3 de março de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica II


O homem não pode, pelas investigações das ciências, penetrar em alguns dos segredos da natureza? A ciência lhe foi dada para seu adiantamento em todas as coisas, mas não pode ultrapassar os limites fixados por Deus. (´'O Livro dos Espíritos, Questão #19)

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física.

O caráter não ordinário da experiência das duas fendas (ver post anterior) é porque a Natureza revela um comportamento ondulatório, mesmo para objetos pertencentes ao mundo físico que antes imaginávamos bem sólidos. Como dissemos, o experimento das duas fendas surgiu nos estudas da óptica, ou seja, com fenômenos luminosos. Poderíamos nos perguntar se a luz, apresentando esse comportamento, de fato revela algo essencial e definitivo na natureza em seu comportamento ondulatório. Contrariamente ao esperado tal não acontece. A luz também se comporta como uma partícula!

O efeito fotoelétrico

O experimento crucial que demonstra esse fato é o efeito fotoelétrico explicado por Einstein (1905) como a colisão de fótons com elétrons. Na Fig.3 ilustramos o efeito. Um placa (E de emissor) é iluminada por luz. Elétrons são arrancados e recolhidos por uma segunda placa (C de coletor):

Fig. 3 Ilustração do princípio do efeito fotoelétrico.
Se as placas forem ligadas a um circuito elétrico externo, uma corrente elétrica flui. Esse sistema tem inúmeras aplicações tecnológicas tais como sensores de intensidade de luz (fotômetros), baterias solares, câmeras fotográficas digitais etc. A única explicação possível para o fenômeno é se admitirmos que partículas luminosas colidem diretamente com os elétrons, fornecendo energia a eles que é suficiente para iniciarem a jornada até a placa C. Cada partícula de luz fornece o chamado quantum de energia aos elétrons, que depende bastante da espectro (ou freqüência das oscilações luminosas) característico da fonte de luz. Para retirar um elétron do metal é necessário uma certa energia que chamamos de E. Os elétrons livres adquirem uma energia cinética que denotaremos por K. A relação fundamental descoberta por Einstein então se escreve:

hf = K + E

onde f é a freqüência da luz incidente (número de vibrações por segundo) e h é uma nova constante conhecida como constante de Planck (=6,6E-34 Js). Essa relação diz duas coisas: que a energia associada ao quantum de luz é dada pelo produto hf e que tal energia é dividida no fenômeno entre a energia de liberação (representada pelo potencial K) e a energia cinética ou energia de movimento (E) da partícula. Se existir um potencial mínimo para a liberação do elétron do material (concebivelmente, o elétron está associado ao material e precisa de energia para ser libertado), então apenas quando a energia luminosa conseguir atingir o valor característico do material é que o efeito fotoelétrico ocorrerá (o necessário para que E>0).


Na mecânica clássica (que é a mecânica dos objetos macroscópicos) sabemos que objetos possuem uma energia característica que é uma medida de sua liberdade dentro de um sistema ('sistema' aqui é entendido de forma bem geral como um arcabouço físico ou arrajo que permite que determinados fenômenos ocorram). Consideremos, por exemplo, um objeto movendo-se em uma dimensão como mostra a Fig.4. Esse objeto tem uma energia cinética inicial que chamamos de E. Imaginemos que ele seja lançado contra uma barreira de potencial de origem gravitacional, isto é, trata-se de um “morro” que o móvel pode transpor ou não dependendo de sua energia inicial. Se o “morro” tem altura A, dado que a massa do corpo é m e a aceleração da gravidade é g, somente haverá transposição da barreira se

E > mgA

ou seja, somente se E for maior que a energia potencial como determinada pela altura da barreira. Tal processo é chamado de espalhamento clássico. Sabemos que desde que o objeto tenha energia suficiente para transpor a barreira, ele será encontrado no lado direito como mostra a fig. 3. Se não ele retorna em sentido contrário como mostra a Fig. 4 para E < mgA .

Fig. 4 Processo de espalhamento 'clássico'.
Aspectos bastante inusitados aparecem se considerarmos o processo de espalhamento de uma “partícula quântica” por um potencial Vo (ver fig. 5). Como vimos uma partícula quântica não se comporta bem como uma partícula. Devemos associar uma onda de probabilidade a ela. Por causa do caráter probabilístico, não se pode falar que a partícula ultrapassou a barreira de uma maneira definitiva. Se quisermos “confinar” a partícula a uma região do espaço onde se tem maior certeza, então não podemos associar a partícula uma energia qualquer, muito menos uma energia definida. Ao invés de E, dizemos que existe uma energia média <E>. O fato é que se <E> > Vo, a partícula atravessa a barreira, mas a probabilidade de se encontrar a partícula antes da barreira não é nula. Isso porque a onda de probabilidade inicial é parcialmente transmitida e parcialmente refletida. Isso contrasta com o caso clássico onde para E > mgA, a partícula necessariamente é transmitida completamente.

Fig. 5 Tunelamento quântico.
Por outro lado, se <E> < Vo, é possível encontrar a partícula do outro lado da barreira! Esse fenômeno estranho é chamado de tunelamento quântico e é uma das marcas registradas da fenomenologia quântica. Tudo ocorre como se a partícula tivesse atravessado a barreira de potencial e aparecesse do outro lado. Uma outra maneira de se ver isso é considerar que a natureza ondulatória da matéria se manifesta através da incerteza de posição, o que designa uma probabilidade diferente de zero para se encontrar a partícula do outro lado da barreira, ainda que a energia dela seja insuficiente para atravessar o morro de potencial. Veremos depois onde ele se aplica (p. ex., a física nuclear faz uso do tunelamento quântico para explicar e explorar processos nucleares; geração de energia etc).

Fig. 6 Ilustração sumária sobre diferença entre o efeito de tunelamento clássico (acima) e quântico (abaixo).

O que podemos concluir disso tudo? Que, uma vez garantida as condições para que os efeitos quânticos ocorram, a Natureza se comporta de uma maneira bastante diversa da maneira como estamos acostumados a ver em nosso mundo (Fig. 6).

Entretanto, a maneira como esses fenômenos são apreendidos pelas técnicas experimentais tem pouco a ver com a maneira como nos certificamos das coisas a nossa volta. Isso é uma lição importante a ser observada, já que ela nos revela que a maneira como vemos o mundo é muito particular e não pode ser estendida para outras 'realidades'. No caso quântico essa 'realidade nova' aparece quando consideramos fenômenos envolvendo partículas ou sistemas verdadeiramente microscópicos (mesmo um vírus é um ser vivo grande se comparado a um sistema quântico). Também, fenômenos quânticos podem ocorrer quando a temperatura dos sistemas físicos é abaixada para valores muito próximos ao chamado 'zero absoluto' (-273 graus abaixo do zero centígrado). Nessa condição, os efeitos quânticos também aparecem, pois então a matéria está 'congelada', o que permite que o comportamento microscópico de seus constituintes (os átomos) se revelem de forma organizada no nível macroscópica.

Veremos em detalhes isso nos próximos postos da série 'Conceitos básicos de Física Quântica'. 

Referências

 Einstein A. (1905) Annalen der Physik, 17,132.

Outros posts

Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar).Conceitos básicos de Física Quântica I.

25 de fevereiro de 2012

Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.

Tanto o espírito de um "vivo" como o de um "morto"" são, em si, inobserváveis sensorialmente. Toda evidência de sua existência é indireta, mediante o padrão inteligente exibido por algum meio (comportamento corporal, símbolos diversos)...portanto, os dois casos (o do espírito da pessoa "viva" e o da "morta") são epistemologicamente idênticos. (Chibeni, 2010).

O filósofo Silvio Chibeni recentemente postou uma apresentação sobre a pesquisa científica do espírito que se relaciona com muitos temas que tratamos aqui. Trata-se de um conjunto de slides elucidativos sobre a questão da pesquisa aplicada à realidade do Espírito e sobrevivência. A partir desses slides, complementamos com alguns comentários os 12 empecilhos à pesquisa do Espírito e da sobrevivência que são citados por Chibeni.

Depois de apresentar a fenomenologia associada às substâncias "matéria" e "espírito", Chibeni resume as visões presentes, que se dividem sucintamente entre (Chibeni, 2010):
  1. Materialismo, "só há substâncias materiais"; 
  2. Idealismo, "só há substâncias espirituais"; 
  3. Dualismo, "há dois tipos de substâncias";
  4. Ceticismo, "não podemos determinar isso".
Veja que, aqui, "ceticismo" não se refere ao mesmo conceito que tratamos na série de artigos sobre as "Crenças céticas", mas a uma postura filosófica. O Espiritismo admite abertamente o dualismo e, de acordo com essa visão, podemos listar um conjunto de "obstáculos" para a pesquisa científica do Espírito, entendendo essa pesquisa dentro do estudo científico da sobrevivência e não esse estudo dentro do referencial teórico e experimental das ciências naturais. Há considerável confusão feita entre esses dois conceitos, e o leitor dedicado deve prestar atenção em seus estudos, para não ser confundido também.

Seguem, assim, nossos comentários: 
  1. Considerar a questão metafísica ou "sobrenatural": Esse problema surge por dificuldade em se compreender a viabilidade de estudo científico da questão. Frequentemente, ou se considera o assunto como além do que seria o normal ou verificável (e, portanto, pertencente ao domínio da metafísica), ou, diante de uma visão mística dos fatos, toda a questão é tomada como pertencente ao 'reino do sobrenatural'. Assim sendo, considera-se o assunto de forma alienada da realidade; 
  2. Considerar que o assunto já foi analisado e a conclusão foi negativa: esse é o erro mais comum entre os céticos. É comum também entre os que se satisfazem com uma visão superficial, baseada em supostas pesquisas que não atentam para o rigor e o detalhe que o assunto exige. A respeito disso, vale um comentário de Kardec apresentado abaixo (Nota 1);
  3. Considerar que o que há de importante sobre o espírito já é investigado pela psicologia, etc., dentro de um referencial materialista: isso é uma variante algo mais sofisticada do empecilho anterior. Como uma teoria determina em último grau quais os fatos e ocorrências devem ser considerados, então, ao se assumir o materialismo como arcabouço teórico de investigação, está se restringindo severamente o universo de fatos. A "prova" obtida a favor de determinado ponto de vista simplesmente não é válida; 
  4. Considerar que esse referencial materialista foi "provado" pela ciência. Ciência entendida como 'conhecimento' nada tem a dizer sobre a questão da sobrevivência. Outra coisa bem diferente é a  opinião dos cientistas. Mas essa opinião não constitui ciência, principalmente se ela versa sobre assuntos que não estão diretamente relacionados aos objetos de sua pesquisa científica; 
  5. Tentar "detectar" o espírito por meios diretos: há uma quantidade enorme de pessoas que acreditam que manifestações físicas (efeitos físicos) são 'manifestações espirituais'. Outros dizem que, se o Espírito existe, ele necessariamente deve deixar rastros mensuráveis. Aqui, a falha é na compreensão do objeto de estudo:  a matéria se deixa apreender por determinados tipos de sinais (cores, sons, formas, gostos etc). O Espírito tem pensamento, vontade e sentimentos, todos atributos inacessíveis do ponto de vista sensorial (ver novamente a referência Chibeni, 2010). Não é difícil perceber que a questão não pode também ser decidida apelando-se para uma amplificação no nível de acuidade ou 'precisão' do equipamento;  
  6. Tentar "mensurar" o espírito: uma variante do erro anterior;
  7. Só considerar válida a evidência "reprodutível": aqui temos um ponto para muitas discussões. Mas a essência é muito simples: como os fenômenos dependem de inteligências que são independentes, insistir na reprodutibilidade é condenar o estudo do assunto desde o princípio. A fonte dos fenômenos espirituais necessariamente não pode ser controlada, pois é independente, logo não está sujeita a reprodução; 
  8. Tratar o assunto de forma puramente experimental, sem preocupação com o desenvolvimento de uma teoria que explique os fatos. Esse é um empecilho típico da parapsicologia. Em toda a história,  jamais se fez ciência de verdade sem teorias. Entretanto, alguns pesquisadores das "ciências psi" pretendem resolver a questão tão só apelando-se para o experimento. Para esses pesquisadores, invocar "explicações" tiraria a "neutralidade" e o "rigor" que o tema de pesquisa exige. Entretanto, isso está errado pois 'rigor' nada tem a ver com 'neutralidade' e o desenvolvimento científico normal exige que se proponham experimentos baseados em hipóteses ou teorias que não são, elas próprias, neutras; 
  9. Trabalhar com fragmentos teóricos (hipóteses isoladas). Por outro lado, quando explicações são dadas, elas são produzidas para cada fenômeno e não conseguem dar conta de todos os fatos. Não se procura correlacionar um fenômeno com outro. Fatos psíquicos diferentes, que se manifestam fenomenologicamente de forma diversa, são explicados por hipóteses diferentes ou mesmo totalmente antagônicas entre si;
  10. Adotar enfoque dogmático ou preconceituoso: dogmatismo e preconceito são regras no comportamento humano e não exceções. A compreensível "neutralidade" não deve ser anulada até o ponto em que se adote uma visão claramente radical da questão. Há que se reconhecer que ninguém é dono da verdade;
  11. Misturar ou conivir com o misticismo: de novo, isso ocorre por falha na compreensão do caráter científico do assunto a ser estudado. Para o misticismo, não há necessidade de se envolver a ciência, pois ele se considera uma fonte independente de conhecimento. Trata-se de um obstáculo, pois o misticismo oblitera ou impede essa compreensão científica;
  12. Descuidar do rigor: quando se fala na aplicação de um método (não necessariamente extraído ou importado das ciências ordinárias) há que se tratar do rigor sem o que é impossível chegar a conclusões válidas.  
Tais obstáculos permitem entender porque a pesquisa da questão da sobrevivência encontra-se grosso modo no nível presente, e, também, compreender a necessidade de conduzir esse estudo dentro do arcabouço teórico desenvolvido por Allan Kardec. Por quê? Talvez isso pareça contrariar à suposta 'neutralidade' que seria necessária para um estudo científico. Entretanto, não é possível considerar os fatos sobre os quais discorre o Espiritismo fora do arcabouço teórico que ele determina para colher os seus fatos.

Assim, ao se descuidar de utilizar o referencial teórico criado por Kardec, estamos abrindo brechas para as evidências sejam contaminas por concepções inadequadas ou pressupostos que não levem em conta a teoria por ele desenvolvida. Fica assim muito fácil rejeitar erroneamente a tese espírita, por uma questão de colheita incorreta de fatos que passam a ser descritos em uma ideologia diferente. Para mim, esse é um problema central, embora pouco reconhecido, que caracterizaria um décimo terceiro obstáculo para o estudo científico da sobrevivência e da realidade do espírito. Falaremos mais tarde sobre isso em um futuro post.

Essa apresentação é, assim, um resumo didático que recomendamos fortemente, já que demonstra uma exposição sumária e elucidativa dessas questões.

Referências
Nota 1

“O ceticismo, no tocante à doutrina espírita, quando não resulta de uma oposição sistemática por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o que não impede que alguns dêem a questão por encerrada, como se a conhecessem a fundo.” (A. Kardec, Artigo 17, Introdução de 'O Livro dos Espíritos')


18 de fevereiro de 2012

Vídeo V - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de Materializações descritos por Tom Harrison (Inglaterra)

Saul e a vidente de Endor (1 Samuel 6 - 25). Quadro de D. Martynov (1826-1889). 

Primeiro fenômeno de Materialização completa.

Quarta parte do vídeo Visitantes da 'outra margem' com entrevista de Tom Harrision. Nesta parte do vídeo é descrito o primeiro episódio de materialização integral no grupo em torno da médium Minnie Harrison.


Conteúdo (10'21")

00:55 Descrição do primeiro fenômeno de materialização ocorrido no grupo;
08:26 Sr. Jones toma o pulso de uma entidade materializada.

Outros Vídeos

11 de fevereiro de 2012

Muitos mundos, muitas vidas: uma heresia que se torna realidade.

Todo ser aspira, em virtude de sua constituição, ao alvo de sua existência. O homem tende à perfeição intelectual e espiritual! Se o homem é destinado a conhecer o Universo, que eleve seus olhos e seus pensamentos para o céu que o cerca e para os Mundos que voam por cima de si. É um quadro, um espelho em que ele pode contemplar e ler as formas e as leis do bem supremo, o plano e a organização de um perfeito connjunto...Estudar a ordem sublime dos Mundos e dos entes que se reúnem em coro para constar a grandeza de seu Senhor, é a ocupação mais digna de nossas inteligências. (Giordano Bruno, 1591, "De Immenso et Innumerabilibus".)

A época que vivemos é muito especial para a Astronomia. Temos visto notícias fascinantes, sobre a descobertas de novos mundos, novos astros, novas Terras. Em pouco tempo, cresceram as conclusões do mundo científico em direção à realidade de outros planetas fora de nosso sistema solar.

A velocidade com que essa constatação é feita só não é maior do que a expressividade com que ela é confirmada: quantos seriam os planetas fora de nosso sistema solar disponíveis? Até pouquíssimo tempo, havia a esperança de que talvez fossemos capaz de  descobrir alguns planetas parecidos com a Terra no enorme redemoinho de estrelas que constitui a chamada 'Via-Láctea'. Agora, a realidade é bem diferente.

A Via-Láctea (Fig. 1) é um turbilhão composto de aproximadamente 300, quiçá 400, bilhões de estrelas (isso mesmo 'bilhões', o número exato não é conhecido, Nota 1) unidas por uma força coesiva em direção ao seu centro. A dimensão desse sistema é coisa inimaginável: um raio de luz partindo de uma borda levaria cerca de 100 mil anos para chegar a outra borda. Esse mesmo raio de luz viaja a outros inimagináveis valores de velocidade, de forma a atravessar 10 trilhões de quilômetros em 1 ano (o que equivale a 300 mil quilômetros por segundo). As escalas são grandes demais, tudo é inconcebível para a mente humana. Por exemplo, o Sol viajando a impressivos 250 quilômetros por segundo em torno de seu centro leva cerca de 250 milhões de ano para completar uma revolução completa (o chamado 'ano galáctico'). As dimensões da escala galáctica atestam a dificuldade e insignificante probabilidade de conseguirmos detectar diretamente um mundo como nosso orbitando uma estrela desse sistema colossal.

Fig. 1 Concepção artística moderna da Via-Lactéa vista 'do topo'. Um sistema estelar com quase meio trilhão de  estrelas e, agora, quase um trilhão de planetas. O sol localiza-se a 30 mil anos luz do centro no chamado 'braço de Órion'. Crédito da Imagem: R. Hurt, SSC. 
Mas esses não seriam os únicos números colossais que a Astronomia iria revelar sobre a Via-Láctea. Em um artigo recente (Cassan, 2012), um time de astrônomos usando modernas técnicas indiretas de 'microlentes gravitacionais' demonstraram que o número médio de planetas orbitando estrelas na nossa galáxia é estimado como maior que 1, possivelmente 2 (ou mais). Essa quantidade varia conforme o tamanho do planeta (planetas menores que Júpiter seriam mais numerosos). Dado um limiar superior de meio trilhão de estrelas na Via Láctea, há implicações diretas sobre o número total de planetas existentes em toda galáxia: talvez algo próximo a 1 trilhão de planetas! A heresia de Giordano Bruno (Nota 2) se torna realidade. Embora a dificuldade na medida das dimensões de planetas do tamanho da Terra, já  foram descobertos diversos planetas externos (ver Fig. 2) pela missão Kepler, baseando-se em buscas em estrelas muito próximas ao Sol.

De fato, o que o time liderado por Arnaud Cassan (Cassan, 2012) mostrou é que planetas são regra e não exceção ("We conclude that stars are orbited by planets as a rule, rather than the exception"). As forças que arregimentam a matéria no processo de formação estelar quase sempre deixam restos que se torna planetas. Diante desse novo número astronômico, as perspectivas de se encontrar vida como a nossa em outros planetas tornam-se incontestáveis. 

Uma ideia antiga que o Espiritismo tem como princípio.

A ideia de que existiriam outros mundos semelhantes à Terra e de que eles seriam habitados não é nova (Nota 3). Mas, certamente, tal noção não foi muito popular ao longo dos séculos, pois contava com o obstáculo de que não se tinha uma ideia precisa do que eram as estrelas. No ocidente, a noção arraigada de que os astros seriam luminares feitos para 'adornar a noite dos homens' certamente deu força às concepções geocêntricas, da unicidade e especialidade do homem no Universo. A pluralidade dos mundos habitados carecia de qualquer fundamento e era claramente contrária a princípios religiosos que reservam um lugar especial ao homem pela Divindade. A heresia (Nota 3) foi contudo cultivada por alguns poucos e, de todas as ideias já classificadas como hereges, a pluralidade dos mundos habitados é a que terá um fim mais notável em direção a sua realidade.

A noção foi ostensivamente afirmada pelo Espíritos já em 1857 na questão 55 e muitas outras como as questões 56, 57,  58, 234, 235, 236 do "Livro dos Espíritos" e é um tema recorrente em diversas assuntos tratados nele (ver questão 172 abaixo). Há um artigo sobre a Pluralidade dos Mundos Habitados na Revue Spirite de Março de 1858. Foi o Espiritismo que também interpretou nesse sentido as palavras altamente figuradas do Evangelho de João no Capítulo 14, versículos 1 e 2: "Não se turbe o vosso coração. – Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai". Isso acontece porque a pluralidade dos mundos é uma necessidade diante da nova dinâmica espiritual revelada pelos fundamentos da Doutrina Espírita:

Questão #172. As nossas diversas existências corporais se verificam todas na Terra?

“Não; vivemo-las em diferentes mundos. As que aqui passamos não são as primeiras, nem as últimas; são, porém, das mais materiais e das mais distantes da perfeição.”

Poucos perceberam a extensão das implicações da existência de muitos mundos do ponto de vista espiritual. Desde que a consciência não se limita à matéria, diante da lei das vidas sucessivas, a migrações de Espíritos entre diversos mundos é uma necessidade. Tal lei nunca foi representada, nem mesmo de forma alegórica, pela maioria das religiões. Essa possibilidade era reduzida diante da necessidade de se 'demonstrar' efetivamente a realidade da existência desses mundos. Agora, com quase 1 trilhão de mundos disponíveis só na Via-Láctea, quem sabe religiosos mais dogmáticos compreendam a extensão dessa descoberta para suas crenças.

Fig. 2 Comparação de dimensões de diversas 'Terras' ou planetas rochosos com dimensões semelhantes à da Terra que já foram descobertos. Para comparação, a Terra (Earth) e marte (Mars) são mostrados na figura. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech.

Em outro post, discutiremos alguns aspectos epistemológicos importantes da questão e sua relevância para a pesquisa do Espírito.

Referências
Notas 

1 - Ver N. Wethington (2008). How Many Stars are in the Milky Way? Interessante sobre isso é ler a nota de rodapé de A. Kardec em 'A Gênese', Capítulo 6, "Uranografia Geral", "Os desertos do espaço", que traz a concepção do século XIX dessa descrição que fazemos aqui: "A nossa Via-Láctea é uma dessas nebulosas. Conta perto de 30 milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo. Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra, aí estaríamos como em meio da nossa Via-Láctea, porém com um céu estrelado de aspecto inteiramente diverso e este, malgrado às suas dimensões colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas, antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma cidade e percorre vasto país inabitado, antes que chegue a outra cidade. Teríamos transposto incomensuráveis espaços desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de centelhas de bomba de fogos de artifício. Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados" Tal descrição é condizente o estado do conhecimento astronômico e com os recursos tecnológicos disponíveis naquele tempo. Hoje, descobriu-se que a maior parte da matéria não pode ser observada diretamente, o que não era conhecido na época de Kardec.

2 - Dizemos 'heresia' pois Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo por defendê-la. Dentre as muitas 'heresias' de Bruno estavam a crença na reencarnação,  a ideia de que o Universo era infinito, de que as estrelas eram outros sóis e de que cada uma delas tinha planetas abrigando vida inteligente.

3 - A ideia remonta às discussões filosóficas dos antigos gregos. No século XIX um grande popularizador da ideia foi Camille Flammarion (1842-1925) grande admirador de Allan Kardec.