28 de setembro de 2011

Entrevista III - Alexandre F. da Fonseca e a temática espírita na atualidade (parte 2/2).

Continuamos aqui a 2a parte da entrevista de Alexandre Fonseca.

Para acessar a primeira parte.

EE - 6 Onde você acha que essa nova ciência deveria se desenvolver ? (academia versus ambiente do movimento espírita)

Essa é uma boa pergunta. Eu penso que estando os Espíritos por toda a parte, dependendo do tipo de projeto de pesquisa, qualquer lugar pode se tornar um laboratório legítimo de pesquisa espírita. Ao meu ver, é a seriedade e os objetivos de um trabalho de pesquisa que vai determinar se o projeto vai ou não contar com a assistência de bons Espíritos. 

Em termos das “frentes de trabalho”, o local de pesquisa mais comum na primeira “frente” é a academia, sem contudo excluir o que chamamos de “atividade de campo”, onde o cientista vai ao local onde pode encontrar de modo mais abundante o objeto de seu estudo. O biólogo costuma ir às florestas investigar determinadas espécies em seu próprio habitat, enquanto que o astrônomo não tem como reproduzir em laboratório a grandeza do cosmos.

Pensando em termos da segunda “frente de trabalho”, o laboratório de pesquisa mais comum pode ser tanto o centro espírita quanto um gabinete de leitura e estudos. Porém, essa questão merece mais atenção pois o centro espírita, em minha opinião, não deve formalmente se transformar em “centro de pesquisas”, sob pena de prejudicar as outras atividades para as quais ele se dedica. Apenas ressalto que nada impede que pessoas que lidam com a mediunidade, por exemplo, possam fazer registros e anotações que permitam colher aprendizados posteriores, a exemplo do que fez Hermínio C. de Miranda na obra “Diálogo com as Sombras”. Nada impede que um grupo de trabalho de passes, realize um acompanhamento da evolução da saúde de alguns assistidos. E se algum grupo dispuser de um médium de efeitos físicos que procure investigar os fenômenos e suas condições e não apenas assisti-los pela satisfação da curiosidade.

Outra ressalva importante é que ninguém, no centro espírita, deve ser constrangido(a) a realizar algum trabalho de pesquisa, nem mudar sua postura em sua atividade rotineira, em nome de um ideal no aspecto científico do Espiritismo. Por exemplo, não é porque se pode fazer anotações sobre a mediunidade em um grupo de desobsessão que os doutrinadores ou dialogadores faltarão com a atenção, respeito e caridade em suas conversas com os Espíritos.

EE 7 - Como você acha que deveriam ser divulgados os trabalhos dessa nova ciência?

É necessário haver um espaço apropriado, seguro e de baixo custo para divulgar com a devida rapidez e facilidade os resultados das pesquisas espíritas. O melhor que conhecemos dentro da Ciência é o esquema de publicação de artigos inéditos de pesquisa através do método de análise por pares, o chamado “peer review” (comentamos sobre ele na questão 5). Esse esquema permite a publicação rápida dos trabalhos de pesquisa que, por conseguinte, permite a divulgação do quê vém sendo pesquisado e como vém sendo pesquisado aos outros pesquisadores. Graças a esse esquema, a Ciência constrói seu conhecimento na base da contribuição de muitos cientistas. 

O movimento espírita atual valoriza muito a obra publicada na forma de livro. O lado positivo é que o livro é uma forma de registro permanente de um conhecimento adquirido. O lado negativo é que interesses diversos aliados à falta de espírito crítico de editores e leitores tornam o livro uma fonte de informações muitas vezes insegura. No processo de divulgação dos trabalhos de pesquisa não se pode perder tempo ou recursos. Na preparação de um livro, leva-se um tempo maior para juntar e compor o seu conteúdo. Depois de pronto, os custos de produção e distribuição de um livro são elevados. Além disso, nem sempre a maioria dos leitores interessados tem recursos financeiros para aquisição de muitos livros. Assim, a opção de uma revista de artigos de pesquisa preenche os requisitos de rapidez e baixo custo de divulgação. Em tempos de acesso mais fácil à internet, é possível editar e criar uma revista científica em que os artigos possam ser divulgados a custo zero para o leitor, o que levaria a um ganho enorme em termos de visibilidade do trabalho de pesquisa. Visibilidade é algo tão importante na pesquisa científica que algumas editoras acadêmicas tem criado revistas de “open access”, em que o leitor não paga para ler os artigos. 

Esse tipo de metodologia de edição e escolha de artigos funciona da seguinte maneira: especialistas em uma determinada área do conhecimento relacionada ao tema de um artigo recém submetido para publicação, são escolhidos pelos editores da revista para analisarem se os conceitos, métodos e rigores de análise do problema em questão, foram empregados pelo(s) autor(ers) do artigo. Isso é feito de modo anônimo, pelo menos, para os autores. Por ser uma atividade humana, é natural que haja defeitos nessa forma de avaliação dos artigos, mas até onde conhecemos, essa é a melhor forma de garantir que um artigo de pesquisa é legítimo, cujos resultados foram obtidos de modo criterioso e sensato, podendo assim ser lido com a confiança de que os critérios de bom-senso na pesquisa foram seguidos. Obviamente que a publicação de um artigo ainda não significa demonstração científica de algo novo, mas é o primeiro passo para que a comunidade de cientistas e estudiosos da área tomem conhecimento formal da pesquisa. 

EE 8 - O que você acha da crescente onda de valorização de fundamentos da física quântica por parte do movimento espírita?

Um exagero que denota a falta de noção de como a Ciência de fato se desenvolve. Na ânsia de ver o Espiritismo mais divulgado e aceito pela sociedade, alguns companheiros acreditam que a relação entre as teorias e descobertas modernas da ciência, como a Física Quântica, e o Espiritismo mostrariam que o Espiritismo tem valor científico. Infelizmente, isso é um engano que demonstra a falta de conhecimento do significado do aspecto científico do Espiritismo. O movimento espírita tem um potencial enorme de trabalho em pesquisa genuinamente espírita, com um poder de demonstração de seriedade no aspecto científico muito maior quando comparado ao ganho aparente que se imagina obter das afirmações da relação entre a física quântica e os conceitos espíritas. Isso, sem falar dos textos pseudo-científicos envolvendo física quântica que são divulgados no meio espírita como a favor do Espiritismo, mas que contém afirmações completamente contrárias a ele. 

EE 9 - Como você vê uma possível interação entre o Espiritismo e uma disciplina exata como a Física, por exemplo?

Imagino que é possível trabalhar na “interface” em que determinados fenômenos sejam da alçada tanto da Física quanto do Espiritismo. Os fenômenos de efeitos físicos são exemplos disso por se tratarem de efeitos materiais de causas espirituais. Porém, diversos companheiros do movimento espírita, talvez por algum entusiasmo, talvez por ignorância (sem intenção pejorativa), tem tentado associar de modo precipitado alguns conceitos da Física com os do Espiritismo de uma forma que eu chamaria de inversa. Por exemplo, com relação aos fluidos espirituais há obras inteiras que tentam adaptar teorias e modelos modernos originalmente desenvolvidos para descrever as propriedades da estrutura atômica da matéria, aos conceitos de fluido. Muitos se esquecem de que a história da ciência mostra que primeiro os cientistas desenvolveram as teorias para o comportamento da matéria em escala macroscópica e só depois, por meio do aprimoramento e refinamento dos experimentos, é que com base nos resultados experimentais, os cientistas propuseram novas teorias para a estrutura atômica da matéria. Assim, em minha opinião, antes de ficar imaginando que os fluidos ou o Espírito tenham ou sejam uma função de onda como descrita pela teoria quântica, busquemos investigar e esgotar o nosso conhecimento sobre as propriedades e condições físicas dos fluidos e fenômenos espíritas na escala normal de tamanho, que é macroscópica, e só depois quando tivermos sólidas informações sobre essas propriedades, começarmos a imaginar, por exemplo, como poderia ser a estrutura em escala atômica daquilo que chamamos de fluidos espirituais. 

Para isso, poderemos contar com a possibilidade de usar diversos equipamentos modernos e sensíveis que a nossa tecnologia já disponibiliza obviamente na medida em que existam recursos financeiros para aquisição ou aluguel desses equipamentos. Apesar das dificuldades naturais, há companheiros espíritas que tem imaginado novos experimentos capazes de investigar as condições em que os fenômenos de efeito físico ocorrem. Vide, por exemplo, o artigo de Ademir Xavier em (livro do 6º encontro da LIHPE). 

EE 10 - Como você vê as contribuições presentes de movimentos de grupos de pesquisadores espíritas para o desenvolvimento da temática espírita? (que sugestões você daria para tais grupos).

Primeiramente, dos poucos grupos de pesquisadores espíritas que conheço, é preciso que eles recebam nossos sinceros parabéns e incentivo pelo esforço que tem realizado no propósito de desenvolver pesquisa espírita. Temos relatos de estudos que demonstram o número razoável de teses e monografias acadêmicas envolvendo temática espírita ou de interesse espírita. Nas duas “frentes de trabalho” há grupos como a Liga dos Historiadores e Pesquisadores Espíritas (LIHPE) que promovem encontros anuais onde pesquisadores apresentam em formato próximo ao acadêmico, seus trabalhos de pesquisa espírita, e grupos acadêmicos de pesquisa espírita e espiritualista como o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (NUPES). Essas contribuições estão motivando o engajamento de jovens em novos projetos de pesquisa o que sem dúvida é positivo para o processo nas duas “frentes de trabalho” mencionadas anteriormente. 

Entretanto, noto que o movimento espírita em si parece ter pouco interesse ou mesmo nem tem conhecimento da existência desses grupos e trabalhos de pesquisa que vém sendo realizados até então. Eu acredito que isso se deve, em parte, ao fato da divulgação desses trabalhos de pesquisa ainda não ser perfeita, com baixa visibilidade que, como comentamos anteriormente, é algo importantíssimo ao desenvolvimento da pesquisa em qualquer área. Na minha opinião, a criação de uma revista espírita dedicada a artigos de pesquisa espírita, que tivesse o método de análise por pares (o “peer review”) e divulgasse seus artigos de modo gratuito (pela internet, por exemplo), permitiria um maior o acesso de um número maior de leitores a trabalhos de pesquisa espírita legítimos.

EE 11 - Alguma mensagem final para nosso blog?

O blog A Era do Espírito tem se dedicado ao esclarecimento de conceitos importantes sobre Ciência, Ciência Espírita, e os limites de validade de ambas. Em particular, esses conceitos tem nos servido de base para compreendermos os limites de validade da crítica feita ao Espiritismo. Estamos vivendo em uma época em que há facilidade de acesso à informação combinada com a falta de formação científica e filosófica de grande parte dos espíritas. E, diante da afirmativa de Kardec de que a verdadeira fé só o é aquela que é capaz de encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade, ao apresentar estudos sobre assuntos pouco discutidos em outros blogs, páginas ou periódicos espíritas, este blog tem preenchido uma importante e difícil lacuna de informar (e por que não dizer, formar) os leitores em assuntos necessários para o fortalecimento da fé espírita.


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