2 de setembro de 2018

Visões de Leito de Morte


Relatos de pessoas muito próximas da morte podem conter descrições lúcidas do que nos aguarda além da vida.

Recentemente o JEE - Jornal de Estudos Espíritas - publicou um artigo nosso [1] sobre o tema "Visões de leito de morte". O que são tais visões? Trata-se de um grande número de relatos (encontrados em todas as épocas e povos) de pessoas que testemunham um aparente reacender de consciência de doentes terminais ou pessoas que se avizinham da morte. Durante tais lampejos, o doente descreve encontros ou visitas de pessoas já falecidas. Em [1] mostramos que tais visões: 
  • São relatos feitos por pessoas - moribundos - que não tem qualquer intenção em falsear ou mentir, já que estão muito próximas do fim da existência material.
  • São relatos que se distinguem de meras alucinações, pois não ocorrem sob as mesmas condições que se observam durante alucinações típicas.  
  • São relatos colhidos de testemunhas idôneas (frequentemente parentes) que afirmam ter o moribundo entrado em contato com parentes já falecidos antes de morrer.
  • Mostram que os parentes falecidos vem para ajudar o moribundo em sua "passagem", implicando diretamente na continuidade da vida após a morte;

O termo "Visões de leito de morte" (VLM), em inglês, "Deathbed Visions", tem uma história curiosa na literatura das pesquisas psíquicas. Não é preciso pesquisar muito para descobrir que A. Kardec se referiu a elas conforme informamos em [1]. Entretanto, foi apenas com o trabalho de E. Bozzano (1862-1943) que uma delimitação mais precisa - como uma classe de eventos com características peculiares comuns - foi feita.
E. Bozzano (1862-1943)

Uma ampla busca bibliográfica de artigos e livros já produzidos sobre o tema é feita em [1]. As VLMs são fenômenos que ocorrem todos os dias nos leitos de muitos hospitais. São típicas em mortes de doentes que têm a chance de se comunicar com seus parentes antes do momento final (não é o caso, por exemplo, de morte violentas). Esses parentes tornam-se testemunhas de um desdobramento momentâneo do doente, um recobrar de consciência por brevíssimo período em que o doente goza de uma lucidez incompatível com seu estado físico. A chamada "lucidez terminal" [2] dá origem a diversos fenômenos interessantes que são fáceis de se explicar pela concepção espírita da morte.

Assim, a explicação paras as VLMs é bastante trivial para o Espiritismo. É de se esperar que o enfraquecimento dos laços físicos torne o Espírito mais livre, ainda que ligado a seu corpo antes do desenlace definitivo. Entretanto, também em [1] mostramos que apenas o Espiritismo - como doutrina espiritualista - valorizou as VLMs como provas da continuidade da existência. Pode-se então dizer que apenas para alguns espiritualistas (os espíritas a partir de A. Kardec) as VLMs fazem sentido como relatos de vivências extracorpóreas que comprovam a continuidade da consciência além da morte. Isso pode parecer incrível, mas o leitor encontrará outras doutrinas chamadas "espiritualistas" para as quais tais relatos nada representam.

Nossa conclusão é as VLMs formam um consenso independente da fenomenologia mediúnica, ainda que pouco valorizado, de que vida continua após a morte. Tal conclusão é valida ainda que os relatos sejam desprezados de forma ampla por acadêmicos que têm preguiça em analisar e correlacinar fatos mais extensivos que ocorrem no momento da morte (simultaneidades, aparições, visões inesperadas, cheiros, sensações de presenças correlacionadas). 

Talvez o leitor facilmente tenha notícia de algum parente testemunho de uma VLM. Não deixe de compartilhar qualquer experiência que tenha ouvido falar sobre tais visões nos comentários abaixo. Seu testemunho é importante para o consenso em direção à sobrevivência da alma. 

O artigo [1] pode ser baixado gratuitamente através da plataforma online do JEE.

Referências

1 - Xavier, A. Jr. Fenomenologia das visões de leito de morte: em direção a um consenso sobre a sobrevivência da alma. Jornal de Estudos Espíritas. 6, 010207 (2018)
2 - Nahm, Michael et al. Terminal lucidity: A review and a case collection. Archives of gerontology and geriatrics, v. 55, n. 1, p. 138-142, 2012.






12 de agosto de 2018

Publicação de Julho da Revista "O Fóton" (AFE-Rio)


Foi com grande satisfação que tivemos um de nossos textos publicados na edição de julho de 2018 na Revista "O Fóton". O editor da revista Elton Rodrigues da AFE-Rio explica os objetivos da edição, da revista e dos vários artigos:
Já é chegado o tempo de retirarmos os livros empoeirados da estante e (re)descobrir a doutrina dos espíritos. Porém, agora, de forma diferente de certas atitudes do passado, nossos estudos e experimentações deverão possuir dupla característica, ou duplo objetivo: conhecimento das leis do fenômeno espírita, sabendo que são leis naturais e, por isso, leis de Deus; e ter como intenção a transformação moral dos seres. A AFE-RIO, muito mais do que uma instituição dedicada ao estudo e experimentações é, em seu bojo, um grupo de pessoas interessadas na aproximação de grupos de pesquisas em torno dos objetivos supracitados.
 
Carlos Gomes, dedicado trabalhador de Itajubá, Minas Gerais, e fundador do CONICE - Congresso de Iniciação Científica Espírita, na coluna Estudo Espírita, realizada uma interessante reflexão acerca da importância dos congressos espíritas. 
 
Raphael Vivacqua Carneiro, seareiro de Espírito Santo, nos leva para um interessante passeio em torno da biografia de Charles Richet.
 
José Márcio, colunista da Evangelho e Ciência, vem com toda a sua experiência no estudo aprofundado do evangelho e empreende um belo raciocínio quanto ao que seja a “purificação do templo”. 
 
Na Astronomia e Espiritismo, Natália Amarinho inicia seu artigo comentando sobre a “harmonia das esferas” e realiza uma bela conexão entre matemática, física, astronomia e música. 
 
Cremildo Freitas, na coluna Animismo e Espiritismo, disserta sobre a força psíquica. O que é essa força? Será que existe maneira de testá-la? Alguém já fez algum tipo de pesquisa sobre o assunto?
A revista traz uma apresetação gráfica impecável, com inúmeras figuras e ilustrações que complementam o conteúdo e aguçam a curiosidade do leitor. Com uma proposta de divulgar para o público conteúdo na interface Espiritismo-ciência, é uma das poucas referências no assunto que esperamos tenha um grande futuro. 

Leitores interessados poderão baixar e ler gratuitamente o exemplar de "O Fóton" de julho de 2018 na Ref. 1 Todos os exemplares disponíveis da revista são gratuitos.

Referências

Rodrigues E (2018), Ed. "O Fóton". Edição de julho de 2018. (Acesso agosto de 2018).

10 de junho de 2018

Gêmeos que se lembram de vidas anteriores

As gêmeas Pollock ficaram conhecidas como um caso de reencarnação de irmãs na mesma família: Jacquelie e Joana Pollock que morreram em um acidente de carro em 1957.
A resposta para a vida humana não deve ser 
encontrada dentro dos limites da vida humana.
Carl Jung

São conhecidos inúmeros casos de crianças que se lembram de vidas anteriores [1]. Entretanto, os mais interessantes envolvem gêmeos que, coincidentemente, se lembram de vidas passadas. Essas são evidências notáveis já que, embora seja possível desqualificar lembranças de vidas anteriores de um indivíduo, há que se explicar como duas crianças podem apresentar lembranças espelho de uma existência anterior também como irmãos na mesma família. 

Um caso que ficou conhecido foi o das gêmeas Pollock. Jacqueline (com 6 anos de idade) e Joana (com 11 anos) eram filhas de John e Florence Pollock quando, em 5 de maio de 1957, as duas e um amigo (Anthony Layden) morreram tragicamente em um acidente de carro em Hexham, Inglaterra.

Os pais enlutados tiveram que se conformar, embora o pai, não obstante católico, começou a afirmar que as duas voltariam a ser suas filhas em uma nova existência. O leitor deve guardar esse fato porque ele tem sido invocado por céticos para desqualificar o caso (ver mais abaixo).

Um ano depois do acidente (4 de outubro de 1958), Florence deu a luz a gêmeas que receberam os nomes de Gillian e Jennifer. Quando começaram falar (aos três anos), as gêmeas passaram a demonstrar lembranças típicas das irmãs falecidas em 1957. As lembranças criaram uma identificação de personalidades entre Gillian como Joana e Jennifer como Jacqueline. As identificações iam desde semelhanças entre brincadeiras infantis, como coincidências entre os nomes das bonecas dados por cada uma das irmãs anteriores e diferenças de atividade (uma das irmãs era muito ativa e a outra calma), além de gostos específicos por tipo de roupa, semelhanças quanto ao tipo de comida etc. 

Segundo os pais, as gêmeas também tinham fobia por carros e chegaram a fazer representações do acidente em brincadeiras. Como havia uma diferença de idade entre as irmãs falecidas, uma das gêmeas demonstrava ascendência sobre outra, reproduzindo a diferença.  Como é bastante comum com memórias de crianças sobre vidas anteriores, aos cinco anos de idade, as lembranças desapareceram completamente. 

Crenças céticas sobre o caso e sua análise espírita

A psi-encyclopedia é um site dedicado a prover informação na forma de uma "wikipedia" para os chamados "casos psi". Esse site reproduz críticas céticas do caso das gêmeas Pollock [2], considerando que as afirmações de lembranças foram todas feitas pelos pais, um dos quais acreditava em reencarnação. O argumento geral da crítica segue afirmando que a opinião principalmente do pai contaminou toda a família, embora se reconheça que a mãe não acreditasse em reencarnação. Ela de fato permaneceu cética ao longo de toda a gestação, mas posteriormente apresentou versões coincidentes com o pai sobre o comportamento das meninas e sua identificação com a vida das irmãs anteriores. 

Ora, o que se deve estranhar é sobre como alguém, declarado católico fervoroso como o pai, poderia afirmar que elas retornariam reencarnadas. Não resta dúvidas à visão espírita que o pai, John Pollock, provavelmente foi espiritualmente instruído após a morte de que as irmãs regressariam em breve. Essa instrução espiritual pode acontecer de diversas formas, por exemplo, durante o sono:
Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais independente se torna pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais afastados lugares e até mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que traz à memória acontecimentos da presente existência ou de existências anteriores. As singulares imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e confusos, que nenhum sentido ou ligação parecem ter. [3]
Em suma: a possibilidade do regresso foi adiantada a um dos parentes que manifestou a crença extravagante em discordância com sua fé. Dessa forma, a crítica do céticos de que a crença do pai motivaria a opinião da família em torno da ideia da reencarnação é, de fato, uma evidência de que as irmãs reencaranariam, porque foi obtida provavelmente através de um mecanismo que escapou à apreciação cética. O caso das gêmeas Pollock demonstra a precariedade de explicações que não consideram o contexto espiritual e a possibilidade de assistência que os pais enlutados podem ter diante do episódio devastador da morte dos filhos... 

Uma vez estabelecida a existência da reencarnação, subsistem dúvidas sobre o mecanismo do fenômeno que apreciamos de um ponto de vista muito limitado, pois se não temos acesso a todas as nossas lembranças, muito menos teremos às de terceiros. Casos como o das gêmeas Pollock podem servir para elucidar muitas dessas dúvidas. 

Uma das dúvidas diz respeito à duplicidade de personalidade que permanece por curto período de tempo ao longo da infância. Enquanto ainda é frouxo o laço que prende o espírito ao novo corpo, pode o espírito manifestar tais lembranças. Entretanto, em determinada fase em que ocorre a efetiva "ligação" do espírito ao novo corpo (entre 5 e 7 anos de idade), muitas vezes essa duplicidade desaparece, principalmente na forma de lembranças específicas. Um estudo recente sobre a influência da idade na lembrança de existências anteriores é [6].

A questão dos gostos e aptidões, entretanto, parece continuar como Nubor Facure explicou recentemente aqui no post "O Cérebro e o nascer de novo - afinal, quem somos? Uma hipótese neurológica". 

Não parece existir uma regra com relação ao parentesco anterior. Enquanto no caso das Pollock elas já eram irmãs em existência pregressa, pode não ser o caso com outros gêmeos, embora alguma relação de afinidade seja condição necessária para a reencarnação de gêmeos. Ainda que espíritos diferentes, tais afinidades psíquicas se devem à semelhanças de pensamento, gostos e outras variáveis psicológicas ainda pouco conhecidas.

Outros casos

Outras "explicações" céticas giram em torno da ideia batida de que "tudo se deve a falsas esperanças dos pais enlutados em rever os entes que se foram". Tais explicações simplesmente ignoram marcas de nascença e outras evidências físicas que podem ser investigadas em outros casos semelhantes aos das gêmeas Pollock. 

Ian Stevenson - conhecido pesquisador em reencarnação - descreve detalhes um outro caso de gêmeos (Ramoo e Rajoo Sharma), que se lembraram de existência pregressa [4] em que foram assassinados ao mesmo tempo e seus corpos depositados em um poço. Comparsas revolucionários em uma existência, reencarnaram como gêmeos. O próprio caso das Pollock é explorado por Stevenson em [5]. 

Segundo [7] há casos na literatura de marido e mulher que reencarnaram como irmãos gêmeos (meninos, no caso, com troca de sexo de um dos espíritos). Matlock [7] também cita caso em que apenas um dos gêmeos apresenta o fenômeno da lembrança da vida anterior. Provavelmente, esse deve ser o caso mais comum, o que torna o caso das gêmeas Pollock ainda mais notável. 

Referências
  • [1] Matlock, J. G. (1990). Past life memory case studies. Advances in parapsychological research, 6, 184-267.
  • [2] Artigo sobre as "Pollock Twins" (acesso em junho de 2018).
  • [3] Comentário de A. Kardec à questão 402 de "O Livro dos Espíritos". Citação extraída do site ipeak.com.br (acesso em junho de 2018)
  • [4] Stevenson, I. (1983 b). Cases of the reincarnation type. IV: Twelve cases in Thailand and Burma. Charlottesville, VA: University Press of Virginia.
  • [5] Stevenson, I. (1987a). Children who remember previous lives: A question of reincarnation. Charlottesville, VA: University Press of Virginia.
  • [6] Matlock, J. G. (1989). Age and stimulus in past life memory cases: A study of published cases. Journal of the American Society for Psychical Research, 83(4), 303-316.
  • [7] Matlock, J. G. (1990). Past life memory case studies. Advances in parapsychological research, 6, 184-267.


16 de maio de 2018

Nota de falecimento. Professora Ingedore Koch


Reportamos o falecimento da Prof. Ingedore Grunfeld Villaça Koch, uma das mais influentes e respeitadas pesquisadores da línguistica brasileira. Ela é autora de obras relevantes como "Gramática do português culto falado no Brasil: a construção do texto falado", "Argumentação e linguagem", "Desvendando os segredos do texto", dentre outras.

Um aspecto talvez pouco conhecido é a adesão da Prof. Koch ao Espiritismo. O texto abaixo, enviado por Alexandre Caroli reflete sua avaliação de parte da obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier. Considerando a importância do livro no Espiritismo e o valor que uma pesquisadora como Koch tem  da ciência (ou arte?) de escrever e de interpretar, fazemos por esse meio nossa pequena homenagem a Prof. Koch que tivemos o prazer de conhecer. Nessa conversa particular, ela ressaltou a importância do uso da linguística no estudo de comunicações mediúnicas e de obras psicografadas.

Texto de I. Koch "Obras ditadas pelo Espírito André Luiz e Psicografadas por Chico Xavier".


Neste artigo, falaremos sobre as obras ditadas pelo espírito André Luiz e psicografadas por Chico Xavier, provavelmente o conjunto de obras mais importante do Espiritismo, depois dos livros básicos de Allan Kardec. Sobre as obras básicas de Kardec, veja detalhes na seção Livros.

Nosso Lar
Os Mensageiros
Missionários da Luz
Obreiros da Vida Eterna
No Mundo Maior
Agenda Cristã
Libertação
Entre a Terra e o Céu
Nos domínios da Mediunidade
Ação e Reação
Conduta Espírita
Sexo e Destino
Desobsessão
E a Vida Continua...

Dentre estes, há os que formam a coleção A Vida no Mundo Espiritual, dos quais trataremos em primeiro lugar.

Comecemos por "Nosso Lar", obra indispensável para todos aqueles que querem ter um primeiro vislumbre do que seja a vida do espírito após a morte.

André Luiz foi médico no Rio de Janeiro em sua última existência carnal. Ao desencarnar, permanece em região afastada da crosta, onde padece intensos sofrimentos e é constantemente acusado de suicida pelos irmãos que aí se encontram. Depois de um bom lapso de tempo, é recolhido por uma equipe de espíritos socorristas e levado para uma colônia espiritual – Nosso Lar – onde é tratado num hospital e esclarecido, inclusive quanto à razão de ter sido considerado suicida. Com o tempo e o carinho dos instrutores, vai se familiarizando com a colônia e começa a executar pequenos serviços. Descobre, então, um mundo pleno de vida e de atividades de toda espécie, sua organização, seu modo de vida., onde os espíritos recém-desencarnados passam por estágios de recuperação e educação espiritual. Decorrido um certo tempo, obtém permissão para acompanhar como ‘estagiário’ as equipes socorristas que se dirigem ao Umbral com o objetivo de levar ajuda aos irmãos sofredores, encarnados e desencarnados. Aos poucos, passa a ‘membro efetivo’ dessas equipes e pede aos seus superiores a permissão para enviar aos encarnados, por meio da mediunidade de Chico Xavier, suas observações sobre o mundo espiritual e, em especial, sobre o Nosso Lar.

É um livro rico de detalhes, descrições e esclarecimentos, que nos permite antever como será nossa vida no Além, após nossa passagem para o mundo espiritual.

O segundo livro da série é Os Mensageiros, em que André Luiz descreve as atividades intensas, organizadas e produtivas dos espíritos Superiores que se dedicam ao trabalho do bem. Segundo Emmanuel, trata-se de um relatório incompleto de uma semana de trabalho espiritual dos mensageiros do bem junto aos irmãos encarnados. Nessa narrativa, destaca-se a figura de Aniceto, emissário consciente e generoso, que ministra ensinamentos preciosos aos membros da equipe que o acompanham, destacando as necessidades de ordem moral no quadro dos serviços a que se consagram.

Mostra-nos a interação entre desencarnados e encarnados, e como estes sofrem, por muitas vezes, efeitos desagradáveis da interferência de adversários e inimigos espirituais conquistados nesta ou noutras encarnações, em virtude de sua ações e omissões, ressaltando, porém, que podem sempre contar com o auxílio dos mensageiros do bem, por meio do estudo, das boas ações e, sobretudo, por intermédio da prece.

O terceiro livro desta série é Os missionários da luz, que nos revela os detalhes envolvidos na preparação de Espíritos que estão em vias de reencarnar no plano físico, entre os quais: como se faz o planejamento da reencarnação, a escolha da família que irá recolher o espírito reencarnante, os contornos anatômicos do corpo físico, inclusive imperfeições e deformidades, que serão preciosos auxiliares da evolução; a fecundação e o processo de ligação fluídica entre o reencarnante e os futuros pais.

Fala-nos, também, da responsabilidade na preservação do corpo físico, do suicídio direto e indireto. Dá-nos uma nova visão da tarefa da maternidade/paternidade, das uniões físicas e espirituais, além de esclarecimentos sobre o perispírito e de como pode ser afetado pelos efeitos do alcoolismo e dos excessos alimentares.

Traz, ainda, importantes ensinamentos sobre mediunidade, materializações e outros fenômenos espirituais.

Obreiros da Vida Eterna é o quarto volume da série que estamos estudando.Nesta obra, André Luiz retoma as explicações sobre o mundo espiritual, mostrando como vivem os seres desencarnados e como se preparam para voltar à vida terrena, sempre com a assistência dos irmãos espirituais, preocupados com cada detalhe, para que tudo ocorra com a maior perfeição possível e de acordo com os desígnios divinos.

Deixa patente que a morte não existe e que a vida se renova a cada momento, de modo que o aperfeiçoamento de nosso Espírito prossegue em toda parte, até alcançarmos as esferas superiores. Como diz Emmanuel, no prefácio do livro, "A vida renova, purifica e eleva os quadros múltiplos de seus servidores, conduzindo-os, vitoriosa e bela, à União Suprema com a Divindade".

Completam essa série as obras No Mundo maior, Libertação, Entre a Terra e o Céu, Nos Domínios da Mediunidade, Ação e Reação, Evolução em dois mundos (em conjunto com Waldo Vieira), Mecanismos da Mediunidade, Sexo e Destino e E a Vida Continua..., dos quais falaremos nas próximas ocasiões.

Dando continuidade à apresentação das obras ditadas pelo espírito André Luiz a Chico Xavier, trataremos agora de Entre a Terra e o Céu, Libertação e Nos domínios da Mediunidade.

Em todos eles, como nos demais livros desta série, André Luiz, na qualidade de membro de equipes socorristas do espaço, nos narra histórias de vida emocionantes e exemplares, a partir das quais nos esclarece sobre questões como desencarnação, reencarnação, resgate, obsessão, vampirismo, mediunidade, evolução e muitas outras.

Em Libertação, conta-se uma história em que são apresentados ao leitor os processos de obsessão, mostrando os planos que traçam os espíritos perseguidores, chefiados por Gregório, ligados às forças do Mal, para envolver seus perseguidos. Verifica-se como Gregório e seus comparsas são paulatinamente convertidos ao Bem, pelo trabalho dos Irmãos socorristas, que vão lhes minando as resistências por meio do exemplo e conquistando-lhes a confiança ao prestar-lhes ajuda quando necessário. O mais renitente é o chefe, Gregório, que também é finalmente convertido e ao render-se ao chamamento do amor, quando de um emocionante reencontro com sua mãe, que há tempo vinha intercedendo pelo filho extraviado.

Desta forma, a obra revela aspectos do trabalho de intercessão feito pelos Espíritos Superiores em prol dos menos esclarecidos e nos dá provas da misericórdia divina, que não deixa de conceder a todos a oportunidade de libertação.

A história narrada em Entre a Terra e o Céu é uma das mais emocionantes. Conta-nos sobre dois soldados da Guerra do Paraguai que disputavam o amor da mesma mulher e de como um deles envenenou o colega para tê-la a seu lado. A partir daí, seguem-se as conseqüências do ato praticado na mesma e em outras encarnações. Nos vários capítulos, defrontamo-nos com nós mesmos, nossos ódios e nossos amores, nossas paixões enfim, que nos arrastam nos torvelinhos da existência.

André Luiz chama também a atenção para os cuidados que devemos ter com o nosso corpo carnal e a necessidade de nos dedicarmos ao serviço do Bem, para podermos evoluir na escala espiritual.

Nos Domínios da Mediunidade focaliza a questão da comunicação dos espíritos com o mundo espiritual, através da mediunidade. São discutidos com minúcias os diversos aspectos da filtragem mediúnica, como psicofonia, sonambulismo, possessão, clarividência, clariaudiência, desdobramento, fascinação, psicometria e efeitos físicos, entre outros. Nesse livro, o Autor enaltece o esforço dos médiuns que se mantêm fieis ao mandato que receberam ao reencarnar e adverte, também, sobre os riscos do intercâmbio viciado entre o mundo físico e o espiritual.

Trata-se, na verdade, de um verdadeiro manual sobre mediunidade, no qual se encontram elevadas conceituações dos mentores espirituais, indispensáveis a todos os que se dedicam a estudar o tema.



Ingedore Koch

Referência

7 de abril de 2018

Kardec sobre reformas sociais e discussões políticas no movimento espírita (1862)

Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita pela prática da caridade 
em pensamentos, palavras e atos, e dizei a vós mesmos 
que aquele que em sua alma nutre sentimentos de animosidade, 
de rancor, de ódio, de inveja e de ciúme mente para si mesmo 
se pretende compreender e praticar o Espiritismo [1].
O que se pode dizer de alguns espíritas que, a pretexto de seguirem modas políticas atuais, falam em nome da doutrina e pretendem arrastar todo o movimento para dentro de discussões que não lhes dizem respeito? Certamente muito poderia ser escrito. A nós, porém, basta o que escreveu o próprio Allan Kardec em quem muitos desses espíritas "politizados" pretendem se escorar. E o que disse ele? Uma rápida pesquisa na herança escrita de Kardec é suficiente para resgatar o ponto de vista do Codificador sobre assuntos paralelos promovidos por aqueles de seu tempo que fizeram a mesma coisa.

A análise dessas questões à luz de Kardec conclui tanto pelo preparo que o verdadeiro espírita deve ter não só para propagar determinadas ideias, como também pela atenção devida a certos escândalos promovidos por pessoas que passam a falar em nome do Espiritismo, pregando o engajamento de seus adeptos em partidos políticos ou na defesa de personalidades políticas de moral duvidosa. O exaltamento de opiniões que leva a separação dos grupos é velho estratagema conhecido [1]:
A tática ora em ação pelos inimigos dos espíritas, mas que vai ser empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na armadilha, e tende certeza de que quem quer que procure, seja por que meio for, romper a boa harmonia, não pode ter boas intenções. Eis por que vos advirto para que tenhais a maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não só para a vossa tranquilidade, mas no próprio interesse dos vossos trabalhos [1a, grifos meus].
Quantas vezes será necessário citar "Porquanto cada árvore é conhecida pelo seu fruto. Porque nem os homens colhem figos dos espinheiros, nem dos abrolhos vindimam uvas. O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem; e o homem mau, do mau tesouro tira o mal. Porque, do que está cheio o coração, disso é que fala a boca". (Lucas, VI: 43-45) ? 

Discussões políticas e reforma social: o que disse Kardec sobre isso?

Como não existe limites para a criatividade dos homens quando em serviço de seus interesses particulares, é necessário ainda mais uma vez citar Kardec [1] quanto às variedades de táticas usadas pelos que pregam a divisão no movimento:
Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quando se refere à política e a questões irritantes; a tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa. [1b, todos os grifos são meus]
Eis a verdade sobre o ponto de vista de Kardec a respeito de discussões políticas e outras "irritantes" no âmago de um movimento. Mas, no que se funda essa opinião? Também responde Kardec:
Procurai no Espiritismo aquilo que vos pode melhorar: eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais realmente úteis serão uma consequência natural; trabalhando pelo progresso moral, lançareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as melhoras, e deixareis a Deus o cuidado de fazer com que cheguem no devido tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que é ainda jovem, mas que amadurece depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que quiserem vos arrastar por uma via perigosa.[1c, grifos meus]
É bastante claro que Kardec não nutria nenhuma ilusão com relação à natureza moral dos homens. Assim,  qualquer reforma dificilmente pode ser imposta "de cima para baixo", tanto por força de lei como de ação política de qualquer natureza. Dai a necessidade incessante de os verdadeiros espíritas "trabalharem para o progresso moral" através do que as "sementes" ou "fundamentos" para os melhores dias virão. Esse trabalho se dá inicialmente pelo esclarecimento em que as próprias ações em direção ao bem são rigorosamente observadas pelas pessoas e que dizem muito mais sobre as reais intenções do adepto.

É claro que não se trata de uma promessa para a vida presente e nem poderia ser, uma vez que o Espiritismo prega a imortalidade da alma e as vidas sucessivas. Reconhecida essa realidade, a força do materialismo - que promovo muito do ardor e da exaltação por reformas imediatas - desaparecerá. 

 Sobre divergência de opinião

O principal problema no acúmulo de discussões inúteis no âmago do movimento é o desvio de finalidade e falta de zelo para com os verdadeiros princípios espíritas. Mas, o que fazer com as divergências de opinião? O orgulho e a vaidade exacerbada de alguns nutrem a disseminação de discussões em torno de questões irritantes que, para Kardec, pode ser decididas por meio de um apelo à autoridade da maioria:
Repetirei aqui o que disse noutras ocasiões: em caso de divergência de opinião, o meio fácil de sair da incerteza é ver qual a que reúne mais partidários, pois há nas massas um bom-senso inato que não se poderia enganar. O erro só seduz alguns espíritos enceguecidos pelo amor próprio e por um falso julgamento, mas a verdade sempre acaba vencendo. Tende certeza, portanto, que o erro deserta das fileiras que se esclarecem e que há uma obstinação irracional em crer que um só tenha razão contra todos. [1d, grifos meus]
A razão, segundo Kardec, está no aprendizado: a verdade prevalecerá entre os adeptos que se esclarecem. Um exemplo: as redes sociais em todo mundo testificam o surgimento de pessoas que ainda creem que a Terra é plana. Teorias de conspiração espalham pânico entre as massas, baseando-se em crenças ridículas e claramente falsas. Como isso pode acontecer depois de tantos anos de progresso científico? O orgulho e a vaidade de alguns, que querem fazer valer suas opiniões particulares e adquirir adeptos, criam e disseminam discussões irrelevantes em torno de questões já bastante resolvidas. Enquanto isso, o essencial, o que deve ser aprendido é desprezado. O remédio é o conhecimento: a medida que se esclarece as massas passam a ignorar sistematicamente os "falsos profetas" que exploram a excesso de credulidade e a ignorância.

Um exemplo de debate inútil recente: o reaparecimento dos que pregam que a Terra é plana. Segundo Kardec, apenas o esclarecimento poderá isolar os falsos profetas que exploram o excesso de credulidade e ignorância das massas. Da mesma forma, em questões sem consenso científico, o verdadeiro espírita deve ter cautela com as opiniões de certas pessoas que pregam a divisão no seio do movimento espírita.
Se com questões já resolvidas ainda se veem discussões inúteis e teorias de conspirações serem criadas, o que diremos daqueles problemas mal resolvidos para os quais inexiste qualquer apoio científico ou base natural de decisão? Isso é o que se observa presentemente no âmago do movimento espírita que promove assuntos em clara dissonância com os princípios e fundamentos do Espiritismo.
Eis por que vos digo com toda a segurança para que marcheis com passo firme na via que vos é traçada. Dizei aos antagonistas que se eles querem que os sigais, que vos ofereçam uma doutrina mais consoladora, mais clara, mais inteligível, que melhor satisfaça à razão e que, ao mesmo tempo, seja uma garantia melhor para a ordem social. Pela vossa união, frustrai os cálculos dos que vos queiram dividir; provai, enfim, pelo vosso exemplo, que a doutrina nos torna mais moderados, mais dóceis, mais pacientes, mais indulgentes, o que será a melhor resposta a dar aos seus detratores, ao mesmo tempo que a visão de seus resultados benéficos é o mais poderoso meio de propaganda. [1e, grifos meus]
Moderação, docilidade, paciência e indulgência não estão de acordo com a propagação de ideias que exigem  mudanças imediatas a todo custo. O recado de Kardec é bastante claro e não poderá ser ignorado por todos os que dizem segui-lo verdadeiramente.

Referências

[1] Kardec A. "Cumprimentos de Ano Novo". Revue Spirite, Fevereiro de 1862. (versão IPEAK www.ipeak.com). O artigo original em Francês tem como título "Les souhaits de nouvel an: Réponse à l'adresse des Spirites Lyonnais à l'occasion de la nouvelle année".
[1a] Original em Francês:
La tactique déjà mise en œuvre par les ennemis des Spirites, mais qu'ils vont employer avec une nouvelle ardeur, c'est d'essayer de les diviser en créant des systèmes divergents et en suscitant parmi eux la défiance et la jalousie. Ne vous laissez pas prendre au piège, et tenez pour certain que quiconque cherche, par un moyen quel qu'il soit, à rompre la bonne harmonie, ne peut avoir une bonne intention. C'est pourquoi je vous invite à mettre la plus grande circonspection dans la formation de vos groupes, non seulement pour votre tranquillité, mais dans l'intérêt même de vos travaux.
[1b] Original em Francês:
Je dois encore vous signaler une autre tactique de nos adversaires, c'est de chercher à compromettre les Spirites en les poussant à s'écarter du véritable but de la doctrine, qui est celui de la morale, pour aborder des questions qui ne sont pas de son ressort, et qui pourraient à juste titre éveiller des susceptibilités ombrageuses. Ne vous laissez pas non plus prendre à ce piège; écartez avec soin, dans vos réunions, tout ce qui à rapport à la politique et aux questions irritantes; les discussions, sous ce rapport, n'aboutiraient à rien qu'à vous susciter des embarras, tandis que personne ne peut trouver à redire à la morale quand elle est bonne.
[1c] Original em Francês:
Cherchez, dans le Spiritisme, ce qui peut vous améliorer, c'est là l'essentiel; lorsque les hommes seront meilleurs, les réformes sociales vraiment utiles en seront la conséquence toute naturelle; en travaillant au progrès moral, vous poserez les véritables et les plus solides fondements de toutes les améliorations, et laissez à Dieu le soin de faire arriver les choses en leur temps. Opposez donc, dans l'intérêt même du Spiritisme qui est encore jeune, mais qui vieillit vite, une inébranlable fermeté à ceux qui chercheraient à vous entraîner dans une voie périlleuse.
[1d] Original em Francês:
Je répéterai ici ce que j'ai dit en d'autres occasions: en cas de divergence d'opinion, il est un moyen facile de sortir d'incertitude, c'est de voir celle qui rallie le plus de partisans, parce qu'il y a dans les masses un bon sens inné qui ne saurait tromper. L'erreur ne peut séduire que quelques esprits aveuglés par l'amour-propre et un faux jugement, mais la vérité finit toujours par l'emporter; tenez donc pour certain qu'elle déserte les rangs qui s'éclaircissent, et qu'il y a une obstination irrationnelle à croire qu'un seul a raison contre tous.
[1e] Original em Francês:
C'est pourquoi je vous dis en toute sécurité de marcher d'un pas ferme dans la voie qui vous est tracée; dites à vos antagonistes que, s'ils veulent que vous les suiviez, ils vous offrent une doctrine plus consolante, plus claire, plus intelligible, qui satisfasse mieux la raison, et qui soit en même temps une meilleure garantie pour l'ordre social; déjouez, par votre union, les calculs de ceux qui voudraient vous diviser; prouvez enfin, par votre exemple, que la doctrine rend plus modéré, plus doux, plus patient, plus indulgent, et ce sera la meilleure réponse à faire à ses détracteurs, en même temps que la vue de ses résultats bienfaisants est le plus puissant moyen de propagande.

1 de março de 2018

Chamada para o 14º Enlihpe – Belo Horizonte/MG


Desde 2003, o Encontro Nacional da ENLIHPE tem sido o espaço de encontro da LIHPE - Liga de Pesquisadores do Espiritismo. A Liga é um grupo de pessoas interessadas no estudo do Espiritismo nos moldes acadêmicos. Isto quer dizer que se estuda a temática espírita de acordo com regras acadêmicas. 

A LIHPE foi criada para incentivar o registro e discussão da história do Espiritismo, e aos poucos, foi agregando interessados que trabalhavam na fronteira entre o Espiritismo e as chamadas áreas do conhecimento: filosofia, física, psicologia, ciências sociais, antropologia e muitas outras.

Desde seu fundador, Eduardo Carvalho Monteiro, percebeu-se que apenas o intercâmbio à distância era insuficiente para estabelecer grupos de trabalho e aproximar os membros. Foi então criado o ENLIHPE, que é o encontro nacional, este de caráter presencial.

Se você tem algum trabalho na fronteira entre o Espiritismo e as ciências reconhecidas e até outras não reconhecidas, comece a preparar seu artigo para submissão. O ENLIHPE de 2018 ocorrerá entre 25 e 25 de agosto e, este ano, será na cidade de Belo Horizonte/MG.

Tema central: 'Sobrevivência da alma'
25 e 26 de agosto de 2018
Belo Horizonte – MG
Data final de submissão de trabalhos: 30 de abril de 2018.
INSCRIÇÕES: Site da LIHPE

Local do evento:

União Espírita Mineira – UEM
Avenida Olegário Maciel, nº 1627
Lourdes, Belo Horizonte – Minas Gerais, em frente ao Diamond Mall.


24 de fevereiro de 2018

O Cérebro e o nascer de novo - afinal, quem somos? Uma hipótese neurológica

por Nubor Orlando Facure


"É preciso nascer de novo" passando por experiências múltiplas no decurso das encarnações. Uma questão em aberto e extremamente complexa é: até onde podemos saber o quanto e como são transferidos para o cérebro físico de uma criança, que está por nascer, o conteúdo de sabedoria e talentos adquiridos pelo Espírito no decurso de suas existências

O desenvolvimento do sistema nervoso

O patrimônio genético dessa criança põe ordem no seu desenvolvimento, acrescentando aptidões por etapas, que coincidem, essas fases, com a progressiva mielinização das fibras nervosas. Primeiro, são mielinizadas fibras de baixo para cima, que permitem a atividade motora das pernas e depois dos braços. No cérebro, a organização é de trás para frente, primeiro as áreas visuais nos polos occipitais e depois o lobo frontal que só completa sua formação depois dos 17 anos.

A memória – quem eu sou? Sou o que minhas memórias dizem.

O bebê humano ao nascer não está zerado em suas memórias. Os testes especializados confirmam que ele tem arquivado a voz da mãe e possivelmente outros sons que ouviu enquanto no útero, sem que haja confirmação que ouvir músicas de Mozart dará a essa criança um cérebro de um músico de talento.

O que é do conhecimento geral é que a criança não consolida, armazena ou retém como memória suas experiências até aos três anos de idade – esse esquecimento é conhecido como "amnésia infantil''.

Do ponto de vista espiritual não temos, como regra geral, nenhuma lembrança de nossas vidas passadas. Ensinam os autores espíritas que, mesmo não tendo essas lembranças, de uma maneira ou de outra, podemos perceber em cada um de nós certas tendências trazidas de outras vidas – ideias inatas ou mesmo pendores que se revelam sem maior esforço. Um determinado profissional, com formação acadêmica numa área específica, pode perceber suas tendências e habilidades em competências completamente diferente. Um professor de matemática ou uma psicóloga podem exercer em paralelo um talento para música, artesanato, ou um talento literário como fez o médico Guimarães Rosa.

Personalidade, caráter e temperamento têm uma base genética e, seguramente, uma influência da bagagem espiritual de outras vidas. Um Espírito amigo nos ensinou que podemos não saber o que fomos, mas, não é difícil saber o que fizemos em vidas anteriores.

Uma nota breve sobre os tipos de memórias

Podemos tirar da classificação das memórias três expressões fundamentais:

A memória semântica,  a episódica, que fazem parte da memória declarativa e, a memória implícita ou de procedimentos.

A memória semântica se refere ao conhecimento adquirido pelas lições que aprendemos de uma forma ou de outra: quem nasce no Brasil é brasileiro, Paris é a capital da França, Voltaire foi um grande filósofo do iluminismo, a América foi descoberta por Cristóvão Colombo.

A memória episódica, é personalizada, refere-se a fatos pessoais vividos por nós, é narrativa e por isso falha. Sua consolidação é mais firme nos dados autobiográficos: meu nome, meu endereço, meu estado civil, a cidade onde nasci, minha nacionalidade, de quem sou filho, que profissão exerço, quem são meus filho. A memória episódica de eventos pessoais, se refere a acontecimentos vividos por nós, recentes ou não: O que almocei ontem? Quem me telefonou essa tarde? Que praia fui nesse fim de ano? Quem me visitou nesse domingo? Esse modo de memória (episódica) tem uma marca temporal e é fortemente contextualizada. Com as marcas do tempo: fui na praia no natal, viajei na semana santa, fui pescar em fevereiro do ano passado, troquei de carro em dezembro. Ligadas ao contexto: assisti aquele filme no Shopping com minha esposa. Adorei o camarão daquele restaurante de Joinville, eu estava no hotel quando ouvi aquela notícia, foi no jogo de futebol que torci o tornozelo, fiquei em casa porque chovia muito. Essas memórias podem ser resgatadas, mas, como são retidas principalmente no hipocampo, ao serem lembradas nós sempre fazemos uma nova descrição dos fatos. Daí a incerteza dos testemunhos nos episódios da vida.

As memórias episódicas para eventos pessoais são fugidias e enganosas. Quem relatar sua festa de casamento faz o mesmo que os pescadores ou os jogadores, a cada relato produzem uma nova versão. É o que diziam os antigos: "quem conta um conto aumenta um ponto".

As memórias de procedimento são as habilidades aprendidas. Andar de bicicleta, dirigir o automóvel, pilotar o avião, dedilhar o teclado, lidar com a prensa da fábrica, talhar a madeira numa peça de artesanato, tocar ao piano, desenhar ou pintar uma paisagem.

Por outro lado, são extremamente corriqueiras, no ambiente familiar de muitos de nós, a ocorrência das memórias de procedimento. Há em quase toda família os desenhistas, os pintores, os pianistas, os artesões habilidosíssimos que fazem castelos na areia ou na madeira sem qualquer ensinamento prévio. Observando bem, em cada um de nós podemos perceber que as memórias episódicas são consolidadas firmemente até que alguma demência nos atinja nos fazendo esquecer até mesmo o nome. 

Recordando a história de vidas anteriores. Isso é possível?

São ocorrências raras, mas, vez por outra encontramos crianças fazendo relatos de terem vivido em outro lugar e dando as identificações necessárias para essa comprovação. A literatura médica e o cinema têm relatos enriquecedores que atestam a reencarnação e a ocorrência de permanência dessas memórias episódicas. Geralmente, com o crescimento da criança essas memórias se perdem. São também excepcionais, mas bem descritos, casos de persistência das memórias semânticas. São algumas crianças rotuladas de autistas, ou “idiots savans” que são capazes de responder brilhantemente sobre determinado tema de conhecimento geral ou de um domínio particular como literatura ou matemática. 

Por outro lado, certos eventos de nossa vida podem ocorrer carregados de forte emoção e um susto ou uma ameaça pode consolidar com mais força determinada ocorrência. Uma batida com o nosso carro em que alguém sai ferido, a ameaça de um assalto ou um sequestro, o medo de enfrentar uma cirurgia de risco, a dor de um fêmur fraturado na queda de uma bicicleta

Considerando a reencarnação, é provável que as memórias episódicas, carregadas de forte emoção física ou psíquica, podem ser uma boa explicação para nossos medos, as crises de pânico, as fobias, as dificuldades para enfrentar o elevador, o avião, uma picada da vacina, uma cobra, uma aranha, uma simples barata ou falar em público

As memórias de procedimentos

No decorrer da vida vamos aprendendo habilidade e adquirindo competências comuns a nós humanos: andar, correr, escrever, nadar, dirigir, pilotar, andar de bicicleta, soltar uma pipa e outras de maior destaque: tocar piano, violino, cantar com o violão, pintura, artesanato entre muitas outras.

O maior destaque nesse tipo de memória é que ela é mais ou menos permanente. Ninguém esquece como nadar ou andar de bicicleta. O dedilhar o violão ou o piano, por outro lado, exige treinamento constante, mas, os rudimentos básicos permanecem para sempre. Nunca me esqueço que o primeiro paciente que conheci com a doença de Alzheimer era um alfaiate. Não sabia dizer o nome da esposa, nem o seu endereço, mas, gesticulava com as mãos e mostrava como fazia o corte de tecido para fazer um terno – o paciente com essa doença é treinável e capaz de aprender certas habilidades motoras novas, mas, não retém um conhecimento novo, como por exemplo o endereço do hospital.

Pode-se conjecturar que as memórias de procedimento são as que mais se conservam de uma encarnação para outra. Elas permanecem sempre mais firmemente consolidadas em nosso cérebro – principalmente nos núcleos basais e no cerebelo – e os exemplos são parte da história de todas famílias – são as aptidões, os talentos, as tendências, os pendores artísticos e os desempenhos que surgem facilmente no artesanato, na música, na pintura, no esporte entre tantos outros.

Um resumo simples

A memória autobiográfica é firme, confiável, nos acompanha pela vida todo sem distorções. Nós a perdemos quando ocorrem leões cerebrais graves. Dificilmente ela permanece no transcurso de uma vida para outra.

A memória episódica é facilmente distorcida. Ela é regatada sempre com uma nova versão, não é recuperada. É recontada. É sensível aos eventos emocionais que aumentam os seus traços. Podem justificar o que sentimos hoje em forma de medos, fobias, traumas psíquicos, déjà-vu e outros fenômenos da psicopatologia humana.

A memória de conhecimentos, semântica, é acumulativa é pode favorecer o aprendizado em determinadas áreas de uma vida para outra.

E, finalmente, as memórias de procedimento que se expressam, geralmente, em habilidades motoras. São mais sólidas, costumamos dizer que ninguém esquece como andar de bicicleta. De uma encarnação para outra, elas podem permanecer como uma tendência profissional, talentos artísticos diversos, predisposição para esse ou aquele esporte.

E o que a morte fará com as nossas memórias?

Diz o povo que “dessa vida nada se leva”. Eu costumo dizer que, obrigatoriamente, vamos levar os nossos neurônios, estão impressos neles a nossa identidade. Um neurocirurgião famoso fazia suas cirurgias com o paciente acordado. Com o crânio aberto ele estimulava eletricamente várias áreas cerebrais. Além das repostas motoras e sensitivas ele conseguia estimular a região temporal onde produzia reminiscências guardadas pelo paciente. Sabemos todos, como espíritas, que o que ocorre no cérebro é transferido ao Espírito através e um veículo sem imaterial, o perispírito. Mas, durante toda nossa vida, as redes neurais acumulam um rico aprendizado que consolida nossos comportamentos e enriquece nossas memórias. Os exames de Ressonância Funcional e a estimulação direta nos neurônios detectam essas competências.

A pergunta é: tudo isso se desfaz com a morte? Aprendemos com a doutrina espírita que esse material é inteiramente transferido para o perispírito. Esse fenômeno nos permite conjecturar algumas consequências:

Logo após a morte, seremos exatamente os mesmos que somos hoje. Com as mesmas memórias, comportamentos e experiências. Isso explica porque, mesmo desencarnados, há Espíritos que continuarão duvidando da reencarnação. E, para maioria de nós, não será de um dia para o outro que teremos acesso as memórias do nosso passado.

Ver também: Entrevista V - Dr. Nubor Facure e as perspectivas espiritualistas para o ser humano.

Referência

11 de janeiro de 2018

Sobre a mente inconsciente e sua perspectiva espírita.


A fronteira entre o Espiritismo e as experimentações psicológicas apresentam oportunidades interessantes de exploração e interpretação. Ela é tanto mais relevante para o lado espírita (que é o de nosso interesse imediato), pois mostra como alguns resultados recentes de experiências têm impacto na compreensão de fenômenos que estão na interface "espírito-corpo".

Um exemplo interessante discutimos brevemente aqui e diz respeito aos estudos algo recentes (um deles já tem 35 anos, ref. 1) sobre a importância da chamada "mente inconsciente" na tomada de decisões. Por "mente inconsciente" entendemos um conjunto de processos mentais que ocorrem sem que o indivíduo tenha "consciência" - aqui a palavra em inglês "awareness" é mais apropriada - dele. Essa consciência nos dá aquela sensação de que temos, de fato, controle sobre nossos atos. Assim como nos diversos órgãos do corpo que funcionam de forma autônoma (sem a deliberação da vontade por parte de quem o controla), o cérebro também operara de forma autônoma em muito da vida mental, quer dizer, ele funciona sem que o indivíduo tenha consciência disso. Eficiência e otimização parecem ser a principal causa para esse estado de coisas no campo mental.
Mente inconsciente

A noção de mente inconsciente não é nova. Já no começo do século 18, a ideia de "unbewußtsein" apareceu com o filósofo idealista alemão Friedrich Schelling (1775-1854). A crença popularmente aceita de que o homem poderia ser inspirado pelos deuses foi uma das razões para se suspeitar de que algo inconsciente operaria na mente humana e ajudou a consolidar o conceito sem, entretanto, qualquer aceitação científica. Uma outra fonte importante para a ideia do inconsciente veio da observação ordinária que pessoas, quando sob ação perturbadora de medicamentos ou drogas (p. ex., bebidas alcoólicas) agem de forma aparentemente inconsciente, e chegam a não se lembrar dos atos praticados, cessado essa ação externa. O grande popularizador do inconsciente foi sem dúvidas Sigmund Freud (1856-1939) que usou largamente desse princípio para o estudo de desvios do comportamento que ele explicou como resultado de desejos sexuais inconscientes reprimidos. Entretanto, a crença na existência do inconsciente demorou para ser estabelecida tendo em vista que sua aceitação leva a uma mudança radical na nossa concepção da mente humana e porque não se faz nenhuma ideia sobre como tal inconsciência operaria (2). Até hoje, a maior parte das pessoas nem desconfia do inconsciente, ou vive sem saber que ele existe e "controla" seus atos de forma sistemática.

Experimentos como o de Libet et al (1) foram um grande divisor de águas na comprovação da existência de uma "mente inconsciente" inicialmente descrita como um estado potencial de "prontidão" a operar sem qualquer intervenção consciente de seu dono. Antes dele, outras evidências de que sinais aparentemente não percebidos pelas pessoas poderiam determinar o curso de suas ações também forneceram provas indiretas da existência do inconsciente (2). O uso de técnicas de mapeamento cerebral (como é o caso da tomografia de pósitrons) permitiram observar em tempo real a operação do fenômeno. Essencialmente, distingue-se as áreas do cérebro responsáveis pela tomada de decisão e pela "consciência" dessa tomada. Por meio de técnicas experimentais é possível demonstrar que o decisão ocorre centenas de milissegundos antes de que as áreas de "awareness" sejam ativadas. Em suma: a decisão é tomada antes da consciência da escolha que precede, entretanto, o ato decisório como representado abaixo:


tomada de decisão -> consciência a decisão -> ato decisório.

Obviamente, a ciência moderna ainda debate a amplitude, origem e operação da mente inconsciente, mas sem as dúvidas sobre sua existência. Para os "behavioristas", por exemplo, as operações do inconsciente integram informação anterior e de ambiente e criam a decisão que sobe ao nível consciente dando a "impressão" de liberdade de escolha. Na atualidade esse debate tem impacto direta na noção de livre-arbítrio: se as decisões são inconscientes então provavelmente não temos controle de nossos atos. Na visão behaviorista extrema (que é radical mesmo para os padrões materialistas aceitos) somos meros autômatos pre-programados pelo ambiente, sem capacidade de decisão, mas com a ilusão de arbítrio próprio. O debate se alarga para áreas como a do direito, onde se pergunta até que ponto um criminoso não seria passível de culpa, caso essa visão radical de controle do inconsciente fosse adotada.

O leitor deve entretanto atentar para o fato de que experimentos que demonstram a operação do estado de prontidão pré-consciente nada provam contra o livre-arbítrio, mas apenas a existência desse estado inconsciente. É quando se passa a interpretar e tentar criar teorias para explicar a mente e sua complexidade que alguns cientistas chegam ao estremo de negar o livre arbítrio. 

O conceito do inconsciente no Espiritismo (segundo A. Kardec)

Os Espíritos também indiretamente indicaram a existência do estado inconsciente nos encarnados ao referir-se à vida do espírito como diversa, mais rica e diferente da vida da vigília. Há muitos trechos no "Livro dos Espíritos" (LE, 4) em que se pode ler sobre essa noção peculiar do inconsciente. A existência da vida do Espírito como independente da vida material está bem estabelecida, por exemplo, no Capítulo 8 do LE "Da emancipação da alma: o sono e os sonhos" e no Capítulo 7 "Da volta do Espírito à vida corporal: esquecimento do passado". Por exemplo, na questão #410a, Kardec questiona sobre para que serviriam as ideias adquiridas durante o sono (5) que são completamente esquecidas no estado de vigília. A resposta reafirma a existência de uma vida paralela à material que permanece inconsciente propositalmente, sem prejuízo ao aproveitamento dessas ideias:
Algumas vezes essas idéias mais dizem respeito ao mundo dos Espíritos do que ao mundo corpóreo. Com mais frequência, porém, se o corpo as esquece, o Espírito as retêm, e voltam no momento necessário, como uma inspiração súbita. (grifos nossos)
Certamente é no capítulo que trata das vidas pregressas que o inconsciente - como repositório de lembranças de vidas anteriores - surge de forma clara:
Não temos, é certo, durante a vida corpórea, lembrança exata do que fomos, nem do bem ou do mal que fizemos, em anteriores existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado. E a nossa consciência, que é o desejo que experimentamos de não reincidir nas faltas já cometidas, nos concita a resistir àqueles pendores (LE, Cap. 6, final da resposta à questão #393, grifo nosso).
A lembrança fortuita de vidas pregressas e as capacidades instintivas que se manifestam na vida material são fatores que afetam a tomada de decisão do Espírito e que devem ser levados em consideração ao se explicar o funcionamento do estado inconsciente, principalmente sobre quais seriam as causas relevantes que levariam a uma decisão. Para o Espiritismo com Kardec, o estado inconsciente é a própria manifestação da vida do Espírito que pode pensar de maneira diversa no estado de vigília, quando tem "consciência" das coisas a seu redor a lhe afetarem a maneira de pensar. Isso está claramente indicado, por exemplo, em parte da resposta à questão #266 e # 267 sobre a escolha das provas da vida material:
266. Não parece natural que se escolham as provas menos dolorosas? 
Pode parecer-vos a vós; ao Espírito, não. Logo que este se desliga da matéria, cessa toda ilusão e outra passa a ser a sua maneira de pensar. (grifo nosso)
267. Pode o Espírito proceder à escolha de suas provas enquanto encarnado? 
O desejo que então alimenta pode influir na escolha que venha a fazer, dependendo isso da intenção que o anime. Dá-se, porém, que, como Espírito livre, muitas vezes vê as coisas de modo diferente. O Espírito por si só é quem faz a escolha; entretanto, ainda uma vez o dizemos, possível lhe é fazê-la mesmo na vida material, porque há sempre momentos em que o Espírito se torna independente da matéria que lhe serve de habitação. (grifos nossos)
Essa última questão é particularmente importante porque demonstra de forma clara que as decisões do Espírito encarnado se dão de forma inconsciente, como Espírito, ou seja, ele sequer precisa ter consciência (awareness) sobre tais escolhas.  A. Kardec tece um interessante comentário logo após a questão # 266 do qual extraímos o trecho:
A doutrina da liberdade que temos de escolher as nossas existências e as provas que devamos sofrer deixa de parecer singular, desde que se atenda a que os Espíritos, uma vez desprendidos da matéria, apreciam as coisas de modo diverso do nosso. Divisam a meta, que bem diferente é para eles dos gozos fugitivos do mundo. (grifo nosso)
Se viver é fazer escolhas, a primeira decisão que ocorre ao Espírito é sobre o tipo de existência que ele pretende passar em uma nova encarnação na Terra. Para o Espiritismo, entretanto, o livre-arbítrio, que é fundamental para se garantir a responsabilidade do Espírito sobre seus atos, não é uma "graça" concedida sem custo ao Espírito, mas algo que ele deve conquistar:
O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, se a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros resistiram. (Resposta à questão #122, grifos nossos)
A necessidade de se escolher as provas e desenvolver seu livre arbítrio justificam assim o estado inconsciente, a perda de memória das vidas anteriores e de sua vida como espírito. O ser integral, quando encarnado, se manifesta em sua psicologia e maneirismos, sua atitude em relação à vida, seus instintos e tendências, sem prejuízo do aproveitamento de suas experiências. Como justificativa para esse estado de coisas, a questão # 370 reafirma o espírito como causa, porém, que a matéria o restringe:
370a. Dever-se-á deduzir daí que a diversidade das aptidões entre os homens deriva unicamente do estado do Espírito? 
O termo unicamente não exprime com toda a exatidão o que ocorre. O princípio dessa diversidade reside nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado. Cumpre, porém, se leve em conta a influência da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o exercício de suas faculdades.
Para o Espiritismo, os espíritos são uma fator importante 
a influenciar a decisão do encarnado durante a vigília. Tal influência, 
entretanto, se dá de forma inconsciente. Imagem:"O Sonho da rainha
 Katherine", (Johann Heinrich Füssli, 1741-1825).
Inconsciente e obsessão 

O  inconsciente é um conceito importante para se entender "operacionalmente" como podem os Espíritos influenciar os encarnados.  Quando essa influenciação é negativa - de forma a aumentar o sofrimento do encarnado - fala-se em "obsessão" (LE, questão # 473). A questão #460 parece ser fundamental para se entender a ligação entre o inconsciente e a operação dessa influenciação:
460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos? 
Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários uns dos outros. Pois bem, no conjunto deles estão sempre de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos vedes. É que tendes em vós duas idéias a se combaterem. (grifo nosso)
Ora, não guardamos, de forma geral, nenhuma lembrança ou consciência dessa influência, nem sequer sabemos de onde provêm tais pensamentos. O estado inconsciente representa o momento exato onde opera essa influenciação, que acontece exatamente dessa maneira de forma a reter apenas aquilo que é necessário para fazer avançar nossa capacidade de discernimento entre o certo e o errado (do contrário, não haveria mérito...).

De forma resumida, ao se listar que fatores poderiam afetar o inconsciente no momento da tomada de uma decisão, podemos citar:
  • As tendências inatas da alma encarnada, fruto de experiências obtidas em vidas anteriores (inconsciente);
  • Sua experiência presente, resultado de sua encarnação última (consciente ou inconsciente);
  • Suas memórias de vidas anteriores, que reforçam certas tendências em optar por determinadas decisões (inconsciente);
  • Suas memórias da vida atual, acessível diretamente com algum esforço (o chamado "estado presciente", influenciação consciente ou inconsciente);
  • As limitações de seu corpo ou contraparte material que restringem mais ou menos severamente a maneira como as percepções do mundo externo se dão;
  • As influenciações dos Espíritos que reforçam as tendências inatas e sugerem ideais (inconsciente);
O comportamento humano é produto de uma atuação maior ou menor de um desses fatores ou combinações deles. Mas é particularmente nos fenômenos obsessivos mais ou menos severos que o último fator mais se destaca. Por meio do estado inconsciente, pensa e age o encarnado como se estivesse sozinho, mas, de fato, ele não está. Acreditamos, porém, que, mesmo nos casos de subjugação sistemática, o Espírito pelo menos retém consciência de seu livre arbítrio. Esse é, entretanto, assunto para outro post considerando inúmeros detalhes relevantes que exigem minuciosa atenção e consultas a outras referências.

À guisa de conclusão

O inconsciente parece guardar a chave para a essência do espírito encarnado cuja existência integral ocorre em outro "plano". Cremos que as descobertas recentes sobre a operação da mente inconsciente são importantes validações das lições trazidas pelos Espíritos já durante a compilação das respostas do LE e muito antes de Sigmund Freud (6). Para a ciência que investiga esses casos, o inconsciente é um estado de pre-decisão, talvez mais um dentre os inúmeros estados do cérebro entendido como um "hardware" que "roda" um programa. Para o Espiritismo, entretanto, o inconsciente não é meramente um repositório de lembranças ou desejos reprimidos. Ele é a própria manifestação oculta da vida do Espírito em sua jornada evolutiva. As manifestações observáveis do estado inconsciente são importantes evidências (8) dessa vida oculta que, por meio de experimentos, é possível estudar e que têm implicações ainda pouco esclarecidas para a a sociedade. 

Uma das perspectivas abertas pelo Espiritismo é que o encarnado guarda memórias ou consciência plena de suas decisões, mesmo para aquelas que não "subiram" conscientemente durante a vigília. A consciência de tomada de decisão seria uma espécie de "segunda consciência" que reverberaria no campo mental do encarnado, ou tipo de memória reflexa de seu pensamento como Espírito. Essa reverberação é importante para que dela uma memória seja guardada ("eu me lembro de que tomei essa decisão") e auxilie outras tomadas (inconscientes) em contextos semelhantes, até que o processo seja completamente autônomo.

Em outras palavras, a consciência que temos de nossos atos quando encarnados após uma escolha é um mecanismo de "feedback" (realimentação) que reforça o aprendizado durante a existência. Seu papel principal é guardar informação para uso posterior. Outra razão importante para esse funcionamento inconsciente é o da eficiência: a "mente" parece responder melhor a determinadas situações em que ela não tem que "pensar muito" sobre qual seria a melhor solução. Um trabalho interessante recente (3) argumenta que há uma "moral inconsciente"; as decisões "morais" das pessoas são melhores justamente quando elas decidem inconscientemente, o que é outra prova da operação das faculdades do espírito.

Uma vez que é o Espírito, em essência, o responsável pelos seus atos e que as decisões são tomadas mesmo sem consciência ("awareness") imediata - como um feedback de uma operação inconsciente, ele também é o único responsável por elas, sem prejuízo da noção de livre-arbítrio. Na visão espírita, é preciso elucidar a interação espírito-matéria, sobre como se daria a relação entre o espírito e o cérebro ou sistema nervoso sobre o qual ele atua. Enquanto inúmeros pontos obscuros subsistirem, será arriscado negar a responsabilidade do espírito encarnado sobre seus atos e criar, por exemplo, embaraços jurídicos pela negação do livre-arbítrio.

Para se convencer disso, é importante considerar uma visão integral do ser humano e desvendar inúmeros outros mecanismos pouco esclarecidos sobre o funcionamento da mente. Há indícios recentes de que a percepção consciente, quando obstada por doenças ou mal funcionamento do cérebro, não impede a mente de seu funcionamento inconsciente (7). Presentemente debate-se a possibilidade de o inconsciente ser capaz de realizar tudo o que é possível no estado consciente, o que é uma perspectiva promissora diante do ensino espírita sobre a verdadeira vida do espírito.

Retornaremos em um futuro post com mais discussões sobre nossas observações sobre esse importante assunto.

Referências e notas

1. Libet, B., Gleason, C. A., Wright, E. W., & Pearl, D. K. (1983). Time of conscious intention to act in relation to onset of cerebral activity (readiness-potential) the unconscious initiation of a freely voluntary act. Brain, 106(3), 623-642. Outro interessante trabalho de revisão que se destaca pelo equilíbrio é:

Baars, B. (2003). How brain reveals mind neural studies support the fundamental role of conscious experience. Journal of Consciousness Studies, 10(9-10), 100-114.

2. São os conhecidos experimentos com "mensagens subliminares". Ver Custers, R., & Aarts, H. (2010). The unconscious will: How the pursuit of goals operates outside of conscious awareness. Science, 329(5987), 47-50.

3. Ham, J., & van den Bos, K. (2010). On unconscious morality: The effects of unconscious thinking on moral decision making. Social Cognition, 28(1), 74-83.

4. Todas as citações deste post foram extraidas de www.ipeak.com.br .

5. A influência do sono na solução de problemas é bem reportado por: Karmarkar, U. R., Shiv, B., & Spencer, R. (2017). Should you Sleep on it? The Effects of Overnight Sleep on Subjective Preference-based Choice. Journal of Behavioral Decision Making, 30(1), 70-79.

6. Sobre isso se nota que quando Freud nasceu os primeiros manuscritos de "O Livro dos Espíritos" já existiam. Isso não tira de Freud seu pioneirismo na exploração do inconsciente, mesmo porque o "contexto teórico" da Doutrina Espírita é muito diferente da teoria psicológica de Freud.

Entretanto, é preciso ressaltar que o conceito de inconsciente no Espiritismo ainda aguarda melhor apreciação pelos psicólogos no futuro, principalmente com  relação à contribuição das memórias das vidas anteriores, cuja aceitação é infelizmente inconcebível no contexto da teoria Freudiana (ou pelo menos exigiria uma modificação radical na maneira de se entender o ser humano).

7. Um livro interessante com inúmeros relatos da operação do inconsciente quando o cérebro é severamente afetado é Ramachandran, V. S., & Blakeslee, S. (2004). Fantasmas no cérebro. Rio de Janeiro: Record.

8. O leitor pode se certificar que o inconsciente foi aceito pelo mainstream acadêmico ao ler  Koch C. (2011). Probing the Unconscious mind. Cognitive psychology is mapping the capabilities we are unaware we possess. Scientific American. Acessível em:

https://www.scientificamerican.com/article/probing-the-unconscious-mind/