14 de abril de 2012

Sobre teorias fenomenológicas e construtivas.

“Nimbus II” (Berndnaut Smilde - cortesia do artista)

Muitas vezes, na apresentação da fenomenologia espírita (mediúnica ou psíquica) somos indagados a respeito de "explicações mais detalhadas" para uma grande variedade de fenômenos. Por exemplo, há pessoas que acreditam que a tese espiritualista apenas será "comprovada" quando pudermos quantificar e medir a fonte de informação espiritual por meio de alguma ideia que explique essa fonte (o Espírito), seja  por algum tipo de matéria sutil formada por partículas invisíveis etc. Dai surgem muitas tentativas de se utilizar conceitos primitivos da física com os fenômenos anômalos ou psíquicos. Parece natural querer explicar a influência espiritual por meio da invocação de conceitos como campo sutil, energias de diversos tipos etc.

Ainda que não seja exatamente das teorias da física que esperamos ser capazes de fazer o conhecimento das ciências psíquicas avançar, não podemos deixar de concordar que a epistemologia da física nos fornece exemplos excelentes sobre modelos de teorias, a fim de que possamos compreender a situação presente dessa fenomenologia psíquica. Nesse sentido é importante considerar a existência (do ponto de vista epistemológico) de dois tipos bem distintos de teorias. Recorremos, para isso, ao artigo "Teorias construtivas e teorias fenomenológicas" de S. Chibeni:
Teorias fenomenológicas. Classificam-se como tais as teorias cujas proposições se refiram exclusivamente a propriedades e relações empiricamente acessíveis entre os fenômenos (fenômeno: aquilo que aparece aos sentidos). Essas proposições descrevem, conectam e integram os fenômenos, permitindo a dedução de consequências empiricamente observáveis. Exemplos importantes de teorias fenomenológicas são a termodinâmica, a teoria da relatividade especial e a teoria da seleção natural de Darwin. 
Teorias construtivas. Em contraste com as teorias fenomenológicas, as teorias construtivas envolvem proposições referentes a entidades e processos inacessíveis à observação direta, que são postulados com o objetivo de explicar os fenômenos por sua “construção” a partir dessa suposta estrutura fundamental subjacente. Exemplos característicos desse tipo de teoria são a mecânica quântica, a mecânica estatística, o eletromagnetismo, a genética molecular e grande parte das teorias químicas.
É possível distinguir os tipos de explicação em duas classes: a das teorias fenomenológicas (entendido está que um "fenômeno" é aquilo que é acessível aos sentidos ordinários). São explicações que partem de princípios estabelecidos e que procuram derivar previsões ou descrições para diversos fenômenos. As teorias construtivas (esse nome foi criado por A. Einstein, 1954) procuram estabelecer explicações a partir da proposta de leis e princípios para 'entidades não acessíveis à observação direta' (não observáveis). Dessa forma, por exemplo, a química explica os fenômenos de reatividade entre elementos a partir da postulação (Nota 1) da existência de átomos.

A teoria da relatividade de Einstein (assim como a Mecânica clássica) é uma teoria fenomenológica. Mas o exemplo mais famoso de teoria fenomenológica que existe é a termodinâmica, ou a parte da física que explica o funcionamento de processos térmicos ou termodinâmicos. Um cientista termodinâmico estará muito feliz em explicar seus fenômenos usando os princípios gerais de sua ciência (a primeira e segunda lei termodinâmica). Ele não precisa de átomos para isso (com relação a essa classificação para a Medicina, ver Nota 2). 

Mas quais seriam as vantagens e desvantagens de cada uma dessas abordagens epistemológicas? É natural imaginar que a ciência começa fenomenológica e atinge seu auge de forma construtiva? Isso também foi respondido por Einstein (1954):
As vantagens das teorias construtivas são a completude, adaptabilidade e clareza. As vantagens das teorias de princípios (fenomenológicas) são a perfeição lógica e a segurança de fundamentos.
Explicações baseadas em princípios gerais são mais bem estabelecidas (sofrem menor abalo os fundamentos) e permitem aplicação mais direta da lógica. Já as explicações construtivas permitem maior adaptação (explicam extensões de fenômenos) e são mais completas. 

Com relação às previsões possíveis com explicações científicas, ambas as classes de teorias permitem previsões (que é um tipo diferente de explicação aplicada a fenômenos ainda não descobertos). A história da física mostrou que muitas explicações começaram como fenomenológicas e atingiram um ponto de maturação como explicações construtivas. O caso que já discutimos, a termodinâmica (que permanece como uma teoria independente), foi consideravelmente ampliada por teorias que admitiram a existência do átomo. Assim, muitos princípios termodinâmicos podem ser "explicados" como derivados de leis mais profundas que regulam a interação e dinâmica de átomos.


E no caso da fenomenologia psíquica?

Podemos tentar classificar os tipos de explicações que se inventaram para a imensa variedade de fenômenos psíquicos existentes. Por exemplo, explicações de origem parapsicológica (mais recentemente rebatizada, por exemplo, de "psicologia anomalística") tem aversão a "princípios" e procuram montar explicações puramente factuais dos fenômenos. Grande parte do insucesso da parapsicologia - do ponto de vista dos céticos - foi sua incapacidade de prover uma explicação naturalista dos fenômenos. Entendem eles que as "ciências psi" deveriam fornecer explicações para os fatos psíquicos usando princípios largamente aceitos (sejam eles fenomenológicos ou construtivos). A parapsicologia demonstrou ser apenas uma maneira diferente de se descrever determinadas ocorrências consideradas anômalas. Por exemplo, psi-theta (rebatizado para fenômenos de efeitos físicos) e psi-gamma (rebatizado para fenômenos de efeitos intelectuais) são tão somente nomes pitorescos para classes de fenômenos psíquicos distintos na sua variedade de manifestação e que foram bem descritos antes do final do século 19. 

A história das ciências psi depois do Espiritismo tem sido mais uma arte criativa de invenção de nomes diferentes e aparentemente sérios numa tentativa desesperada de convencer céticos da realidade dos fenômenos.

Mais recentemente há nova tentativa de se montar explicações para os fenômenos psíquicos que partem de teorias construtivas. Assim, ao se utilizar ideias como 'emaranhamento quântico' na explicação da transmissão de pensamento (rebatizado de telepatia), os proponentes (Radin, 2006) são obrigados a extrapolar conceitos muito específicos de entidades inobserváveis da física para se ter uma explicação considerada satisfatória. Mas, podemos nos perguntar se isso é uma explicação satisfatória, no sentido de conseguir fazer o conhecimento avançar realmente ou se, na verdade, estão apenas realizando novo rebatizo, em termos do qual tudo seria mais facilmente aceito pelos céticos. Assim, aparentemente, ainda estamos na fase de 'pré-ciência' em se tratando de fornecer nomes diferentes ao invés de explicações  em termos das quais os fenômenos psíquicos seriam finalmente comprovados 'cientificamente' (isto é, "aceitos pelos céticos").

As explicações para os fenômenos psíquicos em "O Livro dos Médiuns" constituem princípios de uma teoria fenomenológica.

Vimos que, para que seja uma boa explicação, uma teoria não necessariamente tem que ser feita em termos de princípios construtivos. É preciso, além disso, saber separar o que há de verborragia e de princípios fundamentais subjacente em uma explicação de um determinado fenômeno psíquico. Não podemos nos esquecer que muitos dos fenômenos psíquicos foram estudados nos albores do Espiritismo por A. Kardec, que chegou a formular uma teoria fenomenológica para eles. Essa teoria está contida em 'O Livro dos Médiuns'. Os princípios dela são:
  1. Sobrevivência do ser em outra unidade (Espírito) que carrega informação além do corpo material;
  2. Comunicabilidade: possibilidade de comunicação entre essas unidades envolvendo mecanismos não materiais;
  3. Influência do organismo material no processo de comunicação;
Esses são os princípios que permitem uma grande estabilidade e coerência lógica na obtenção de explicações (desde que se tenha competência para isso). A partir deles e de outras regras empíricas é possível obter e prever fenômenos distintos. Não precisamos nenhuma explicação adicional - a respeito, por exemplo, do mecanismo (construtivo) que viabilize o princípio 2 - para aplicá-los na explicação de ocorrências específicas.

Agora, muitos que rejeitam esses princípios o fazem porque acham que dos fenômenos se deve derivar as causas, ou porque se tem interesse em convencer céticos. O primeiro problema é uma visão equivocada do processo de geração de conhecimento (sobre o que já tratamos anteriormente, ver post sobre o positivismo lógico e o indutivismo ingênuo e Nota 3). Quanto à segunda postura, ela claramente envolve um objetivo que não é o de fazer o conhecimento progredir, mas o de convencer um grupo de crentes em particular.

Portanto, não parece ser possível fazer o conhecimento a respeito dos fenômenos mediúnicos e psíquicos progredir sem teorias inicialmente fenomenológicas, calcadas em princípios que tornem tais explicações estáveis o suficiente para possibilitar o progresso científico. Por outro lado, acreditamos também que, no futuro, tais explicações serão suplantadas por teorias construtivas que embasarão e explicarão os princípios das teorias precedentes (que são reconhecidamente incompletas). Não temos elementos no presente para desenvolver tais teorias construtivas para os fenômenos psíquicos.

Novo comentário acrescentado em 16/4/2012

O que distingue teorias fenomenológicas das teorias construtivas não é exclusivamente o fato de as últimas se basearem em entidades não observáveis. As teorias fenomenológicas se baseiam em princípios que se estabelecem como relações entre fenômenos. Já as teorias construtivas postulam princípios entre entidades não necessariamente observáveis, mas a partir das quais fenômenos são derivados. Portanto, teorias construtivas são mais 'completas' no sentido de permitirem maior amplitude de previsão e capacidade de explicação do que as teorias puramente fenomenológicas. Estas, por sua vez, por tratarem princípios que se relacionam diretamente a fenômenos, gozam de maior estabilidade, pois não se podem negar fatos ou ocorrências experimentais, o que é facilmente feito com outros tipos de entidades que são objeto das teorias construtivas.

Referências
A. Einstein (1954) “What is the theory of relativity”. In: Ideas and Opinions, Crown (Wing Books reprint), pp. 228-30.
D. Radin (2006), "Entangled Minds: Extrasensory Experiences in a Quantum Reality". Simon & Schuster, Inc.

Notas
  1. Um átomo é uma entidade física que, obviamente, não é acessível aos sentidos humanos diretamente.
  2. A Medicina é uma ciência de classe fenomenológica por excelência. Recentemente, recebeu contribuições construtivas da genética e da bioquímica.
  3. Se podemos algo mais sobre isso, seria o mesmo que querer descobrir a existência de átomos tão só observando-se reações químicas.


7 de abril de 2012

Sobre OVNIS, ETs e o Espiritismo

Por do sol em Marte fotografado da cratera Gusev. Imagem: Nasa (2005).
"To communicate with Mars, converse with spirits." (T. S. Elliot, 1944, 'The Four Quartets, the dry salvages", V)

Em um post anterior mostramos que a existência de vida fora da Terra tornou-se uma realidade com a descoberta de um número surpreendente de planetas em estrelas dentro do que se costumou chamar de 'nossa galáxia'. A existência dessa vida (do ponto de vista físico) depende fortemente da chance de existência de planetas, fato que se tornou fenômeno incontestável diante da prova de que existe pelo menos um planeta em média (talvez 2) para cada estrela da Via-Láctea. Isso caracteriza uma quantidade muito grande de planetas (da ordem de 400 bilhões ou, talvez, 1 trilhão), o que faz com que a chance de vida física (biológica como a nossa) seja muito grande. 

Entretanto, o assunto merece um pouco mais de atenção para tornar mais claro o ponto de vista espírita ou, melhor dizendo, espiritualista. A tese espiritualista é muito simples em essência, mas resulta em consequências inimagináveis para nossa concepção comum do mundo. Embora seja uma ideia muito antiga, tornou-se uma ideia revolucionária para a visão moderna materialista do mundo. Esse impacto tem sua razão de ser, uma vez que a ciência moderna tem seus próprios 'contrafortes' ou 'defesas' que impedem que qualquer um se aproprie de seus princípios. Há regras para se fazer ciência e essas regras não permitem que se extrapolem princípios além de determinadas fronteiras. 

A existência da fenomenologia psíquica e a certeza da existência de inteligências extracorpóreas prenuncia uma revolução ainda maior na nossa maneira de ver o mundo. Acostumados a compreender esse mundo apenas do ponto de vista de nossos sentidos ordinários, os quais apenas processam informação da matéria tangível, não somos dotados ainda de nenhum tipo de habilidade especial capaz de apreender a parte invisível do Universo. Que essa parte exista não há dúvida, pelo que chegamos à conclusão de que não é mais possível apenas confiar em nossos sentidos ordinários para explorar o Universo.

O que é vida?

Embora façamos uso da literatura espírita como base, o que discutiremos aqui é premissa de qualquer tese espiritualista. A pergunta capital é: o que é vida? Embora existam muitas definições fundamentadas na biologia para a vida, ao analisar o problema no contexto do espiritualismo, é preciso alargar radicalmente essa concepção. Pois ela não apenas engloba a existência de organismos com determinado tipo de arranjo e estrutura molecular física, mas outros tipos de formas que existem nesse Universo paralelo postulado pela tese espiritualista. Se existe sobrevivência, a resposta à questão 'O que é Vida?' deve também levar em conta esses outros tipos de existência, que não estão sujeitos à apreensão tangível. 

Logo no início de 'O Livro dos Espíritos' podemos ler a resposta dada à questão 86, sobre a independência entre o mundo material e o mundo 'paralelo' formado pelos Espíritos:
#86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita?

Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.
A resposta é compreensível do ponto de vista lógico. Se o mundo espírita dependesse do mundo material, aquele seria uma derivação da matéria pelo que a sobrevivência não seria possível. Para a nossa discussão, se a vida espiritual dependesse da vida biológica, então, para todos os propósitos, isso equivaleria à inexistência da vida espiritual. Estabelecido a independência dos princípios, então, como dissemos acima, um novo Universo se estabelece. O Universo espiritual é essencialmente composto pelos Espíritos que constituem uma das 'forças da Natureza' (além da matéria), e que carregam memória e inteligência. Os Espíritos são fontes primárias de informação do Universo, além de terem como atributo a inteligência. 

Mas onde estão eles? Embora plenamente válida, essa questão é proferida no referencial de 'espaço ou lugar' do Universo material. Não há um 'lugar pré-definido' nesse espaço material para o elemento inteligente, pois, como vimos eles são independentes. Por isso, compreendemos a resposta à questão seguinte:
#87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no espaço?

Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Vós os tendes de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes, pois que os Espíritos são uma das potências da Natureza e os instrumentos de que Deus se serve para a execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, pois há regiões interditas aos menos adiantados.
Uma vez que esses dois universos são independentes, um não pode estar circunscrito ao outro. A independência se expressa em não existirem limites pré-fixados de um elemento para com o outro. Ainda mais importante, disso segue que confusões de entendimento podem surgir ao se procurar aplicar a um desses mundos conceitos naturalmente derivados do outro.

A analogia que podemos fazer aqui é com a vida microbiana: por mais que usemos recursos de limpeza e esterilização, nunca conseguiremos eliminar a vida microscópica que pulula a nossa volta e que não conseguimos ver. Somos, portanto, obrigados a viver em conviver com as duas realidades, embora só tenhamos acesso a uma só.

Existe vida na Lua?

Uma vez que nossa concepção de 'vida' é substancialmente alterada pela tese espiritualista, não é difícil responder à questão sobre 'a existência de vida em outros planetas'. Há certamente vida em várias gradações físicas (que é a busca por vida alienígena das ciências da matéria), mas podemos falar também em vida em outro sentido, a saber, no sentido espírita. 

Assim, se nos perguntarmos, existe vida na Lua? A resposta pode ser um sonoro 'não' se entendemos por vida a concepção puramente física dela (Nota 1). Entretanto, e quanto à existência de Espíritos? Embora um 'sim' possa parecer pura especulação (por causa de nosso apego à concepção de vida física), ele é consequência direta da tese que discutimos acima. Como o Universo dos Espíritos não depende da matéria, eles estão por toda parte. Então, pela nossa concepção radicalmente alargada de vida e consciência, a afirmativa positiva é a conclusão mais lógica. 

Interessante é ver que, ao longo do 'Livro dos Espíritos', o tema foi retomado de forma consistente com os primeiros princípios explícitos nas questões #86 e #87. Especificamente sobre 'mundos estéreis' como a Lua, encontramos a resposta à questão #236 que reproduzimos abaixo:
236. Pela sua natureza especial, os mundos transitórios se conservam perpetuamente destinados aos Espíritos errantes?
Não, a condição deles é meramente temporária.
a) – Esses mundos são ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos?
Não; estéril é neles a superfície. Os que os habitam de nada precisam.
A resposta confirma a 'esterilidade física' de tais mundos, que são destinados à determinada classe de Espíritos. Porém, confirmada também está que a esterilidade física não é empecilho para a atração que tais mundos representem a determinados tipos de Espíritos.

Por mais extraordinárias que possam soar tais revelações, todas são consequência direta da tese fundamental espírita, a de que há sobrevivência e vida futura.

Dos OVNIs e ETs.

O leitor pode se perguntar porque escolhemos um título com as palavras OVNIS (objetos voadores não identificados) e ETs (do inglês, extraterrestrials) para uma análise sobre questão da vida em outros planetas do ponto de vista espiritualista. Nossa opinião é que a questão sobre a existência de visitas no nosso mundo (físico) de seres de outros planetas e mundos corre paralela (e bem perto) à questão da sobrevivência do Espírito. A tese da 'pluralidade dos mundos habitados' deve ser largamente aceita por todos os espiritualistas em geral e certamente é um princípio importante na solução da questão dos extraterrestres.

A 'descoberta' desse tipo de vida (física) seria uma comprovação por meios usuais (e, portanto, envolvendo a matéria tangível) de outros tipos de vida além da nossa vida física. Esse achado seria certamente inigualável frente a todos os outros da história das descobertas humanas, mas não maior do que a constatação de que, para haver vida verdadeira, não se faz necessária a matéria. Portanto, ao se aceitar abertamente a tese espiritualista, o campo de investigação estará muito mais aberto à constatação de fatos nunca antes imaginados na história humana.    
    
Referências

Nota

1 - A Lua é um corpo estéril do ponto de vista físico: não tem atmosfera, água, ou qualquer coisa necessária para abrigar vida do ponto de vista biológico. A despeito disso, algumas formas de bactérias e seres unicelulares podem viver talvez armadilhados em gelo no sopé de crateras nos pólos lunares, lugar destinado eternamente a permanecer em completa escuridão.

  

1 de abril de 2012

Novas edições do Boletim do GEAE


O GEAE (Grupo de Estudos Avançados Espíritas) apresenta seus boletins em nova formatação. Editados e preparados por Carlos A. Iglesia Bernardo, o novo formato, além de esteticamente agradável e que faz cada boletim se parecer com uma revista, facilita a busca, leitura e pesquisa. Também está disponível na versão PDF. 

Recomendamos fortemente a leitura do boletim do GEAE que tem periodicidade mensal.

Referências

Para acessar o GEAE.


24 de março de 2012

Deus e suas Causas I

"Levou menos de uma hora para átomos se formarem, algumas centenas de milhões de anos para se fazer estrelas e planetas, mas cinco bilhões de anos para um homem surgisse!" G. Gamow, 'A criação do Universo' (1952).

A imagem presente - sustentada por teorias cosmológicas recentes - tanto quanto se ocupa apenas com fenômenos materiais, revela que o universo foi criado a partir de um instante apenas, denominado 'Big Bang'. Ironicamente, esse nome foi criado pelo cosmologista Fred Hoyle que detestava a ideia da explosão inicial. Em um programa de rádio em que discutia o tema, ele criou a palavra (que visava caracterizar pejorativamente a ideia). Poderíamos traduzir o apelido de Hoyle por 'teoria do estrondão'.

O Big-Bang é o momento assinalado para a origem do elemento material. Mas a matéria não é a única coisa que existe no Universo (mesmo segundo o conhecimento academicamente aceito) . Há também 'leis' ou 'princípios' que servem para 'organizar' ou estruturar a matéria. Esses princípios regulam como a matéria interage consigo mesma e com outros elementos, a fim de produzir quase tudo que nós vemos com nossos sentidos ordinários e, principalmente, aquilo que não conseguimos ver. Sem as leis o Universo seria um amontoado caótico de matéria ao ponto de ser impossível descrevê-lo como, de fato, o conhecemos.

A teoria do Big-bang constrói um relato da história pregressa do Universo. Nesse relato, as leis da Física surgem ou são dadas 'desde o princípio', ou seja, não são 'derivadas' da mesma origem postulada. Por isso, a ideia de um 'princípio' é problemática: seria mais fácil se o Universo sempre tivesse existido, porque, então, não seria necessário explicar como surgiram as leis. Por isso também, há muitos cosmologistas que defendem uma origem 'acausal' (sem causa) para o Universo. A tarefa seria ainda mais fácil caso fosse possível algo mais: uma corrente de cientistas procura uma forma de se unificar todas as leis da Física. Está claro que, se todas as leis puderem ser unificadas, isto é, se for possível encontrar uma teoria onde todas as leis possam ser derivadas a partir de uma só, fica mais fácil explicar a origem do Universo. A teoria do Big-Bang é, portanto, uma teoria (reconhecidamente) incompleta, na medida em que não se encontrou ainda tal unificação. 

Naturalmente, a motivação para a unificação é sustentada também por outro princípio, o de que é possível reduzir todos os fenômenos a interações entre elementos primitivos segundo as leis da Física. Essa ideia é conhecida como reducionismo. De forma muito simplificada, a imagem reducionista está representada na figura abaixo, onde a origem é identificada pelo Big Bang. 

O Big-Bang tem, na visão de Universo revelada pela Cosmologia, exatamente o mesmo papel que Deus teria em uma descrição da origem do Mundo pelas diversas 'cosmogonias' religiosas historicamente conhecidas. Mas, sendo uma causa primária, o Big-Bang não é necessário para explicar satisfatoriamente quase tudo o que vemos a nossa volta. 

Na figura acima, nós colocamos as leis naturais como oriundas também dessa origem primeira postulada. Para a discussão a seguir, importa pouco se as leis naturais tiveram um princípio único ou foram 'dadas' desde o princípio.

O Big-Bang desempenha o papel de Deus na Cosmologia moderna.

O que nos interessa é discutir o papel da ideia de Big-Bang e compará-la a nossa discussão sobre 'Deus e suas Causas'. Chegamos à conclusão: o Big-Bang é a causa primária postulada pela Ciência para dar conta da origem da Matéria e, espera-se, de suas leis. Dessa forma, nós também não precisamos do Big-Bang para explicar satisfatoriamente quase tudo o que vemos a nossa volta. 
Todas as outras ciências (Biologia, Química, etc e mesmo a Física) prescindem da idéia do Big-Bang para existir, quer dizer, teorias e pesquisas nessas áreas não necessitam admitir uma causa primária para explicar seus fenômenos particulares.
Mas isso não significa que o Big-Bang não tenha ocorrido. Assim, o fato da ideia de Deus ser inútil para desenvolvimentos particulares na Ciência, não implica que ele não exista, contradizendo um dos argumentos do  ateísmo, o de que não se vê Deus na Natureza. 

Podemos ver ou sentir o Big-Bang? A resposta é 'não', porque não temos órgãos sensoriais sensibilizáveis por evidências do tipo levantadas por cosmologistas para se sustentar a ideia do Big-Bang:
  • Observações com espectroscopia mostram que galáxias espalhadas de forma mais ou menos uniforme por todo o céu estão se movendo a uma velocidade tanto maior quanto maior a distância em que se encontram de nós (efeito do redshift);
  • Há uma radiação residual distribuída por todo o céu, ligada a uma fonte térmica alguns graus acima de zero absoluto.
Tais fatos são considerados evidências que suportam a ideia de um universo em expansão. O primeiro indica que, de fato, o Universo continua se expandindo, enquanto que o segundo é tomado como evidência direta da explosão inicial. Acrescentamos que, para se constatar tais fatos, são necessários equipamentos (telescópios munidos de espectrógrafos sensíveis e radiotelescópios) que não estão disponíveis a qualquer um dos mortais. Mesmo de posse de tais equipamentos, anos foram necessários para se acumular tais 'evidências', o que aconteceu depois que a teoria do Big-Bang já havia sido postulada.

Obviamente, nenhuma teoria sustenta a ideia de Deus, não só porque inexistem evidências - do tipo esperada pelas ciências materiais, mas porque se acredita que tudo - inclusive as leis - tenham surgido da matéria. Para contornar esse problema (em direção a uma ciência que admita a ideia de Deus), temos que enfrentar outro mais sério: há inúmeras concepções e ideias sobre Deus. 
Como existem muitas ideias e conceitos sobre Deus e admitindo que ele seja único e existente, é absolutamente impossível que mais de uma dessas ideias esteja correta ao mesmo tempo. Logo, a imensa maioria das noções (possivelmente quase todas) que os homens tiveram ou têm sobre Deus está equivocada.
Não temos, em particular, elementos para defender a noção de que Deus é uma pessoa como fazem algumas interpretações religiosas.  Ao eliminar a influência de todas as tradições religiosas, que é o caminho que o mundo moderno decidiu seguir com as descobertas da Ciência, como poderemos conceituar a noção da Divindade? 

Em outras palavras, se um dia a Ciência defender a ideia de Deus como necessária, qual será a ideia que ela irá propor?

Certamente a Ciência defenderá a noção de Deus como causa primária de todas as coisas. No que difere esta ideia da noção do Big-Bang? Em princípio, o Big-Bang foi uma ocorrência que surgiu do nada (por definição), enquanto que Deus é uma entidade causal inteligente. Para muitas religiões é ainda muito difícil aceitar a noção de que, para se ter inteligência como atributo, não é necessário que se tenha todos os atributos secundários de uma pessoa.

Mas, não vemos que a imortalidade da alma resulta na não necessidade de se ter um corpo físico para que a consciência se manifeste? Assim, desde que a própria consciência não é um atributo da matéria, a noção de Deus, como causa primária, não pessoal e inteligente necessariamente ganha força. Por outro lado, a própria compreensão de que a consciência não nasce simplesmente de arranjos da matéria, não cria um embaraço para o reducionismo e, portanto, para a noção de que o Big-Bang seria a causa suficiente para tudo no Universo? Então, podemos falar em consequências cosmológicas da sobrevivência e da constatação de que a consciência não depende da matéria. Há algo muito maior, transcendente e inobservável na origem do Universo, muito além do simples nascimento da matéria.

Essa é precisamente a noção sustentada pela Doutrina Espírita (1), a de que Deus manifesta-se no mundo através de atributos essenciais de inteligência e de que ele não precisa agir diretamente como causa secundária. A ciência, tão só examinando efeitos gerados por causas secundárias, jamais conseguirá reunir 'evidências' de que Deus existe - principalmente se nossas noções particulares de existência (atributos de corporeidade, tangibilidade, presença etc) forem invocadas. Isso, entretanto, não significa que ele não exista, mas, existindo, não significa tão pouco que sua imagem coincida com aquelas derivadas de muitas concepções religiosas. 

Falaremos mais sobre isso em um próximo post.

Referência

(1) A. Kardec. Questão #1 de 'O Livro dos Espíritos'.