16 de outubro de 2018

Espiritismo, política e problemas atuais


Discute-se a política que move os interesses gerais; 
discutem-se os interesses privados; 
apaixona-se pelo ataque ou pela defesa das personalidades; 
os sistemas têm partidários e detratores, mas as verdades morais,
 que são o pão da alma, o pão da vida, 
são deixadas no pó acumulado pelos séculos. 
Todos os aperfeiçoamentos são úteis aos olhos da multidão, salvo os da alma. 

J. J. Rousseau, Médium Sra. Costel, Revista Espírita, Agosto de 1861. 
"Dissertações e ensinos espíritas" (1)

A economia, as eleições e os embates políticos atuais nos convidam a meditar sobre conceitos como governo, política e temas administrativos. O que o Espiritismo teria a dizer sobre o assunto? 

É evidente que o tema é complexo e exige conhecimento especializado. A multiplicidade de interesses, crenças filosóficas e de pensamento são tão grandes entre aqueles que se aproximam do poder que é muito difícil dar uma resposta única a esses problemas. Assim, ainda que houvesse acordo em relação aos princípios que devem nortear programas de governo, existe discordância em relação à maneira como tais princípios devem se organizar na administração, tendo em vista os conflitos de interesse entre diversos grupos que pretendem realizar essa organização.

Assim, é impossível a definição de apenas uma maneira de governar. Por outro lado, ainda que os os interesses coincidissem, mas de forma desorganizada - o que obviamente não ocorre - o excesso de ideias, de pontos de vista e heurísticas de organização do poder tornariam novamente inviável qualquer solução simples. A julgar porém que muitas nações conseguiram transitoriamente razoável estabilidade e aparente equidade social (pelo menos do ponto de vista material), temos a certeza de que uma solução próxima do ótimo também deve existir para um país tão complexo como o Brasil.

Mas, será que podemos usar o Espiritismo para descobrir qual o melhor caminho a seguir em problemas administrativos e políticos?

O propósito do Espiritismo

Convencer intelectualmente a alma humana (2) da continuidade da vida após a morte, da progressão sem fim em todos os sentidos e da necessidade de fraternidade com consequência desse destino final é um dos objetivo do Espiritismo. Assim, em qualquer relacionamento que se faça entre Espiritismo e tais assuntos, não se deve nunca perder de vista  que o Espiritismo jamais terá como objetivo sugerir (e, muito menos ditar) orientações para governos e instituições por uma questão de princípios próprios do Espiritismo. Entendemos que célula última da sociedade (o indivíduo) deve inicialmente se convencer da importância dos princípios universais do bem e da caridade como condição necessária para que esses problemas administrativos sejam, de fato, resolvidos. Por isso, o foco principal da Doutrina Espírita será, por enquanto, trabalhar no aprimoramento do ser humano através de sua educação moral.

É evidente que a base de todo o progresso, inclusive o material, está na evolução da alma. Primeiro porque se ela for mais educada, terá seus apetites materiais reduzidos, o que permite o compartilhamento de recurso entre todos. Segundo porque uma moral superior na sociedade torna a vida de todos mais fácil, por melhorar as relações humanas que também são a base para todas as trocas, inclusive aquelas que interessam aos aspectos materiais da vida presente. De fato, tudo é mais fácil quando as relações se dão entre almas verdadeiramente educadas. Mas educação, para o Espiritismo, não é apenas conhecimento intectual, mas também dos valores infinitos que o ser deve cultuar de forma a se harmonizar com seus semelhantes, com Deus e consigo mesmo.

Lembramos aqui o que Kardec já afirmava ao nascente movimento espírita de sua época (que é plenamente válidos para o momento atual):
Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quando se refere à política e a questões irritantes; a tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa (Grifos nossos, 3). 
Assim, além da relevante questão de separação entre "religião e Estado", deve-se procurar também afastar os assuntos espíritas de quaisquer influências de envolvimento com tais questões irritantes, de forma que o movimento espírita não se contamine com utopias de natureza política promovida por grupos de interesses diversos. Jamais o espírita deverá se deixar levar pelo "canto de sereia" daquilo que nasceu fora do contexto espírita (e, principalmente, com claras idealizações materialistas) e que com ele nada tenham a ver a não ser um vago anseio pela melhoria da vida dos homens sem se especificar a que custo.  

Ora, que se tenha tais anseios é muito fácil de defender, pois é desejo compartilhado por qualquer um. Quem se colocaria contra uma corrente de pensamento, doutrina ou partido que pretenda melhorar as condições de vida dos cidadãos? Quem se oporia à redução das injustiças sociais? Quem reprovaria a distribuição equitativa de riquezas? Disso não seque que qualquer meio para se atingir tal objetivo deva contar com o apoio de uma doutrina de caráter moral e que prega a continuidade da vida após a morte com consequências claras para vida futura. Além disso, como as reais intenções dos indivíduos não estão disponíveis publicamente, não existem garantias quanto à credibilidade de seus proponentes, ainda mais em uma época em que as pessoas guardam tão pouco apreço pela verdade.

Existe uma distância imensa entre os diversos métodos propostos para se chegar a esse estado de justiça e aquilo que realmente deve ser feito, considerando-se a conjuntura presente da sociedade, os inúmeros conflitos de interesse e a existência de indivíduos sem escrúpulo que se apropriam desses anseios em benefício próprio. Dessa forma, o leitor deve considerar as consequências para sua vida futura de seu engajamento em ações eticamente inconsistentes e que prejudicam diretamente determinadas pessoas em nome da "defesa de interesses" de outras. Por fim, deve ainda considerar que o silêncio, omissão ou não ação diante de situações claramente vexatórias e discriminantes também trará consequências futuras.
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras. (Romanos 2:6)
Está vedado ao espírita sua manifestação política? Obviamente que não, porém, o indivíduo que se diz espírita deve procurar meditar sobre a consistência lógica de seu posicionamento diante dos princípios imortalistas que diz defender. Se ele não fizer isso, estará propagando por seus atos uma crença incoerente ou propaganda falsa. O primeiro compromisso do espírita deve ser com a verdade.

Enquanto espera, conseguisse ele corrigir um único defeito...

Sei que muitos podem se decepcionar com essa conclusão bastante clara do pensamento espírita escorado em seus princípios. A outros ela parecerá excessivamente utópica ou impraticável. Convém revisar, entretanto, a resposta à questão # 800 de "O Livro dos Espíritos":
800. Não será de temer que o Espiritismo não consiga triunfar da negligência dos homens e do seu apego às coisas materiais? 
“Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar. A cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo veio para rasgá-lo de alto a baixo; mas, enquanto espera, conseguisse ele corrigir num homem apenas um único defeito que fosse e já o haveria ajudado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.” (Grifo nosso, 1)
De onde se depreende que os métodos usados pela lei Divina (que o Espiritismo toma como orientação da vida do indivíduo) são bastante diferentes daqueles idealizados pelos encarnados que têm pressa em mudar a situação atual com base na crença de que a presente existência é a única que existe. 

Não sabemos quando o estado final de felicidade perene se concretizará, mas temos como certo que a proposta de aprimoramento do ser por enquanto tem sido relegada ao "pó dos séculos" pelo desprezo que o progresso material da civilização deu às questões da alma, que sequer é considerada como a existir. Assim, muitos dos métodos  criados para se chegar a esse estado de justiça e equidade partem do pressuposto que apenas os aspectos materiais devem ser privilegiados, o que cria um conflito entre esses objetivos e a realidade do destino final da alma humana que existe e sempre existirá.  Que o progresso material deva ser conseguido a qualquer custo não parece também ser um objetivo defensável, haja vista as diversas consequências negativas desse progresso em outros sentidos (problemas ambientais e climáticos, conflitos e desequilíbrios psicológicos vários etc).

Os princípios espíritas estão ligados a objetivos que talvez nunca se generalizem na superfície do Terra um dia. Seu alvo é a vida paralela imortal do ser e claramente levariam a uma rápida modificação das condições materiais e principalmente morais da vida na Terra se eles fossem sistematicamente buscados. Como haveremos, porém,  de convencer aos não espíritas de sua excelência se nós, que dizemos neles acreditar, agimos de forma inconsistente? É impossível ao espírita - que tem zelo por sua doutrina - esquecer os aspectos imanentes da vida humana nas horas em que ele é obrigado a decidir sobre todos os outros aspectos em sua presente e transitória encarnação.

Referências e Notas

(1) Ref: ver www.ipeak.com

(2) Dizemos intelectualmente, porque, todos os dias, milhares de pessoas entram em contato com o mundo invisível seja através de suas atividades durante o sono ou de algum grau de mediunidade. Assim, inconscientemente todos guardamos noção da sobrevivência e da vida maior. Além disso outros tantos milhares partes para o mais além através da morte. Entretanto, esse conhecimento ou lembrança permanece inconsciente na vigília dos encarnados cujas crenças mais ligadas aos sentidos e ao aprendizado acabam por dominar muito de suas decisões.  

(3) Kardec A. "Cumprimentos de Ano Novo". Revue Spirite, Fevereiro de 1862. (versão IPEAK www.ipeak.com). O artigo original em Francês tem como título "Les souhaits de nouvel an: Réponse à l'adresse des Spirites Lyonnais à l'occasion de la nouvelle année".



2 de setembro de 2018

Visões de Leito de Morte


Relatos de pessoas muito próximas da morte podem conter descrições lúcidas do que nos aguarda além da vida.

Recentemente o JEE - Jornal de Estudos Espíritas - publicou um artigo nosso [1] sobre o tema "Visões de leito de morte". O que são tais visões? Trata-se de um grande número de relatos (encontrados em todas as épocas e povos) de pessoas que testemunham um aparente reacender de consciência de doentes terminais ou pessoas que se avizinham da morte. Durante tais lampejos, o doente descreve encontros ou visitas de pessoas já falecidas. Em [1] mostramos que tais visões: 
  • São relatos feitos por pessoas - moribundos - que não tem qualquer intenção em falsear ou mentir, já que estão muito próximas do fim da existência material.
  • São relatos que se distinguem de meras alucinações, pois não ocorrem sob as mesmas condições que se observam durante alucinações típicas.  
  • São relatos colhidos de testemunhas idôneas (frequentemente parentes) que afirmam ter o moribundo entrado em contato com parentes já falecidos antes de morrer.
  • Mostram que os parentes falecidos vem para ajudar o moribundo em sua "passagem", implicando diretamente na continuidade da vida após a morte;

O termo "Visões de leito de morte" (VLM), em inglês, "Deathbed Visions", tem uma história curiosa na literatura das pesquisas psíquicas. Não é preciso pesquisar muito para descobrir que A. Kardec se referiu a elas conforme informamos em [1]. Entretanto, foi apenas com o trabalho de E. Bozzano (1862-1943) que uma delimitação mais precisa - como uma classe de eventos com características peculiares comuns - foi feita.
E. Bozzano (1862-1943)

Uma ampla busca bibliográfica de artigos e livros já produzidos sobre o tema é feita em [1]. As VLMs são fenômenos que ocorrem todos os dias nos leitos de muitos hospitais. São típicas em mortes de doentes que têm a chance de se comunicar com seus parentes antes do momento final (não é o caso, por exemplo, de morte violentas). Esses parentes tornam-se testemunhas de um desdobramento momentâneo do doente, um recobrar de consciência por brevíssimo período em que o doente goza de uma lucidez incompatível com seu estado físico. A chamada "lucidez terminal" [2] dá origem a diversos fenômenos interessantes que são fáceis de se explicar pela concepção espírita da morte.

Assim, a explicação paras as VLMs é bastante trivial para o Espiritismo. É de se esperar que o enfraquecimento dos laços físicos torne o Espírito mais livre, ainda que ligado a seu corpo antes do desenlace definitivo. Entretanto, também em [1] mostramos que apenas o Espiritismo - como doutrina espiritualista - valorizou as VLMs como provas da continuidade da existência. Pode-se então dizer que apenas para alguns espiritualistas (os espíritas a partir de A. Kardec) as VLMs fazem sentido como relatos de vivências extracorpóreas que comprovam a continuidade da consciência além da morte. Isso pode parecer incrível, mas o leitor encontrará outras doutrinas chamadas "espiritualistas" para as quais tais relatos nada representam.

Nossa conclusão é as VLMs formam um consenso independente da fenomenologia mediúnica, ainda que pouco valorizado, de que vida continua após a morte. Tal conclusão é valida ainda que os relatos sejam desprezados de forma ampla por acadêmicos que têm preguiça em analisar e correlacinar fatos mais extensivos que ocorrem no momento da morte (simultaneidades, aparições, visões inesperadas, cheiros, sensações de presenças correlacionadas). 

Talvez o leitor facilmente tenha notícia de algum parente testemunho de uma VLM. Não deixe de compartilhar qualquer experiência que tenha ouvido falar sobre tais visões nos comentários abaixo. Seu testemunho é importante para o consenso em direção à sobrevivência da alma. 

O artigo [1] pode ser baixado gratuitamente através da plataforma online do JEE.

Referências

1 - Xavier, A. Jr. Fenomenologia das visões de leito de morte: em direção a um consenso sobre a sobrevivência da alma. Jornal de Estudos Espíritas. 6, 010207 (2018)
2 - Nahm, Michael et al. Terminal lucidity: A review and a case collection. Archives of gerontology and geriatrics, v. 55, n. 1, p. 138-142, 2012.






12 de agosto de 2018

Publicação de Julho da Revista "O Fóton" (AFE-Rio)


Foi com grande satisfação que tivemos um de nossos textos publicados na edição de julho de 2018 na Revista "O Fóton". O editor da revista Elton Rodrigues da AFE-Rio explica os objetivos da edição, da revista e dos vários artigos:
Já é chegado o tempo de retirarmos os livros empoeirados da estante e (re)descobrir a doutrina dos espíritos. Porém, agora, de forma diferente de certas atitudes do passado, nossos estudos e experimentações deverão possuir dupla característica, ou duplo objetivo: conhecimento das leis do fenômeno espírita, sabendo que são leis naturais e, por isso, leis de Deus; e ter como intenção a transformação moral dos seres. A AFE-RIO, muito mais do que uma instituição dedicada ao estudo e experimentações é, em seu bojo, um grupo de pessoas interessadas na aproximação de grupos de pesquisas em torno dos objetivos supracitados.
 
Carlos Gomes, dedicado trabalhador de Itajubá, Minas Gerais, e fundador do CONICE - Congresso de Iniciação Científica Espírita, na coluna Estudo Espírita, realizada uma interessante reflexão acerca da importância dos congressos espíritas. 
 
Raphael Vivacqua Carneiro, seareiro de Espírito Santo, nos leva para um interessante passeio em torno da biografia de Charles Richet.
 
José Márcio, colunista da Evangelho e Ciência, vem com toda a sua experiência no estudo aprofundado do evangelho e empreende um belo raciocínio quanto ao que seja a “purificação do templo”. 
 
Na Astronomia e Espiritismo, Natália Amarinho inicia seu artigo comentando sobre a “harmonia das esferas” e realiza uma bela conexão entre matemática, física, astronomia e música. 
 
Cremildo Freitas, na coluna Animismo e Espiritismo, disserta sobre a força psíquica. O que é essa força? Será que existe maneira de testá-la? Alguém já fez algum tipo de pesquisa sobre o assunto?
A revista traz uma apresetação gráfica impecável, com inúmeras figuras e ilustrações que complementam o conteúdo e aguçam a curiosidade do leitor. Com uma proposta de divulgar para o público conteúdo na interface Espiritismo-ciência, é uma das poucas referências no assunto que esperamos tenha um grande futuro. 

Leitores interessados poderão baixar e ler gratuitamente o exemplar de "O Fóton" de julho de 2018 na Ref. 1 Todos os exemplares disponíveis da revista são gratuitos.

Referências

Rodrigues E (2018), Ed. "O Fóton". Edição de julho de 2018. (Acesso agosto de 2018).

10 de junho de 2018

Gêmeos que se lembram de vidas anteriores

As gêmeas Pollock ficaram conhecidas como um caso de reencarnação de irmãs na mesma família: Jacquelie e Joana Pollock que morreram em um acidente de carro em 1957.
A resposta para a vida humana não deve ser 
encontrada dentro dos limites da vida humana.
Carl Jung

São conhecidos inúmeros casos de crianças que se lembram de vidas anteriores [1]. Entretanto, os mais interessantes envolvem gêmeos que, coincidentemente, se lembram de vidas passadas. Essas são evidências notáveis já que, embora seja possível desqualificar lembranças de vidas anteriores de um indivíduo, há que se explicar como duas crianças podem apresentar lembranças espelho de uma existência anterior também como irmãos na mesma família. 

Um caso que ficou conhecido foi o das gêmeas Pollock. Jacqueline (com 6 anos de idade) e Joana (com 11 anos) eram filhas de John e Florence Pollock quando, em 5 de maio de 1957, as duas e um amigo (Anthony Layden) morreram tragicamente em um acidente de carro em Hexham, Inglaterra.

Os pais enlutados tiveram que se conformar, embora o pai, não obstante católico, começou a afirmar que as duas voltariam a ser suas filhas em uma nova existência. O leitor deve guardar esse fato porque ele tem sido invocado por céticos para desqualificar o caso (ver mais abaixo).

Um ano depois do acidente (4 de outubro de 1958), Florence deu a luz a gêmeas que receberam os nomes de Gillian e Jennifer. Quando começaram falar (aos três anos), as gêmeas passaram a demonstrar lembranças típicas das irmãs falecidas em 1957. As lembranças criaram uma identificação de personalidades entre Gillian como Joana e Jennifer como Jacqueline. As identificações iam desde semelhanças entre brincadeiras infantis, como coincidências entre os nomes das bonecas dados por cada uma das irmãs anteriores e diferenças de atividade (uma das irmãs era muito ativa e a outra calma), além de gostos específicos por tipo de roupa, semelhanças quanto ao tipo de comida etc. 

Segundo os pais, as gêmeas também tinham fobia por carros e chegaram a fazer representações do acidente em brincadeiras. Como havia uma diferença de idade entre as irmãs falecidas, uma das gêmeas demonstrava ascendência sobre outra, reproduzindo a diferença.  Como é bastante comum com memórias de crianças sobre vidas anteriores, aos cinco anos de idade, as lembranças desapareceram completamente. 

Crenças céticas sobre o caso e sua análise espírita

A psi-encyclopedia é um site dedicado a prover informação na forma de uma "wikipedia" para os chamados "casos psi". Esse site reproduz críticas céticas do caso das gêmeas Pollock [2], considerando que as afirmações de lembranças foram todas feitas pelos pais, um dos quais acreditava em reencarnação. O argumento geral da crítica segue afirmando que a opinião principalmente do pai contaminou toda a família, embora se reconheça que a mãe não acreditasse em reencarnação. Ela de fato permaneceu cética ao longo de toda a gestação, mas posteriormente apresentou versões coincidentes com o pai sobre o comportamento das meninas e sua identificação com a vida das irmãs anteriores. 

Ora, o que se deve estranhar é sobre como alguém, declarado católico fervoroso como o pai, poderia afirmar que elas retornariam reencarnadas. Não resta dúvidas à visão espírita que o pai, John Pollock, provavelmente foi espiritualmente instruído após a morte de que as irmãs regressariam em breve. Essa instrução espiritual pode acontecer de diversas formas, por exemplo, durante o sono:
Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais independente se torna pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais afastados lugares e até mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que traz à memória acontecimentos da presente existência ou de existências anteriores. As singulares imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e confusos, que nenhum sentido ou ligação parecem ter. [3]
Em suma: a possibilidade do regresso foi adiantada a um dos parentes que manifestou a crença extravagante em discordância com sua fé. Dessa forma, a crítica do céticos de que a crença do pai motivaria a opinião da família em torno da ideia da reencarnação é, de fato, uma evidência de que as irmãs reencaranariam, porque foi obtida provavelmente através de um mecanismo que escapou à apreciação cética. O caso das gêmeas Pollock demonstra a precariedade de explicações que não consideram o contexto espiritual e a possibilidade de assistência que os pais enlutados podem ter diante do episódio devastador da morte dos filhos... 

Uma vez estabelecida a existência da reencarnação, subsistem dúvidas sobre o mecanismo do fenômeno que apreciamos de um ponto de vista muito limitado, pois se não temos acesso a todas as nossas lembranças, muito menos teremos às de terceiros. Casos como o das gêmeas Pollock podem servir para elucidar muitas dessas dúvidas. 

Uma das dúvidas diz respeito à duplicidade de personalidade que permanece por curto período de tempo ao longo da infância. Enquanto ainda é frouxo o laço que prende o espírito ao novo corpo, pode o espírito manifestar tais lembranças. Entretanto, em determinada fase em que ocorre a efetiva "ligação" do espírito ao novo corpo (entre 5 e 7 anos de idade), muitas vezes essa duplicidade desaparece, principalmente na forma de lembranças específicas. Um estudo recente sobre a influência da idade na lembrança de existências anteriores é [6].

A questão dos gostos e aptidões, entretanto, parece continuar como Nubor Facure explicou recentemente aqui no post "O Cérebro e o nascer de novo - afinal, quem somos? Uma hipótese neurológica". 

Não parece existir uma regra com relação ao parentesco anterior. Enquanto no caso das Pollock elas já eram irmãs em existência pregressa, pode não ser o caso com outros gêmeos, embora alguma relação de afinidade seja condição necessária para a reencarnação de gêmeos. Ainda que espíritos diferentes, tais afinidades psíquicas se devem à semelhanças de pensamento, gostos e outras variáveis psicológicas ainda pouco conhecidas.

Outros casos

Outras "explicações" céticas giram em torno da ideia batida de que "tudo se deve a falsas esperanças dos pais enlutados em rever os entes que se foram". Tais explicações simplesmente ignoram marcas de nascença e outras evidências físicas que podem ser investigadas em outros casos semelhantes aos das gêmeas Pollock. 

Ian Stevenson - conhecido pesquisador em reencarnação - descreve detalhes um outro caso de gêmeos (Ramoo e Rajoo Sharma), que se lembraram de existência pregressa [4] em que foram assassinados ao mesmo tempo e seus corpos depositados em um poço. Comparsas revolucionários em uma existência, reencarnaram como gêmeos. O próprio caso das Pollock é explorado por Stevenson em [5]. 

Segundo [7] há casos na literatura de marido e mulher que reencarnaram como irmãos gêmeos (meninos, no caso, com troca de sexo de um dos espíritos). Matlock [7] também cita caso em que apenas um dos gêmeos apresenta o fenômeno da lembrança da vida anterior. Provavelmente, esse deve ser o caso mais comum, o que torna o caso das gêmeas Pollock ainda mais notável. 

Referências
  • [1] Matlock, J. G. (1990). Past life memory case studies. Advances in parapsychological research, 6, 184-267.
  • [2] Artigo sobre as "Pollock Twins" (acesso em junho de 2018).
  • [3] Comentário de A. Kardec à questão 402 de "O Livro dos Espíritos". Citação extraída do site ipeak.com.br (acesso em junho de 2018)
  • [4] Stevenson, I. (1983 b). Cases of the reincarnation type. IV: Twelve cases in Thailand and Burma. Charlottesville, VA: University Press of Virginia.
  • [5] Stevenson, I. (1987a). Children who remember previous lives: A question of reincarnation. Charlottesville, VA: University Press of Virginia.
  • [6] Matlock, J. G. (1989). Age and stimulus in past life memory cases: A study of published cases. Journal of the American Society for Psychical Research, 83(4), 303-316.
  • [7] Matlock, J. G. (1990). Past life memory case studies. Advances in parapsychological research, 6, 184-267.