7 de setembro de 2013

Carta aos espíritas de alguns séculos no futuro.


Caros espíritas de alguns séculos à frente ou depois disso:

Aqui em 2013, mais ou menos perdidos entre a avalanche de informações de todos os lados na rede ou fora dela, estamos a braços com notícias empolgadas por parte dos que acham que a física quântica, a cosmologia e as ciências em geral irão revolucionar completamente a maneira como encaramos verdades simples como a vida após a morte, as vidas sucessivas e a nossa necessidade de progresso em todos os sentidos.

Muitos insistem que essa mesma ciência, embora inexistindo nela qualquer princípio que afirme a imortalidade do ser e muito menos a sua existência, está destinada a revolucionar o conhecimento das realidades transcendentes, atualizando o Espiritismo, por meio de não sei qual mecanismo quântico que ainda será descoberto, se não o foi, pelos cientistas entrincheirados em seus gabinetes e laboratórios. 

Ninguém aqui está preocupado em desenvolver o objeto de pesquisa dessa nova ciência do espírito tal como ele deveria ser desenvolvido. Não se vêem estudos sistemáticos sobre mediunidade ou reencarnação, como faria Kardec. Aguarda-se apenas o dia em que esses fatos básicos serão todos decompostos pela física quântica aliada a alguma novidade em gravitação derivada de outra teoria cosmológica. Um verdadeiro salto quântico na nossa compreensão da realidade do espírito haverá de sair das mãos dos cientistas materialistas e sem nenhum compromisso com as realidades desse mesmo espírito.

Entre os espíritas de nosso tempo, ninguém conhece os métodos da física quântica, sua linguagem altamente matemática e específica para lidar com a realidade material que se apresenta na forma de uma outra ordem de fenômeno da natureza, que, por isso mesmo, confundem com os novos fenômenos do espírito. Por um efeito de ilusão mental, o vácuo quântico, as especulações em torno de medida quântica ou as teorias altamente especulativas de multi-universo são ainda vistos como "comprovações" de que a ciência de 2013 "está chegando lá"... 

A difícil realidade é que, por enquanto em nossa época, não há nada de novo no front da ciência que a faça menos ligada à matéria e considere o espírito. Em nossa época, mesmo todos os teoremas e corolários quânticos ainda não conseguiram fazer que nossos cientistas se dobrassem à realidade do espírito e se tornassem espiritualistas convictos. Nossas academias permanecem fechadas para a aceitação da sobrevivência, considerada como um desejo humano pueril de continuidade e nada mais

Saudo a todos vocês, irmãos em crença, a partilhar a esperança de uma sociedade feliz e mais avançada em compreensão, caridade e discernimento.

Editor do "Era do Espírito".

22 de agosto de 2013

Sobre cartas psicografadas: artigo na Revue Spirite 2013 (Tradução Leandro S. Pimenta)


O amigo e pesquisador Leandro S. Pimenta traduziu para o francês um artigo de nossa autoria com o título original: "Estatística de Cartas Psicografadas" que será publicado na edição mais recente da Revue Spirite. Esse artigo é um resumo de um trabalho apresentado durante o 8o. ENLIHPE que ocorreu em 2012

O título do trabalho presente na revista é "À Propos de Lettres Psychographiées' e está na página 13 da Edição do Segundo Trimestre de 2013, na seção "Dossier: La recherche Spirite".

Esta edição também traz o trabalho "Las chercheurs du Spiritisme Réunis!" por Leandro Pimenta que é um resumo sobre a LIHPE e sua história.  

Quem conhece a língua francesa e quiser conhecer o trabalho, pode seguir as direções para pedidos de aquisição de exemplares da "Revue Spirite" aqui

Agradecemos aqui ao Leandro o trabalho excelente de tradução.

Outras referências



14 de agosto de 2013

Reflexões sobre uma pseudociência espírita (crítica a um texto CEPA 2012)

Muitos indivíduos, entretanto, mantêm uma visão ingênua da ciência baseado nas seguintes assunções: i) Fatos estão disponíveis diretamente a observadores sem preconceito por meio dos sentidos; ii) Fatos vem antes e não dependem de uma teoria; iii) Fatos constituem uma base sólida e confiável para o conhecimento. Essas assunções tentam explicar a certeza na ciência. Se analisadas com cuidado, entretanto, elas não não têm sentido. (The theory laden observation, super fun...?. Mikesphilosophyblog)

O texto "Reflexões sobre uma ciência espírita" (1), que foi publicado na última reunião da CEPA em 2012, é uma tentativa de se construir uma crítica à ciência espírita, conforme definida por Kardec. Mas, essa crítica parte de uma noção de ciência ultrapassada, que não pode ser aplicada à ciência tal como a conhecemos hoje em dia.

É importante ressaltar que este post é sobre teorias da ciência, sobre teorias do conhecimento, a chamada 'epistemologia da ciência', que pode ser aplicada tanto ao estudo do que está bem estabelecido (as chamadas 'ciências ordinárias') como aquelas que ainda não tiveram tanta sorte, como no caso das ciências psíquicas. Essa aplicação exige considerável tempo de estudo e meditação, conhecimento abrangente do assunto, que é inerentemente complexo. Em suma, é necessário, muitas vezes, formação em uma ciência em particular (2) para que o candidato a epistemólogo 'sinta na pele' o que é verdadeiramente fazer ciência.

O autor de (1) pede que não se cite Kardec em qualquer réplica ao trabalho dele. Ele, certamente, tem razão, uma vez que isso realmente não é necessário. Iremos nos concentrar exclusivamente nos conceitos epistemológicos aventados nesse texto, que podem ser comparados ao que é modernamente conhecido sobre eles.

Uma visão indutivista ingênua

Destacamos algumas frases colhidas de (1) que demonstra um ponto de vista indutivista ingênuo (naïve inductivism):
...a ciência possui características que a distinguem das demais instâncias do conhecimento e a posicionam de forma clara como um saber essencialmente objetivo, experimental e metódico. (p. 2) 
Uma ciência deve pautar-se pelo exame dos fenômenos observados, seu objeto, por meio de experimentos orientados por métodos rigorosos que sustentem alguma garantia demonstrativa das hipóteses formuladas. (p. 4) 
Enfim, para uma proposta científica, que não prescinde de observações que garantam a adequada aplicação da indução, não parece que o tamanho da amostra seja significativo para a consecução de qualquer conclusão acerca do objeto estudado. (grifos meus, p. 8)
A ênfase na 'objetividade', no caráter metódico e experimental caracteriza e define o preconceito indutivista e sua visão de ciência. O indutivista realmente acredita que conhecimento científico genuíno e verdadeiro pode ser gerado a partir de suas 'induções' que requerem um grande número de observações e induções, se possível feitas da maneira mais 'isenta' e 'controlada' possível. Isso é patente no texto (1), onde a palavra 'teoria' ou 'paradigma' não é utilizada pelo autor em suas concepções de ciência. Um indutivista jamais concederá a uma teoria qualquer valor, porque ele acha que abordagem dos fenômenos deve ser feita 'sem preconceito' e uma teoria é uma visão preconceituosa da natureza para ele.

É importante que nossos leitores prestem atenção para essa visão de ciência, pois ela é a base que será usada em (1) para acusar Kardec de ter criado um 'imbróglio epistemológico'. Um verdadeiro imbróglio realmente surge ao se adotar a visão indutivista e ultrapassada de ciência, que não concede às teorias a importância que têm na gênese do conhecimento científico.

Continuando nesse caminho, lemos em (1):
A experiência é a pedra angular do conhecimento científico. Todas as hipóteses jamais passarão disso se não forem corroboradas por experimentos que demonstrem sua pertinência. (p.2)
Toda e qualquer ciência começa com uma teoria e não uma
observação experimental. Em física, por exemplo, é impossível
montar experimentos sem uma teoria que diga como fazer isso.
Como dissemos, a palavra 'teoria' não tem nenhum papel a desempenhar em (1). Ela é substituída por 'hipóteses' que devem ser rigorosamente 'corroboradas por experimentos'. Acontece que qualquer estudante de epistemologia sabe que 'experimentos' só podem ser feitos na linguagem de uma teoria (3). Por causa disso, aprendizes de uma ciência passam anos sendo 'doutrinados' no domínio de várias teorias em particular (um curso de física, por exemplo, dura, no mínimo quatro anos)  Apenas depois que eles demonstrarem domínio da teoria, é que conseguem propor e executar experimentos.
Destarte, é necessário que o objeto a ser perscrutado pelo pesquisador seja passível de verificação empírica, caso contrário não se poderá falar em ciência. (p.2)
O que é passível de verificação empírica é dependente demais da teoria e do estágio de desenvolvimento tecnológico para que seja erguido a 'objeto' de uma ciência. O autor de (1) não percebe que esse empiricismo extremado já se demonstrou em desacordo (3) com o desenvolvimento das ciências. Felizmente, epistemólogos modernos já conseguiram desatar esse 'nó empiricista' que limita severamente o que pode ser estudado cientificamente, além de algemar o processo de pesquisa a uma noção idealizada de rigor e objetividade. Porém, entusiastas do cientificismo ainda acreditam piamente nele.
O método é o que faz um conjunto de fatos observados tornar-se conhecimento científico, pois é o método científico que estipula um conjunto de regras e técnicas com base nas quais devem ser feitos os estudos que se proponham científicos. (p. 3)
Não é o 'método' que torna fatos em ciência, mas uma teoria. Conforme já aventamos (4):
...é a teoria ou paradigma que confere status de ciência a um conjunto de fatos observados, é o paradigma que estipula as regras e procedimentos que devem ser seguidos para se montar experimentos, propor instâncias de observação etc. E, conforme a teoria, tal é a visão que se tem dos fatos. Na grande maioria dos empreendimentos científicos, foi a assunção preliminar de hipóteses e a tentativa de elaboração de teorias que permitiram a construção de novos equipamentos e métodos de investigação. Um exemplo clássico foi o desenvolvimento da teoria atômica na química, não obstante os blocos constituintes da matéria – os átomos – (que são hoje os ingredientes fundamentais de qualquer descrição química da Natureza), não tivessem sido “observados” experimentalmente até a década de 1930.  A doutrina do atomismo, desenvolvida a partir de noções elementares de antigos filósofos gregos, tornou-se crença científica nos séculos que se seguiram ao renascimento na Europa. Reações químicas eram vistas como evidência indireta da natureza fragmentada da matéria a partir de elementos que se combinavam microscopicamente , embora provas diretas dos átomos jamais existissem. (p. 3) 
Ainda sobre a questão de objeto de estudo, encontramos em (1):
É interessante notar que em todas essas ciências particulares o objeto é empírico, ou seja, passível de verificações factuais a partir de metodologias específicas adequadas a cada objeto. As especialidades científicas conseguem “fazer falar” seus respectivos objetos." (p. 4)
Claramente confunde-se o 'objeto' de uma ciência em particular com os fenômenos que ele gera. É objetivo da física estudar 'átomos' ou 'moléculas', desvendar as leis que regulam a interação entre esses constituintes não observáveis do universo (5). Isso é feito através do estudo de fenômenos. Não é objetivo da física simplesmente 'estudar fenômenos' (isso é apenas uma maneira polissêmica de se usar a palavra 'estudo'), mas sim as suas causas. Repetimos: o objeto de estudo da física é, na verdade, os átomos ou suas leis de interação, através dos fenômenos. O leitor deve se atentar para essa importante distinção de escopo, porque ela é a base para a confusão que analisamos a seguir.

Consequências para a ciência espírita.

É com essa visão de ciência que o autor de (1) passa a criticar a proposta de Kardec:
Afinal, não há demonstrações objetivas da existência de espíritos, pois, em verdade, os espíritos seriam uma hipótese a ser verificada, se possível, do fenômeno observado por Kardec e por tantos outros, jamais um “ponto de partida”.(p. 5) 
No caso espírita, o fenômeno observado não é o espírito, que se enquadraria então não como objeto, mas como hipótese daquilo que se pesquisa. (p. 6)
Que objeto poderia, então, fundamentar uma ciência espírita? Aquilo que Kardec chama de fenômeno mediúnico. E apenas isso. (p. 15)
A crítica nesses moldes feita a Kardec, poderia se aplicar plenamente à existência de átomos, conforme discutimos anteriormente. Afinal, quais são as 'demonstrações objetivas' para a existência de átomos e moléculas? Imagens modernas de microscópio de força atômica? Mas, esses microscópios, eles mesmos jamais teriam sido construídos se a 'hipótese' (na terminologia do artigo (1)) da existência átomos não tivesse sido admitida à principio. Essas entidades foram assumidos como existindo na criação de partes e componentes dos microscópios, o que, ou torna a existência delas suspeita, ou invalida a ideia de que o objeto de estudo de uma ciência corresponde apenas aos fenômenos. Portanto, espíritos não tem demonstração sensorial, assim como várias outras entidades não têm: não apenas em átomos, mas campos magnéticos, elétricos, partículas elementares, forças escuras, campos gravitacionais, energias, genes etc. Mas, isso não é problema algum para a ciência ao contrário do que pensa o autor de (1).
Manifestações “inteligentes” podem e são estudadas por outras especialidades científicas, que propõem hipóteses mais coerentes com o fenômeno observado, haja vista não lançarem mão de proposições imateriais para a explicação desses fatos, que caracteriza o princípio lógico da navalha de Ockham. (p. 6)
Não se detalha quais seriam as 'outras especialidades científicas' que estudariam as manifestações inteligentes, mas, diante do quadro apresentado em (1), as causas dessas manifestações podem todas ser reduzidas aos átomos e suas interações que seriam as 'hipóteses mais coerentes', afinal, se não são espíritos ou forças inteligentes independentes, só podem ser os próprios átomos (igualmente invisíveis, mas materiais) nas diversas teorias materialistas da mente em moda na atualidade. É interessante ver o conceito 'navalha de Ockham' (6) na frase acima. Ela parece corroborar a noção simplória de que teorias não são necessárias em ciência, mas que experimentos devem ser feitos para se decidir sobre 'hipóteses' e de que, quando mais de uma hipótese está no páreo, deve-se escolher a mais simples, sem se especificar o que é 'simplicidade' nesse caso (6).

Conclusões

A visão exposta em (1) condena não só a ciência espírita de Kardec, mas toda a ciência moderna ao obscurantismo, a uma época onde apenas aquilo que se podia olhar, ouvir, cheirar ou degustar seria chamado de 'objeto digno de pesquisa'. Julgamos que essa proposta descaracteriza o conhecimento científico tal como o conhecemos, o que explica o título deste post.

Um microscópio de força atômica para 'ver' átomos .
 Esses dispositivos só puderam ser concebidos, 
montados e testados porque uma teoria
que assumia a existência de átomos foi aceita por princípio. 

O erro de se considerar como escopo de uma ciência somente seus fenômenos está na base de várias tentativas fracassadas de se tratar fenômenos psíquicos, dentre elas a metapsíquica de Richet (4) e a parapsicologia (7). O horror a hipóteses e teorias nesse último caso é a causa principal da estagnação desse campo de pesquisa (8).

Para se apreciar corretamente a fenomenologia mediúnica é preciso aceitar integralmente a teoria espírita criada por Kardec, da mesma forma que, para se apreciar corretamente fenômenos físicos é preciso conhecer e aceitar a teoria física que os explique. Infelizmente, no caso das ciências da matéria, estudantes passam anos se dedicando a absorver conceitos e princípios teóricos antes de vislumbrarem qualquer contribuição que possam fazer, muito menos ainda ousar contestar a teoria. Não nos parece fazer sentido rejeitar todo um paradigma científico e querer contribuir, de fato, na explicação de seus fenômenos particulares sem apoio de uma teoria. Repetimos, não existe ciência sem aceitação tácita de uma teoria.

O espírito ou princípio espiritual tem propriedades que não se confundem com a matéria ordinária. Por isso, uma ciência especial deve ser desenvolvida para lidar com ele e com sua interação com a matéria. Os princípios dessa ciência estão contidos na teoria espírita (queiram ou não, é o melhor que temos, por enquanto). Por causa dessa diferença de objeto, é um absurdo querer julgar o caráter científico dessa nova teoria simplesmente invocando-se um empiricismo a partir dos sentidos ordinários que servem exclusivamente à matéria.

Invocar a navalha de Ockham para decidir questões em ciência sem antes conhecer a fundo suas consequências e diversas interpretações pode ser altamente enganoso. Deve-se levar em conta a complexidade das teorias científicas modernas, onde o 'mais simples' parece ser uma questão de estética,  gosto pessoal, preconceito ou falta de conhecimento de um assunto. Graças a Deus, a natureza é o que é e não nos pede permissão para decidir sobre o que deve existir ou não no universo.

Notas e referências

(1) S. Maurício Pinto (2012). Reflexões sobre uma ciência espírita, XXI Congresso Espírita Pan-Americano, Santos, São Paulo.

(2) Por causa da natureza peculiar e independente de seu objeto de estudo, recomenda-se formação em uma "ciência da Natureza" (física, química, biologia etc) e não qualquer outra disciplina que receba essa denominação independente desse objeto.

(3) Chalmers, A. (1999). What is this thing called Science, 3rd Edition. Cambridge: Hackett Publishing Company, Inc.

(4) Xaver A. (2013, Reflexões sobre a ciência espírita, J. Est. Esp. 1, 010202.

(5) Da mesma forma, diríamos que é papel da genética estudar os 'genes' e suas leis (entidades invisíveis responsáveis pelas características de seres vivos) e não apenas os seres que carregam esses genes. Na química, é objeto de estudo estudar as leis que regulam a interação entre moléculas em diversos meios, soluções etc através de reações químicas etc.

(6) O que é conhecido como 'navalha de Ockam' parece ter sido criado como mito no Século 17 e atribuído ao filósofo medieval Guilherme de Ockham (1287-1347), e pode ser expressada pelo aforismo "Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem". Em outras  palavras, que se deve manter a simplicidade e não se multiplicar desnecessariamente o número de causas numa explicação. Ao longo do tempo, esse princípio foi estudado na filosofia por vários pesquisadores. Fora dos círculos acadêmicos e, mais especificadamente nos debates que ocorrem na web entre céticos e os proponentes da fenomenologia psíquica, a 'navalha de Ockam' é usada como arma retórica para defender determinados pontos de vista. Um materialista, por exemplo, pode invocar esse princípio para negar a existência da alma ou princípio espiritual, porque assim não se estaria 'multiplicando as causas'. Entretanto, há vários contra exemplos que desqualificam o argumento ou que o modificam para invocar um ideal de 'simplicidade' de outra maneira. Por exemplo, um espiritualista, por outro lado, poderia invocar a navalha de Ockham e postular a existência da alma ou espírito para salvar qualquer teoria da mente que se tornaria extremamente complexa sem o princípio espiritual. Quem tiver interesse em estudar seriamente a navalha de Ockham deve consultar:
(7) Esse assunto foi tema de vários posts aqui:

5 de agosto de 2013

Repositório de teses e trabalhos acadêmicos com temática espírita (por Tiago Paz)

O pesquisador Tiago Paz disponibilizou um diretório que contém um acervo digital de trabalhos acadêmicos (teses de mestrado, doutorado de 1982 a 2013) que tocam ou tratam de forma central a temática espírita. No futuro, esse diretório irá abrigar também um levantamento de artigos, livros e capítulos referentes a trabalhos de pesquisa na temática espírita. O pesquisador interessado em conhecer a produção nacional sobre o tema poder acessar o diretório nos endereços:

Via Google Drive:

https://drive.google.com/folderview?id=0B83qwlZWJJPXV2w1dEc4NjJxMVU&usp=sharing

Via Dropbox:

https://www.dropbox.com/sh/11r9bjy9fdx5yas/V5OWqY4f5i

Este é um link para um serviço do Google (google drive). Conheça os autores dos trabalhos listados abaixo, a área de pesquisa, o resumo e o ano de defesa através de uma lista em MSExcel (listagem e resumo das TDs no repositório) disponível no diretório acima. Essa iniciativa demonstra o grau de maturidade da pesquisa com temática espirita no ambiente acadêmico nacional.

Vale a pena visitar periodicamente o repositório que é constantemente atualizado pelo Tiago.

Para mais informações, ver também a página Pesquisando o Espiritismo.

Títulos disponíveis

Os seguintes títulos estão disponíveis:
  1. O mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo
  2. Vida e Morte: o homem no labirinto da eternidade
  3. As Artes de Curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense (1889-1928)
  4. O êxtase: entre a imagem e a palavra: estabelecimento de um modelo descritivo para o estudo antropológico das manifestações extásicas
  5. Preto velho: as várias faces de um personagem religioso
  6. Religião em confronto: o espiritismo em Três Rios (1922-1939)
  7. Os espíritas e as letras: um estudo antropológico sobre cultura escrita e oralidade no espiritismo kardecista
  8. Demônios e anjos (o embate entre espíritas e católicos na república brasileira até a década de 60 do século XX)
  9. Relaxamento mental, imagens mentais e espiritualidade na re-significação da dor simbólica da morte de pacientes terminais
  10. Morte no corpo, vida no espírito: o processo de luto na prática espírita da psicografia
  11. Pedagogia espírita: um projeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas
  12. Apoio social e religião: uma forma de enfrentamento dos problemas de saúde
  13. A poesia transcendente de Parnaso de Além-túmulo
  14. As estratégias da pedagogia do assistencialismo em Belo Horizonte, 1930-1990: educação e caridade
  15. História do Espiritismo: criação e elaboração de um livro sob Encomenda. Experiência de Comunicação Midiática sob o prisma de um redator
  16. Chico Xavier: imaginário religioso e representações simbólicas no interior das Minas Gerais - Uberaba, 1959/2001
  17. A educação da alma: o trabalho voluntário na CEA-AMIC “onde está teu coração, está teu tesouro” - um estudo de caso
  18. Os filhos-ausentes e as penosas de São Sebastiaozinho - Etnografia da festa da Catingueira/PB
  19. Adoção de crianças por homossexuais: crenças e formas de preconceito.
  20. Uso das práticas espirituais em instituição para portadores de deficiência mental
  21. Medicina e religião no espaço hospitalar
  22. Voluntários: um estudo sobre a motivação de pessoas e a cultura em uma organização do terceiro setor
  23. Educação, profissão perigo: burnout, depressão e o tratamento espiritual no espiritismo
  24. Fenomenologia das experiências mediúnicas, perfil e psicopatologia de médiuns espíritas
  25. Os desafios da fé cristã na ressurreição de Jesus diante da crença na reencarnação, presente no espiritismo kardecista do Brasil, nos últimos cinquenta anos
  26. Intenção do texto: o diabo e a guerra santa no imaginário dos pentecostais: espiritismo em confronto
  27. Eurípedes Barsanulfo: um educador espírita na primeira república
  28. Eurípedes Barsanulpho e o Collégio Allan Kardec: capítulos de história da educação e a gênese do espiritismo nas terras do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro (1907/1918)
  29. Análise de assunto de conto espírita por meio do percurso figurativo e do percurso temático
  30. A evolução (1892-1893): uma amostra dos fatores constituintes do sistema literário
  31. O mito de Chico Xavier: os usos, apropriações e seduções do simbólico em Uberaba-MG
  32. Cultura e sujeito: o papel das crenças na organização do pensamento humano
  33. As artes do daimon: à procura de uma poética perdida
  34. Álvaro Reis pastor, pregador e polemista: uma breve análise sobre seu discurso
  35. Almas enclausuradas: práticas de intervenção médica, representações culturais e cotidiano no Sanatório Espírita de Uberlândia (1932-1970)
  36. As práticas religiosas atuando na recuperação de dependentes de drogas: a experiência de grupos católicos, evangélicos e espíritas
  37. Significados de religiosidade segundo idosos residentes na comunidade: dados do PENSA
  38. Práticas educativas no movimento espírita: um estudo sobre a Casa da Vovozinha
  39. Eu e o outro: uma reflexão acerca dos processos de identificação no espiritismo
  40. Pretos-velhos: oráculos, crença e magia entre os cariocas
  41. Do púlpito ao baquiço: religião e laços familiares na trama da ocupação do sertão da ressaca
  42. Uma fábrica de loucos: psiquiatria x espiritismo no Brasil (1900-1950)
  43. Médicos, médiuns e mediações: um estudo etnográfico sobre médicos-espíritas
  44. Doutor Fritz andou de disco voador: hibridações e sincretismo na terapia espiritual da Chico Monteiro
  45. Potencialidades para o desenvolvimento local na comunidade espírita amor e caridade e nos postos de assistência Centro Espírita Francisco Thiesen e Associação Espírita Anália Franco: subsídios para política pública de assistência social no contexto local
  46. Segura na mão de deus e vai: tratamentos clínicos espíritas e suas condições de felicidade
  47. O espiritismo em Ponta Grossa - PR: perspectivas de um espaço do além e para o um além do espaço
  48. Uma escritora na periferia do império: vida e obra de Emília Freitas (1855-1908)
  49. Anália Franco e a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva :idéias e práticas educativas para a criança e para a mulher (1870 – 1920)
  50. Entre a macumba e o espiritismo: uma análise comparativa das estratégias de legitimação da Umbanda durante o Estado Novo
  51. A nova política de saúde mental: entre o precipício e paredes sem muros (Uberlândia 1984/2006)
  52. “De fora do terreiro”: o discurso católico e kardecista sobre a umbanda entre 1940 e 1965
  53. Espíritas enlouquecem ou espíritos curam? Uma análise das relações, conflitos, debates e diálogos entre médicos e kardecistas na primeira metade do século XX (Juiz de Fora-MG)
  54. Céu, inferno e purgatório: representações espíritas do além
  55. O gabinê fluidificado e a fotografia dos espíritos no Brasil: a representação do invisível no território da arte em diálogo com a figuração de fantasmas, aparições luminosas e fenômenos paranormais
  56. Afinal, espiritismo é religião? A doutrina espírita na formação da diversidade religiosa brasileira
  57. Psicanálise e Doutrina Espírita: o percurso de um desencontro epistemológico e a audição de vozes
  58. Chico Xavier, caridade e o mundo de césar: um olhar sobre o modo de gestão da assistência social espírita em Uberaba-MG
  59. A aporia da cidadania em tempos neoliberais: estudo da instituição assistencial educacional Amélia Rodrigues em Santo André - SP
  60. “Deus e a Pátria”: Igreja e Estado no Processo de Romanização na Paraíba (1894-1930)
  61. As origens do espiritismo no Brasil: razão, cultura e resistência no início de uma experiência (1850-1940)
  62. O movimento espírita pelotense e suas raízes sócio-históricas e culturais
  63. Representação social de ministros religiosos cristãos sobre a doença mental
  64. De médicos e médiuns: medicina, espiritismo e loucura no Brasil da primeira metade do século XX
  65. Machado de Assis e o espiritismo: diálogos machadianos com a doutrina de Allan Kardec (1865-1896)
  66. O caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade
  67. A emoção "maquiada" de razão: aspectos prosódicos e argumentativos de uma palestra espírita kardecista
  68. Morte: a crise ante a morte e a reconfiguração da identidade religiosa do adulto na sociedade contemporânea
  69. A representação social de perfeição na memória das personalidades do Espiritismo
  70. Técnica Apométrica: uma investigação sob bases epistemológicas
  71. Unir para difundir: o impacto das federativas no crescimento do espiritismo
  72. A noção de ciência e educação no espiritismo
  73. O significado da religiosidade para pacientes com câncer e para profissionais de saúde
  74. O centro espírita no itinerário terapêutico em situações de vida
  75. Educandário Espírita Ituiutabano: caminhos cruzados entre a ação inovadora e sua organização conservadora. Ituiutaba, Minas Gerais (1954-1973)
  76. Lar Escola Dr. Leocádio José Correia: história de uma proposta de formação na perspectiva educacional espírita (1963 - 2003)
  77. Anália Franco e sua ação sócio-educacional na transição do império para República (1868-1919)
  78. Religião e cultura local: estudo de dois grupos espíritas potiguares
  79. A plausibilidade da ordo amoris espírita no contexto da crise ética contemporânea
  80. Motivação para o trabalho voluntário contínuo: um estudo etnográfico no Núcleo Espírita Nosso Lar
  81. A reencarnação e sua interface com a Bioética
  82. Deus é para todos?: travestis, inclusão social e religião
  83. Vale de lágrimas: um estudo a respeito da noção de doença sob o ponto de vista de religiões brasileiras no início do século XXI
  84. Moderno-espiritualismo e espaço público republicano: maçons, espíritas e teosofistas no Ceará
  85. Educação de pais gestantes: uma pedagogia possível segundo o espiritismo como saber emergente e educação integral do ser humano
  86. Imposição de mãos: um estudo de religiões comparadas.
  87. Recomposições identitárias na integração religiosa e cultural da Igreja Messiânica no Brasil
  88. Instituições para a educação infantil em Jundiaí (1880-1984)
  89. O Lenine maranhense: fuzilamentos e cultura histórica no interior do Maranhão – 1921
  90. Os combates de Luiz Mattos (1912-1924): O Espiritismo Kardecista e o Tratamento Médico da Doença Mental
  91. Vida após a morte dentro do conceito bíblico - reencarnação e ressurreição, semelhanças e diferenças
  92. Vassouras, ciganas e extraterrestres: médiuns e emoções no campo religioso espírita de Natal (RN)
  93. Ser voluntário, ser realizado: investigação fenomenológica numa instituição espírita
  94. Espiritismo e Apoio Social: o princípio da universalidade aplicado ao Departamento de Assistência e Promoção Social em dois Centros Espíritas de Natal/RN
  95. Raça e religião: uma análise piscossocial dos discursos acerca das religiões afro-brasileiras
  96. O empirismo radical e os estados excepcionais da consciência para uma ciência da mente em William James
  97. As associações médico-espíritas e a difusão de seu paradigma de ciência e espiritualidade
  98. Intelectuais, espíritas e abolição da escravidão: os projetos de reforma na imprensa espírita (1867-1888)
  99. Na discursivização de Nosso Lar: as verdades do espiritismo
  100. Metamorfoses do espírito: usos e sentidos das crenças e experiências paranormais na construção da identidade de médiuns espíritas
  101. Fluxos do espiritismo kardecista no Brasil: dentro e fora do continuum mediúnico
  102. Espiritismo e conversão: fatores motivacionais na migração religiosa para o espiritismo, no Brasil
  103. As cartas de Chico Xavier: uma análise semiótica
  104. Chico Xavier e o mundo dos espíritos: um estudo de representações sociais

28 de julho de 2013

Programação do 9o ENLIHPE (2013)


Tema: Espiritismo e Ciência


Para saber mais sobre o 9o. Enlihpe: convite antecipado para participação do 9o ENLIHPE.

24/08/13 - Sábado

8:00 Recepção, credenciamento e entrega de material

8:30 Prece de Abertura

8:35 Palavras iniciais: LIHPE / CCDPE-ECM – Marco Milani e Júlia Nezu

8:45 Lançamento do livro (8º ENLIHPE) – Jáder Sampaio

9:00 Tema 1: Uma investigação estilística sobre uma peça musical atribuída ao Espírito de Wolfgang Amadeus Mozart - Érico Bomfim

9:20 Perguntas e comentários

9:35 Tema 2: Anália Franco e a “obra” espírita: o nascimento dos primeiros asilos ou abrigos espíritas para a infância no Brasil - Alexandre Ramos de Azevedo 

9:55 Perguntas e comentários

10;10 Intervalo (com visita à sala de pôsteres) e mesa de autógrafos: Livro do ENLIHPE

10h40 Tema 3: Espiritismo e métodos de pesquisa em ciências hermenêuticas e fenomenológicas - Jáder Sampaio

11:00 Perguntas e comentários

11:15 Tema 4: Terceiro Setor e Fundamentos da Doutrina Espírita - Daniella Leite

11:35 Perguntas e comentários

12:00 Lançamento de periódico (JEE) e discussão sobre a divulgação científica – Alexandre Fontes da Fonseca

12:20 Orientações gerais e intervalo para o almoço e visita à sala de pôsteres

13:45 Atividade artística

14:00 Convidado 1: O que é pesquisar a sobrevivência? Sílvio Seno Chibeni

14:50 Perguntas e comentários

15:05 Convidado 2: As provas da sobrevivência. Ademir Xavier

15:55 Perguntas e comentários

16:10 Intervalo (com visita à sala de pôsteres)

16:30 Apresentação: Victor Hugo Não Morreu - Uma Abordagem Inédita - Washington Fernandes

16:50 Perguntas e comentários

17:05 Encerramento das atividades do dia


25/08/13 - Domingo 


8:00 Assembleia da LIHPE 

9:00 Prece de Abertura e comentários gerais 

9:05 Lançamento do livro (Col. Espiritismo na Universidade) – Nadia Luz / Yuri Gaspar 

9:20 Tema 5: Geografia(s) do mundo espiritual - Chrystiann Lavarini 

9:40 Perguntas e comentários 

9:55 Apresentação de livro: O observador e outras histórias. Jáder Sampaio 

10:15 Intervalo (com visita à sala de pôsteres) e mesa de autógrafos 

10:45 Tema 6: Reencarnação: uma associação entre o mito de Er e o Espiritismo - Kátia Penteado 

11:05 Perguntas e comentários 

11:20 Tema 7: A confessionalidade espírita em Instituições de Ensino Superior: um estudo comparativo - Marco Milani 

11:40 Perguntas e comentários 

11:55 Homenagem a Hermínio Miranda. Alexandre Rocha 

12:15 Comentários finais e prece de encerramento 

12:30 Almoço de confraternização



18 de julho de 2013

Deus, o Universo e o Princípio Antrópico.


"Atribuir a formação primária das coisas às propriedades íntimas da matéria seria tomar o efeito pela causa, porquanto essas propriedades são, também elas, um efeito que há de ter uma causa." (Comentário de A. Kardec à questão #7 de "O Livro dos Espíritos")

Anteriormente (1), vimos que a teoria do "Big Bang" não é uma descrição completa da origem do universo, embora ela seja a teoria mais aceita. Isso porque, além de explicar o aparecimento e evolução da matéria em nosso universo, ela teria que explicar como as leis que observamos nele apareceram. Isso seria resolvido se dispuséssemos de uma explicação auto consistente do Universo, onde não só a matéria, mas também suas leis aparecessem naturalmente.

É uma princípio frequentemente adotado em teorias e hipóteses científicas de que a Natureza não exibe nenhum tendenciosismo especial em relação as suas causas ou na produção de seus efeitos. Leis cegas governam o universo onde vivemos, sem nenhum tipo de preferência, qualquer que ela seja. Sendo um princípio, ele não pode ser provado, mas é amplamente aceito como orientador para o desenvolvimento de muitas teorias científicas. Sua validade não é contestada, porque os fenômenos onde ele se aplica são observados como obedecendo as suas consequências: a da não existência de causas adicionais  responsáveis exatamente pelas propriedades observadas nesses fenômenos.

Curiosamente, esse princípio está em contradição com algumas observações de natureza cosmológica, ou, mais particularmente quanto à liberdade que o universo primordial teria em decidir quais leis físicas que iriam nele imperar. Se o universo se deve a nenhuma causa, não há razão para acreditar que suas leis teriam que  ser "específicas" ou "especiais". Acontece que, pelo menos no Universo em que vivemos, muitas leis são exatamente o oposto disso. 

Elas são "leis especiais". O que sabemos dessas leis é suficiente para afirmarmos que elas são o que são justamente para favorecer a química dos átomos de carbono e, como corolário, o aparecimento da vida na Terra que, por enquanto, é a única vida reconhecida ordinariamente.

O princípio Antrópico

Essa constatação é frequentemente conhecida como "princípio antrópico" e permanece como uma das poucas "pontes" entre a religião e a ciência. Segundo J. M. Fink (2), foi Alfred Russel Wallace, um dos pais do evolucionismo e grande espiritualista, quem primeiro observou que o grau de complexidade observado no Universo não era mera coincidência, mas algo necessário para que Humanidade aparecesse e evoluísse. Na sua forma fraca ele é enunciado (2) como:
Os valores observados em todas as quantidades físicas e cosmológicas não são quaisquer, mas assumem valores submetidos à exigência de que existam lugares no universo onde vida baseada no carbono possa evoluir e que o universo seja antigo o suficiente para que essa vida possa existir.
Como bem observado por Fink em (2), esse enunciado não exige que todas as leis do universo tenham sido ajustada para que a vida aparecesse, mas que algumas delas, necessariamente, foram. Isso porque não dispomos de uma descrição totalmente exaustivas das leis (muitas ainda devem ser descobertas) e outras não guardam relação com a vida. Entretanto, como há uma conexão entre o "micro" e o "macro", o principio antrópico tem um peso grande na escolha das principais leis físicas que deveriam vingar no universo.

Uma imagem do céu profundo tirado pelo telescópio Hubble. O Universo é exatamente o que ele é (nem velho demais, nem novo demais) para que a vida nele possa existir.
O princípio antrópico também tem uma forma forte, pela qual se afirma que necessariamente as leis foram "escolhidas" de forma que vida biológica surgisse no universo. Isso torna a existência de Deus praticamente uma necessidade, o que é suficiente para irritar muitos cientistas, levando-os a negar a validade do princípio antrópico.

O problema é que as evidências acumuladas apontam para sua validação. E quais são elas? Em 1954, com base no Princípio Antrópico, Fred Hoyle foi capaz de prever um nível de energia desconhecido do núcleo do carbono. Outras coincidências incríveis são encontradas nas razões entre as forças físicas, que parecem ter sido "sintonizadas" para  permitir estabilidade de moléculas orgânicas, na razão entre a taxa de expansão do universo e a gravitação (2). Ou seja, modifique a intensidade dessas forças em muito pouco, e o universo como um todo sofrerá variações dramáticas em sua idade, dimensão e taxa de expansão. Há, assim, a questão sobre a idade do universo; se ele tivesse evoluído muito rapidamente, a vida nele não teria aparecido. Finalmente, há relações restritas entre os processo de evolução das estrelas e a própria idade do universo, que garantem que planetas abrigando vida possam existir.

Um ponto de vista espírita para o Princípio Antrópico.

Além de matéria, campos e leis que regem a interação entre os elementos no universo, sabemos que ele é apenas a contraparte material (o chamado "mundo corpóreo") de um "universo" ainda maior. As questões #84, #85 e #86 de "O Livro dos Espíritos" discorrem sobre a distinção entre o mundo dos Espíritos e o mundo corpóreo. Em particular, chamamos a atenção para a questão #86:
86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita? 
“Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.(4)
Isso explica porque a "sintonização" observada na intensidade das forças físicas (e na própria estrutura das leis escolhidas no princípio) ocorreu de fato: para que o princípio inteligente (o espírito) pudesse interagir com o mundo material. Essa simbiose que ocorre entre o mundo corpóreo e o mundo espírita precisa existir para que o princípio inteligente evolua. Essa evolução não se processa, porém, exclusivamente através do mundo corpóreo, mas é intercalada em estágios separados dele.

Portanto, em nossa opinião, o princípio antrópico é uma manifestação da Inteligência Divina e da necessidade do universo abrigar a vida inteligente como manifestação do espírito e aponta para o fracasso da ideia de arbitrariedade e de um universo sem uma causa primária em seu princípio.

A fraca defesa dos céticos

Sendo uma ideia que leva imediatamente a uma causa primária inteligente (que teria "sintonizado" as leis para que a vida aparecesse), ateus e céticos fazem uma defesa precária, afirmando que o princípio é uma tautologia (3), ou seja, uma afirmação garantidamente verdadeira e auto-referente. Como estamos aqui e observamos o Universo do jeito que ele é, somente este universo poderia abrigar vida e, portanto, o princípio é auto evidente. Em outras palavras, se o Universo não fosse exatamente como é, não estaríamos aqui discutindo essa questão (5).

Não é difícil ver que esse recuo a tautologia foge completamente da questão inicial sobre a origem não causal do universo e da aleatoriedade que teria imperado no seu início.

Ao se usar um raciocínio cosmológico e se buscar equacionar o problema da escolha dos tipos de leis que deveriam aparecer no universo primordial, as consequências de se rejeitar o princípio como uma tautologia vem acompanhada da constatação embaraçosa de que o universo que conhecemos e nossa presença nele não passam de uma gigantesca coincidência. De fato, como, de acordo com o princípio do universo sem causa, não haveria nenhuma "sintonização", somente poderíamos estar aqui porque, "por um gigantesco acaso", exatamente as leis que observamos imperaram.

Tenta-se salvar as aparências ao se invocar a ideia de que muitos universos teriam existido e apenas um deles, o nosso, vingou, mas não estamos autorizados a avançar além com essas especulações. O universo que observamos é o único conhecido (como muitos céticos insistem em dizer), aquele que provavelmente já existia desde o princípio e, portanto, na hipótese de ter sido criado de forma aleatória, uma colossal coincidência nos fez aparecer nele, segundo o raciocínio cético.

Referências

2 - Fink J. M. "The Anthropic Principle". Ver: 
3 - Do grego 'tautos', a mesma e 'logos' palavra ou ideia;
4 - Texto segundo IPEAK.
5- S. Hawking (1994) "Uma Breve História do Tempo, do Big Bang aos Buracos Negros". pp. 180, Gradiva, 3º edição.

7 de julho de 2013

Entrevista com Ricardo Monezi (Parte II)


Para acessar a primeira parte da entrevista, clique aqui.

Apresentamos aqui a segunda parte em áudio de uma entrevista com o Dr. Ricardo Monezi, conhecido pesquisador dos efeitos da imposição de mãos, em particular do uso do Reiki. 

Ricardo defendeu recentemente sua tese de doutorado "Efeitos Psicofisiológicos da Prática do Reiki em Idosos com Sintomas de Estresse: Estudo Placebo e Randomizado" pela Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina). Para um resumo do trabalho ver a primeira parte da entrevista (1).

Para mais informações deste blog sobre a prática de imposição de mãos e seus efeitos ver (2) e (3).

Segunda parte da entrevista (áudio).

Alguns trechos da entrevista
Hoje eu diria que o pesquisador que tem, entre aspas, essa coragem, para não dizer loucura para se envolver com temas que, há bem pouco tempo eram polêmicos, mas que são bem interessantes..., ele vai ter que ler muito e não ler apenas sobre a imposição de mãos, mas quando pensar em imposição de mãos, ela vai ter que pensar em aspectos da religiosidade relativa à imposição de mãos, ela vai ter que pensar em aspectos históricos da imposição de mãos... 
O grande desafio agora é projetar estudos no pós-doutorado que tenham uma metodologia mais rigorosa  e que buscam sanar as arestas que foram deixadas abertas com esse trabalho... Eu não creio em abandonar esse caminho, mesmo porque, muitas vezes, não somos nós que escolhemos o caminho, mas ele que nos escolhe...
Hoje em dia você tem muitos trabalhos que falam da importância de se realizar trabalhos que comparem técnicas diferentes que estejam dentro de um mesmo eixo..., acho que um grande pensamento para um projeto de pós doc seria pegar diferentes técnicas de imposição de mãos e fazer estudos comparativos...
Espiritualidade é o que nos reconecta, é o que nos faz vivos, é o que nos dá a vida...A espiritualidade é o fator que promove a vida..., é o que dá apoio à sociedade. Hoje em dia a ciência, cada vez mais reconhece a espiritualidade como um fator chave, não apenas para o indivíduo, mas para a sociedade como um todo, para o planeta...
Para mais informações sobre o trabalho ver também (4).

Ver também:

29 de junho de 2013

2/2 - Memória Genética e Reencarnação


Artigo publicado na Revista Espiritismo & Ciência nº. 90, São Paulo: Mythos Editora, nov/2011, páginas 34 a 42. Ir para a primeira parte.

Acesse a parte 1/2 aqui.

3 - Consequências da tese da memória genética para a visão espiritualista do ser humano.

Adotando-se uma visão espiritualista - sem considerar a existência ou não da reencarnação, mas apenas continuidade da personalidade após a morte (o que é aceito por quase todas as religiões), não é difícil ver que se criam problemas insolúveis as diversas teologias ao se misturar a tese da memória genética para refutar a noção da reencarnação: 
  1. Problemas com a noção de Justiça Divina: onde se poderia estabelecer a Justiça Divina se, por exemplo, o comportamento assassino estivesse estabelecido em traços herdados? Qualquer criminoso poderia, em um nível fundamental, culpar seus pais por parte ou toda a culpa de seus crimes;
  2. Se caracteres de personalidade e memórias podem ser herdados geneticamente, não é possível defender qualquer noção de livre-arbítrio que é base para diversos sistemas de recompensas e punições nas mais diferentes religiões: haveria um gene responsável pelo comportamento altruísta ou devocional, que levaria certas pessoas a aceitar os princípios religiosos ligados à salvação, enquanto que outros, desprovidos de tal gene, estariam eternamente condenados ao inferno; haveria genes responsáveis pelos comportamentos pecaminosos etc;
  3. Diante de 1 e 2, a razão de ser das religiões desapareceria, pois os que teriam que ser salvos já o estariam desde o nascimento por uma programação genética. Mas, qual o sentido da existência da alma ou de qualquer 'algo' que deva sobreviver à morte do corpo diante da herança genética colocada dessa forma? Nesse panorama, a alma não existe e, portanto, não existe salvação. Tal é a questão inexorável de se aceitar a tese. Trata-se de verdadeira 'aberração filosófica' defender a tese da memória genética e se dizer espiritualista, independente de se acreditar ou não em reencarnação. 
Ainda assim, não é difícil encontrar manifestações de religiosos a aceitar a ideia da memória genética para refutar a reencarnação.  No blog 'Bíblia Insólita' seu autor escreve:
E além da memória normal de cada individuo, ainda existe a memória genética, que é aquela que programa reações imediatas ao meio ambiente. Uma criança já sabe chorar para pedir alimento, isso é uma reação programada pela memória genética. Muitas coisas que o espiritismo tenta explicar, a ciência já explica através do processo de memória genética. Não existe nada que prove que até coisas mais complexas como um talento para pintura ou algo similar não seja absorvido pela memória genética.
Ao se utilizar argumentos como esse, não se percebe que eles podem ser aplicados de maneira muito mais abrangente do que o crítico pretende fazer.  Pode-se por exemplo, aplicá-lo a própria fé intolerante que teria uma memória específica armazenada em um gene fazendo com que comportamentos de intolerância de todos os tipos sejam possíveis.

Mesmo entre espiritualistas (não cristão), encontra-se a defesa sem discernimento de tal tese (Ver blog Hari-Om, post inacessível em 2013): 
Nós trazemos uma memória genética que tem registrada a experiência de todos os tempos, essa memória independe da cultura, credo, cor, etc…, ela determina características essenciais e comportamentais de uma espécie.
Há vários outros exemplos na Web (em 2011) que mostram que a ideia de memória genética constitui uma fonte rica de inspiração (e confusão) para as mais variadas 'explicações' do ser humano. Sua maior aplicação é, de longe, para refutar a reencarnação ou informação anômala colhida em eventos psíquicos (mediunidade e fatos correlacionados).

4 - Qual é a situação atual?

Obviamente, acadêmicos rejeitam (em sua maioria) qualquer noção de memória extrafísica. Ninguém melhor do que C. Sagan (1980) para sintetizar a visão moderna sobre o assunto: 
Quando nossos cérebros não conseguem armazenar toda a informação necessária para a sobrevivência, lentamente inventamos cérebros. Então veio o tempo, talvez há dez mil anos, quando necessitávamos saber mais do que podia ser convenientemente contido nos cérebros, e aprendemos a estocar quantidades enormes de informação fora de nossos corpos.
Em outras palavras, para o materialismo, 'aquilo que somos', incluindo nossas 'memórias', perde-se nos emaranhados de complexidades das estruturas neurais do cérebro. O último reduto do materialismo é o argumento da complexidade: uma vez que o cérebro é muito complexo, então qualquer coisa pode resultar dele, incluindo nós mesmos.  Segundo a Wiki: 
O mecanismo utilizado para o armazenamento de memórias em seres vivos ainda não é conhecido. Estudos indicam a LTP (long-term potential) ou potencial de longa duração como a principal candidata para tal mecanismo.  A LTP foi descoberta por Tim Bliss e Terje Lomo num estudo sobre a capacidade das sinapses entre os neurônios do hipocampo de armazenarem informações. 
Ainda segundo M. Blanc (1994): 
Na verdade, nenhum estudo demonstrou que existe um determinismo genético de algum traço, mesmo que seja da personalidade humana.
A questão da memória genética foi abandonada por causa das consequências previsíveis gera com gêmeos univitelinos. Esses são indivíduos que contém em si exatamente a mesma 'carga genética', cada um deles é exato clone do outro.  Portanto, eles deveriam apresentar comportamentos semelhantes ainda que fossem separados em idade prematura. Embora se possa defender ou observar muitas similaridades nos traços de comportamento de gêmeos univitelinos (muitas que não podem ser distinguidas de comportamentos semelhantes observados entre irmãos comuns), a ortodoxia presente acredita que ao 'ambiente' determina em nível fundamental o comportamento.  Para saber mais ver: 'O determinismo do comportamento humano existe?' em Blanc (1994), p. 202-205.
Assim, saímos de uma visão de comportamento determinado por entidades microscópicas como os genes, para outra determinada por entidades muito diferentes como o 'ambiente'. Toda essa situação indica que não existem fundamentos seguros para a determinação das causas para os fenômenos psicológicos em uma abordagem materialista do ser humano.

O problema dos gêmeos idênticos; como explicar que, tendo a mesma carga genética e, frequentemente, vivendo no mesmo ambiente, eles tenham personalidades tão diferentes?

5 - Considerações finais

A ideia de 'memória genética' lança mão de dois termos com grande apelo à maioria das pessoas instruídas, independente de suas crenças: o da 'memória', que é algo que temos conhecimento privado (íntimo), e 'genética' que é uma disciplina científica que revolucionou nossa concepção sobre a vida e a Natureza.

A maior aplicação para a ideia de 'memória genética' mesmo é como argumento de refutação à reencarnação.  Na verdade, a 'memória genética' tem pouco valor heurístico já que qualquer tipo de conhecimento, personalidade, lembrança ou comportamento poderia ser 'explicado' por ela. Para ser um pouco mais específico, em todos esses assuntos há frequentemente problemas de linguagem. É bastante certo que o termo 'memória' usado em psicologia não tem o mesmo significado daquele usado em ciência da computação. Ao se analisar argumentos e contra argumentos é preciso estar atento ao significado das palavras.

A verdadeira origem do que somos encontra-se encerrado no princípio espiritual que trazemos conosco. Ao se aceitar a reencarnação, não se está a refutar qualquer influência da parte material sobre nosso comportamento. É mais do que razoável esperar que o homem seja o produto de inúmeros fatores: daquilo que ele herdou de seus pais em seu corpo; de seu ambiente, a partir dos exemplos que contou ao longo de sua existência e que teve a chance de imitar, sejam eles bons ou maus; e de suas tendências interiores, trazidas de séculos de experiências sucessivas, que se fundiram e formaram sua personalidade integral. Como não somos seres 'terminados', temos ainda muito a aprender com o ambiente em que vivemos. Essa é uma das razões da reencarnação. Porém, também não somos seres criados instantaneamente por ato arbitrário no momento da fecundação. Temos sim uma 'memória espiritual', que define aquilo que somos e que constitui nossa bagagem, aquilo que daqui levamos e de lá trazemos, junto com outras inúmeras influências materiais e comportamentais.  Mas, acima de tudo, somos livres para escolher e responsáveis por nossos atos, não estando sujeito a qualquer tipo de determinismo externo ou interno, independente de nossas vontades, embora nos reconheçamos limitados em muitas de nossas capacidades.

Agradecimentos Agradeço ao Paulo Neto (www.paulosnetos.net) por muitas referências a casos de reencarnação na web e sugestões ao texto.

Referências

ATENÇÃO!  muitos dos links abaixo não estão mais disponíveis em 2013, mas estão aqui registrados porque constam no artigo original de 2011.

Andrade, H. G. (2002) Você e a reencarnação.  Bauru, SP: CEAC Editora.  p.  100-101.
Blanc M. (1994) Os Herdeiros de Darwin.  Cap 9.  Ed. Página Aberta.
Côrtes, C. e Morais (2002), R. De volta do passado.  IstoÉ n°. 1710, São Paulo: Editora Três, julho, p.  76-78).
Dawkins R.  (1990) The selfish Gene.  2ª. edição.  Oxford University Press.
Kardec A (1991) O Livro dos Espíritos, Ed. FEB, Capítulo IV.  71ª. edição.
Sagan C. (1980) Cosmos.  Cap. XI.  Ed. Francisco Alves.
Stevenson I.  (2010a) Reencarnação, vinte casos.  São Paulo: Vida e Consciência.
Stevenson, I. (2010b) Reencarnação: estudos científicos de casos reais na Europa.  São Paulo: Vida e Consciência.
Stevenson I (997a).  Where Reincarnation and Biology Intersect.  Ed.  Praeger Publishing.
Stevenson I. (1997b) Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects Volume 1: Birthmarks, Ed.  Praeger Publishing.
Stevenson I. (1997c) Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects Volume 2: Birth Defects and Other Anomalies.  Ed.  Praeger Publishing.
Wiki: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neurofisiologia_da_memória
Wilson E.  (2000) O.  Sociobiology: the new synthesis.  Ed.  Belknap Press da Harvard University Press.  Não obstante ser considerada uma teoria defunta, a prestigiosa Universidade de Harvard recentemente relançou uma edição comemorativa desta obra.

Para pesquisa na Web (Blogs)

Bíblia Insólita:

Di Bernardi R:

Hari-Om:

Paulo Neto.  Artigo: 'Reencarnação e as pesquisas científicas'.

Casos:

20 de junho de 2013

1/2 - Memória Genética e Reencarnação


Artigo publicado na Revista Espiritismo & Ciência nº. 90, São Paulo: Mythos Editora, nov/2011, páginas 34 a 42. Todas as referências estão no segundo post a ser publicado na sequência.

Acesse a parte 2/2 aqui.

1 - Introdução

É comum que, nos grandes debates entre ideias concorrentes, não se dê suficiente atenção para as consequências 'secundárias' (ou colaterais) da adoção de certas posturas, por causa do afã dos debatedores em se ver reconhecido o mais rapidamente possível como do lado da verdade. Tal é o caso das inúmeras explicações que encontramos do lado dos que criticam a reencarnação. O objetivo principal deste texto, entretanto, não é defender a ideia de reencarnação, mas chamar a atenção para a precariedade de um tipo de argumento que é lançado contra essa ideia.

Reencarnação, de forma muito simples, é entendida como o retorno da 'personalidade' à vida corporal. O Espírito é, na verdade, o ser verdadeiro que tem apenas uma vida: a espiritual. Entretanto, para que possa progredir, é preciso que ele se una à matéria, de onde extrai suas experiências e realiza seu aprendizado.  Assim, a reencarnação não é uma lei fundamental, mas uma consequência de um princípio anterior e mais fundamental que ela. Porém, antes de se aceitar a ideia de reencarnação, pressupõe-se um conjunto de outros princípios tais como: a sobrevivência de 'algo' no ser humano além da morte do corpo físico, que esse 'algo' carrega consigo informação a respeito de sua vida pregressa, mas não só isso, que carrega também toda sua personalidade e memórias de sua vida anterior. É natural que muitos rejeitem a reencarnação como princípio, por falta de uma visão inicial de todos esses conceitos auxiliares.

Para se gerar conhecimento científico de qualidade é preciso, antes de tudo, definir termos e esclarecer conceitos. Ora, nada é mais complexo e difícil de ser definido do que a personalidade humana, sua psicologia, seus traços morais, suas inclinações e sua memória. Ninguém conseguiu até hoje criar um 'medidor de personalidade' por uma razão simples: a personalidade humana é um objeto que não se presta a mensurações por equipamentos ou aparelhos, como é o caso da matéria. Portanto, na discussão e tratamento de fenômenos relacionado a memórias profundas e outras anomalias psicológicas, estamos diante de um assunto para o qual não é tão simples defender determinados pontos de vista a partir, única e exclusivamente, de evidências empíricas. Mesmo assim, muitos pretendam lançar mão de provas conclusivas que, segundo eles, resolveriam o debate.

Existem vários caminhos para se conhecer o princípio da reencarnação:
  1. Via 'filosófica': trata-se da via adotada pela Doutrina Espírita (Kardec, 1991). A reencarnação é aceita como um postulado através do qual é possível prever certas consequências para a vida humana e sua relação com noções de Justiça Divina. É bastante claro que essa via não será aquela trilhada por quem sequer aceita a existência de Deus. Entretanto, os maiores opositores deste caminho são, na sua maioria, religiosos que fundamentam suas crenças na autoridade, tanto da tradição quanto em interpretações particulares de livros considerados sagrados; 
  2. Via 'Empírica'. Diante da fragilidade e falta de concordância (universal) entre especialistas sobre definições do que seja a personalidade humana, trata-se da tentativa de se obter evidências comprobatórias para existência ou não de vidas anteriores. Por essa via se estabelece um debate, entre pesquisadores reencarnacionistas e seus opositores, em sua maior parte materialistas. O materialismo não prevê que algo deva sobreviver à morte do corpo físico. Portanto, as evidências clamadas para a reencarnação, segundo eles, devem ser explicadas a partir de uma variedade de hipóteses tais como: fraude, alucinação, coincidência, clarividência, criptomnésia ou 'memória genética' - termo que será objeto de análise neste texto.
  3. Crença pura: é a via religiosas, ancorada na tradição de textos antigos como os do Hinduísmo e no Budismo, com interpretações diversas daquela expressa pela Doutrina Espírita. 
No século 20, o maior expoente do caminho 2 descrito acima foi o Dr. Ian Stevenson. Ele reuniu uma quantidade fabulosa de casos considerados anomalias psicológicas, sobre pessoas que se lembram de vidas anteriores. Em seus quase meio século de pesquisas, conseguiu juntar 2.600 casos de crianças que se lembraram espontaneamente de outras vidas, tendo publicado várias obras, entre elas: 20 Casos sugestivos de Reencarnação (Stevenson, 2010a, 2010b) e os ainda sem tradução para o português (Stevenson,1997a, 1997b, 1997c; Andrade, 2002; Côrtes, 2002). Essas obras de Stevenson em 2 tomos tem 1200 e 1100 páginas, respectivamente, e representam compêndios com muitos dados sobre evidências de reencarnação.  Obviamente, muitos de seus críticos julgam-se no direito de criticar os trabalhos de Stevenson sem dar nenhuma atenção a essa montanha de dados, o que não é uma atitude razoável e, muito menos, científica. Também fazem parte do grupo 2 inúmeros terapeutas de vidas passadas (TVP). Para consultar diversos casos, ver "Casos" em "Web (blogs)" e o artigo de Paulo Neto Reencarnação e as pesquisas científicas. 

Frequentemente, opositores da reencarnação invocam argumentos de grupos de 'mesmo objetivo' para refutar a reencarnação. Assim, vamos encontrar grupos cristãos sectários que fazem uso de ideias materialistas para refutar a reencarnação, sem se dar conta da postura absurda que acabam envergando.

2 - Memória genética e Eugenia

Da mesma forma que existe claramente descendência de caracteres morfológicos e funcionais entre todas as espécies de seres vivos (incluindo plantas), a memória genética é concebida como uma suposta capacidade de se herdar não só memórias dos antepassados, mas também traços de suas personalidades. Afinal, quem herda a memória, também haveria de herdar o resto, segundo a visão puramente material do ser humano. Não há como separar as duas coisas, o ser humano é um todo integral.

Como dissemos, existe uma dificuldade intrínseca no objeto de estudo: a personalidade humana. Por si só, tal fato seria suficiente para eliminar qualquer tentativa de se explicar o comportamento humano com base em equivalentes de laboratório como ratos ou mesmo planárias (Di Bernardi, ver blog 'Portal do Infinito'). Mesmo assim, a tradição de pesquisa em laboratório e o positivismo costuma extrapolar comportamento de ratos e outros animais para os seres humanos. Mesmo diante de tais dificuldades, alguns biólogos e geneticistas acreditam (Dawkins, 1990; Wilson, 2000) que seria possível relacionar tais traços a informação gravada em nível atômico nos genes. Tal postura tem sua razão de ser na crença materialista para a qual o ser humano, assim como todos os animais, é apenas produto da organização genética. Os genes, segundo essa visão, carregariam toda informação necessária para se 'fazer' um ser humano, o que inclui eventuais 'memórias' passadas, que poderiam induzir determinados comportamentos. Obviamente, essa herança genética seria a responsável não só pela perpetuação de supostas memórias armazenadas nos genes como também traços da personalidade e explicaria as evidências encontradas a favor da reencarnação.

É preciso relembrar a história da ciência frequentemente esquecida, que nos instruí a respeito de debates semelhantes ocorridos no passado não muito distante. Na década de 1970 ficou famosa a teoria de E.  Wilson conhecida posteriormente como Darwinismo Social ou Sociobiologia. Ela pregava um determinismo estrito pelos genes e foi acusada de levar ao racismo científico. Não é difícil ver que, se o ser humano é produto de seus genes, então a competição entre populações de espécies leva inexoravelmente à perpetuação dos mais aptos em todos os sentidos. Assim, não só caracteres físicos e funcionais essenciais para a manutenção da vida são perpetuados, mas também caracteres não físicos tais como: traços da personalidade, caráter, inteligência e até cultura.

A Sociobiologia parte do princípio de que deveriam existir genes que programem os seres humanos para tais traços não físicos.  Assim, existiriam genes para a bondade ou maldade, para a perseverança ou falta de caráter, para o espírito ditatorial ou democrático, ou seja, para toda e qualquer tipo de personalidade, nas mais variadas gradações e disposições.  Esses genes seriam herdados dos antepassados e utilizariam o ser humano como um 'recipiente', fazendo valer seus interesses de perpetuação (Dawkins, 1990).

Se caracteres não físicos podem ser herdados, então existem, de fato, 'raças superiores e inferiores' por uma questão de definição: as 'superiores' seriam aquelas que teriam, em seu conteúdo genético, a maior carga de genes considerados superiores. Tais raças seriam as mais aptas por terem maior inteligência e cultura.  Sociobiologia, Darwinismo Social e memória genética são todos conceitos irmãos que levam diretamente à Eugenia e ao racismo científico (Blanc, 1994). Não são teses aceitas hoje no meio acadêmico, embora possam ser encontrados defensores isolados que tentam abrandar as críticas com um discurso de que a evolução 'é cega' para superioridade ou inferioridade entendida como conceitos com raízes culturais. Discutimos a situação atual na Seção 4.

Continua no próximo post.