5 de março de 2014

Conceitos básicos de Física Quântica VI

Estrutura de orbitais atômicos no átomo de hidrogênio obtidos por meio direto, exibindo a existência de núvens de concentração eletrônica em torno do núcleo. (1)
Toda a matéria se origina e existe somente em virtude de uma força 
que agrupa as partículas de um átomo em vibração 
e as mantém juntas como se fosse um sistema solar em miniatura. 
Devemos assumir como causa dessa força uma mente consciente e inteligente. 
A mente é a matriz de toda a matéria. Max Planck.

Um átomo e seus vários estados

É comum representações pictóricas do átomo - conhecido como unidade fundamental da matéria - na forma de um "mini sistema solar", com um núcleo e partículas elétricas - os elétrons - girando em torno dele em órbitas bem definidas. Essa representação é reconhecida como símbolo universal e está representado na Fig. 1.

Há inúmeras referências na web sobre esse 'modelo atômico'. É um modelo porque seu objetivo é representar os elementos principais do átomo (até suas posições relativas), sem compromisso de ser uma imagem exata da realidade.

De fato, desenvolvimentos em física quântica mostraram que essa 'visão exata' da realidade, no que diz respeito à realidade atômica, não pode ser obtida. Para ver de uma maneira simples como isso é impossível, basta que você considere o processo de 'observação' de uma coisa. Observar algo é, antes de tudo, jogar luz no objeto a ser observado, sem o que é impossível apreciar suas formas, cores e profundidade. Mas, o que acontece ao se jogar luz em um objeto microscópico como um elétron?

Um elétron é uma partícula fundamental da Natureza. Tem uma massa muito pequena (da ordem de 10E-31 kg, ou seja, precisamos de 31 zeros depois da vírgula para registrar a primeira casa significativa de massa). Ao se tentar iluminar um átomo para poder observar o elétron, a intensidade da luz - por menor que seja - poderá destruir completamente o que se pretende ver. No reino quântico, isso também depende de uma série de fatores tais com o a frequência da luz que se joga. Se ela tiver uma frequência determinada abaixo do que é chamado 'limite de ionização' do átomo, a luz será espalhada de forma que será impossível formar qualquer imagem do átomo. Se estiver acima desse limite, o resultado será a destruição do estado atômico original (2). Portanto, é impossível determinar diretamente a forma dos átomos, pelo menos por processos conhecidos tradicionalmente e que se aplicam ao nosso mundo 'macroscópico' (3).

Estados atômicos.

Fig. 1 Representação um átomo 
com seu núcleo e elétrons em órbitas bem 
definidas.  
Além de ter massa, o elétron também tem outra propriedade fundamental chamada carga elétrica. Por convenção, essa carga tem sinal negativo e é muito pequena (da ordem de 10E-19 Coulomb). Embora seja pequena, é carga suficiente para gerar boa parte dos fenômenos do mundo em que vivemos. 

Acontece que partículas carregadas em movimento acelerado acabam por perder energia. Essa energia - presente na partícula em seu estado de movimento original - acaba sendo perdida de uma forma inusitada: a partícula emite radiação eletromagnética. Como, na Natureza, energia não pode ser destruída, essa energia vai embora com a radiação que é emitida. 

Agora, imagine um elétron a girar indefinidamente em torno do núcleo do átomo. Para simplificar, imaginamos um núcleo de hidrogênio (ou seja, somente um elétron se faz necessário na 'eletrosfera' do átomo). Ao se aproximar do núcleo, o elétron está acelerado. Ele sofre influência da força elétrica advinda de uma carga de sinal oposto no núcleo. Mas, mesmo assim, por que, no caso do elétron no átomo, estando ele acelerado, o átomo não perde energia? Esse foi uma dos problemas fundamentais que motivou a revolução da física quântica.

De fato, em todos os átomos, os elétrons estão constantemente em movimento e, mesmo assim, a matéria é bastante estável, não há "perda de energia" por emissão de aceleração. Como isso é possível? Além disso, uma vez que elétrons e núcleo tem cargas que se atraem, como é possível que eles não terminem grudados uns aos outros?

Um mecanismo que é frequentemente invocado para explicar de forma qualitativa esse processo de "estabilização" é o princípio de incerteza. Esse princípio cria um limite para o estado de movimento e posição de uma partícula pela física quântica. Ao determinarmos com precisão sua posição, será impossível conhecer sua velocidade (ou, mais especificamente, quantidade de movimento). Ao se determinar com precisão o seu movimento, será impossível saber sua posição. Assim, se o elétron perde energia e se aproxima do núcleo, o crescente aumento de determinação em sua posição faz com que seu momento aumente consideravelmente, o que o afasta novamente do núcleo. Nas palavras de R. Feynman (4):
A resposta tem a ver com efeitos quânticos. Se tentarmos confinar nossos elétrons em uma região que é muito próxima dos prótons, então, de acordo com o princípio de incerteza, eles deverão apresentar algum momento médio quadrático que será tanto maior quanto mais tentarmos confiná-los. É esse movimento, exigido pelas leis da mecânica quântica, que evita que a atração elétrica aproxime ainda mais as cargas. 
Portanto, o que acontece ao redor do núcleo não é a configuração de cargas em órbitas estáveis (como sugere imagens como a da Fig. 1), mas o estabelecimento de um estado atômico sem emissão alguma de energia.

Mas, é um estado de quê? Trata-se do estado de probabilidade de se encontrar elétrons ao redor do núcleo. Esses estados têm energia muito bem definida e conferem uma estabilidade extraordinária à matéria. Não podemos nos esquecer que a principal propriedade da matéria quântica é seu caráter ondulatório. Esse caráter era, no começo, apenas associado à luz e à radiação, mas a principal contribuição da física quântica foi demonstrar que, mesmo a matéria mais dura que se conhece, também se comporta como uma onda.
Fig. 2
Uma maneira de compreender como esses estados poderiam ser formados foi feita pelos pais da física quântica ao tentarem curvar ou fechar uma onda ao redor do centro atômico (Fig. 2). Como o elétron tem uma onda associada, então, buscou-se saber quais seriam as condições necessárias para que uma onda eletrônica se 'fechasse' completamente ao redor do núcleo como mostrado. Essas condições dão origem aos estados de energia bem definidos dos elétrons porque somente ocorrerá o 'fechamento' da onda para determinadas frequências.

Podemos entender os estados atômicos como se fossem "ressonâncias" nas ondas de probabilidade dos elétrons ao redor do núcleo atômico. Lei rigorosas proíbem, portanto, que energia seja perdida nesses estados de forma espontânea (embora existe sempre uma chance de, espontaneamente, ocorrer uma perda; ela é muito pequena no nível quântico), o que resulta em grande estabilidade para a matéria ordinária. 

Referências e notas

(1) Uma imagem  de um estado quântico do átomo de hidrogênio recentemente obtida para determinada condições especiais:
(2) Se for um valor exato, poderá causar uma transição de estado (chamado de 'excitação atômica'). Se for excessiva, poderá causar ionização do átomo que é o afastamento do elétron de seu núcleo.

(3) No caso do 'mundo macroscópico', os objetos são formados por muitas quantidades de átomos. Luz tem efeito desprezível sobre esse grande agrupamento de partículas e é, portanto, espalhada de tal forma que os contornos dos objeto podem ser vistos, mas nunca detalhes até a escala atômica. De fato, podemos ver muitos detalhes microscópicos de objetos, mas até o nível em que efeitos quânticos não são importantes.

(4) Ver: http://www.feynmanlectures.caltech.edu/II_01.html









19 de fevereiro de 2014

Sobre a reencarnação e o Judaísmo (comentários a um artigo de Sara Y. Rigler)


"A reencarnação é uma lente poderosa através da qual o amor e a misericórdia de Deus podem ser percebidos por entre as catástrofes da vida". (Sara Y. Rigler)

"Deus faz as coisas de tal forma que as chances do homem alcançar a salvação são maximizadas. Uma alma pode reencarnar inúmeras vezes em diferentes corpos e, dessa forma, corrigir os erros feitos em vidas anteriores. Da mesma forma, ela pode alcançar a perfeição que não foi atingida nas vidas pregressas." (Ramchal, "The way of God", Sec. XIX)

O site Aish.com publicou recentemente o artigo (1) "A reencarnação e o Holocausto: porque alguns Judeus suspeitam que estão de volta", por Sara Yoheved Rigler, sobre a reencarnação (2) na visão judaica. Esse assunto deve render muitos comentários no futuro, já que uma linha dentro de tradições místicas do Judaísmo sempre ensinou a existência de reencarnação. Segundo Sara:
Judeus certamente nunca aprendem sobre reencarnação na escola hebraica. Mas, se procurarmos, descobriremos que há traços de reencarnação na Bíblia e nos primeiros comentaristas (*), enquanto que, na Cabala, a tradição mística do Judaísmo, são abundantes as referências à reencarnação. O Zohar, texto básico do misticismo Judaico (atribuído a Rabbi Shimon Bar Yochai, um sábio do primeiro século) assume a existência do gilgul neshamot (reciclagem das almas) como certo, e Ari (3), o grande cabalista, cujos ensinos no Século XVI estão registrados no Shaar HaGilgulikm, chegou a traçar a reencarnação de vários personagens da Bíblia. Enquanto que algumas autoridades como Saadia Gaon (Século X) negam a reencarnação como um conceito judaico, a partir do Século XVII, rabinos de destaque do Judaísmo normativo, tal como Gaon de Vilna e Chafetz Chaim (**), referem-se ao gilgul neshamot como um fato. 
Ramchal, um acadêmico universalmente admirado do Século XIX, explica em seu clássico O Caminho de Deus que "Deus faz as coisas de tal forma que as chances do homem alcançar a salvação são maximizadas. Uma alma pode reencarnar inúmeras vezes em diferentes corpos e, dessa forma, corrigir os erros feitos em vidas anteriores. Da mesma forma, ela pode alcançar a perfeição que não foi atingida nas vidas pregressas".
(*)Ver Deut 33:6,  Targum Onkeles e Targun Yonosson sobre essa passagem. Ver também Isaías 22:14. (**) Mishnah Berurah 23:5 e Shaar HaTzion 622:6. (notas da autora) 
Como é bem conhecido, a reencarnação se distingue de certos preceitos religiosos por não se tratar meramente de um dogma de fé. Existem evidências fortes para a 'reciclagem de almas' (4) como a própria Sara Rigler comenta em seu artigo.

A ressurreição é um tempo de recompensa;
a reencarnação um tempo de reparar. 
A ressurreição é um tempo de colher; 
a reencarnação um tempo de semear. (5)

Lembranças do Holocausto

Sara descreve diversos acontecimentos de sua infância - passados na década de 1950 - que sempre lhe pareceram suspeitos para uma criança. A começar por sutil repulsa a tudo que fosse de origem germânica. Ela se lembra de ter se recusado a ser filmada pelo pai ao saber que a câmera era de origem alemã. Depois, quando aprendeu algumas frases em alemão (sua escolha no curso de idiomas, 'para conhecer melhor o inimigo' segundo ela), passou a ter pesadelos relacionados aos episódios sombrios do Holocausto. Como poderia uma criança manifestar memórias de episódios históricos que não eram divulgados na época?

Sara ainda registra no artigo sonhos recorrentes, de outras pessoas, igualmente de cultura judaica e ligadas aos acontecimentos do Holocausto. Por exemplo, Nechama Borstein, uma judia nascida na Dinamarca em 1963, relembra um sonho já na fase adulta:
No sonho, caminhava com um grupo de pessoas através de uma passagem escura. No final dela, havia uma parede feita de vigas de madeira de cor marrom. O teto era baixo. A parede à esquerda era feita de tijolos pintados de branco... Sabia que estávamos sendo conduzidos a uma punição. Fizemos algo terrível de acordo com os Nazistas. Estávamos sendo agrupados, colocados bem próximos uns dos outros...Então, no final da entrada, à direita, uma porta estava semi-aberta. Fomos empurrados em direção a ela e entramos em uma sala bem ampla. Estava iluminada, mas não conseguia ver nenhuma fonte de luz...
Essas visões do sonho foram posteriormente relembradas quando Nechama Borstein visitou uma exposição de fotos de Auschwitz. Nela, ela reconheceu muitas das imagens que surgiram em seus sonhos. 

Foto do interior de uma câmera de gás. Fonte: Garret Tziegler.
Sara Rigler se pergunta se esse grupo de judeus exterminados não teriam tido outra oportunidade como grupo reencarnado em terras Norte Americanas ou Europeias no início da década que se seguiu ao terror tanto em Auschwitz como em Babi Yar:
A reencarnação transformou as câmaras de gás em Auschwitz e os fossos de Babi Yar em terríveis finais de capítulo, ao invés de representarem uma conclusão final na estória da alma. Todo grande épico inclui alguns capítulos tenebrosos onde, por exemplo, a heroína é raptada pelo vilão e submetida a certas punições. Se esse fosse o final, a saga bem poderia ser chamada de tragédia. Mas, e se houver um capítulo subsequente, quando o vilão é derrotado e a heroína - agora mais sábia e bondosa com os sofrimentos de seu martírio - fosse reunida a sua família e passasse a viver uma vida plenamente feliz? Seria difícil chamar isso de tragédia.
Ou seja, a autora corretamente conseguiu traçar o quadro das consequências morais resultantes de se admitir a reencarnação como processo de aprimoramento das almas.

Importa lembrar o que disse Kardec (6), à guisa de conclusão para nosso post:
...segundo um dos dogmas fundamentais que decorrem da não-reencarnação, a sorte das almas se acha irrevogavelmente determinada, após uma só existência. A fixação definitiva da sorte implica a cessação de todo progresso, pois desde que haja qualquer progresso já não há sorte definitiva. Conforme tenham vivido bem ou mal, elas vão imediatamente para a mansão dos bem-aventurados, ou para o inferno eterno. Ficam assim, imediatamente e para sempre, separadas e sem esperança de tornarem a juntar-se, de forma que pais, mães e filhos, maridos e mulheres, irmãos, irmãs e amigos jamais podem estar certos de se verem novamente; é a ruptura absoluta dos laços de família. 
Com a reencarnação e o progresso a que dá lugar, todos os que se amaram tornam a encontrar-se na Terra e no espaço e juntos gravitam para Deus. Se alguns fraquejam no caminho, esses retardam o seu adiantamento e a sua felicidade, mas não há para eles perda de toda esperança. Ajudados, encorajados e amparados pelos que os amam, um dia sairão do lodaçal em que se enterraram. Com a reencarnação, finalmente, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados, e, daí, estreitamento dos laços de afeição. 
(grifos nossos)
Vale a pena ler o artigo integral de Sara Rigler. Ele mostra que a "reciclagem das almas" é um tema antigo e que tem um grande futuro. Ele é também um tema que pode aproximar membros de culturas e religiões distintas, cientes de que os caminhos de Deus são tais que as "chances de salvação do homem são maximizadas"...

Notas e referências

(1) S. Rigler (2014). "Reincarnation and the Holocaust: Why some Jews suspect they've returned.http://www.aish.com/sp/so/Reincarnation-and-the-Holocaust.html (Acesso em 2014)

(2) Em Hebraico a ideia de reencarnação é chamada Gilgul neshamot ou gilgulei ha neshamot. Para referências sobre isso ver http://robert-zucker.com/qabalah/gilgul/index.html

(3) Trata-se do rabino Isaac Luria (1534 – 1572).

(4) Por completeza, traduzimos aqui o conceito de reencaranção (gilgul) segundo a doutrina cabalística criada por Luria. Para tanto, fazemos uso da referência da wikipedia (ver primeiro parágrafo da seção "Expression of Divine Compassion").
Na noção cabalística de gilgul, a reencarnação não é nem fatal ou automática, nem é essencialmente uma punição pelo pecado ou gratificação pela virtude. No Judaísmo, os reinos celestes podem cumprir o "princípio de fé na recompensa e punição" de Maimonides. Ao invés disso, a reencarnação está relacionado ao processo individual de Tikkun (retificação) da alma. Na interpretação cabalística, cada alma judia reencarna-se um número suficiente de vezes apenas para cumprir as 613 Mitzvot. As almas dos justos dentre as Nações podem ser auxiliadas no gilgulim a cumprir as Sete Leis de Noé. Dessa forma, o gilgul é uma expressão da compaixão Divina e é visto como um acordo celeste com a alma do indivíduo para que ele baixe novamente. Essa ênfase no desempenho físico e na perfeição de cada Mitzvah está relacionado com a doutrina Lúrica do Tikkun cósmico da Criação. Nesses novos ensinos, uma catástrofe cósmica ocorreu no começo do Mundo chamado "Despedaçamento dos vasos de Sefirot" no "Mundo de Tohu" (caos). Os vasos de Sefirot quebraram-se e desceram a partir do Mundo Espiritual  até se manifestarem em nosso mundo físico como "centelhas de santidade" (Nitzutzot). A razão porque, na cabala de Lúria, todos os Mitzvot envolvem ações física é que, pela sua realização, eles elevam cada centelha particular de santidade associada a um mandamento. Uma vez redimidas todas as centelhas até sua fonte espiritual, a Era Messiânica começa. Tal teologia metafísica dá sentido cósmico à vida de cada pessoa, uma vez que cada indivíduo tem tarefas específicas que apenas ele podem cumprir. Assim, o gilgum ajuda a alma do indivíduo no plano cósmico.  Isso também explica a razão porque, na Cabala, a utopia escatológica será neste mundo, uma vez que apenas até o plano mais baixo, físico, os objetivos da Criação serão cumpridos.
(5) Ver texto "Reencarnação e Ressurreição" em:
(6) A. Kardec. "O Evangelho segundo o Espiritismo", Capítulo IV - "Ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo",  "A reencarnação fortalece os laços de família", Parágrafo 22. (www. ipeak.com.br)