4 de fevereiro de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica I


As moléculas têm uma forma determinada?" Sem dúvida, as moléculas têm uma forma, que não é perceptível para vós." ('O Livro dos Espíritos', questão # 34, 1857)

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física. 
1. Introdução

A física exerceu enorme influência sobre o desenvolvimento das ciências modernas nos últimos tempos. Sabemos hoje o quanto e ciência e a tecnologia têm contribuído para o aprofundamento do abismo entre as sociedades ricas e pobres, numa situação nunca antes vista na história. Nosso objetivo com a série de posts que se inicia hoje é apresentar brevemente alguns conceitos de física quântica, a fim de elucidar aparentes diferenças entre a visão do mundo fornecido por essa disciplina e a maneira usual de ver o mundo. Isso é importante, uma vez que descobrimos que o nosso jeito particular e puramente sensorial de apreender a realidade não corresponde ao único existente. Existem 'outras realidades', o que pode ajudar a nos distanciar do ceticismo em relação a novos fenômenos da Natureza. Sabemos também que a física quântica tem sido evocada por grupos de espiritualistas numa tentativa de justificar ideias e noções transcendentes do ser humano ou do próprio Universo (ver "Física Quântica e os espiritualistas do século 21 - uma análise preliminar"). Antes de analisarmos e criticarmos essa postura, é importante apresentar os novos conceitos da física quântica, mesmo que em nível elementar, a fim de que o leitor também possa julgar melhor a polêmica e a dificuldade apresentada por esse tipo de debate. Nosso objetivo não é, portanto, a crítica.

Grande parte dos avanços da física neste século foram possíveis graças ao desenvolvimento do programa de pesquisa da chamada "mecânica quântica" também conhecida como física quântica. Seu desenvolvimento se deve basicamente à convergência de três especialidades da física: o eletromagnetismo, a óptica e o surgimento da física nuclear, bem como um conjunto de novos fenômenos que não poderiam ser explicados de forma satisfatória pela física anterior, chamada de 'física clássica'. Em sua essência a mecânica quântica visa o estudo de sistemas quânticos. Sistemas quânticos são sistemas físicos (isto é, podem ser sistemas elétricos, ópticos, nucleares, eletrônicos, térmicos, mecânicos etc) cuja quantidade de movimento ou energia associada é tão pequena que uma descrição clássica não é possível. 

2. Descrição clássica

O que é porém uma descrição clássica?

É a descrição de sistemas físicos desenvolvida pelos cientistas antes da descoberta de fenômenos quânticos e que atingiu seu pleno desenvolvimento com as contribuições de Isaac Newton (1643-1727) no século 18 (mas não exclusivamente por ele). Newton tornou-se um dos pais fundadores da física clássica. Nossa crença do mundo é clássica. Daí o nome 'física clássica' ou 'mecânica clássica'. Quando dirigimos automóveis acreditamos que as posições e velocidades dos automóveis que passam a nossa frente realmente refletem o estado desses sistemas de forma simultânea. Sabemos que um erro de cálculo de nossas mentes pode ser fatal pois, em se tratando dos sistemas “automóveis”, não é possível que dois deles ocupem a mesma posição no espaço no mesmo instante de tempo. Quando ligamos aparelhos elétricos sabemos (na verdade, nós acreditamos nisso) que a corrente elétrica da tomada de força flui continuamente, o que possibilitamos o correto uso de equipamentos. Quando observamos objetos a nossa frente, acreditamos que eles estão na posição que nós observamos, no momento em que são observados, parados ou em movimento, e não que se encontrem em outro lugar (mesmo que esse outro lugar seja alguns poucos milésimos da distância da posição onde nós acreditamos que esses objetos estejam).

Nota de 1 libra trazendo a imagem de Newton. O desenvolvimento da física clássica foi um dos triunfos da civilização moderna. 
A física clássica é a física dos objetos e coisas muito próximos de nossos sentidos. Para ela o tempo flui continuamente, sem consideração a nada mais; o medidas no espaço são definidos a partir de sua referência a um determinado ponto arbitrário nesse mesmo espaço, que não se altera pela presença de objetos nele. Espaço e tempo são conceitos primitivos e independentes um do outro. Objetos existem no espaço com posições muito bem definidas. Movimentam-se nele com velocidades que se pode determinar com precisão. O estado desses objetos clássicos é determinado por arranjos experimentais sem que o observador interfira de forma mais fundamental no processo de medida. Ou, se isso não for absolutamente possível, há sempre uma maneira de se fazer um experimento de forma que o processo de medida interfira o mínimo possível com o estado anterior desse objeto (antes da medida). Ainda assim, é possível separar o efeito do observador, de forma a se prever e reduzir sua influência sobre o objeto medido.

Essas características da física clássica acima deixam de ser válidas no universo quântico, que é o domínio de existência de fenômenos quânticos. Isso ocorre freqüentemente, porém, dentro de uma escala de dimensão peculiar. A Natureza freqüentemente prega peças nos seres humanos, principalmente quando nos baseamos em nossas experiências ordinárias ou tomamos como certo o mundo que nos cerca (nossa experiência ordinária sensorial dele). Nesta nossa discussão, apresentaremos brevemente alguns dos fenômenos quânticos que se tornaram notórios no desenvolvimento da física quântica, a dificuldade de compreensão desses fenômenos pelo “bom senso” que nos guia diariamente, e um panorama geral da situação atual acadêmica da interpretação física desses mesmos fenômenos. Por causa da dificuldade intrínseca do assunto, não poderemos senão apresentar uma descrição necessariamente qualitativa e elementar, deixando aspectos quantitativos e mais complexos de lado para inúmeras referências que existem. 

Se o domínio dos fenômenos quânticos é muito diferente do nosso, por que conhecer física quântica é importante? Uma resposta a essa questão não pode ser dada fora das aplicações dessa nova física. Isso porque todo conhecimento científico que é útil tem uma aplicação definida de onde aproveitamentos práticos podem ser feitos. Todos os equipamentos eletrônicos que usamos modernamente têm como elementos básicos componentes que funcionam utilizando fenômenos ou propriedades de sistemas quânticos. Também nos processos de comunicação a distância (telecomunicações) alguns princípios quânticos importantes tais como a noção de comprimento de onda, freqüência etc são utilizados. Dificilmente porém teremos que nos preocupar com a física quântica em se tratando dos fenômenos que impressionam diretamente nossos sentidos, pois a maior parte dos fenômenos quânticos não podem ser apreendidos dessa maneira. 

3. Alguns fenômenos quânticos

Experimento das duas fendas.

Um fenômeno quântico antigo que é de fácil montagem experimental é o fenômeno de interferência de ondas  (também chamado de experimento das duas fendas). Esse fenômeno era bem conhecido muito antes do nascimento da física quântica, pertencendo à óptica, pois se acreditava então (até o fim do século 19) que a luz fosse formada por vibrações (ondas) propagando-se em um meio especial chamado éter. Uma imagem  ilustrativa do experimento é mostrada na Fig. 1. Uma anteparo com uma fenda (S1) é iluminado uniformemente desde a esquerda. A luz, propagando-se inicialmente seguindo frentes de onda plana (regiões de mesma intensidade de luz), ao passar pela fenda, propaga-se com frentes de onda esférica ou circular como mostrado. Se essa onda passar agora por duas fendas (S2), por causa da interferência entre as oscilações provenientes de cada fenda, um anteparo distante registrará a interferência na forma de regiões claras e escuras como mostrado.
Fig. 1 Experimento das duas fendas.
Observamos que, invocando a natureza ondulatória do fenômeno, esse experimento pode ser feito tanto com luz como com som. No caso de som, o que se registra na região de interferência é a alternação entre zonas de ruído e zonas de silêncio. Uma extrapolação do experimento de duas fendas que foi confirmada na prática experimental e que constitui uma assinaturas da natureza quântica da matéria é a seguinte: se, ao invés de luz, lançarmos matéria na forma de partículas desde a esquerda, esperamos intuitivamente que as partículas atravessem as fendas discretamente, não se observando figura alguma de interferência no anteparo final. Isso acontece porque nossa concepção aprendida de matéria é de algo bem definido no espaço. Partículas são tratadas como 'bolinhas' que se movimentam no espaço colidindo-se umas com as outras, sem chance de interferirem.

Fig. 2 Experimento de duas fendas com 'ondas de matéria'.
Entretanto isso não acontece! Lançando muitas partículas no experimento de duas fendas, encontramos no anteparo final partículas que se distribuem no espaço segundo uma padrão de interferência característico (Fig. 2). Poderíamos achar que o padrão de interferência final fosse resultado da colisão (interação) entre as muitas partículas que lançamos e que atravessam as fendas ao mesmo tempo. Isso porém não é verdade, pois o padrão de interferência aparece ainda que lançemos uma partícula por vez. A única explicação possível é mudar nosso conceito usual de partícula ou matéria e associarmos um comportamento ondulatório a ela. Dizemos que uma determinada partícula (pode ser um elétron, um átomo, coleções de átomos etc) está associado uma onda que tem um certo comprimento de onda ou freqüência característica e que se propaga no espaço prescrevendo nele a intensidade de probabilidade de se encontrar a partícula em um dado ponto.

Uma Partícula  está associada a 


que é uma representação simbólica para a onda da partícula (letra grega psi, na representação acima pronuncia-se 'psi de x', uma função matemática especial). Ela está associada à probabilidade, por exemplo, de se achar a partícula em uma certa posição do espaço dado por x. A primeira diferença da nossa descrição usual (clássica) do mundo aparece. De fato, a matéria descrita do ponto de vista quântico não pode ter sua posição fornecida com infinita precisão; existe uma incerteza dada pela onda de probabilidade. Na experiência das duas fendas, essa onda de probabilidade se manifesta na forma de interferência. Cada orifício na fenda 2 produz ondas de probabilidade que se interferem para formar a figura no anteparo. Perceba que isso é verdade mesmo que tivéssemos uma única partícula. Mas como pode uma partícula interferir com ela mesma? Há algo que se espalha no espaço, ligado a uma partícula que, ao passar pelas duas fendas, é modificado no espaço, resultando na figura de interferência que se observa no anteparo. Notamos, porém, que no caso de uma única partícula, esta é capturada em algum ponto no anteparo apenas nas zonas previstas pela distribuição de probabilidade modificada (Ver fig. 3 para uma simulação de uma partícula que se encontra confinada inicialmente em uma região circular do espaço em vermelho). É preciso utilizar muitas partículas para se formar uma figura de interferência 'por acumulação' como aquela obtida por meio da luz.

Fig. 3 Fenômeno de espalhamento de uma onda quântica definida em uma região circular do espaço sobre um anteparo com dois orifícios. Se fosse uma 'partícula clássica', ela teria ricocheteado na parede e nada seria visto do outro lado ou ela teria atravessado um dos orifícios (caso fosse menor que eles). No caso de uma partícula quântica, há interferência de sua onda de probabilidade, e a partícula pode ser encontrada do outro lado. (De acordo com Fernandez Palop, 2009)
Essa 'onda de probabilidade' orienta a posição da partícula. Mas não só isso, ela orienta também a velocidade dessa partícula. Como tudo é feito de partículas - átomos e seus agregados - então a matéria que conhecemos tão bem no chamado 'nível macroscópico' como sendo algo tangível e de posição definida, não o é no nível microscópico. Como então acontece de não percebermos essa variação apreciável na probabilidade de posição tão comum no nível quântico? A resposta é que, no nível macroscópico, quando se agregam muitos milhares de bilhões de partículas em agregados, a discretização possível de interferência observada torna-se microscópica, tão pequena que é imperceptível: surge então uma descrição absolutamente contínua da realidade, desaparecem as incertezas e o 'universo clássico' se estabelece. Isso é algo semelhante à ilusão provocada pela contemplação de uma imagem num computador: essa imagem é feita, de fato, por milhões de "pixels", mas cria uma ilusão de continuidade se vista a certa distância.

No próximo post:  efeito fotoelétrico; tunelamento quântico (efeito túnel).

Sobre alguns termos
  • Estado - diz respeito a determinadas características de um sistema físico. Ao se descrever o estado de um sistema físico, se está também definindo o próprio sistema. Esse conceito será foco de um futuro post.
  • Sistema físico - é a região do espaço definida por determinados objetos físicos submetidos a condições específicas. Um sistema físico tem determinadas características que o descrevem, uma delas é o seu estado.
Referências

28 de janeiro de 2012

Convite antecipado para participação do 8o ENLIHPE (2012)


Desde 2003, o Encontro Nacional ENLIHPE tem sido o espaço de encontro da LIHPE - Liga de Pesquisadores do Espiritismo. A Liga é um grupo virtual de pessoas interessadas no estudo do Espiritismo nos moldes acadêmicos. Isto quer dizer que se estuda a temática espírita de acordo com regras acadêmicas. Os membros não necessitam ser espíritas para participar, basta que respeitem os códigos de conduta do grupo e obviamente tenham interesse no Espiritismo.

A LIHPE foi criada para incentivar o registro e discussão da história do Espiritismo, e aos poucos, foi agregando interessados que trabalhavam na fronteira entre o Espiritismo e as chamadas áreas do conhecimento: filosofia, física, psicologia, ciências sociais, antropologia e muitas outras.

Desde seu fundador, Eduardo Carvalho Monteiro, percebeu-se que apenas o intercâmbio à distância é insuficiente para estabelecer grupos de trabalho e aproximar os membros. Foi então criado o ENLIHPE, que é o encontro nacional, este de caráter presencial.

São Paulo abriu  as portas para o ENLIHPE, especialmente o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - CCDPE, que é uma casa fundada com o esforço de muitas pessoas e o acervo bibliográfico e documental do Eduardo, doado após a morte.

Há quatro anos as paredes do Centro de Cultura têm recebido membros da LIHPE e outros interessados dos quatro cantos do país. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Piauí, Ceará, Bahia e Goiás são alguns dos estados que já enviaram representantes ou expositores, ou mesmo participantes para o evento. Houve a presença de um antropólogo italiano na participação do evento e o intercâmbio posterior possibilitou a publicação de um trabalho monográfico na área da antropologia em seu país.

Se você tem algum trabalho na fronteira entre o Espiritismo e as ciências reconhecidas pelo CNPq e até outras não reconhecidas (como é o caso da parapsicologia), comece a preparar seu artigo para submissão. O ENLIHPE ocorre tradicionalmente em Agosto (este ano ocorrerá em 18-19 de Agosto) de forma que ainda tem muito tempo para participar. Evite, porém, deixar para a última hora. Mais informações sairão no site da LIHPE: www.lihpe.net

Texto adaptado a partir de original enviado por  Jader Sampaio.

22 de janeiro de 2012

Crenças Céticas XVIII - O que o ceticismo dogmático produz de útil ?

Um tema que passa muitas vezes despercebido nas discussões céticas versa sobre as consequências de longo prazo da postura cética em relação aos fenômenos psíquicos e, porque não, com outras ocorrências anômalas que sabemos existir no mundo. De forma mais geral, quais são as consequências práticas do ceticismo, se principalmente dogmático, para o avanço do conhecimento humano? Será que ele é capaz de produzir algo útil, além de mais adeptos a sua escola? 

Se tivéssemos que investir tempo e recursos para a pesquisa de novos fenômenos, de novas realidades além do que conhecemos de forma ordinária, no que investiríamos: numa postura que aceita a realidade deles ou que os nega de forma peremptória? Qual dessas posturas será capaz de fazer nosso conhecimento avançar com relação a esses fenômenos? Podemos também encarar essa última questão como a proposta para uma competição: daqui para frente veremos quem consegue, seguindo cada qual sua maneira de encarar as coisas, realmente produzir algo útil.

Porque conhecimento só tem valor se for útil

Não há nenhuma dúvida de que a ciência moderna só conseguiu chegar no ponto de desenvolvimento presente porque ela se constituiu em um método capaz de gerar conhecimento útil. Hoje, o desenvolvimento científico só acontece a partir de uma decisão de investimento. Depois de uma descoberta científica, qualquer que seja ela, a pergunta crucial é: ok, o que podemos fazer de bom com isso? Qualquer fundo privado, por exemplo, somente irá investir em ideias que se possam mensurar em termos de retorno financeiro, desde que produzam algo que tem valor para alguém, algo que pode ser "comercializado". Isso se torna ainda mais forte em períodos de crise econômica e aversão ao risco.

Alguns analistas erroneamente consideram que a tecnologia moderna é fruto de uma ciência cética e materialista. Isso está longe de ser verdade. O desenvolvimento tecnológico é fruto da ciência aplica e de decisões de investimento calcadas em análises de mercado onde o objetivo é certamente o lucro financeiro. Empresas organizam suas atividades de "P&D" (pesquisa e desenvolvimento) de forma a maximizar o retorno de capital em projetos de pesquisa que tragam claramente vantagens de crescimento para a empresa. Portanto, aquilo que se oferta em tecnologia depende da existência de claras oportunidades de mercado. A existência de mercados para determinados produtos tecnológicos, impulsiona o desenvolvimento da ciência aplicada em um ciclo virtuoso, mas que eventualmente tem o seu fim com a descoberta ou desenvolvimento de novas tecnologias. 

Desta forma, grande parte do avanço tecnológico moderno está sendo feito a partir de pesquisas aplicadas dentro de corporações privadas, onde o conhecimento gerado dificilmente se torna público. Assim, há uma grande quantidade de conhecimento genuíno e útil fora do ambiente acadêmico, o que torna difícil defender o ponto de vista limitado de que avanços tecnológicos foram frutos de pesquisas acadêmicas tão somente. Esta última é, majoritariamente, apoiada por recursos estatais, onde as decisões de investimento são tomadas a partir de outros critérios (por exemplo, acadêmicos) que não o da utilidade pública ou do mercado.


Por que essa discussão é importante? Em um sentido mais amplo, nossa postura sobre o mundo também pode ser vista como uma decisão de investimento. Essa é, por si só, uma maneira pragmática de se decidir no que acreditar. Trata-se de se escolher aquela postura que fará o conhecimento não somente crescer, mas produzir algo prático à sociedade. Por 'conhecimento útil' entendemos assim o conhecimento que seja capaz de:
  • Gerar mais conhecimento que, por sua vez, também deve ser útil a alguém;
  • Gerar métodos ou procedimentos capazes de melhorar a vida das pessoas.
Historicamente, céticos (um exemplo é Carl Sagan) tem se colocado contra o estudo da fenomenologia psíquica por entenderem que ele deriva de uma maneira arcaica de ver o mundo. Muitos céticos extremados acreditam-se investidos da função de críticos contrários a essa visão arcaica e irracional que estaria ameaçando nossa sociedade. Criaram um duelo fictício entre uma sociedade tecnologicamente avançada e outra que se torna marginalizada por conta na crença na existência de fatos e coisas que eles consideram sem fundamento. A utilidade, assim, desse ceticismo, seria livrar a sociedade moderna do 'perigo de se retornar à idade das trevas', que se constitui, claramente, numa crença sem fundamento e até mesmo ingênua. Outros céticos  temem, na verdade, que recursos financeiros sejam desviados de seus temas preferidos de pesquisa e conhecimento. 

Uma busca minuciosa por uma aplicação prática desse tipo de ceticismo dificilmente resultará em algo além da proposição 'livrar as pessoas da ignorância, evitar com que a sociedade caia de novo nas trevas, evitar que sejamos enganados' e coisas desse tipo. O medo maior de todo cético extremado é 'ser enganado', esquecendo-se que ele se engana a si mesmo. 

O ceticismo exagerado é, pois, uma postura infértil, incapaz de gerar conhecimento útil e que só serve para cumprir determinados propósitos fechados em si mesmo.

Do que a história do ceticismo está cheia.

A. R. Wallace (1) descreve num relato breve o maior papel desempenhado pelo ceticismo na história do desenvolvimento tecnológico e científico moderno. É possível assim traçar, na história da Ciência, o verdadeiro papel desempenhado por essa maneira peculiar de ver o mundo.
"Não é necessário mais do que referir-se aos nomes universalmente conhecidos de Copérnico, Galileu e Harvey. As grandes descobertas que fizeram, como sabemos, foram violentamente combatidas por todos os seus contemporâneos do meio científico, para quem elas pareceram absurdas e inacreditáveis; mas nós temos exemplos igualmente contundentes muito mais próximos aos nossos dias. Quando Benjamin Franklin trouxe o assunto dos condutores de raios ante a Sociedade Real, ele foi ridicularizado como se fosse um sonhador, e seu artigo não foi aceito para a revista Philosophical Transactions. Quando Young propôs suas provas maravilhosas da teoria ondulatória da luz, ele foi igualmente vaiado como absurdo pelos populares escritores científicos de sua época[1]. A revista Edimburg Review exortou o público a colocar Thomas Gray “em saia justa” por sustentar a praticabilidade das estradas de ferro. Sir Humphrey Davy riu da ideia de Londres ser sempre iluminada com gás. Quando Stephenson propôs empregar locomotivas nas estradas de ferro de Liverpool e Manchester, os homens instruídos colocaram em evidência a impossibilidade de se locomover a doze milhas por hora. Outra grande autoridade científica declarou ser igualmente impossível navios a vapor oceânicos cruzarem o Atlântico. A Academia Francesa de Ciências ridicularizou o grande astrônomo Arago quando ele desejou discutir sobre o assunto do telégrafo elétrico. Médicos ridicularizaram o estetoscópio quando ele foi descoberto. Operações sem dor durante o transe mesmérico foram consideradas impossíveis, e depois imposturas. 
Mas um dos mais formidáveis, por se tratar de um dos mais recentes casos de oposição, ou pelo menos descrença em fatos que se opunham à crença corrente de sua época, entre homens que estão geralmente encarregados de ir mais distante na outra direção, é o da doutrina da “Antiguidade do Homem”. Boué, um experiente geólogo francês, em 1823 descobriu um esqueleto humano a oitenta pés de profundidade no loess ou lodo endurecido do rio Reno. Foi enviado para o grande anatomista Cuvier, que desacreditou completamente do fato. Ele considerou este fóssil como sem valor, como se fosse inútil, e o perdeu. Sir C. Lyell, a partir de uma pesquisa pessoal no local, agora acredita que as afirmações do observador original eram bastante precisas. Nos idos de 1715, armas de pedra foram encontradas com o esqueleto de um elefante em uma escavação em Inn Lane, na região de Gray, na presença do Sr. Conyers, que as colocou no Museu Britânico, onde elas permaneceram completamente sem notícia até muito recentemente. Em 1800, o Sr. Frere encontrou armas de pedra juntamente com os restos de animais extintos em Hoxne, Suffolk. De 1841 a 1846, o célebre geólogo francês Boucher de Perthes descobriu grandes quantidades de armas de pedra nos aluviões de cascalho do norte da França; mas por muitos anos ele não conseguiu convencer nenhum de seus colegas, homens de ciência, que se tratava de trabalhos de arte, nem mereceu a mais leve atenção. Por fim, contudo, em 1853 ele começou a fazer adeptos. Em 1859-60 alguns de nossos mais eminentes geólogos visitaram o local, e confirmaram totalmente a veracidade de suas observações e deduções. 
Outro ponto neste assunto foi tratado de forma ainda pior, se for possível. Em 1825, o Sr. Mc Enery, de Torquay, descobriu pedras trabalhadas junto aos restos de animais extintos na célebre caverna King's Hole; mas o relato de suas descobertas foi simplesmente ironizado. Em 1840, um de nossos primeiros geólogos, o falecido Sr. Godwin Austen, trouxe este assunto à Sociedade Geológica, e o Sr. Vivian, de Torquay, enviou um artigo confirmando completamente as descobertas do Sr. McEnery; mas ele foi considerado muito improvável para ser publicado. Quatorze anos depois, a Sociedade de História Natural de Torquay fez observações posteriores, confirmando inteiramente as anteriores, e enviou um relato delas para a Sociedade Geológica de Londres; mas o artigo também foi rejeitado, considerado muito improvável para publicação. Agora, contudo, a caverna foi sistematicamente explorada sob a superintendência de um comitê da Associação Britânica, e todos os relatórios anteriores enviados durante quarenta anos foram confirmados, e foi mostrado serem ainda menos maravilhosos que a realidade. Deve ser dito que “este era um cuidado próprio da ciência”. Talvez fosse; mas todos esses eventos provam este importante fato: que neste, assim como em todos os outros casos, os humildes e frequentemente desconhecidos observadores estavam certos; os homens de ciência que rejeitaram suas observações estavam errados. 
Agora, são os observadores modernos de alguns fenômenos, usualmente denominados sobrenaturais e inacreditáveis, menos dignos de atenção que os outros já citados?"
Os que tem interesse em procurar a verdade, devem se perguntar sempre sobre o melhor caminho a seguir quando se trata de gerar conhecimento genuíno a respeito de fenômenos e ocorrências naturais. Devem também se questionar sobre a utilidade do que acreditam. A insistência em permanecer na defesa de ideias e posturas inférteis pode representar uma perda de tempo inestimável.


Referência

(1) A. R. Wallace. O 'Diálogo com os Céticos' (2011). Editora 3 de Outubro.

Nota de A. R. Wallace
[1]  As citações que se seguem são exemplos escolhidos dentre os artigos do Edimburg Review em 1803 e 1804: “Outra leitura Bakeriana, contendo mais fantasias, mais asneiras, mais hipóteses sem fundamento, mais ficções gratuitas, todas sobre o mesmo campo, e do fértil, mas infrutuoso cérebro do mesmo eterno Dr. Young.” E novamente: “Ele não ensina verdades, não reconcilia nenhuma contradição, não organiza nenhum fato anômalo, não sugere novos experimentos e não conduz a novas investigações”. Alguém pode supor que se trate de um cientista moderno desdenhando do espiritualismo!

8 de janeiro de 2012

Vídeo IV - Uma médium e um Piano - Entrevista com Rosemary Brown (1973).


Entrevista para o 'Incrível Mundo de Kreskin' em 1973 com legendas em Português. Em um post anterior apresentamos uma resenha curta sobre o livro 'Sinfonias Inacabadas - Os grandes mestres compõem do Além' de Rosemary Brown (1916-2001), que se notabilizou por uma mediunidade musical ostensiva. Neste post apresentamos um vídeo de 8 minutos com legendas em português de uma entrevista que ela deu ao 'Incrível Mundo de Kreskin' em 1973.

A Sra. Brown executa uma peça para piano ditada por Chopin na segunda metade do vídeo. Vale a pena assistir.

Outras referências à música de Rosemary Brown

O selo Keturi Musikverlag lançou em 2001 um CD com as seguintes composições (ver figura acima):

Intermezzo Nr. 1 Es-Moll. Ditado por J. Brahms em Janeiro de 1974;
Noturno As-Dur. Ditado por F. Chopin em Junho de 1966;
Momento Musical Nr.1 g-Moll. Ditado por F. Schubert em Março de 1968;
Scherzo Es-Dur. Ditado por L. van Beethoven em Abril de 1975;
Le Paon. Ditado por F. Chopin em Abril de 1976;
Sonata em Ges-Dur, Ditado por F. Lizst em Janeiro de 1973;
Bagatelle Es-Dur. Ditado por L. van Beethoven em Novembro de 1967;
Grübelei. Ditado por F. Lizst em Maio e Junho de 1968;
Intermezzo Nr. 2 es-Moll. Ditado por J. Brahms em Maio de 1974;
Três Estudos em Ges-Dur (Fevereiro de 1968 e Junho de 1969) por F. Chopin;
Momento Musical Nr. 2 f-Moll. Ditado por F. Schuber em Janeiro de 1976;
La Caverne. Ditado por C. Debussy em Agosto de 1976;
Canção. Ditado por S. Rachmaninov em Fevereiro de 1968; 

Outras podem ser encontradas na web:
Referências