15 de dezembro de 2012

1/3 - Análise de 'A Teoria Corpuscular do Espírito' e 'Psi quântico' (por Alexandre F. da Fonseca)


O movimento espírita tem demonstrado enorme interesse no desenvolvimento da Ciência e, em particular, nos avanços da Física moderna. Idéias como ligação não-local, estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo, ou não estar em nenhum lugar antes de uma medida, influência do observador etc têm despertado a imaginação de leitores leigos em Física (e mesmo em alguns não tão leigos assim) com relação às questões espirituais. E, em função do status de verdade que a Ciência goza, capaz de revelar e orientar o progresso intelectual da humanidade, desenvolveu-se um fenômeno curioso dentro das diversas religiões que é o de buscar apoio nas Ciências modernas para doutrinas e teorias de natureza espiritualista. Como não podia deixar de ser, o movimento espírita também tem aderido a essa tendência e há décadas vemos obras que pretendem unir conceitos da Ciência com o Espiritismo, na intenção (boa, diga-se de passagem) de promover ou valorizar o aspecto científico do mesmo.  

Porém, boa intenção não é o suficiente para mostrar que um conhecimento novo corresponde de fato à realidade e mesmo na boa fé, pode-se prejudicar mais do que ajudar. Se o interesse é valorizar o aspecto científico do Espiritismo, importante se torna questionar se de fato idéias, teorias, doutrinas, práticas que se dizem baseadas na Ciência e que se propõem no meio espírita são de fato tão dignas de mérito científico quanto qualquer ideia, teoria ou prática novas que surgem dentro do contexto puramente acadêmico ou científico.

O propósito desta série de posts é, portanto, trabalhar um aspecto pouco presente no movimento espírita: auto-crítica de suas teorias científicas. E, se o assunto é falar de ciência, lembramos que uma das formas da Ciência se desenvolver é através de auto-críticas construtivas dos trabalhos anteriores, onde se procura aprimorar e corrigir teorias e experimentos anteriores para obter resultados mais precisos ou mesmo prever e descobrir novos fenômenos.

Em um post recente, foram apresentados alguns argumentos sobre a forma equilibrada e cristã que o espírita tem como dever na hora de realizar uma análise crítica do que dizem os adversários do Espiritismo. Adotamos isso na análise que se segue de uma das teorias científicas mais comentadas no meio espírita, muito mais por méritos pessoais do seu autor, do que pela própria teoria. Estamos falando das teorias A Teoria Corpuscular do Espírito [1] e Psi Quântico [2] de Hernani Guimarães Andrade (1913-2003). Conhecido confrade espírita pela sua dedicação à pesquisa e divulgação no Brasil e no mundo dos fenômenos psíquicos e, mais ainda, pela sua personalidade fraterna e amável, Hernani escreveu duas obras de natureza teórica a respeito da estrutura da matéria que comporia o Espírito e/ou a matéria psi. Assim como se faz em qualquer ciência madura, vamos analisá-las sob a luz da ciência e da razão. Em uma série de três posts, apresentaremos um resumo dos pontos críticos presentes nas teorias acima. Um trabalho mais detalhado sobre o assunto está sendo preparado para futura apresentação no próximo encontro da LIHPE.

Nosso objetivo principal é apresentar uma análise aprofundada das teorias de Hernani de acordo com conceitos bem estabelecidos da Física. As seguintes questões nortearão a análise: i) teriam as teorias de Hernani, por utilizarem conceitos da Física, sanção da mesma? ii) Apresentariam elas o que chamamos de auto-consistência, isto é, ausência de contradições entre si ou com outros conceitos da Física? Analisaremos alguns conceitos das obras das Refs. [1] e [2] da mesma forma como novas teorias e conceitos são analisados dentro da área da Física.

Pontos falhos das bases da A Teoria Corpuscular do Espírito

1. Sobre a necessidade de uma teoria com base na Física

Uma justifica para o desenvolvimento de uma teoria corpuscular do espírito foi dada por Hernani na pág. 44 da edição de 2007 da obra [1](1), cap. I, seção “O Espiritismo e as Ciências”:  
No entanto o Espiritismo ressente-se da falta de teorias que lhe facultem avanço seguro na estrada da pesquisa metódica de laboratório.” 
Esse comentário é curioso, pois que o Espiritismo é uma doutrina ou teoria fenomenológica, isto é, ligada aos fatos e fenômenos e, portanto, ela naturalmente contém em si orientações para pesquisas de natureza experimental, metódica e em laboratório. Veja-se para isso a análise do artigo da Ref. [3] e o post “Sobre teorias fenomenológicas e construtivas .
2. A natureza corpuscular do espírito

Sob esse título, numa das seções do cap. II intitulado “As Bases da Teoria”, Hernani afirma na pág. 61 que
 “Os mesmos argumentos lógicos que levaram a admitir-se a descontinuidade da matéria como necessária e imprescindível são aplicáveis à noção que hoje temos do espírito.
Essa afirmação decorre de uma análise feita por Hernani em páginas anteriores do chamado paradoxo de Zenon de Eléia, como razão suficiente para concluir que a matéria deve ser descontínua. Há dois erros nessa consideração. Primeiro que o paradoxo de Zenon é facilmente resolvido se considerarmos que o produto de uma grandeza que tende a zero por outra que tende ao infinito, pode ter resultado finito. Ou que a soma de um número infinito de termos que individualmente tendem a zero, pode ter resultado finito. Isso, por exemplo, permite definir o conceito de uma integral em Cálculo como o limite da soma de infinitos termos que tendem a zero. Isso resolve o paradoxo de Zenon de Eléia. Outro erro é basear a hipótese de descontinuidade da matéria nesse paradoxo. A Física clássica trabalhou (e ainda trabalha) com o conceito de continuidade da matéria muito bem. Muitos fenômenos materiais na escala macroscópica são muito bem descritos por teorias que consideram um material como sendo formado por elementos de volume maciços e justapostos. A idéia de que a matéria era formada por partículas discretas só surgiu depois de experimentos como os realizados por Rutherford e sua equipe onde feixes de partículas alfa (que são núcleos de átomos de hélio) foram arremessados contra uma folha fina de ouro. Os resultados mostraram que a matéria não podia ser formada de átomos de acordo com um modelo conhecido como pudim de ameixas [4] em que os elétrons se distribuiam uniformemente em uma esfera positiva de cargas do tamanho do átomo. Para explicar seus experimentos, Rutherford propôs um modelo do tipo planetário para o átomo, isto é, em que os elétrons giravam em torno de um núcleo bem pequeno assim como os planetas giram em torno do sol.
Diagrama esquemático do experimento de Rutherford.
3. Quanta de vida, de percepção e inteligência
Na seção “Componentes do Átomo Espiritual” do cap. II de [1], Hernani apresenta a definição de três novas partículas (pág. 67): “quantum de vida; quantum de percepção-memória; e quantum de inteligência.”. Na página anterior, Hernani argumenta que essas três características, vida, percepção-memória e inteligência são parte integrante e presente nos seres vivos. Na página seguinte, ele propõe a existência das partículas, bíon, percepton e intelecton para representarem esses quanta, respectivamente.
A primeira observação que fazemos é notar que a teoria acima não seguiu o esquema de desenvolvimento das teorias atômicas da Física. As falhas dessa proposta são as seguintes:
1) Em Física, até hoje jamais se postulou a existência de partículas relacionadas com o comportamento de sistemas complexos. Seres vivos, para a Física atual, são sistemas abertos e longe do equilíbrio termodinâmico apresentando, assim, comportamento rico e complexo. Apesar de bem intencionada, a proposta de que as características de vida, de percepção-memória e inteligência decorram de partículas individuais não soluciona de fato o problema de se descobrir qual é a origem da vida. Filosoficamente alguém pode perguntar mas por quê essas partículas se comportam assim? A única forma de aceitar essa proposição seria demonstrar experimentalmente a existência de tais partículas, e com as tais propriedades especiais, da mesma forma como, por exemplo, a Ciência material, hoje, busca medir a existência do Bóson Higgs. Por mais sensata seja a proposta do Bóson de Higgs para explicar a massa de todas as partículas de acordo com o chamado Modelo Padrão da Física de Partículas, sem a medida direta da sua existência, a teoria não é considerada 100% correta. A existência da massa das diversas partículas não serve de comprovação para a existência do bóson de Higgs. Essa falha, infelizmente, é cometida na Teoria Corpuscular do Espírito. A forma de demonstrar a existência de bíons, intelectons e perceptons foi proposta ser através da análise do comportamento complexo dos seres vivos. Na verdade, Hernani não percebeu que não se pode usar um fenômeno complexo para provar um postulado baseado no próprio fenômeno complexo. 

A Ciência ainda não sabe descrever de modo completo o comportamento biológico e menos ainda psicológico dos seres. Mas isso não sugere que a solução está na definição simples da existência de partículas que tenham as funções que não sabemos descrever ainda! Em Ciência, partimos de poucas hipóteses fundamentais e com elas tentamos descobrir o comportamento de uma gama enorme de sistemas e materiais. O sucesso de novas teorias depende disso.

Tubo de raios catódicos.
2) Que na Física a descoberta das partículas subatômicas decorreram de experimentos como, por exemplo, o de J. J. Thomson com tubos de raios catódicos, que permitiram descobrir os elétrons. Que experimentos poderiam demonstrar a existência de bíons, perceptons e intelectons individualmente? Que experimentos poderiam demonstrar que perceptons estão associados à percepção-memória e intelectons estão associados a inteligência nos seres vivos? Foram experimentos como o de Thomson que mostraram que a matéria é formada por partículas subatômicas, e não os fenômenos complexos em escala macroscópica! Além disso, ao elétron e ao próton não foram associados nada mais que propriedades de possuírem determinado valor de carga elétrica e massa que, por sua vez, foram medidas por experimentos. Já as propriedades complexas como energia de coesão, condutividades elétricas e térmicas, elasticidade e outras, são obtidas sem a necessidade de definir um quantum de cada uma dessas propriedades.

3) Outra falha dos fundamentos da teoria de Hernani consiste em não definir o significado dos quanta apresentados por ele. Por exemplo, ele diz na pág. 67 que

Esta expressão – quantum – é aqui tomada como constituindo a menor fração possível, tendo, porém, um valor constante, fixo e determinado para cada componente-tipo.” 
Perguntamos o que entender por “menor fração possível”?  Fração possível do quê? Valor constante e fixo de que quantidade? Em termos de quê? Em Física Quântica, um quantum é uma quantidade fixa numérica e bem definida [4]. Quando Planck propôs a quantização das trocas de energia entre radiação e matéria, ele analisou o espectro de radiação do corpo negro em termos de quantidades de energia proporcionais a kBT [4], onde kB é a constante de Boltzmann e T a temperatura do corpo. Quando Einstein propôs que a radiação era composta de partículas de luz, ou fótons, ele propôs uma forma quantitativa de mensurar a quantidade de energia de um fóton [4]. Mas na teoria de Hernani, quanto vale um quantum de percepção ou inteligência? Cremos poder responder essa última pergunta afirmando que não sendo material o objeto de estudo da teoria, que é o espírito, não se pode tratá-la de maneira material ou análoga à matéria. Como podemos ler nos seguintes comentários de Kardec após a questão 28 de O Livro dos Espíritos [5]:
Um fato patente domina todas as hipóteses: vemos matéria destituída de inteligência e vemos um princípio inteligente que independe da matéria. (...) Elas se nos mostram como sendo distintas; daí o considerarmo-las formando os dois princípios constitutivos do Universo. (...).(Grifos em negrito, meus).
Esse é um importante detalhe que precisa ser levado em conta em qualquer teoria para a interação espírito-matéria. Concluímos dessa parte da análise que os fundamentos da teoria de Hernani não possuem respaldo experimental direto.
No próximo post, continuaremos a análise dos fundamentos da Teoria Corpúscular do Espírito. No terceiro post realizaremos alguns comentários sobre a teoria do Psi Quântico [2].

Referências

[1] H. G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Espírito, re-impresso pela Editora DIDIER, Votuporanga,  (2007).
[2] H. G. Andrade, Psi Quântico - Uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à ideia do Espirito, 3ª edição, Editora Pensamento LTDA, São Paulo (1991).
[3] S. S. Chibeni, “O Espiritismo em seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso”, Reformador Agosto, p. 37 (2003); Setembro, p. 38 (2003); Outubro, p. 39 (2003).
[4] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica – Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas, Editora Campus, 21a. Reimpressão (1979).
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 1ª. edição, Rio de Janeiro (2006).

Notas

(1) As páginas citadas aqui se referem às edições usadas como referência. O leitor deve buscar procurar as páginas corretas nas edições anteriores ou posteriores

Links






9 de dezembro de 2012

Página do projeto 'Cartas psicografadas'


Lançamento da página (estática) com informação sobre nosso projeto corrente de estudo de conteúdo de cartas psicografadas. O projeto pretende resultar:

  • Novo método de análise de conteúdo aplicado à comunicações psicográficas;
  • Estudo analítico e geração de índice (indexação) das cartas publicadas de Chico Xavier;
  • Formação de um banco de dados com informações detalhadas e organizadas das cartas.

Página do Projeto:

http://eradoespirito.blogspot.com.br/p/projeto-cartas-psicografadas.html

ou cliquem na aba superior à direita da página principal do blog 'Era do Espírito'.

Essa página trará conteúdo atualizado e informação sobre participação de voluntários no projeto. Aguardem!

29 de novembro de 2012

Vácuo quântico na obra mediúnica de Chico Xavier?


O título deste post remete a outro que foi  recentemente publicado no Portal Saber por Dauro Mendes (Ref. 1). Nele uma aparente relação entre o poema 'Homem-célula' (Ref. 2) do Espírito de Augusto dos Anjos (1884-1914), originalmente publicado em 'Parnaso de Além Túmulo' (psicografia de Chico Xavier, 1936) e a existência do 'vácuo quântico' é comentada. Mendes, no final do post, faz o seguinte questionamento:
Estaria o espírito de Augusto dos Anjos falando do Vácuo Quântico como elemento criador, como elemento criador de realidades físicas, como fonte de criação Divina, como expressão criativa, DE CRIAÇÃO, das LEIS DIVINAS? (Ref. 1, grifos do autor)
O autor propõe então uma análise do termo 'estática do Nada' que aparece em 'Homem-célula'. No que segue analisaremos essa "interpretação física" do poema.

Veremos que, em que pese a similitude vaga de termos que levaria à sequência de raciocínio nesse post do Portal Saber, a proposta exagera no relaxamento da semântica das palavras e despreza o verdadeiro papel da poesia.

Uma observação inicial

Antes de entrar na análise do ponto de vista da física, o Dr. Alexandre Caroli informa que:
"Estática do Nada" já existe no Augusto dos Anjos não espírita. O poema "Homem-célula", sobre a evolução do elemento espiritual, dialoga com o soneto "O lamento das coisas", da obra oficial do Augusto dos Anjos. (Ref. 4)
Grifamos o termo nas duas poesias para facilitar a identificação (ver Refs. 2 e 3). Portanto, o soneto citado por Dauro Mendes é um exemplo excelente de identificação cruzada de temas entre a obra psicografada e  do autor 'vivo'. Então, será que Augusto dos Anjos de antes de 1914 já sabia sobre o vácuo quântico?

Ou não seria isso resultado de uma análise no mínimo exaltada do Portal Saber?

Poesia interpretada como ciência?

A proposta de interpretação do termo 'estática do Nada' por D. Mendes é apresentada abaixo:
Estática nos remete a CAMPO ELETROSTÁTICO ao qual está associada a ENERGIA. Então, ESTÁTICA DO NADA significa A ENERGIA  DO “NADA” ( e vejam que o espírito colocou o N da palavra Nada com letra maiúscula nos chamando a atenção, dentre outras possíveis interpretações, para o fato de que este NADA É UMA FONTE DE CRIAÇÃO, não é um nada, é um PLENUUM), que tem tudo a ver com o VÁCUO QUÂNTICO. Essa ESTÁTICA DO NADA é um ARSENAL DE FORÇAS VIVAS criadoras. (1, grifos do autor)
Notamos que o autor encarnado também usa letra maiúscula com a palavra 'Nada' (Ref. 3). Isso é outro ponto de equivalência com a versão mediúnica.

Deixando de lado a questões de 'licenças poéticas' ou distorção no significado original das palavras que existem fortes e abundantes na obra de qualquer poeta (isto é, assumindo que temos autorização para fazer isso, ver 5), do ponto de vista da física acrescentamos  que o 'vácuo quântico' não é um campo eletrostático como afirmado por Mendes. O tal vácuo, que é descrito modernamente como um estado fundamental do campo eletromagnético, nada tem de 'estático'.

Assim, por várias razões, é um absurdo tomar o termo 'estática do Nada' como algo que possa ser relacionado - ainda que remotamente - ao conceito de 'campo eletrostático' e esse com o vácuo. 

A análise feita também confere a esse vácuo o status de Divindade ao propor que ele 'é um arsenal de foras vivas criadoras' ou como descrito no post:
O Vácuo Quântico, como temos mostrado, é a fonte geradora, criadora, e sustentadora, do nosso Universo e de tudo que existe nele... (Ref. 1)
A exaltação é assim evidente.

O conceito de 'nada' e a questão #36 de 'O Livro dos Espíritos'

A resposta à questão #36 de 'O Livro dos Espíritos' (sobre a inexistência do vácuo) está em pleno acordo com o conhecimento da época (o que possibilitou que a resposta fosse dada). Para entender isso, basta considerar a análise que segue abaixo.

É verdade que a física clássica poderia levar a algumas interpretação do vácuo como 'ausência de qualquer coisa'. Isso acontece porque, nessa física, a maior parte das iterações entre constituintes da matéria (átomos ou partículas) eram concebidas como 'forças de contato' e havia a crença de que seria possível esvaziar o espaço totalmente desses elementos, a ponto que ele apenas teria como propriedade o próprio espaço. Sustentar de forma definitiva que a física clássica se opunha a uma visão moderno de 'vácuo preenchido por algo que escapa aos sentidos' é, entretanto, um equívoco.

Lembramos que na própria física clássica já existiam elementos para o preenchimento do vácuo com algo invisível. Afinal, apenas uma 'força invisível' (Lei da Gravitação) poderia fazer os planetas gravitarem em torno do Sol. Essa 'força invisível' preencheria o espaço vazio com algo, de forma que, rigorosamente falando, não se poderia defender de forma consistente a noção de vácuo como o 'nada'. Depois, com o descobrimento da força elétrica e magnética (Lei de Coulomb etc), outro conceito (o do campo eletromagnético) preenchendo o vazio foi  acrescentado. 

Assim, é preciso fazer justiça aos físicos clássicos que acreditavam na existência do éter como elemento que preencheria o espaço vazio. Essa substância seria responsável pela transmissão das forças 'à distância' (tais como as forças gravitacionais e elétricas). Portanto, a ideia de vácuo como uma 'substância' que não correspondente à ideia de 'vazio' já existia plenamente na física clássica que antecedeu a revolução  quântica. 

Conclusões 

Algumas pessoas dentro do movimento espírita têm extrapolado interpretações da física quântica ou microfísica como validação ou sanção ao conhecimento espírita. Conceitos avançados como campos, energias e partículas invisíveis naturalmente são tomados a conta de comprovações para outros conceitos como perispírito, fluidos etc. Já discorremos bastante sobre isso em outros posts (Ref. 6).

Essa empolgação tem sua razão de ser, afinal seria ótimo que a Ciência da matéria já 'comprovasse' tais princípios, embora isso de nada ajudasse a melhor a compreensão pelos espíritas dos princípios que dizem defender.

Mas, esta visão - a de que os Espíritos teriam previamente revelado conceitos avançados que agora cientistas estão a descobrir - esbarra em uma noção mais profunda do caráter da revelação espírita.

Toda a razão ou objetivo último do conhecimento espírita genuíno é o progresso moral da Humanidade. Apenas aquilo que importa para esse progresso é cuidadosamente esclarecido, mesmo assim em caráter de interpretação provisória. Seria tudo muito fácil se apenas tivéssemos que aguardar revelações de Além Túmulo com relação à descobertas que ainda devem ser feitas e que devem resultar, necessariamente, de esforço próprio dos homens:
"Em virtude desse princípio é que os Espíritos não acorrem a poupar o homem ao trabalho das pesquisas, trazendo-lhe, já feitas e prontas a ser utilizadas, descobertas e invenções, de modo a não ter ele mais do que tomar o que lhe ponham nas mãos, sem o incômodo, sequer, de abaixar-se para apanhar, nem mesmo o de pensar. Se assim fosse, o mais preguiçoso poderia enriquecer-se e o mais ignorante tornar-se sábio à custa de nada e ambos se atribuírem o mérito do que não fizeram." (A. Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XXV , parágrafo 4)
Portanto, é preciso cuidado e discernimento para não 'sobre interpretar' ou distorcer afirmações mediúnicas de qualidade (como as de Chico Xavier) que tenham sido dadas em contextos totalmente desconectados dos objetivos dessas interpretações. 

Notas e Referências

1 - Vácuo Quântico na obra mediúnica espírita (por Dauro Mendes). Acesso em 29 de Novembro de 2012;

2 - Poema 'Homem-célula' na íntegra:

Homem! célula ainda escravizada
Nos turbilhões das lutas cognitivas,
Egressa do arsenal de forças vivas
Que chamamos – estática do Nada.

Sob transformações consecutivas,
Vem dessa Origem indeterminada,
Onde se oculta a luz indecifrada
Dos princípios das luzes coletivas.

Vem através do Todo de elementos,
Em sucessivos aperfeiçoamentos,
Objetivando a personalidade,

Até achar a perfeição profunda
E indivisível, pura, e se confunda,
No transcendentalismo da Unidade.

3 - Poema 'O Lamento das Coisas' postumamente publicado em 'Outras Poesias' (enviado por A. Caroli):

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente aí formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

4 - Correspondência particular.

5 -  Poesia é uma arte e não guarda relação alguma com a Física.

6 - Ver por exemplo: Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar)

25 de novembro de 2012

Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte: artigo de Michael Nahm (2011) - 2/2.

"No estado material em que vos achais, só com o auxílio de seus invólucros semimateriais podem os Espíritos manifestar-se. Esse invólucro é o intermediário por meio do qual eles atuam sobre os vossos sentidos. Sob esse envoltório é que aparecem, às vezes, com uma forma humana, ou com outra qualquer, seja nos sonhos, seja no estado de vigília, assim em plena luz, como na obscuridade." (A. Kardec. O Livro dos Médins, 2a parte, "Das manifestações espíritas". Cap. VI.)

Em post anterior (ref 1), discutimos brevemente trechos do artigo de Michael Nahm (2011) sobre o contexto de experiências de quase morte. Nesta segunda parte, comentamos outros trechos igualmente interessantes para compor nossa análise final do trabalho.

Relação entre NDE, Mediunidade e CORTs: do inglês 'Case of Reencarnation type'. Aqui o autor traça relações aparentes que existem entre relatos de experiências de quase morte (EQM =NDEs), fenômenos mediúnicos e eventos de lembranças de vidas anteriores (CORT):
Por exemplo, Giovetti (1999) descreve um caso no qual um NDEr reportou ter encontrado uma mulher de nome Mara durante uma experiência fora do corpo. Ela disse que ele poderia escolher entre permanecer naquele estado ou retornar ao seu corpo. O NDEr decidiu retornar. Mais tarde, descobriu-se que Mara era também um comunicante regular em um grupo mediúnico e que ela tinha dado uma comunicação independente em uma sessão descrevendo o encontro com o NDEr. 
Tal ocorrência singular está totalmente de acordo com o estado de liberdade do Espírito, na possibilidade de seu encontro com outros Espíritos e de trânsito de informação de forma não convencional, como nunca seria esperado por qualquer outro processo que jamais admitisse a independência e comunicabilidade dos Espíritos. Mas qual a relação com lembranças de vidas passadas? Em outro trecho do artigo, Nahm descreve:
No contexto presente, é relevante que várias crianças, de diferentes traços culturais, deram descrições complementares sobre como elas passaram o período intermediário entre duas existências. Frequentemente tais descrições começam dizendo que deixaram o corpo da personalidade anterior com a morte e que perceberam cenas a partir de cima. Algumas crianças também dizem que as pessoas presentes próximas ao corpo não conseguiam ouvi-las ou vê-las, embora as crianças tentassem fazer contato. Outras ainda descrevem corretamente o que aconteceu com o corpo da personalidade anterior, por exemplo, fornecendo informação verídica sobre eventos do funeral (Hassler, 2011; Stevenson, 1997; Tucker, 2006).
Tais descrições são ainda mais extraordinárias (sempre do ponto de vista que não admite a sobrevivência e reencarnação), pois provêm de fontes consideradas de difícil influenciação por ideias aprendidas. Vimos como crianças também podem fornecer relatos de experiências de quase morte (ver post da nota 2). Aqui, Nahm considera a existência de relatos de NDE por crianças que não experimentaram uma NDE realmente, mas que se lembram de experiência semelhante vivida por sua personalidade anterior. A descrição da NDE é, portanto, indireta e fornecida a partir de uma lembrança de uma vida anterior. Tais descrições sancionam não só a existência integral e consistente da personalidade após a morte como também as vidas sucessivas.


Anúncios de nascimento e posterior confirmação: Outra variedade de fenômeno relacionado a sonhos compartilhados, são os casos de lembranças nos pais de visitas de Espíritos de crianças antes de seu nascimento. Pensemos em toda controvérsia que existe em torno da questão do aborto e sua ética, diante de evidências de sonhos compartilhados desse tipo em que a criança posteriormente confirma a visita!
Mas, os casos mais típicos de anúncios oníricos CORT não recíprocos são bastante notáveis. Neles os futuros pais sonham frequentemente com uma personalidade falecida que declara ser seu interesse nascer a partir deles. Posteriormente, a criança nascida fala de uma vida que corresponde à existência da personalidade que apareceu durante os sonhos, sendo que a criança pode apresentar marcas de nascença que corresponde àquelas da personalidade anterior (por exemplo, o caso de Necip Ünlütaskiran em Stevenson, 1997)
Um interessante caso também é apresentado pelo Dr. Moody conforme vimos em um post anterior (ver ref. 4).

Lucidez terminal: Um fenômeno que tem sido observado durante eventos de EQM é o súbito retorno à lucidez de pessoas consideradas incapazes mentalmente ou doentes em estado avançado de ausência de consciência nos momentos que se aproximam da morte. Esse fenômeno pode ser chamado de lucidez terminal. Segundo Nahm:
Presentemente, conheço cerca de 85 casos publicados desse tipo. Eles incluem pacientes com tumores no cérebro, demência  doença de Alzheimer, derrame, meningite, esquizofrenia e outros sem diagnóstico médico preciso. Vários outros casos me foram relatados por comunicação pessoal. Os incidentes mais perplexos são aqueles em que a doença mental é causada por degeneração ou destruição de estruturas cerebrais no paciente tal como a doença de Alzheimer, tumores e derrames.
Sobre esse retorno à lucidez por alguns momentos, há ainda uma observação perspicaz:
A lucidez inexplicável que é mostrada por alguns pacientes pode também ser relacionada ao estado de extraordinária claridade mental que é reportada durante as EQMs e, como mencionado, aos momentos de lucidez que ocorrem nas visões de leito de morte (DBV). Guy Lyon Playfair reportou um caso de um DBV que torna evidente esse tipo de relação (correspondência eletrônica de 22 de Dezembro de 2009). Nesse caso, uma paciente em estado de demência experimentou uma DBV no dia anterior ao da sua morte. Nessa visão, a paciente viu e reconheceu membros familiares falecidos, a saber, um irmão e uma irmã que já haviam falecido há bastante tempo. A visão foi tão real que a mulher pediu a sua enfermeira, de forma surpreendente, que a servisse três xícaras de chá. Isso, considerando que no último ano ela era incapaz de reconhecer sequer membros da família que viviam com ela na mesma casa.
Ou seja, há uma relação entre a percepção de estado de grande lucidez durante uma EQM e sua ocorrência quanto o paciente encontra-se em um estado de doença mental. Não podemos deixar de lembrar aqui que a lucidez terminal é comprovação do que foi revelado no 'Livro dos Espíritos' em várias questões desde # 371 a #378 sobre o Idiotismo e a Loucura. Reproduzimos aqui a questão #375 do LE para comparação (ref. 3):
375. Qual, na loucura, a situação do Espírito?

"O Espírito, quando em liberdade, recebe diretamente suas impressões e diretamente exerce sua ação sobre a matéria. Encarnado, porém, ele se encontra em condições muito diversas e na contingência de só o fazer com o auxílio de órgãos especiais. Altere-se uma parte ou o conjunto de tais órgãos e eis que se lhe interrompem, no que destes dependam, a ação ou as impressões. Se perde os olhos, fica cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que seja o órgão que preside às manifestações da inteligência o atacado ou modificado, parcial ou inteiramente, e fácil te será compreender que, só tendo o Espírito a seu serviço órgãos incompletos ou alterados, uma perturbação resultará de que ele, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita consciência, mas cujo curso não lhe está nas mãos deter."
A lucidez terminal é, portanto, um fenômeno previsto pela teoria espírita que afirma a natureza dual do ser  humano. Evidências de lucidez terminal são fornecidas por Nahm nas seguintes referências: (Barrett, 1926, Bozzano, 1947, Kelly, Greyson, & Kelly, 2007)

Conclusões

Comentamos abaixo algumas outros trechos do excelente artigo de M. Nahm como conclusão deste post. Em primeiro lugar sobre as evidências existentes para o retorno à lucidez de pacientes terminais com doenças mentais:
Se essas observações forem substanciadas em investigações futuras, elas representam problemas sérios aos modelos amplamente aceitos para a consciência e processamento de memória. Segundo essas, a mente humana é considerada um subproduto de interação de disparos de neurônios. Mas, como no caso das EQMs, somos obrigados a nos perguntar: como pode a cognição e a memória funcionarem sob condições severas de paralisia cerebral ou mesmo degeneração avançada das estruturas neuronais necessárias? 
Aqui há pouco a ser comentado, deixando claro nossa concordância com essa observação de Nahm. Ele ainda desenvolve:
A hipótese de que uma EQM não depende do estado da organização orgânica no cérebro constitui-se em um modelo explicativo capaz de lidar com o enigma sobre porque as experiências NDE podem ser tão notavelmente similares sob condições tão variadas de fisiologia do cérebro.
Em outras palavras, as experiências de EQM são manifestações da parte espiritual do ser humano e, dessa forma, manifestam-se de forma independente do estado particular ou condição neurológica em que se encontre o corpo (embora, sua manifestação exige que partes inteiras do cérebro estejam profundamente comprometidas). Nesse sentido, as observações feitas com pacientes dementados em estado terminal são muito relevantes:
Se pacientes em estado de demência podem subitamente reconhecer membros familiares próximos vivos durante a lucidez terminal, outros podem muito bem reconhecer membros familiares falecidos durante uma visão de leito de morte ou EQM, talvez porque entrem semelhantemente em um processo de enfraquecimento de vínculos com a matéria física cerebral. De fato, é uma afirmação antiga do Espiritualismo que muitas doenças mentais podem ser revertidas ou curadas no estado desencarnado.

Como vimos, isso é corolário do que apresentamos acima com a questão # 375 de 'O Livro dos Espíritos'. Sobre desdobramentos empíricos das EQM, Nahm também lembra a existência de eventos onde múltiplas pessoas foram envolvidas simultaneamente em um evento de EQM (Gibson, 1999), o que possibilitaria a descrição simultânea da ocorrência entre diferentes indivíduos:
Se tais descrições puderem ser independentemente corroboradas por participantes diferentes em uma mesma experiência, isso forneceria um argumento forte a favor da possibilidade de experiências intersubjetivas durante o estado aparentemente desencarnado do ser. A crença de que aqueles que deixam seus corpos físicos - seja durante a vida ou durante a morte - são capazes de ver outros Espíritos desencarnados é parte de antigas tradições de muitas culturas ao redor do mundo.
Experiências de quase morte reciprocamente confirmadas, comunicações mediúnicas que confirmam experiências de EQM, crianças que lembram EQMs vividas pelas personalidades de uma vida anterior, pais que sonham recorrentemente com personalidades que pedem para nascer a partir deles e seus filhos então confirmam os sonhos dos pais, doentes mentais que repentinamente recobram a lucidez pouco antes da morte, pessoas afetadas por problemas neuronais graves que subitamente recordam EQMs exibindo um estado de grande lucidez, EQMs que relembram experiências vividas em outras existências...

Tais são os fenômenos desprezados e desconsiderados pelo conhecimento especializado da medicina, casos que ocorrem talvez aos milhares todos os dias, previstos e prescritos na lei, porque revelam a natureza real do ser humano, alma consciente e viva dentro da grande Eternidade que é a vida verdadeira do Espírito imortal.   

Notas
  1. Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte: artigo de Michael Nahm (2011) - 1/2.
  2. Livro III - O Que Acontece Quando Morremos (Dr. Sam Parnia)
  3. A. Kardec. 'O Livro dos Espíritos'. Referência do IPEAK.
  4. Palestra do Dr. Raymond Moody sobre Experiências de quase-morte compartilhadas. (Set, 2011).
Referências
  • Barrett, W. F. (1926). Death-Bed Visions. London: Methuen.
  • Bozzano, E. (1947). Le Visioni dei Morenti. Verona: Salvatore Palminteri.
  • Gibson, A. S. (1999). Fingerprints of God. Bountiful, UT: Horizon
  • Giovetti P. (1999). Visions of the dead. Death-bed vision and and near death experiences in Italy. Human Nature 1, 38-41.
  • Hassler D (2011). Spontanenerinnerungen kleiner kinder an ihr 'früheres leben'. Aachen. Shaker Media.
  • Kelly, E. W., Greyson, B., & Kelly, E. F. (2007). Unusual experiences near death and related phenomena. Em E. F. Kelly, E. W. Kelly, A. Crabtree, A. Gauld, M. Grosso, & B. Greyson (Eds.), Irreducible Mind: Toward a Psychology for the 21st Century, Lanham, MD: Rowman & Littlefi eld, pp. 367–421.
  • Nahm, M (2011). Reflections on the Context of Near-Death Experiences, Journal of Scientific Exploration, 25, No. 3, pp. 453–478.
  • Stevenson I. (1997). Reincarnation and Biology. Westport. CT Praeger.
  • Tucker J. T.(2006). Life before life. London: Piatkus Books.