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21 de janeiro de 2013

Paradigmas e Ciência Espírita

"Examinado de perto, seja historicamente ou no laboratório contemporâneo, esse empreendimento se assemelha a uma tentativa de forçar a natureza a entrar em uma caixa relativamente inflexível e pré-montada que é fornecida pelo paradigma. De jeito nenhum é objetivo da ciência normal descobrir novos tipos de fenômenos; na verdade, aqueles que não entram na caixa nem são percebidos. Nem tem o cientista o objetivo de desenvolver novas teorias e, frequentemente, são intolerantes com aquelas teorias inventadas por outros." (T. Kuhn, (1) )

Quando se observa em detalhes o 'motus operandi' da grande maioria das chamadas 'ciências estabelecidas', embora o grande número de descobertas e consequências advindas do labor científico bem  articulado, não se pode deixar de perceber que há um preço a se pagar, frequentemente pouco lembrado pelos entusiastas desse conhecimento (2). É que a ciência estabelecida também restringe-se a si mesma, tanto no escopo como na abrangência de seus estudos a fim de que se torne factível.

O grande pesquisador da ciência Thomas Kuhn (1922-1966) criou o termo 'paradigma científico' (1,3) para descrever um conceito importante que caracteriza toda ciência madura, em particular nas 'ciências naturais' (4): o conjunto de teorias (ou a teoria) bem estruturada capaz de congregar gerações de cientistas em torno de um tema, a se constituir um tipo de 'passaporte confiável' para solução de determinados problemas. Ele chegou a essa conclusão depois de anos de estudos em história da ciência, quando percebeu que as teorias disponíveis para explicar como a ciência opera e se estabelece não estavam de acordo com o conhecimento histórico. 

Há uma crença bem popular de que é possível gerar conhecimento científico de forma infalível através da aplicação de um 'método científico' ou processo que constituiria uma verdadeira 'pedra filosofal' para a ciência. Na crença da existência dela, sua busca tornou-se um das principais tarefas de gerações de filósofos da ciência. Kuhn teve sucesso em demonstrar que não só a busca era improfícua, como o próprio método era uma ilusão por um conjunto de razões, dentre as quais (5):
  • Falta de acordo histórico: a existência de um 'método infalível' não era observado em uma análise detalhada dos muitos detalhes históricos que caracterizavam o desenvolvimento de teorias científicas ao longo dos séculos;
  • Dependência entre a observação e as teorias científicas: são as teorias que orientam a realização e o sucesso dos experimentos e não o contrário. Por outro lado, só há boas teorias quando os conceitos básicos de uma ciência estão bem estabelecidos (6), o que leva à necessidade de se ter uma linguagem própria conectada a conceitos bem compreendidos;
T.Kuhn (1922-1966)
Ao invés de um método, Kuhn propôs o conceito de paradigma científico  (7) que permite escolher - de uma ampla gama de fenômenos e aparentes problemas científicos - quais devem ser estudados daqueles que devem ser desprezados. Na existência de um paradigma (8), a atividade científica se aproxima de uma 'solução de quebra-cabeças', quando se tem certeza que uma solução será alcançada. O preço óbvio que se paga por essas vantagens é a restrição de escopo: cientistas não precisam (e nem devem) se interessar por qualquer tipo de problema, mas apenas por aqueles garantidamente tratáveis pelos paradigmas a que eles aderem. A atividade científica torna-se uma tarefa monótona (frequentemente envolve a busca ou aperfeiçoamento de soluções para problemas já resolvidos...) e são raríssimas as ocasiões em que 'soluções para problemas fundamentais' são sequer procuradas.

Uma explicação para o ceticismo 

A noção de paradigmas de Kuhn (1) permite compreender melhor a ideia errônea de que cientistas aderem irrestritamente ao ceticismo. Pois, não é que cientistas sejam inerentemente céticos, mas que eles apenas estão interessados em resolver problemas que tenham uma relação direta com o(s) paradigma(s) que escolheram se dedicar profissionalmente. Como ressaltado por Thomas Kuhn, para que a ciência dê resultados, não é possível se dedicar a qualquer tema ou problema que apareça, mas apenas aqueles para os quais exista um paradigma ou teoria bem estruturada que permita que a pesquisa seja organizada de forma eficiente. Isso envolve não só a escolha de uma teoria favorita, mas de uma ampla gama de conceitos chave na forma de uma linguagem própria. O paradigma propicia o progresso, evitando que sempre se tenha que começar 'do zero' quando surge a necessidade de dar solução a um novo problema pertencente ao tema de escopo do paradigma. Resta-nos discutir futuramente o que acontece com os temas sem padigma reconhecido (8).

Acusações apressadas de céticos de sofá que dizem que o 'Espiritismo aspira ao status de ciência' são incapazes de perceber que não se trata de se buscar uma 'nova ciência acadêmica' e desconhecem a restrição imposta pelos paradigmas científicos. Não é objetivo da ciência dar respostas para tudo: ela precisa se especializar para que funcione. Consequentemente, existem muitas lacunas e problemas desprezados por essa mesma ciência. Esse tipo de ceticismo está a tal ponto enceguecido que é incapaz de perceber a necessidade de aceitar novos conceitos para que uma nova linguagem e teoria tenha chance de mostrar seu valor. Aqui, a visão de paradigmas de Kuhn permite compreender mais amplamente o problema. De fato, como querer discutir reencarnação ou comunicabilidade além-túmulo se o próprio conceito de espírito como unidade indivisível, independente e invisível sequer é aceito? Há a barreira inicial de se aceitar os conceitos (com sua 'ontologia própria') a fim de que uma nova linguagem teórica seja articulada e dê resultados. Sem a aceitação dos conceitos, é impossível aceitar igualmente a teoria e a compreensão mais profunda sobre os tipos de teste ou situações de observação que são propiciadas por ela.  

O 'paradigma espírita' (9) é capaz de dar explicação razoável para um grande número de fenômenos e ocorrências naturais desprezadas pela sua incomensurabilidade com outros temas mais materiais de pesquisa. Resta ao ceticismo negar insistentemente a importância do tema: como já tivemos ocasião de expor, esse ceticismo é um vasto emaranhado de crenças preconcebidas que se recusa a aceitar alguns conceitos e, por causa disso, está condenado a negar os fenômenos, até que seja completamente esquecido pelas novas gerações.

Nosso texto aqui teve como objetivo mostrar a importância que estudos em filosofia da ciência tem para a correta compreensão de teorias e propostas de estudos para os fenômenos psíquicos. Sem esse estudo, manifestações claramente contrárias as propostas espiritualistas (aquelas que postulam a continuidade da existência da consciência, primeiro sua independência do cérebro etc) serão necessariamente limitadas. Não se pode impor limites ao conhecimento científico e o que muitos céticos personalistas fazem nada mais é que estabelecerem limites de acordo com sua própria compreensão dos fatos.

Falaremos sobre esse tema instrutivo em outros posts futuramente.  

Notas e referências

(1) Kuhn T. (1970) "A estrutura das Revoluçõeos Científicas", International Encyclopedia of Unified Science, Volume 2, Número 2, 2a edição.

(2) A quem poderíamos chamar 'cientificistas'. Há uma seita mais ou menos radical de indivíduos que vão além e pregam que a ciência estabelecida é a única forma confiável de se gerar conhecimento científico de valor. Desprezam a religião e tem aversão por ideias consideradas 'místicas', o que incluem todos os temas que não são de interesse das ciências ordinárias, inclusive os espiritualistas;

(3) Paradigma: do grego "παράδειγμα" (paradeigma), "modelo, exemplo, amostra" do verbo "παραδείκνυμι" (paradeiknumi), "exibir, representar, expor"  e de "παρά" (para), "além" + "δείκνυμι" (deiknumi), "mostrar, apontar";

(4) As ciências de interesse para filósofos como Popper, Kuhn e Lakatos são as chamadas 'ciências naturais' - física, química, biologia etc. O conhecimento de humanas (sociais, economia etc) está excluido dessa análise.

(5) A. Chalmers (1993), 'O que é ciência afinal?', 1a edição, Ed. Brasiliense.p. 109-110;

(6) Exemplo: só tem sentido em se propor um experimento para medir a carga de um elétron, quando se reconhece a existência de elétrons e o conceito de carga. Isso várias vezes passa desapercebido quando se trata de criticar experimentos ou a análise de fenômenos psíquicos;

(7) Exemplos de paradigmas de sucesso em ciência foram: a teoria de Ptolomeu dos epiciclos planetários, a teoria da evolução de Darwin, a física de Newton, a Mecânica Quântica, o atomismo etc;

(8) Na inexistência de um paradigma, estamos na fase 'pre-paradigmática' (1) da ciência ou fase 'pré-científica'. Falaremos sobre essa fase em outro post;

(9) Para saber mais: http://www.geeu.net.br/artigos/paresp.html

14 de abril de 2012

Sobre teorias fenomenológicas e construtivas.

“Nimbus II” (Berndnaut Smilde - cortesia do artista)

Muitas vezes, na apresentação da fenomenologia espírita (mediúnica ou psíquica) somos indagados a respeito de "explicações mais detalhadas" para uma grande variedade de fenômenos. Por exemplo, há pessoas que acreditam que a tese espiritualista apenas será "comprovada" quando pudermos quantificar e medir a fonte de informação espiritual por meio de alguma ideia que explique essa fonte (o Espírito), seja  por algum tipo de matéria sutil formada por partículas invisíveis etc. Dai surgem muitas tentativas de se utilizar conceitos primitivos da física com os fenômenos anômalos ou psíquicos. Parece natural querer explicar a influência espiritual por meio da invocação de conceitos como campo sutil, energias de diversos tipos etc.

Ainda que não seja exatamente das teorias da física que esperamos ser capazes de fazer o conhecimento das ciências psíquicas avançar, não podemos deixar de concordar que a epistemologia da física nos fornece exemplos excelentes sobre modelos de teorias, a fim de que possamos compreender a situação presente dessa fenomenologia psíquica. Nesse sentido é importante considerar a existência (do ponto de vista epistemológico) de dois tipos bem distintos de teorias. Recorremos, para isso, ao artigo "Teorias construtivas e teorias fenomenológicas" de S. Chibeni:
Teorias fenomenológicas. Classificam-se como tais as teorias cujas proposições se refiram exclusivamente a propriedades e relações empiricamente acessíveis entre os fenômenos (fenômeno: aquilo que aparece aos sentidos). Essas proposições descrevem, conectam e integram os fenômenos, permitindo a dedução de consequências empiricamente observáveis. Exemplos importantes de teorias fenomenológicas são a termodinâmica, a teoria da relatividade especial e a teoria da seleção natural de Darwin. 
Teorias construtivas. Em contraste com as teorias fenomenológicas, as teorias construtivas envolvem proposições referentes a entidades e processos inacessíveis à observação direta, que são postulados com o objetivo de explicar os fenômenos por sua “construção” a partir dessa suposta estrutura fundamental subjacente. Exemplos característicos desse tipo de teoria são a mecânica quântica, a mecânica estatística, o eletromagnetismo, a genética molecular e grande parte das teorias químicas.
É possível distinguir os tipos de explicação em duas classes: a das teorias fenomenológicas (entendido está que um "fenômeno" é aquilo que é acessível aos sentidos ordinários). São explicações que partem de princípios estabelecidos e que procuram derivar previsões ou descrições para diversos fenômenos. As teorias construtivas (esse nome foi criado por A. Einstein, 1954) procuram estabelecer explicações a partir da proposta de leis e princípios para 'entidades não acessíveis à observação direta' (não observáveis). Dessa forma, por exemplo, a química explica os fenômenos de reatividade entre elementos a partir da postulação (Nota 1) da existência de átomos.

A teoria da relatividade de Einstein (assim como a Mecânica clássica) é uma teoria fenomenológica. Mas o exemplo mais famoso de teoria fenomenológica que existe é a termodinâmica, ou a parte da física que explica o funcionamento de processos térmicos ou termodinâmicos. Um cientista termodinâmico estará muito feliz em explicar seus fenômenos usando os princípios gerais de sua ciência (a primeira e segunda lei termodinâmica). Ele não precisa de átomos para isso (com relação a essa classificação para a Medicina, ver Nota 2). 

Mas quais seriam as vantagens e desvantagens de cada uma dessas abordagens epistemológicas? É natural imaginar que a ciência começa fenomenológica e atinge seu auge de forma construtiva? Isso também foi respondido por Einstein (1954):
As vantagens das teorias construtivas são a completude, adaptabilidade e clareza. As vantagens das teorias de princípios (fenomenológicas) são a perfeição lógica e a segurança de fundamentos.
Explicações baseadas em princípios gerais são mais bem estabelecidas (sofrem menor abalo os fundamentos) e permitem aplicação mais direta da lógica. Já as explicações construtivas permitem maior adaptação (explicam extensões de fenômenos) e são mais completas. 

Com relação às previsões possíveis com explicações científicas, ambas as classes de teorias permitem previsões (que é um tipo diferente de explicação aplicada a fenômenos ainda não descobertos). A história da física mostrou que muitas explicações começaram como fenomenológicas e atingiram um ponto de maturação como explicações construtivas. O caso que já discutimos, a termodinâmica (que permanece como uma teoria independente), foi consideravelmente ampliada por teorias que admitiram a existência do átomo. Assim, muitos princípios termodinâmicos podem ser "explicados" como derivados de leis mais profundas que regulam a interação e dinâmica de átomos.


E no caso da fenomenologia psíquica?

Podemos tentar classificar os tipos de explicações que se inventaram para a imensa variedade de fenômenos psíquicos existentes. Por exemplo, explicações de origem parapsicológica (mais recentemente rebatizada, por exemplo, de "psicologia anomalística") tem aversão a "princípios" e procuram montar explicações puramente factuais dos fenômenos. Grande parte do insucesso da parapsicologia - do ponto de vista dos céticos - foi sua incapacidade de prover uma explicação naturalista dos fenômenos. Entendem eles que as "ciências psi" deveriam fornecer explicações para os fatos psíquicos usando princípios largamente aceitos (sejam eles fenomenológicos ou construtivos). A parapsicologia demonstrou ser apenas uma maneira diferente de se descrever determinadas ocorrências consideradas anômalas. Por exemplo, psi-theta (rebatizado para fenômenos de efeitos físicos) e psi-gamma (rebatizado para fenômenos de efeitos intelectuais) são tão somente nomes pitorescos para classes de fenômenos psíquicos distintos na sua variedade de manifestação e que foram bem descritos antes do final do século 19. 

A história das ciências psi depois do Espiritismo tem sido mais uma arte criativa de invenção de nomes diferentes e aparentemente sérios numa tentativa desesperada de convencer céticos da realidade dos fenômenos.

Mais recentemente há nova tentativa de se montar explicações para os fenômenos psíquicos que partem de teorias construtivas. Assim, ao se utilizar ideias como 'emaranhamento quântico' na explicação da transmissão de pensamento (rebatizado de telepatia), os proponentes (Radin, 2006) são obrigados a extrapolar conceitos muito específicos de entidades inobserváveis da física para se ter uma explicação considerada satisfatória. Mas, podemos nos perguntar se isso é uma explicação satisfatória, no sentido de conseguir fazer o conhecimento avançar realmente ou se, na verdade, estão apenas realizando novo rebatizo, em termos do qual tudo seria mais facilmente aceito pelos céticos. Assim, aparentemente, ainda estamos na fase de 'pré-ciência' em se tratando de fornecer nomes diferentes ao invés de explicações  em termos das quais os fenômenos psíquicos seriam finalmente comprovados 'cientificamente' (isto é, "aceitos pelos céticos").

As explicações para os fenômenos psíquicos em "O Livro dos Médiuns" constituem princípios de uma teoria fenomenológica.

Vimos que, para que seja uma boa explicação, uma teoria não necessariamente tem que ser feita em termos de princípios construtivos. É preciso, além disso, saber separar o que há de verborragia e de princípios fundamentais subjacente em uma explicação de um determinado fenômeno psíquico. Não podemos nos esquecer que muitos dos fenômenos psíquicos foram estudados nos albores do Espiritismo por A. Kardec, que chegou a formular uma teoria fenomenológica para eles. Essa teoria está contida em 'O Livro dos Médiuns'. Os princípios dela são:
  1. Sobrevivência do ser em outra unidade (Espírito) que carrega informação além do corpo material;
  2. Comunicabilidade: possibilidade de comunicação entre essas unidades envolvendo mecanismos não materiais;
  3. Influência do organismo material no processo de comunicação;
Esses são os princípios que permitem uma grande estabilidade e coerência lógica na obtenção de explicações (desde que se tenha competência para isso). A partir deles e de outras regras empíricas é possível obter e prever fenômenos distintos. Não precisamos nenhuma explicação adicional - a respeito, por exemplo, do mecanismo (construtivo) que viabilize o princípio 2 - para aplicá-los na explicação de ocorrências específicas.

Agora, muitos que rejeitam esses princípios o fazem porque acham que dos fenômenos se deve derivar as causas, ou porque se tem interesse em convencer céticos. O primeiro problema é uma visão equivocada do processo de geração de conhecimento (sobre o que já tratamos anteriormente, ver post sobre o positivismo lógico e o indutivismo ingênuo e Nota 3). Quanto à segunda postura, ela claramente envolve um objetivo que não é o de fazer o conhecimento progredir, mas o de convencer um grupo de crentes em particular.

Portanto, não parece ser possível fazer o conhecimento a respeito dos fenômenos mediúnicos e psíquicos progredir sem teorias inicialmente fenomenológicas, calcadas em princípios que tornem tais explicações estáveis o suficiente para possibilitar o progresso científico. Por outro lado, acreditamos também que, no futuro, tais explicações serão suplantadas por teorias construtivas que embasarão e explicarão os princípios das teorias precedentes (que são reconhecidamente incompletas). Não temos elementos no presente para desenvolver tais teorias construtivas para os fenômenos psíquicos.

Novo comentário acrescentado em 16/4/2012

O que distingue teorias fenomenológicas das teorias construtivas não é exclusivamente o fato de as últimas se basearem em entidades não observáveis. As teorias fenomenológicas se baseiam em princípios que se estabelecem como relações entre fenômenos. Já as teorias construtivas postulam princípios entre entidades não necessariamente observáveis, mas a partir das quais fenômenos são derivados. Portanto, teorias construtivas são mais 'completas' no sentido de permitirem maior amplitude de previsão e capacidade de explicação do que as teorias puramente fenomenológicas. Estas, por sua vez, por tratarem princípios que se relacionam diretamente a fenômenos, gozam de maior estabilidade, pois não se podem negar fatos ou ocorrências experimentais, o que é facilmente feito com outros tipos de entidades que são objeto das teorias construtivas.

Referências
A. Einstein (1954) “What is the theory of relativity”. In: Ideas and Opinions, Crown (Wing Books reprint), pp. 228-30.
D. Radin (2006), "Entangled Minds: Extrasensory Experiences in a Quantum Reality". Simon & Schuster, Inc.

Notas
  1. Um átomo é uma entidade física que, obviamente, não é acessível aos sentidos humanos diretamente.
  2. A Medicina é uma ciência de classe fenomenológica por excelência. Recentemente, recebeu contribuições construtivas da genética e da bioquímica.
  3. Se podemos algo mais sobre isso, seria o mesmo que querer descobrir a existência de átomos tão só observando-se reações químicas.


25 de fevereiro de 2012

Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.

Tanto o espírito de um "vivo" como o de um "morto"" são, em si, inobserváveis sensorialmente. Toda evidência de sua existência é indireta, mediante o padrão inteligente exibido por algum meio (comportamento corporal, símbolos diversos)...portanto, os dois casos (o do espírito da pessoa "viva" e o da "morta") são epistemologicamente idênticos. (Chibeni, 2010).

O filósofo Silvio Chibeni recentemente postou uma apresentação sobre a pesquisa científica do espírito que se relaciona com muitos temas que tratamos aqui. Trata-se de um conjunto de slides elucidativos sobre a questão da pesquisa aplicada à realidade do Espírito e sobrevivência. A partir desses slides, complementamos com alguns comentários os 12 empecilhos à pesquisa do Espírito e da sobrevivência que são citados por Chibeni.

Depois de apresentar a fenomenologia associada às substâncias "matéria" e "espírito", Chibeni resume as visões presentes, que se dividem sucintamente entre (Chibeni, 2010):
  1. Materialismo, "só há substâncias materiais"; 
  2. Idealismo, "só há substâncias espirituais"; 
  3. Dualismo, "há dois tipos de substâncias";
  4. Ceticismo, "não podemos determinar isso".
Veja que, aqui, "ceticismo" não se refere ao mesmo conceito que tratamos na série de artigos sobre as "Crenças céticas", mas a uma postura filosófica. O Espiritismo admite abertamente o dualismo e, de acordo com essa visão, podemos listar um conjunto de "obstáculos" para a pesquisa científica do Espírito, entendendo essa pesquisa dentro do estudo científico da sobrevivência e não esse estudo dentro do referencial teórico e experimental das ciências naturais. Há considerável confusão feita entre esses dois conceitos, e o leitor dedicado deve prestar atenção em seus estudos, para não ser confundido também.

Seguem, assim, nossos comentários: 
  1. Considerar a questão metafísica ou "sobrenatural": Esse problema surge por dificuldade em se compreender a viabilidade de estudo científico da questão. Frequentemente, ou se considera o assunto como além do que seria o normal ou verificável (e, portanto, pertencente ao domínio da metafísica), ou, diante de uma visão mística dos fatos, toda a questão é tomada como pertencente ao 'reino do sobrenatural'. Assim sendo, considera-se o assunto de forma alienada da realidade; 
  2. Considerar que o assunto já foi analisado e a conclusão foi negativa: esse é o erro mais comum entre os céticos. É comum também entre os que se satisfazem com uma visão superficial, baseada em supostas pesquisas que não atentam para o rigor e o detalhe que o assunto exige. A respeito disso, vale um comentário de Kardec apresentado abaixo (Nota 1);
  3. Considerar que o que há de importante sobre o espírito já é investigado pela psicologia, etc., dentro de um referencial materialista: isso é uma variante algo mais sofisticada do empecilho anterior. Como uma teoria determina em último grau quais os fatos e ocorrências devem ser considerados, então, ao se assumir o materialismo como arcabouço teórico de investigação, está se restringindo severamente o universo de fatos. A "prova" obtida a favor de determinado ponto de vista simplesmente não é válida; 
  4. Considerar que esse referencial materialista foi "provado" pela ciência. Ciência entendida como 'conhecimento' nada tem a dizer sobre a questão da sobrevivência. Outra coisa bem diferente é a  opinião dos cientistas. Mas essa opinião não constitui ciência, principalmente se ela versa sobre assuntos que não estão diretamente relacionados aos objetos de sua pesquisa científica; 
  5. Tentar "detectar" o espírito por meios diretos: há uma quantidade enorme de pessoas que acreditam que manifestações físicas (efeitos físicos) são 'manifestações espirituais'. Outros dizem que, se o Espírito existe, ele necessariamente deve deixar rastros mensuráveis. Aqui, a falha é na compreensão do objeto de estudo:  a matéria se deixa apreender por determinados tipos de sinais (cores, sons, formas, gostos etc). O Espírito tem pensamento, vontade e sentimentos, todos atributos inacessíveis do ponto de vista sensorial (ver novamente a referência Chibeni, 2010). Não é difícil perceber que a questão não pode também ser decidida apelando-se para uma amplificação no nível de acuidade ou 'precisão' do equipamento;  
  6. Tentar "mensurar" o espírito: uma variante do erro anterior;
  7. Só considerar válida a evidência "reprodutível": aqui temos um ponto para muitas discussões. Mas a essência é muito simples: como os fenômenos dependem de inteligências que são independentes, insistir na reprodutibilidade é condenar o estudo do assunto desde o princípio. A fonte dos fenômenos espirituais necessariamente não pode ser controlada, pois é independente, logo não está sujeita a reprodução; 
  8. Tratar o assunto de forma puramente experimental, sem preocupação com o desenvolvimento de uma teoria que explique os fatos. Esse é um empecilho típico da parapsicologia. Em toda a história,  jamais se fez ciência de verdade sem teorias. Entretanto, alguns pesquisadores das "ciências psi" pretendem resolver a questão tão só apelando-se para o experimento. Para esses pesquisadores, invocar "explicações" tiraria a "neutralidade" e o "rigor" que o tema de pesquisa exige. Entretanto, isso está errado pois 'rigor' nada tem a ver com 'neutralidade' e o desenvolvimento científico normal exige que se proponham experimentos baseados em hipóteses ou teorias que não são, elas próprias, neutras; 
  9. Trabalhar com fragmentos teóricos (hipóteses isoladas). Por outro lado, quando explicações são dadas, elas são produzidas para cada fenômeno e não conseguem dar conta de todos os fatos. Não se procura correlacionar um fenômeno com outro. Fatos psíquicos diferentes, que se manifestam fenomenologicamente de forma diversa, são explicados por hipóteses diferentes ou mesmo totalmente antagônicas entre si;
  10. Adotar enfoque dogmático ou preconceituoso: dogmatismo e preconceito são regras no comportamento humano e não exceções. A compreensível "neutralidade" não deve ser anulada até o ponto em que se adote uma visão claramente radical da questão. Há que se reconhecer que ninguém é dono da verdade;
  11. Misturar ou conivir com o misticismo: de novo, isso ocorre por falha na compreensão do caráter científico do assunto a ser estudado. Para o misticismo, não há necessidade de se envolver a ciência, pois ele se considera uma fonte independente de conhecimento. Trata-se de um obstáculo, pois o misticismo oblitera ou impede essa compreensão científica;
  12. Descuidar do rigor: quando se fala na aplicação de um método (não necessariamente extraído ou importado das ciências ordinárias) há que se tratar do rigor sem o que é impossível chegar a conclusões válidas.  
Tais obstáculos permitem entender porque a pesquisa da questão da sobrevivência encontra-se grosso modo no nível presente, e, também, compreender a necessidade de conduzir esse estudo dentro do arcabouço teórico desenvolvido por Allan Kardec. Por quê? Talvez isso pareça contrariar à suposta 'neutralidade' que seria necessária para um estudo científico. Entretanto, não é possível considerar os fatos sobre os quais discorre o Espiritismo fora do arcabouço teórico que ele determina para colher os seus fatos.

Assim, ao se descuidar de utilizar o referencial teórico criado por Kardec, estamos abrindo brechas para as evidências sejam contaminas por concepções inadequadas ou pressupostos que não levem em conta a teoria por ele desenvolvida. Fica assim muito fácil rejeitar erroneamente a tese espírita, por uma questão de colheita incorreta de fatos que passam a ser descritos em uma ideologia diferente. Para mim, esse é um problema central, embora pouco reconhecido, que caracterizaria um décimo terceiro obstáculo para o estudo científico da sobrevivência e da realidade do espírito. Falaremos mais tarde sobre isso em um futuro post.

Essa apresentação é, assim, um resumo didático que recomendamos fortemente, já que demonstra uma exposição sumária e elucidativa dessas questões.

Referências
Nota 1

“O ceticismo, no tocante à doutrina espírita, quando não resulta de uma oposição sistemática por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o que não impede que alguns dêem a questão por encerrada, como se a conhecessem a fundo.” (A. Kardec, Artigo 17, Introdução de 'O Livro dos Espíritos')


30 de abril de 2011

Livro I - Introdução à Ciência Espírita de Aécio P. Chagas


No centenário de nascimento de Allan Kardec (2004), muitas obras foram publicadas em sua homenagem. Dentre elas, destaca-se a 'Introdução à Ciência Espírita' de Aécio Pereira Chagas. Com um estilo simples, o autor consegue abordar uma ampla gama de tópicos que fazem parte dos fundamentos da Doutrina Espírita, suas consequências morais e filosóficas. Um livro com 156 páginas - pouco se considerarmos a vastidão da temática espírita - é bem uma introdução ao assunto.

Para se ter uma ideia dos temas abordados por esta obra, basta que consideremos seu índice: 1 Introdução, 2 - Concepção espírita do ser humano, 3 - Fluidos - I (há dois capítulos separados para o tema 'fluidos'), 4 - Perispírito, 5 - Animismo, 6 - Mediunidade, 7 - Fluidos II, 8 - Efeitos Físicos, 9 - Fluidoterapia, 10 - Evolução e Tempo (que discorre sobre o importante princípio da reencarnação), 11 - Conclusão.  Há ainda 2 apêndices: um sobre o conceito de religião e outro que trata de um resumo histórico do Espiritismo.

Antes do 1o Capítulo, no 'Prólogo', o autor, que é pesquisador acadêmico conceituado, discorre sobre a noção de 'ciência espírita'. Essa noção certamente tem consequências para a noção de universidade e centro de pesquisa acadêmico. De forma bem direta, o autor considera:
As universidades são importantes instituições de ensino e pesquisa, cujas atuais caracteristicas têm cerca de duzentos anos. Formaram-se após a Revolução Francesa (ou Burguesa) sobre as ruínas das universidades medievais. Estas eram centradas na teologia e as novas universidades centram-se nas ciências da matéria: física, química, biologia. Sua ideologia, ou seja, o conjunto de idéias que definem sua estrutura, objetivos, funcionamento etc, é praticamente positivista. Ela é, em sua essência, materialista. Creio que, dentro desta concepção de universidade, nela não cabe o espiritismo.
Essas considerações certamente têm consequências sobre a opinião particular dos que pensam ser possível acomodar a pesquisa espírita dentro dos modelos atuais de centro de pesquisa e universidades. Sendo, pois, a pesquisa acadêmica essencialmente centrada na busca e explicação de fenômenos materiais, é bastante lógico compreender porque existe grande resistência em meios acadêmicos a estudos de outras naturezas. O de uma determinada universidade estar vinculada  a uma religião (como ocorre com as universidades católicas, por exemplo) em nada modifica esse quadro:
Existem universidades vinculadas a algumas religiões: universidades católicas, protestantes, judaicas, entre outras. Pergunto ao leitor, como são elas? No que diferem das universidades não confessionais?
Finalmente, ancorado nessa lógica o autor afirma: A ciência espírita foi feita e está sendo feita nos centros espíritas. O autor explica:
Acho que a pesquisa espírita não foi feita e não está sendo feita nos centros de metapsíquica ou de parapsicologia, que não satisfazem os requisitos da atividade científica, pois elas não contêm uma teoria. Muitos dos notáveis pesquisadores do passado, que trabalharam no estudo da fenomenologia mediúnica, não fizeram ciência espírita, ou melhor, não fizeram ciência nenhuma, pois não possuiam uma teoria. É interessante que alguns até se tornaram espíritas no fim de seus trabalhos.
Do ponto de vista das modernas teorias do conhecimento, a existência de uma teoria - que desenvolve e orienta a pesquisa - é um quesito fundamental para que haja verdadeira ciência. Em um ambiente cercado de ceticismo com relação ao objeto de estudo (que é o Espírito) como haverá de se desenvolver nosso conhecimento sobre o assunto? Este é um ponto fundamental que não pode ser desconsiderado.
  
Ao longo do livro, o autor discorre sobre vários conceitos espíritas - essencialmente fundamentados em 'O Livro dos Espíritos' e 'O Livro dos Médiuns' de A. Kardec por meio de muitas figuras (ou 'esquemas') que, embora não sofisticadas, conseguem explicar os conceitos e que dificilmente encontramos em outros obras. Além disso, o livro apresenta diversos 'exercícios' que orientam o leitor no estudo de obras complementares. Por exemplo, ao final do capítulo 6 (sobre mediunidade) são propostas várias questões. Destacamos uma delas: 6.3 - Um médium sonambúlico 'que vê' é vidente ou clarividente? Tal proposta faz de 'Introdução à Ciência Espírita' um livro diferente de muitos outros, um livro que tem uma proposta pedagógica. 

Interessante e elucidativa é a proposta do autor de explicar os fenômenos físicos através de um capítulo dedicado. Por serem ocorrências que se distanciam dos fatos ordinários, esses são os mais considerados pelos adeptos da teoria do 'embuste'. Em particular, o autor esclarece os fatos da década de 60 em Uberaba, MG, em torno da mediunidade de efeitos físicos de Otília Diogo. Ele faz isso não como alguém que 'ouviu falar do assunto', mas como quem teve contato direto com testemunhas dos fatos: 
Em uma  dessas reuniões, esteve presente também uma equipe de repórteres da revista O Cruzeiro, na época, era o semanário de maior circulação no país. A primeira reportagem publicada pela revista foi fiel aos fatos observados. A segunda, uma semana depois, procurou apresentar tudo como se fosse uma fraude. 
Mesmo assim, em determinados  assuntos, sentimos que o autor foi algo resumido demais. Um exemplo, é o tema 'prece' do capítulo 9 'Fluidoterapia'. O assunto, em nossa opinião, é de certa importância e muito se beneficiaria de maior aprofundamento com o estilo didático do autor.

No último capítulo (11 - Conclusão), o autor trata da noção de prova científica de outras questões ligadas ao assunto e sua relação com os fatos espíritas. Basta considerarmos as perguntas feitas pelo autor no capítulo citado: 'Átomos e moléculas existem? Você já os viu ou os tocou? Como provar que eles existem?, para que tenhamos uma idéia de que a noção de prova na ciência e, principalmente, na ciência espírita, não tem o mesmo status das 'evidências' das ciências forenses ou criminais. O assunto requer muito estudo e uma visão dilatada que inclua a ideia de que muitas coisas no mundo existem apesar de não sensibilizam diretamente nossos sentidos ordinários. 

'Introdução à Ciência Espírita' traduz em seu título, de uma maneira fiel, o que o autor desejou transmitir com ele: uma introdução didática a um tema que tem um grande futuro.
  
Detalhes bibliográficos:
Introdução à Ciência Espírita
Aécio P. Chagas
156 páginas
Biblioteca de Ciência e Espiritismo
Editora Lachâtre (http://www.editora3deoutubro.com.br)
1a Edição (2004)