, trará maiores avanços ao nosso conhecimento.

Notas

1 - A onisciência só é proibida mesmo de captar informação dos 'mortos' porque crentes em Psi negam peremptoriamente a sobrevivência.

2 - Os resultados completos do estudo serão publicados em uma futura edição de textos selecionados do ENLIHPE ('Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo') em 2013 sob o título "Extração de atributos e caracterização estatística de cartas particulares psicografadas por Chico Xavier". Aqui nos limitamos a adiantar apenas algumas informações. Um versão em inglês com uma amostra menor é
3 - Essa estimativa (em cerca de 10 mil cartas) foi-nos indicada por Alexandre Caroli Rocha com base na referência: Silva, C. A. da (2012). As cartas de Chico Xavier: uma análise semiótica. Dissertação de Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa (Unesp/Araraquara). Seção 3.1, 1º parágrafo, p. 87.

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Gostei do texto. Tenho permissão para divulgá-lo em meu blog (citando a fonte, óbvio)?

    Segue meu endereço: http://fenomenologiamediunica.blogspot.com.br/

    Abraços

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    1. Ola Ricardo!

      Obviamente que sim! Gostei tb do seu blog, boa fonte de informações. Parabéns!

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  3. Oi, Ademir.

    Obrigado pela gentileza.

    Adorei o modo como é abordado o Espiritismo aqui: Seriedade e comprometimento.

    Parabéns pelo trabalho. Este blog consta em minha lista de favoritos.

    Abraços.

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  4. OLá Ademir, obrigado pela dica no nosso blog ESPIRITISMO PARA TODOS (até exclui o post), gosto do seu trabalho, pois é muito importante no meio dos espíritas e no modo geral.
    Gostaria da sua permissão para divulgar o texto no nosso blog.
    Um abraço do seu amigo Tadeu, que Deus te ilumine sempre.

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    1. Ola Tadeu,

      Claro que sim! Parabéns tb pelo seu trabalho de divulgação.

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    2. Oi Ademir,
      Excelente trabalho. Eu sou atualmente pesquisadora na universidade de Aberdeen, Escócia, e gostaria de entrar em contato com você com sugestões a respeito deste estudo. Tenho experiência na área de publicações científicas e tenho sugestões metodológicas para um estudo científico das cartas do Chico Xavier que possa passar pelo crivo do 'peer-review process' de 'top academic journals'. Você teria um e-mail para eu entrar em contato? O meu e-mail é [bethfrei at gmail dot com]

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