23 de abril de 2015

O Jornal de Estudos Espíritas publica artigo sobre Marte.

O Jornal de Estudos Espíritas (JEEhttps://sites.google.com/site/jeespiritas/) acaba de publicar o artigo "O problema da interpretação das mensagens espíritas: as paisagens de Marte por M. J. de Deus na psicografia de F. C. Xavier" (1), que foi assunto de um post anterior em março de 2015 (2). 

Indicamos a leitura desse artigo porque ele traz informação atualizada, bem como outras análises do assunto, além de referências acadêmicas mais completas. O artigo também traz um título e um resumo em inglês.

Recomendamos também a leitura de todo JEE, que em sua página de entrada se descreve:
O Jornal de Estudos Espíritas (JEE) é um projeto piloto de um periódico espírita em moldes acadêmicos destinado à divulgação de pesquisa original em Espiritismo. Seu escopo é amplo e abrange tópicos puramente doutrinários e multidisciplinares em que outras áreas do conhecimento humano possam contribuir para o progresso do Espiritismo em quaisquer um dos seus aspectos científico, filosófico e religioso.
e é editado pelo Alexandre F. da Fonseca. Este jornal já está no terceiro ano (volume 3) e contém análises bem apresentadas de diversos assuntos de interesse ao movimento espírita.

Referências

(1) Xavier A. (2015) Jornal de Estudos Espíritas 3, 010301.
(2) Paisagem de Marte (sobre a visita a Marte em "Cartas de uma Morta")

3 de abril de 2015

Redução da Maioridade Penal e Espiritismo


Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvidos, Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e temerá. (Deuteronômio 21:18-21)

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.” (Resposta à questão 796 em "O Livro dos  Espíritos", Allan Kardec)

A questão da redução da maioridade penal tem diversas perspectivas possíveis:
  • A perspectiva do cidadão que com razão não se sente seguro com a escalada da violência alimentada por fluxo de jovens precocemente educados no crime;
  • A da justiça, que é obrigada a lidar com milhares de processos criminais de jovens envolvidos com a criminalidade;
  • A das mães e famílias dos jovens em ligação com o crime desde cedo, e que também têm a tarefa de zelar pela educação desses jovens;
  • A do Estado, que executa e é obrigado a definir políticas públicas para reduzir ou controlar a violência crescente, bem como prover educação apropriada aos jovens criminosos;
  • A perspectiva do próprio jovem criminoso que, conforme suas tendências internas e situações a que for exposto, talvez deixe de ser um criminoso, mas fatalmente deixará de ser jovem e terá que lidar com o estigma de ter sido classificado como criminoso um dia.  
A polarização se explica pela disputam de prioridade entre cada uma dessas perspectivas que são representadas por diversos grupos na sociedade. Mas, qual delas é a mais relevante? Faz sentido definir uma como mais relevante? Por que uma seria mais prioritária sobre a outra? Ainda assim, cada uma dessas perspectivas têm detalhes que nos parecem ainda mais complexos. Por exemplo: há indivíduos que amadurecem precocemente, enquanto outros nunca amadurecem. Do ponto de vista das ciências psicológicas, até que ponto seria possível determinar o grau de maturidade de um adolescente ou criança e, conforme esse grau, definir medidas educacionais versus punições mais apropriadas? Qual seria o impacto da adoção de uma redução na maioridade na mente infantil precocemente ligada ao crime ? 

Tais são as questões que devem ser respondidas antes que possamos nos posicionar. Além dessas, há o problema de usar princípios ou fundamentos de religiões ou doutrinas filosóficas para decidir a questão. Esse seria um outro ponto de vista ou perspectiva possível na lista acima. Por exemplo, religiões que aceitam a tradição literal do Velho Testamento podem entender que a morte ou sacrifício de menores são atos naturais e concebíveis segundo a concepção de Deus que se encontram nesses textos.  Um exemplo que nos parece abominável hoje é o sacrifício do filho de Isaque em Gênesis 22:2 (1):
E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.
Ou, o que dizer de Deuteronômio 21:18-21 citado no início deste texto? O que esperar de doutrinas que acreditam piamente nessa noção de justiça divinamente inspirada? Hoje, mais do que nunca, é estranho ouvir falar de grupos religiosos que se movimentam para vetar ou propor leis conforme a crença que esposem. Como se acham investidos de poder divino, acreditam que a divindade fala por eles e assim determina que suas regras sejam impostas à sociedade. 

Com o esclarecimento dos povos (desenvolvimento científico, técnico e moral), religião e sociedade apartaram-se. Leis se apresentam como expressões de consenso da sociedade em uma determina época, seus valores, aspirações e crenças momentâneas de como cada indivíduo deve se comportar e de quais seriam os direitos correspondentes aos deveres. A tarefa da religião a partir de agora é melhorar os homens para que eles, por sua vez, melhorem suas leis. Assim, quanto mais evoluída for uma religião ou sistema de crença, tanto maior será o efeito benéfico que trará à sociedade, pela educação (essa sim induzida por crenças superiores) de seus seguidores.  

O objetivo desse post é apresentar alguns desses valores e crenças esposados pela Doutrina Espírita que considero relevantes para o posicionamento do espírita ante a mudança nas leis que regulam a maioridade penal. A referência fundamental é "O Livro dos Espíritos" complementado pelo "Evangelho Segundo o Espiritismo". Importante ressaltar: o que foi explicado nessas obras sobre a justiça, a governar a relação entre os encarnados, pode ser dividida em duas componentes: a "lei natural" - sempre presente e a "lei humana" condicionada ao estado de sociedade. Ao Espiritismo coube a tarefa de elucidar aspectos da lei natural.

Não cabe aqui estabelecer uma posição espírita para a questão da redução da maioridade penal (2), já que isso seria contrariar o que afirmamos acima.  Que o leitor julgue por si, com base em possíveis motivos já listados (3), favoráveis ou contrários à redução da maioridade penal.

Começamos pelo começo: a regra áurea.

Em "O Livro dos Espíritos", a justiça a que um encarnado está sujeito é regulada pela "lei natural" e pela "lei humana" (ver subquestão (a) da questão # 875).  Os questionamentos feitos por Kardec dizem respeito, portanto, apenas à lei natural, já que a lei humana é específica conforme a sociedade. Assim, no que diz respeito a essa lei, a diretriz máxima está exposta na questão #876 "Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo".  A questão # 877 complementa a anterior com relação ao primeiro dever que é "respeitar os direitos de seus semelhantes".

O direito mais fundamental do homem e a a missão da paternidade

Ainda segundo a lei natural, explicam os Espíritos na questão # 880, o primeiro de todos os direitos naturais do homem: O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.

A esfera de ação da sociedade no encaminhamento da criança e do adolescente (segundo a lei natural) está toda sob a tutela da paternidade. Aqui encontramos o campo de maior efeito sobre os atos das crianças.  Por causa disso, a questão 582 (na II Parte, Capítulo X) qualifica a paternidade e maternidade como uma missão:
582. Pode-se considerar como missão a paternidade?  
“É, sem contradita possível, uma verdadeira missão. Constitui, ao mesmo tempo grandíssimo dever, que empenha, mais do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização física débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de endireitar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de endireitar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”
Portanto, segundo a lei natural, a educação dos filhos é de responsabilidade dos pais. É pela falta ou ausência desses, porém, que a criminalidade infantil pode se tornar um problema da sociedade (como condições necessárias, mas não suficientes, para manifestação dessa criminalidade). Ainda no segundo essa responsabilidade natural, a justiça verdadeira, quando outro é o caso, é ressaltada na questão seguinte: 
583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram? 
“Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”
Indiretamente a resposta implica a existência de Espíritos rebeldes, precocemente ligados ao mal e que, provavelmente, poderão reincidir em delinquência, se limites não forem estabelecidos a partir do lar.

Evolução do direito e justiça.

Finalmente, não deixa de ser elucidativa a questão # 796 que aparece na III Parte do Capítulo VIII do "Livro dos Espíritos":
796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”
Essa resposta explica duas coisas: o estado anterior da lei humana e o foco que se deve buscar - segundo os Espíritos - no desenvolvimento das leis futuras.  Deixa claro que apenas a educação é capaz de modificar os homens, de forma de forma a se dispensar o rigor das leis no futuro. 

Finalmente, a multiplicidade de pontos de vista (como apresentados no início deste post e que é a causa de polêmicas infindáveis como a da redução da maioridade penal) já teve sua causa explicada pela questão #974:
874. Sendo a justiça uma lei da Natureza, como se explica que os homens a entendam de modos tão diferentes, considerando uns justo o que a outros parece injusto? 
“É porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas por um prisma falso.”
Conclusão

O comentário da questão 796 nos deixa tranquilos quanto ao ponto fundamental apresentado pelos Espíritos para o abrandamento das leis humanas. Trata-se porém de uma resposta geral que explica porque as leis humanas anteriores (como no caso do Deuteronômio) eram tão severas. A que distância chegamos com o ensino dos Espíritos em comparação com aquelas regras, que hoje parecem tão ultrapassadas!

Nos tempos modernos, não compete mais a nenhuma religião ou doutrina alterar leis humanas. Isso acontecia no passado por força da importância que a religião tinha dentro do Estado e vice-versa.  No caso do Espiritismo, as respostas dadas pelos Espíritos dizem respeito à lei natural e sua justiça e não poderão ser extrapoladas nem copiadas para a lei humana que, por causa de suas inúmeras necessidades adicionais, é bem diferente da regra natural. No máximo o estudo e a convicção da lei natural poderá mostrar aos encarnados o estado em que se encontrarão no futuro, caso se desvirtuem dessa lei. Então, tal como o homens que bem planejam o futuro, os encarnados poderão viver melhor em sociedade. Que essa justiça natural existe e é operante é assunto para outro post.

Ainda assim, o espírita que quiser contribuir para o debate sobre a redução da maioridade penal não deve se esquecer da importância da educação infantil, da missão da paternidade, da necessidade de aprimorar nosso conhecimento sobre a psicologia humana, da existência no mal no coração de mentes perversas recém encarnadas e da infinita capacidade do amor no resgate desses corações desviados.

Referências e notas.

(1) O Deus do Velho Testamento parece ter predileção pela morte de crianças. Ver não só Gênesis 22:2 mas também: Êxodo 4:23, Êxodo 11:5, Êxodo 12:29, Números 31:17, Oséas 13:16,  I Samuel 15:3, Salmos 135:8, Salmos 137:9, Levíticos 26:29, Isaías 13:16, Jeremias 11:22 dentre outros versos bíblicos. (referência: https://www.bibliaonline.com.br/)

(2) Sobre pontos favoráveis e contrários:
  • https://acidblacknerd.wordpress.com/2013/04/25/euvi-reducao-da-maiorida-penal10-motivos-para-ser-a-favor-10-motivos-para-ser-contra/


17 de março de 2015

Partituras de músicas mediúnicas de Rosemary Brown

Início da partitura de uma sonata ditada pelo Espírito de Schubert através de Rosemary Brown.
Em uma busca não intencional na rede encontrei alguém no youtube que disponibilizou recentemente "partituras em vídeo" de músicas mediúnicas de Rosemary Brown. Como os seguidores deste blog sabem, essa é a médium sobre quem já escrevemos (1,2) e que surge na história como a mais importante manifestação de mediunidade musical que se tem notícia. 

São elas:

1) Ditado pelo Espírito de Brahms:

Waltz in b-mollhttps://www.youtube.com/watch?v=yPlRGLqeHwY

2) Ditado pelo Espírito de Rachmaninoff:

Lyric in h-mollhttps://www.youtube.com/watch?v=0bxuRekN0b0

3) Ditato pelo Espírito de Debussy:

Danse Exotique in Fis-durhttps://www.youtube.com/watch?v=PpZ1gBAxFWY

4) Ditado pelo Espírito de Chopin:

Nocturne in As-durhttps://www.youtube.com/watch?v=7JqnJ5qgDZI
Impromptu in f-moll, https://www.youtube.com/watch?v=k-CzCd4AJyQ
Impromptu in Es-dur, https://www.youtube.com/watch?v=-UT8dqabdf0

5) Ditado pelo Espírito de Liszt:

 Lament in e-moll, https://www.youtube.com/watch?v=UBhYgZoQpak
Waltz in b-moll, https://www.youtube.com/watch?v=yPlRGLqeHwY
Jesus Walking on the Water, https://www.youtube.com/watch?v=mdPQj4pXovQ

7) Ditado pelo Espírito de Schubert (na interpretação de Leslie Howard):

Sonata in f-mollhttps://www.youtube.com/watch?v=SN3R_xwj1Rs

Chamou-me a atenção a Sonata de Schubert, que não conhecia (reproduzida acima). Para quem conhece um pouco das obras compostas por F. Schubert, "salta aos ouvidos" a semelhança incrível de estilo que essa sonata apresenta.  Outra observação: a diversidade de estilos musicais, que torna difícil para quem ouve pela primeira vez acreditar que tais peças foram obtidas a partir das mãos de um mesmo compositor. Prova mais inconteste da realidade da sobrevivência dificilmente poderá ser conseguida.

Referências
  1. Ver post: Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
  2. Ver post: Vídeo IV - Uma médium e um Piano - Entrevista com Rosemary Brown (1973)


8 de março de 2015

A questão da encarnação em diferentes mundos: um novo tipo de matéria?

Fig. 1 Lista de potenciais planetas habitáveis recém descobertos. Referência (1)

"Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo 
com o grau de adiantamento em que vos achais. 
Quer dizer que não devemos revelar estas 
coisas a todos, porque nem todos estão em estado 
de compreendê-las e semelhante revelação 
os perturbaria." 
(Resposta à questão 182 em "O Livro dos Espíritos")

A principal obra lançada por Allan Kardec foi "O Livro dos Espíritos" (LE). É nesse livro que encontramos um capítulo inteiro (o Cap. IV) destinado à introdução e detalhamento da "pluralidade de existências", que tem como princípio auxiliar outra pluralidade, a dos "mundos habitados". Não é possível compreender o princípio da reencarnação sem assumir que existem muitos mundos no Universo. Descobertas recentes (ver Fig. 1) - dentro do que permite a capacidade técnica atual - tem revelado um número grande de novos planetas (chamados "exoplanetas"), tornando realidade o que havia sido amplamente afirmado pelos Espíritos no LE.

Neste post propomos um estudo da seção "Encarnação nos diferentes mundos" e chamamos a atenção, em particular, para a resposta da questão #181. Há várias motivações para esse estudo. Um deles é o fato de que evidências tangíveis e públicas da existência de vida extraterrestre ainda não existem. Isso é perturbador porque, dada o tamanho do Universo (e mesmo considerando as dimensões envolvidas), as chances de que apenas a Terra abrigue vida é estatisticamente irrelevante.  Isso está representado no famoso "Paradoxo de Fermi". Outras motivações se encontram no conhecimento do próprio LE: a lei da reencarnação seria universal, o que levanta a questão sobre como se daria esse fenômeno em diferentes mundos, dada a necessidade de matéria para acompanhar o Espírito em sua jornada evolutiva.

Compreensivelmente esse é um assunto difícil, onde é muito fácil fazer especulações e chegar a conclusões erradas na tentativa de se detalhar respostas. Aqui apenas comentamos alguns trechos do Cap. IV do LE e usamos a própria lógica interna e relação entre os princípios para tirar algumas conclusões gerais. É importante o leitor atentar para o caráter avançado das revelações contidas no Cap. IV, já que, na época de Kardec, a existência de mundos habitados era considerada uma questão meramente especulativa.

A seção sobre a encarnação nos diferentes mundos.

Essa seção do LE vai da questão 172 até 188. Da questão 172 até 180, Kardec está interessado em obter mais detalhes sobre como a validade geral da leis das múltiplas existências estendida para os muitos mundos do universo.  É explicado nessa parte que:
  • As diversas existências corporais não ocorrem todas na Terra. Portanto, elas não se processariam todas em um mesmo "globo", haveria possibilidade de migração dos Espíritos entre diferentes mundos;
  • A razão para que as múltiplas existências não ocorram todas em um mesmo mundo;
  • O que o Espírito leva consigo quando faz a migração entre diferentes mundos.
Embora a possibilidade de migração para diferentes mundos seja algo considerado "fantástico" para a maioria das pessoas, é importante entender que não se trata de uma "migração física". Da mesma forma que um Espírito pode ocupar diferentes corpos em várias encarnações, não haveria impedimento para que a encarnação ocorresse em diferentes mundos. É uma conclusão tirada a partir dos princípios assumidos, que são muito simples. Confusões e especulações sobre como se daria essa migração (a questão das distâncias imensas entre os mundos, diferenças de densidade, presença do vácuo interestelar etc) surgem por se tomar um elemento por outro, por se considerar como equivalentes "matéria" e "espírito". 

Em particular, o Espírito não precisa levar do mundo anterior o seu corpo anterior. Para isso, ele faz uso dos "elementos" já presentes no novo mundo. Devemos examinar com atenção a questão # 181. Por sua importância, reproduzimos integralmente a pergunta e a resposta:
181. Os seres que habitam os diferentes mundos tem corpos semelhantes aos nossos?
É fora de dúvida que têm corpos, porque o Espírito precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria. Esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme o grau de pureza que chegaram os Espíritos. É isso o que assinala a diferença entre os mundos que temos de percorrer, porquanto muitas moradas há na casa de nosso Pai, sendo, conseguintemente, de muitos graus essas moradas. Alguns o sabem e desse fato têm consciência na Terra: com outros, no entanto, o mesmo não se dá. Grifo nosso, para versão em original em francês, ver (2).
Em primeiro lugar, invoca-se na resposta a necessidade do envoltório material para propiciar a encarnação. Espírito, perispírito e corpo material são três ingredientes gerais que entram na composição de um "encarnado" com descrito pelos princípios do LE. A pergunta feita por Kardec usa a palavra "corpo". Assim, na questão 181 reproduzida acima, não se está a falar do perispírito. Portanto, a resposta afirma que é possível existir "corpos menos materiais" do que o nosso, e que isso é imposto pela existência de uma escala de progresso (pureza) dos Espíritos. Além disso, a resposta caracteriza a diferença entre os mundos muito mais do que simplesmente pelo estado físico deles, é uma diferença entre "densidades".

Muito além do que comentamos acima, essa resposta leva uma conclusão muito mais importante: a de que a matéria pode ser encontrada em diferentes graus de "densidade" - não se trata aqui da densidade ordinária da física ou da química. Existiria, portanto, um tipo de matéria invisível, não acessível aos nossos sentidos ordinários (e nem a dispositivos ou equipamentos que usam esses sentidos).  

Kardec tenta então obter mais detalhes sobre como seria o estado físico e moral desses diferentes mundos, que é a questão #182. Somos então surpreendidos pela resposta, que já reproduzimos na introdução desse post:
Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos achais. Quer dizer que não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos estão em estado de compreendê-las e semelhante revelação os perturbaria. Grifo do autor. Original em francês: (3).
Ora, isso soa como uma maneira polida de se negar uma resposta! O que haveria ainda a ser revelado sobre a existência desse novo "elemento material"? Que a questão 181 não trada do perispírito pode ser apreciada ao se ler as questões  # 186 e # 187:
186. Haverá mundos onde o Espírito, deixando de revestir corpos materiais, só tenha por envoltório o perispírito?
Há e mesmo esse envoltório se torna tão etéreo que para vós é como se não existisse. esse o estado dos Espíritos puros.

187. A substância do perispírito é a mesma em todos os mundos?
Não; é mais ou menos etérea. Passando de um mundo a outros, o Espírito se reveste da matéria própria desse outro, operando-se, porém, essa mudança com a rapidez do relâmpago. Originais em francês: ver (4).
Dentro da lógica interna dos princípios do LE, se um encarnado é formado por três elementos, espírito, perispírito e matéria, então é preciso detalhar como se processa essa mudança em cada um desses elementos ao se migrar de um mundo a outro. Por isso temos questões diferentes para cada um deles. A resposta parte do princípio da existência de uma escala de aperfeiçoamento (pureza) que determina o grau de "densidade" para cada outro componente dele dependente: corpo e perispírito seriam adaptados a esse aperfeiçoamento. Vale a pena ler ainda a subquestão da 186 que afirma não haver "saltos" entre os estágios de aperfeiçoamento, esses se dariam de forma contínua.

Fig. 2 Distribuição de tipos de "matéria" existente no universo conhecido. A "nossa matéria" corresponde apenas a 4% do que seria observável. Cerca de 21% é considerado "matéria invisível. Fonte: http://chandra.harvard.edu/
Um apêndice especulativo

A questão da existência de variedades de matéria que seriam inacessíveis aos nossos sentidos é um assunto fascinante. Isso porque, tal "inacessibilidade" até certo grau pode se manifestar. Não seria possível que alguma propriedade da matéria não mudasse ao se passar de uma "densidade" a outra?

Não há como deixar de fazer aqui um paralelo com as descobertas recentes em cosmologia, sobre a existência da "matéria escura" (dark matter) (5), Fig. 2. Já em 1933 se percebeu que o movimento de estrelas em outras galáxias e da matéria visível era discrepante com a quantidade inferida de matéria a partir desse movimento. Havia algo faltando que não pode ser explicado com base nas leis de Newton. Hoje, sabe-se que existem diversos tipos de "matéria", a nossa é chamada "bariônica", sendo que mais de 95% do que existe no Universo é feito de matéria "não-bariônica" e é totalmente invisível (Fi.g 2). Essa matéria apenas "interage" com nossa matéria ordinária por meio da gravidade: portanto, a matéria invisível tem peso.

O debate atual procura saber qual seria a origem dessa matéria. É crença geral de que é preciso primeiro seguir o caminho da física de partículas. A matéria escura seria um tipo de partícula exótica ainda não descoberta, que "preencheria" o espaço e seria responsável por essa gravidade excedente. Entretanto, todos os esforços para se achar tal partícula falharam absolutamente em décadas de pesquisa. Em particular o experimento LUX (6) montou um dos mais sensíveis dispositivos para se detectar partículas desse tipo e não deu resultado algum. Isso abre caminho para que outras trilhas teóricas sejam percorridas, como a da existência de outras dimensões no Universo. 

Há considerável grau de especulação ao se tentar correlacionar esses temas de pesquisa com a revelação de outros tipos de matéria como feita na questão 181 do LE. Seria a "matéria escura" a ponta de uma imensa cadeia de descobertas de outros tipos de matéria que compõem os diferentes mundos "invisíveis" de que falam os Espíritos? Não sabemos. É certo, porém, que um caminho já foi aberto.

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Referências

181. Les êtres qui habitent les différents mondes ont-ils des corps semblables aux nôtres ?
Sans doute ils ont des corps, parce qu'il faut bien que l'Esprit soit revêtu de matière pour agir sur la matière ; mais cette enveloppe est plus ou moins matérielle selon le degré de pureté où sont arrivés les Esprits, et c'est ce qui fait la différence des mondes que nous devons parcourir ; car il y a plusieurs demeures chez notre Père et pour lors plusieurs degrés. Les uns le savent et en ont conscience sur cette terre, et d'autres ne sont nullement de même.
(3) Ver: http://associationspiritualistedecambrai.asso-web.com/uploaded/PDF/le-livre-des-esprits.pdf
182. Pouvons-nous connaître exactement l'état physique et moral des différents mondes ?
Nous, Esprits, nous ne pouvons répondre que suivant le degré dans lequel vous êtes ; c'est-à-dire que nous ne devons pas révéler ces choses à tous, parce que tous ne sont pas en état de les comprendre et cela les troublerait.
186. Y a-t-il des mondes où l'Esprit, cessant d'habiter un corps matériel, n'a plus pourenveloppe que le périsprit ?
Oui, et cette enveloppe même devient tellement éthérée, que pour vous c'est comme si ellen'existait pas ; c'est alors l'état des purs Esprits. 
187. La substance du périsprit est-elle la même dans tous les globes ?
Non ; elle est plus ou moins éthérée. En passant d'un monde à l'autre, l'Esprit se revêt de la matière propre de chacun ; c'est d'aussi peu de durée que l'éclair.
(5) Interessante o uso do termo "escura" para se designar esse tipo novo de matéria. De fato, "escuro" pode levar a se imaginar essa matéria como algo opaco ou que bloqueie a vista do que está além dela. Mas, isso não é verdade: ela é de fato "invisível".

(6) http://lux.brown.edu/LUX_dark_matter/Experiment.html