Apresentamos aqui a primeira parte de uma entrevista com Alexandre Fontes da Fonseca, conhecido articulista de 'O Reformador' e pesquisador espírita. Alexandre é nosso conhecido e nos cedeu esta entrevista onde discorre sobre diversos temas de interesse atual para o movimento espírita e para a pesquisa da temática espírita. Alexandre é físico e trabalha na Universidade Federal de Volta Redonda. Para saber mais sobre o Alexandre, você pode visitar sua página do Grupo de Modelagem Física de Nanoestruturas. As respostas do Alexandre estão em azul abaixo.
EE 1. Como você conheceu o Espiritismo?
Meu pai frequentava um centro espírita na minha cidade natal, e ele me levava com ele. Só na adolescência, porém, que tive oportunidade de participar de grupo de jovens do setor de Evangelização do centro, e comecei a ler as das obras básicas e algumas das obras psicografadas pelo Chico Xavier.
EE 2. Você acha que o Espiritismo tem algo a contribuir para nosso conhecimento científico atual?
Sem dúvida! Sendo uma doutrina que revela as leis naturais que envolvem a existência e sobrevivência da alma, e a possibilidade de comunicação entre a alma dos ditos “mortos” com a dos ditos “vivos”, ela naturalmente abre um campo novo de pesquisa que é de interesse tanto científico quanto filosófico e religioso. Em particular, o Espiritismo oferece uma base teórica com a qual é possível investigar e compreender os fenômenos que, mesmo hoje, ainda são considerados sobrenaturais.
EE 3. Quais são os seus principais interesses na 'interface' Espiritismo - Ciência?
Eu particularmente tenho dois interesses distintos entre si que eu chamaria de “frentes de trabalho”, ambas envolvendo aspectos diferentes da ideia que temos de Ciência e sua relação com o Espiritismo.
Uma dessas “frentes” é o que acredito ser um dos maiores desafios da pesquisa espírita que é investigar os fenômenos espíritas dentro dos paradigmas e métodos das diversas áreas do conhecimento humano como a Física, a Química, a Biologia, a Medicina, etc. Digo grande desafio, pois o fenômeno da vida, do ponto de vista material, ainda é pouco compreendido pelas ciências materiais, o que dificulta qualquer tentativa de se investigar, pelo lado da matéria, teorias ou modelos para este fenômeno que incorporem o elemento espiritual como força atuante no fenômeno da vida. É difícil meditar sobre onde e como o princípio inteligente atua nos seres vivos se mal conhecemos como eles são e como se comportam em termos do conhecimento das ciências materiais.
Isso, porém, não impede que se pesquise as características e condições materiais em que alguns fenômenos espíritas ocorrem; ou efeitos indiretos da espiritualidade como, por exemplo, a ação da prece ou dos passes na saúde humana, etc.
A segunda “frente de trabalho”, na minha opinião, é a que mais importância teria no cenário do movimento espírita e que traria consequências positivas na forma como a sociedade encara o Espiritismo. Essa “frente” consiste em desenvolver o “aspecto científico” do Espiritismo. Apesar de parecer redundante, podemos dizer que a atividade de pesquisa realizada constantemente por uma comunidade ou grupo de pessoas é que torna, perante a sociedade, uma área do conhecimento ativa no seu aspecto científico. Por exemplo, a comunidade de pesquisadores em Física mantém ativa a pesquisa científica nessa área. E isso não ocorre por causa da simples existência de físicos, mas porque uma boa parcela deles faz pesquisa profissionalmente. Assim, na minha opinião, as pessoas do movimento espírita que tem afinidade ao estudo e pesquisa, mesmo não possuindo experiência profissional em pesquisa científica ou acadêmica, podem ser orientadas a realizar um bom trabalho de pesquisa espírita, contribuindo de forma segura e racional para o progresso do aspecto científico do Espiritismo ou daquilo que chamamos de “Ciência Espírita”.
Enquanto que a primeira “frente de trabalho” é, em geral, muito difícil, e só pode ser realizada por pesquisadores profissionais das diversas áreas do conhecimento humano, a segunda “frente de trabalho” está mais próxima do movimento espírita pois requer apenas um bom conhecimento das obras básicas da Doutrina Espírita, o gosto pelo estudo, observação e meditação, e um pouco de orientação sobre O QUE e COMO é um trabalho de pesquisa. Na minha opinião, uma das consequências a médio ou longo prazos da segunda “frente de trabalho” é mostrar à sociedade que o Espiritismo possui um subgrupo de pessoas que trabalham de modo sério no seu aspecto científico o que, portanto, implica na existência de uma ciência espírita. Outro benefício direto é combater as novidades que se apresentam de modo místico e incoerentes com os princípios próprios do Espiritismo, o que perderiam o espaço e o valor para aquilo que se obtém através do estudo e pesquisa sérios.
EE 4. O que significa para você 'ciência espírita'?
O conceito de ciência é amplo e filosoficamente envolve vários fatores. Entretanto, se eu puder apresentar uma definição em poucas palavras, eu diria que ‘ciência espírita’ consiste de conhecimentos que são obtidos através de atividades de pesquisa baseadas em conceitos, métodos e rigores de análise definidos e descritos pelo paradigma espírita.
EE 5. Como você vê o desenvolvimento dessa nova ciência?
Apesar de conhecer vários companheiros no movimento espírita se esforçando tanto na primeira quanto na segunda “frente de trabalho” mencionadas na questão 3, minha impressão é que esse desenvolvimento ainda é pequeno. Isso ocorre não somente pelas pessoas que fazem parte do movimento espírita não serem cientistas ou pesquisadores profissionais, mas principalmente pela falta de interesse pelo estudo sério e metódico. Felizmente, a nossa juventude espírita vive uma época de maior acesso ao livro e à informação o que é um ponto positivo. O obstáculo aparente é a falta de noção do que é um trabalho de pesquisa já que, infelizmente, não se aprende a realizar pesquisa científica nas escolas e nem mesmo nos cursos de nível superior. Profissionalmente, isso se aprende nos cursos de Pós-Graduação do tipo strictu-senso, que são os cursos de Mestrado e Doutorado, mas dentro do movimento espírita, não há necessidade de se ter títulos de pós-graduação para realizar pesquisa de qualidade. As qualidades necessárias fundamentais são o conhecimento sólido do Espiritismo e o interesse e gosto pelo estudo.
H. G. Andrade. (1913-2003). |
Podemos citar alguns exemplos de pessoas que trabalharam na segunda “frente de trabalho” acima mencionada. O primeiro exemplo que desejo citar são as pesquisas sobre reencarnação e outros assuntos relacionados à área psíquica realizadas pelo sr. Hernani G. Andrade. Cito, também, a obra “Diálogo com as Sombras” de Hermínio C. Miranda que contém o relato das observações e conclusões que foram frutos de uma atividade legítima de pesquisa espírita no campo da desobssessão.
De correspondências que troco com alguns companheiros espíritas, tenho a impressão de que já existem vários grupos no movimento espírita que realizam trabalhos de pesquisa em assuntos espíritas ou de interesse espírita, mas que, por falta de uma melhor divulgação, não alcançam um número maior de pessoas. Baseado nas condições que, via de regra, sempre estão presentes junto aos grupos ou comunidades de pesquisadores das diversas disciplinas científicas ou acadêmicas, eu acredito que existem fatores que, se pudessem ocorrer no movimento espírita, ajudariam a “alavancar” o desenvolvimento da ciência espírita. Enumeramos alguns desses fatores a seguir:
Primeiro, como já comentado, precisamos de recursos humanos, isto é, pessoas dispostas ao árduo e paciente trabalho de estudo e pesquisa.
Segundo, precisamos de recursos financeiros para a pesquisa em si, para fomentar encontros de pesquisadores, aquisição de materiais, equipamentos, investigações de campo, etc.
Terceiro, precisamos desenvolver uma mentalidade de pesquisa, análoga à que existe nos meios acadêmicos porém, sem o prejuízo que existe nos mesmos por causa do egoísmo e do orgulho. Essa mentalidade de pesquisa envolve o desenvolvimento de um senso-crítico que assegure a validade da análise das novidades que surgem na atividade de pesquisa. Isso envolve tanto a capacidade de auto-crítica quanto a de análise crítica da produção intelectual de outrem. Enquanto no meio acadêmico isso muitas vezes ocorre de modo agressivo, no movimento espírita o dever moral impõe o respeito ao próximo mesmo diante de uma crítica. Em outras palavras, se faz necessário por em prática a recomendação de Jesus: “Seja seu dizer sim, sim, não, não” (Mateus 5:37).
Quarto, precisamos de mecanismos de divulgação dos resultados de pesquisa mais rápidos, eficientes e baratos, e que sejam similares ao que toda área de pesquisa do conhecimento humano tem: revistas científicas ou acadêmicas dedicadas exclusivamente a artigos de pesquisa, que utilizam o sistema de “peer review” para a análise dos artigos. Esse método, mesmo sendo imperfeito, contribui para maximizar as garantias de que os conteúdos publicados tiveram critério na sua execução e bom-senso nas conclusões. As novidades publicadas por meio desse método são mais confiáveis e menos suscetíveis a erros do que aquelas oriundas de publicações individuais, onde nem sempre o conteúdo passou pela devida análise crítica.
No próximo post, Alexandre discorre sobre o que seria necessário para aprimorar o desenvolvimento da Ciência Espírita.
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