7 de abril de 2012

Sobre OVNIS, ETs e o Espiritismo

Por do sol em Marte fotografado da cratera Gusev. Imagem: Nasa (2005).
"To communicate with Mars, converse with spirits." (T. S. Elliot, 1944, 'The Four Quartets, the dry salvages", V)

Em um post anterior mostramos que a existência de vida fora da Terra tornou-se uma realidade com a descoberta de um número surpreendente de planetas em estrelas dentro do que se costumou chamar de 'nossa galáxia'. A existência dessa vida (do ponto de vista físico) depende fortemente da chance de existência de planetas, fato que se tornou fenômeno incontestável diante da prova de que existe pelo menos um planeta em média (talvez 2) para cada estrela da Via-Láctea. Isso caracteriza uma quantidade muito grande de planetas (da ordem de 400 bilhões ou, talvez, 1 trilhão), o que faz com que a chance de vida física (biológica como a nossa) seja muito grande. 

Entretanto, o assunto merece um pouco mais de atenção para tornar mais claro o ponto de vista espírita ou, melhor dizendo, espiritualista. A tese espiritualista é muito simples em essência, mas resulta em consequências inimagináveis para nossa concepção comum do mundo. Embora seja uma ideia muito antiga, tornou-se uma ideia revolucionária para a visão moderna materialista do mundo. Esse impacto tem sua razão de ser, uma vez que a ciência moderna tem seus próprios 'contrafortes' ou 'defesas' que impedem que qualquer um se aproprie de seus princípios. Há regras para se fazer ciência e essas regras não permitem que se extrapolem princípios além de determinadas fronteiras. 

A existência da fenomenologia psíquica e a certeza da existência de inteligências extracorpóreas prenuncia uma revolução ainda maior na nossa maneira de ver o mundo. Acostumados a compreender esse mundo apenas do ponto de vista de nossos sentidos ordinários, os quais apenas processam informação da matéria tangível, não somos dotados ainda de nenhum tipo de habilidade especial capaz de apreender a parte invisível do Universo. Que essa parte exista não há dúvida, pelo que chegamos à conclusão de que não é mais possível apenas confiar em nossos sentidos ordinários para explorar o Universo.

O que é vida?

Embora façamos uso da literatura espírita como base, o que discutiremos aqui é premissa de qualquer tese espiritualista. A pergunta capital é: o que é vida? Embora existam muitas definições fundamentadas na biologia para a vida, ao analisar o problema no contexto do espiritualismo, é preciso alargar radicalmente essa concepção. Pois ela não apenas engloba a existência de organismos com determinado tipo de arranjo e estrutura molecular física, mas outros tipos de formas que existem nesse Universo paralelo postulado pela tese espiritualista. Se existe sobrevivência, a resposta à questão 'O que é Vida?' deve também levar em conta esses outros tipos de existência, que não estão sujeitos à apreensão tangível. 

Logo no início de 'O Livro dos Espíritos' podemos ler a resposta dada à questão 86, sobre a independência entre o mundo material e o mundo 'paralelo' formado pelos Espíritos:
#86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita?

Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.
A resposta é compreensível do ponto de vista lógico. Se o mundo espírita dependesse do mundo material, aquele seria uma derivação da matéria pelo que a sobrevivência não seria possível. Para a nossa discussão, se a vida espiritual dependesse da vida biológica, então, para todos os propósitos, isso equivaleria à inexistência da vida espiritual. Estabelecido a independência dos princípios, então, como dissemos acima, um novo Universo se estabelece. O Universo espiritual é essencialmente composto pelos Espíritos que constituem uma das 'forças da Natureza' (além da matéria), e que carregam memória e inteligência. Os Espíritos são fontes primárias de informação do Universo, além de terem como atributo a inteligência. 

Mas onde estão eles? Embora plenamente válida, essa questão é proferida no referencial de 'espaço ou lugar' do Universo material. Não há um 'lugar pré-definido' nesse espaço material para o elemento inteligente, pois, como vimos eles são independentes. Por isso, compreendemos a resposta à questão seguinte:
#87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no espaço?

Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Vós os tendes de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes, pois que os Espíritos são uma das potências da Natureza e os instrumentos de que Deus se serve para a execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, pois há regiões interditas aos menos adiantados.
Uma vez que esses dois universos são independentes, um não pode estar circunscrito ao outro. A independência se expressa em não existirem limites pré-fixados de um elemento para com o outro. Ainda mais importante, disso segue que confusões de entendimento podem surgir ao se procurar aplicar a um desses mundos conceitos naturalmente derivados do outro.

A analogia que podemos fazer aqui é com a vida microbiana: por mais que usemos recursos de limpeza e esterilização, nunca conseguiremos eliminar a vida microscópica que pulula a nossa volta e que não conseguimos ver. Somos, portanto, obrigados a viver em conviver com as duas realidades, embora só tenhamos acesso a uma só.

Existe vida na Lua?

Uma vez que nossa concepção de 'vida' é substancialmente alterada pela tese espiritualista, não é difícil responder à questão sobre 'a existência de vida em outros planetas'. Há certamente vida em várias gradações físicas (que é a busca por vida alienígena das ciências da matéria), mas podemos falar também em vida em outro sentido, a saber, no sentido espírita. 

Assim, se nos perguntarmos, existe vida na Lua? A resposta pode ser um sonoro 'não' se entendemos por vida a concepção puramente física dela (Nota 1). Entretanto, e quanto à existência de Espíritos? Embora um 'sim' possa parecer pura especulação (por causa de nosso apego à concepção de vida física), ele é consequência direta da tese que discutimos acima. Como o Universo dos Espíritos não depende da matéria, eles estão por toda parte. Então, pela nossa concepção radicalmente alargada de vida e consciência, a afirmativa positiva é a conclusão mais lógica. 

Interessante é ver que, ao longo do 'Livro dos Espíritos', o tema foi retomado de forma consistente com os primeiros princípios explícitos nas questões #86 e #87. Especificamente sobre 'mundos estéreis' como a Lua, encontramos a resposta à questão #236 que reproduzimos abaixo:
236. Pela sua natureza especial, os mundos transitórios se conservam perpetuamente destinados aos Espíritos errantes?
Não, a condição deles é meramente temporária.
a) – Esses mundos são ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos?
Não; estéril é neles a superfície. Os que os habitam de nada precisam.
A resposta confirma a 'esterilidade física' de tais mundos, que são destinados à determinada classe de Espíritos. Porém, confirmada também está que a esterilidade física não é empecilho para a atração que tais mundos representem a determinados tipos de Espíritos.

Por mais extraordinárias que possam soar tais revelações, todas são consequência direta da tese fundamental espírita, a de que há sobrevivência e vida futura.

Dos OVNIs e ETs.

O leitor pode se perguntar porque escolhemos um título com as palavras OVNIS (objetos voadores não identificados) e ETs (do inglês, extraterrestrials) para uma análise sobre questão da vida em outros planetas do ponto de vista espiritualista. Nossa opinião é que a questão sobre a existência de visitas no nosso mundo (físico) de seres de outros planetas e mundos corre paralela (e bem perto) à questão da sobrevivência do Espírito. A tese da 'pluralidade dos mundos habitados' deve ser largamente aceita por todos os espiritualistas em geral e certamente é um princípio importante na solução da questão dos extraterrestres.

A 'descoberta' desse tipo de vida (física) seria uma comprovação por meios usuais (e, portanto, envolvendo a matéria tangível) de outros tipos de vida além da nossa vida física. Esse achado seria certamente inigualável frente a todos os outros da história das descobertas humanas, mas não maior do que a constatação de que, para haver vida verdadeira, não se faz necessária a matéria. Portanto, ao se aceitar abertamente a tese espiritualista, o campo de investigação estará muito mais aberto à constatação de fatos nunca antes imaginados na história humana.    
    
Referências

Nota

1 - A Lua é um corpo estéril do ponto de vista físico: não tem atmosfera, água, ou qualquer coisa necessária para abrigar vida do ponto de vista biológico. A despeito disso, algumas formas de bactérias e seres unicelulares podem viver talvez armadilhados em gelo no sopé de crateras nos pólos lunares, lugar destinado eternamente a permanecer em completa escuridão.

  

1 de abril de 2012

Novas edições do Boletim do GEAE


O GEAE (Grupo de Estudos Avançados Espíritas) apresenta seus boletins em nova formatação. Editados e preparados por Carlos A. Iglesia Bernardo, o novo formato, além de esteticamente agradável e que faz cada boletim se parecer com uma revista, facilita a busca, leitura e pesquisa. Também está disponível na versão PDF. 

Recomendamos fortemente a leitura do boletim do GEAE que tem periodicidade mensal.

Referências

Para acessar o GEAE.


24 de março de 2012

Deus e suas Causas I

"Levou menos de uma hora para átomos se formarem, algumas centenas de milhões de anos para se fazer estrelas e planetas, mas cinco bilhões de anos para um homem surgisse!" G. Gamow, 'A criação do Universo' (1952).

A imagem presente - sustentada por teorias cosmológicas recentes - tanto quanto se ocupa apenas com fenômenos materiais, revela que o universo foi criado a partir de um instante apenas, denominado 'Big Bang'. Ironicamente, esse nome foi criado pelo cosmologista Fred Hoyle que detestava a ideia da explosão inicial. Em um programa de rádio em que discutia o tema, ele criou a palavra (que visava caracterizar pejorativamente a ideia). Poderíamos traduzir o apelido de Hoyle por 'teoria do estrondão'.

O Big-Bang é o momento assinalado para a origem do elemento material. Mas a matéria não é a única coisa que existe no Universo (mesmo segundo o conhecimento academicamente aceito) . Há também 'leis' ou 'princípios' que servem para 'organizar' ou estruturar a matéria. Esses princípios regulam como a matéria interage consigo mesma e com outros elementos, a fim de produzir quase tudo que nós vemos com nossos sentidos ordinários e, principalmente, aquilo que não conseguimos ver. Sem as leis o Universo seria um amontoado caótico de matéria ao ponto de ser impossível descrevê-lo como, de fato, o conhecemos.

A teoria do Big-bang constrói um relato da história pregressa do Universo. Nesse relato, as leis da Física surgem ou são dadas 'desde o princípio', ou seja, não são 'derivadas' da mesma origem postulada. Por isso, a ideia de um 'princípio' é problemática: seria mais fácil se o Universo sempre tivesse existido, porque, então, não seria necessário explicar como surgiram as leis. Por isso também, há muitos cosmologistas que defendem uma origem 'acausal' (sem causa) para o Universo. A tarefa seria ainda mais fácil caso fosse possível algo mais: uma corrente de cientistas procura uma forma de se unificar todas as leis da Física. Está claro que, se todas as leis puderem ser unificadas, isto é, se for possível encontrar uma teoria onde todas as leis possam ser derivadas a partir de uma só, fica mais fácil explicar a origem do Universo. A teoria do Big-Bang é, portanto, uma teoria (reconhecidamente) incompleta, na medida em que não se encontrou ainda tal unificação. 

Naturalmente, a motivação para a unificação é sustentada também por outro princípio, o de que é possível reduzir todos os fenômenos a interações entre elementos primitivos segundo as leis da Física. Essa ideia é conhecida como reducionismo. De forma muito simplificada, a imagem reducionista está representada na figura abaixo, onde a origem é identificada pelo Big Bang. 

O Big-Bang tem, na visão de Universo revelada pela Cosmologia, exatamente o mesmo papel que Deus teria em uma descrição da origem do Mundo pelas diversas 'cosmogonias' religiosas historicamente conhecidas. Mas, sendo uma causa primária, o Big-Bang não é necessário para explicar satisfatoriamente quase tudo o que vemos a nossa volta. 

Na figura acima, nós colocamos as leis naturais como oriundas também dessa origem primeira postulada. Para a discussão a seguir, importa pouco se as leis naturais tiveram um princípio único ou foram 'dadas' desde o princípio.

O Big-Bang desempenha o papel de Deus na Cosmologia moderna.

O que nos interessa é discutir o papel da ideia de Big-Bang e compará-la a nossa discussão sobre 'Deus e suas Causas'. Chegamos à conclusão: o Big-Bang é a causa primária postulada pela Ciência para dar conta da origem da Matéria e, espera-se, de suas leis. Dessa forma, nós também não precisamos do Big-Bang para explicar satisfatoriamente quase tudo o que vemos a nossa volta. 
Todas as outras ciências (Biologia, Química, etc e mesmo a Física) prescindem da idéia do Big-Bang para existir, quer dizer, teorias e pesquisas nessas áreas não necessitam admitir uma causa primária para explicar seus fenômenos particulares.
Mas isso não significa que o Big-Bang não tenha ocorrido. Assim, o fato da ideia de Deus ser inútil para desenvolvimentos particulares na Ciência, não implica que ele não exista, contradizendo um dos argumentos do  ateísmo, o de que não se vê Deus na Natureza. 

Podemos ver ou sentir o Big-Bang? A resposta é 'não', porque não temos órgãos sensoriais sensibilizáveis por evidências do tipo levantadas por cosmologistas para se sustentar a ideia do Big-Bang:
  • Observações com espectroscopia mostram que galáxias espalhadas de forma mais ou menos uniforme por todo o céu estão se movendo a uma velocidade tanto maior quanto maior a distância em que se encontram de nós (efeito do redshift);
  • Há uma radiação residual distribuída por todo o céu, ligada a uma fonte térmica alguns graus acima de zero absoluto.
Tais fatos são considerados evidências que suportam a ideia de um universo em expansão. O primeiro indica que, de fato, o Universo continua se expandindo, enquanto que o segundo é tomado como evidência direta da explosão inicial. Acrescentamos que, para se constatar tais fatos, são necessários equipamentos (telescópios munidos de espectrógrafos sensíveis e radiotelescópios) que não estão disponíveis a qualquer um dos mortais. Mesmo de posse de tais equipamentos, anos foram necessários para se acumular tais 'evidências', o que aconteceu depois que a teoria do Big-Bang já havia sido postulada.

Obviamente, nenhuma teoria sustenta a ideia de Deus, não só porque inexistem evidências - do tipo esperada pelas ciências materiais, mas porque se acredita que tudo - inclusive as leis - tenham surgido da matéria. Para contornar esse problema (em direção a uma ciência que admita a ideia de Deus), temos que enfrentar outro mais sério: há inúmeras concepções e ideias sobre Deus. 
Como existem muitas ideias e conceitos sobre Deus e admitindo que ele seja único e existente, é absolutamente impossível que mais de uma dessas ideias esteja correta ao mesmo tempo. Logo, a imensa maioria das noções (possivelmente quase todas) que os homens tiveram ou têm sobre Deus está equivocada.
Não temos, em particular, elementos para defender a noção de que Deus é uma pessoa como fazem algumas interpretações religiosas.  Ao eliminar a influência de todas as tradições religiosas, que é o caminho que o mundo moderno decidiu seguir com as descobertas da Ciência, como poderemos conceituar a noção da Divindade? 

Em outras palavras, se um dia a Ciência defender a ideia de Deus como necessária, qual será a ideia que ela irá propor?

Certamente a Ciência defenderá a noção de Deus como causa primária de todas as coisas. No que difere esta ideia da noção do Big-Bang? Em princípio, o Big-Bang foi uma ocorrência que surgiu do nada (por definição), enquanto que Deus é uma entidade causal inteligente. Para muitas religiões é ainda muito difícil aceitar a noção de que, para se ter inteligência como atributo, não é necessário que se tenha todos os atributos secundários de uma pessoa.

Mas, não vemos que a imortalidade da alma resulta na não necessidade de se ter um corpo físico para que a consciência se manifeste? Assim, desde que a própria consciência não é um atributo da matéria, a noção de Deus, como causa primária, não pessoal e inteligente necessariamente ganha força. Por outro lado, a própria compreensão de que a consciência não nasce simplesmente de arranjos da matéria, não cria um embaraço para o reducionismo e, portanto, para a noção de que o Big-Bang seria a causa suficiente para tudo no Universo? Então, podemos falar em consequências cosmológicas da sobrevivência e da constatação de que a consciência não depende da matéria. Há algo muito maior, transcendente e inobservável na origem do Universo, muito além do simples nascimento da matéria.

Essa é precisamente a noção sustentada pela Doutrina Espírita (1), a de que Deus manifesta-se no mundo através de atributos essenciais de inteligência e de que ele não precisa agir diretamente como causa secundária. A ciência, tão só examinando efeitos gerados por causas secundárias, jamais conseguirá reunir 'evidências' de que Deus existe - principalmente se nossas noções particulares de existência (atributos de corporeidade, tangibilidade, presença etc) forem invocadas. Isso, entretanto, não significa que ele não exista, mas, existindo, não significa tão pouco que sua imagem coincida com aquelas derivadas de muitas concepções religiosas. 

Falaremos mais sobre isso em um próximo post.

Referência

(1) A. Kardec. Questão #1 de 'O Livro dos Espíritos'.

18 de março de 2012

O Espiritismo como forma de conhecimento (texto de Érico Bomfim)


Ao longo de nossos estudos no eradoespirito também podemos postar textos ou artigos originais de pessoas que tenham interesse em participar do blog. Este é um exemplo. Trata-se de um texto interessante para reflexão escrito por Érico Bomfim. Saiba mais sobre este autor no final do post. 

O Espiritismo se opõe frontalmente às tendências majoritárias da filosofia recente. Ao resgatar a sobrevivência da alma e a reencarnação, o Espiritismo é visto como uma verdadeira anomalia na história do pensamento; é visto como afinado com ideias antiquadas e primitivas, como sendo um aglomerado de velhas supertições. No entanto, como explica Kardec (2009a) “uma ideia não é supersticiosa senão porque ela é falsa; ela cessa de sê-lo desde o momento em que é reconhecida verdadeira. A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”.

É em razão de seu conteúdo, portanto, que o Espiritismo sofre ataques. Nunca em razão de sua forma. No entanto, os mais diversos conteúdos são examinados pelas ciências. Segue-se daí que não é o conteúdo que determina uma atividade humana como sendo uma ciência. É a forma. Explicamos.

Por forma, aqui, entendemos as estruturas de acordo com as quais constroem-se as diversas ciências, segundo a epistemologia contemporânea (ver Apêndice). Por conteúdo, entendemos o assunto abordado. Por exemplo, a Filosofia da Natureza, dos pré-socráticos, e as diversas ciências da natureza estudam, por vezes, os mesmos assuntos. No entanto, suas formas são diferentes. O nível de especulação na primeira é muito maior, porque o de observação é muito menor.

A observação restringe as teorias (muito mais do que as “comprova”). É por isso que confia-se muito mais nos postulados da astronomia do que nos da cosmologia pré-socrática. Pode-se dizer que a confiança que se tem na ciência se dá porque nela a observação dos fatos tende a não permitir que os equívocos se perpetuem. De fato, quando uma teoria está errada, espera-se que os fatos o mostrem.

O Espiritismo está para todos os sistemas metafísicos anteriores (religiosos ou filosóficos), assim como a astronomia está para a cosmologia pré-socrática. O Espiritismo é a primeira atividade humana a estudar o suprassensível pela forma científica. Todos os sistemas anteriores tinham um alto nível de especulação. A coisa é bastante simples: nunca antes houve uma ciência que perguntasse aos espíritos (após verificar sua existência* ) como é o seu mundo. É por fazer isso que os postulados espíritas gozam de tanta segurança. Negar o Espiritismo porque ele parece “anacrônico” ou “antiquado” seria como negar que o Sol é o centro do sistema solar porque Jesus não pode ter encarnado na periferia. Ora, se a Astronomia observa que o Sol está no centro do sistema solar, ele não se deslocará para satisfazer a um capricho cristão. Do mesmo modo, se os espíritos reencarnam e progridem, e se essas são leis do mundo espiritual, não deixarão de fazê-lo porque isso parece uma ideia ultrapassada. “A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”, porque, se houver, não deixará de haver porque são vistas como superstição. Mas ainda se fará uma objeção: será possível fazer ciência do que não se dá aos sentidos, mas está além desses; será possível fazer ciência do suprassensível?

A História, muitas vezes, nos fala de um passado do qual nós não tivemos a experiência e nem por isso deixa de ser ciência. A ninguém ocorre questionar que o Brasil se tornou independente de Portugal em 1822 por não poder vê-lo com seus próprios olhos. As manifestações espíritas equivalem aos documentos históricos, porque tanto as primeiras como os segundos nos pintam um mundo do qual nós não podemos ter conhecimento a não ser através deles.

Os críticos que unirem obstinação e ignorância extrema farão ainda um ataque final: “Como poderá haver ciência do sobrenatural, uma vez que este foge a quaisquer leis e regularidades, que são necessidades da atividade científica?” De fato, segundo Marilena Chaui (2010) a atitude científica “opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos”.

Ora, todo aquele que está familiarizado com Kardec sabe que nada ilustraria melhor sua postura do que o trecho citado acima. Mas para os que ainda não o estão, deixemos que o próprio Kardec lhos mostre:
O Espiritismo repudia, no que lhe concerne, todo efeito maravilhoso, quer dizer, fora das leis da Naureza. Ele não faz nem milagres nem prodígios, mas explica, em virtude de uma lei, certos efeitos até hoje reputados como milagres e prodígios, e por isso mesmo demonstra sua possibilidade.(Kardec, 2009a) 
[O Espiritismo] diz e prova que os fenômenos sobre os quais se apoia não têm de sobrenatural senão a aparência. (…) Mas eles não são mais sobrenaturais que todos os fenômenos aos quais a Ciência hoje dá solução, e que pareceram maravilhosos numa outra época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, são a consequência de leis gerais e nos revelam um dos poderes da Natureza, poder desconhecido, ou dizendo melhor, incompreendido até aqui, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas. (…) Aqueles que o atacam a esse respeito é porque não o conhecem(Kardec, 2009). 
O maravilhoso, expulso do domínio da materialidade pela ciência, entrincheirou-se no da espiritualidade, que foi o seu último refúgio. O Espiritismo, em demonstrando que o elemento espiritual é uma das forças vivas da Natureza, força incessantemente agindo concorrentemente com a força material, fez de novo entrar os fenômenos que dela ressaltam no círculo dos efeitos naturais, porque, como os outros, estão submetidos a leis. Se o maravilhoso foi expulso da espiritualidade, não tem mais razão de ser, e é então somente que se poderá dizer que passou o tempo dos milagres (Kardec, 2009b).
O Espiritismo, portanto, longe de se nutrir do sobrenatural, operou o desencantamento final do Universo.

Apêndice: alguns critérios para se avaliar uma teoria ou hipótese.

Aqui são expostos de maneira muito geral e extremamente simplificada alguns esboços dos critérios das principais teorias da filosofia da ciência contemporânea para se avaliar uma teoria ou hipótese:
  1. Popperiano: Para o filósofo da ciência Karl Popper, uma hipótese só é científica se for falsificável, isto é, apenas se houver algum fato que, se observado, a torne falsa. Uma hipótese que sabe-se de antemão que se encaixa em qualquer fato observável não é, portanto, tolerável na ciência. Por exemplo, se um criacionista diz que Deus forjou as provas da evolução para testar a nossa fé, é difícil imaginar qualquer fóssil ou qualquer prova da evolução que, se encontrado, convença-o de que sua hipótese é falsa. Ainda que se encontre um ancestral de uma espécie qualquer congelado e em perfeitas condições, o criacionista dirá que Deus criou aquela prova para testar a nossa fé. Não há qualquer fato que, se observado, torne a hipótese criacionista falsa, para um criacionista. Sua hipótese de que Deus criou as provas da evolução para testar a nossa fé se adapta a qualquer fato que se verifique, porque o criacionista alegará que Deus, sendo onipotente, pode ter criado qualquer prova da evolução, com aquele intuito de nos testar.
  2. Kuhniano: para o filósofo da ciência Thomas Kuhn, uma teoria resiste até que acumule anomalias, ou seja, fatos que ela não explica. Em outras palavras, quando observam-se diversos fatos que uma teoria não explica, essa teoria é substituída por outra em que os fatos se encaixem. A teoria em que os fatos se encaixam é parte de um paradigma estável, porque não acumulou anomalias.
  3. Lakatosiano: Para o filósofo da ciência Imre Lakatos, uma teoria é tão melhor quanto mais antecipa os fatos. Uma teoria que prevê os fatos, além de se adequar aos já observados, é considerada integrante de um programa de pesquisa progressivo. A teoria que faz previsões equivocadas e precisa de explicações adicionais para dizer por que errou, correndo assim atrás dos fatos, integra um programa de pesquisa degenerante.
(*) Não tratamos aqui das evidências da sobrevivência e da comunicabilidade dos espíritos. Este seria um assunto para muitos artigos.

Referências

Chaui M. (2010). “Convite à Filosofia”. Ed. Ática. São Paulo.
Chibeni S.. “O que é Ciência?”
Kardec A. (2009) . “O Livro dos Espíritos”. Ed. IDE. Araras, SP.
  • (2009a) “O que é o Espiritismo".  Ed. IDE, Araras, SP.
  • (2009b) “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”.  Ed. IDE, Araras, SP.

Sobre Érico Bomfim.

Nascido em 1991, no Rio de Janeiro e cursando (2012) o último ano de bacharelado em piano pela UFRJ.