16 de abril de 2014

Como detectar espíritos


 "A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos, 
como o faz com uma pilha voltaica; foi mal sucedida 
como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia 
que não existe". (A. Kardec, 1)

Em comemoração aos cem mil cliques no "Era do Espírito".
Durante séculos, filósofos se debruçaram sobre o problema da alma como elemento constitutivo do ser humano. Ainda hoje, a neurologia tenta identificar áreas no cérebro responsáveis pelo pensamento, vontade, sentimento e impressões dos sentidos através de observações de padrões neuronais em imagens de tomografia. A parapsicologia busca evidências diretas, daquilo que seja detectável e mensurável, nas várias "anomalias" da chamada "paranormalidade". Apenas tateia o elemento espiritual, considerado uma "hipótese" em suas muitas propostas de estudo empírico, carentes de uma verdadeira teoria (2). Pode-se dizer sem receio de errar que todas as tentativas de "singularizar" o elemento espiritual, tão só usando métodos ou paralelos com o elemento material, falharam até hoje.

Por que isso acontece? Como podemos detectar de verdade espíritos? Discutir isso é o objetivo deste post.

Com a palavra, George Berkeley 
George Berkeley (1685-1753).

Mais recentemente, o filósofo Silvio Chibeni (3) ressaltou que, na filosofia, contribuições importantes foram dadas ao assunto o que é, infelizmente, ignorado por pesquisadores modernos. Por exemplo, na obra "Tratado concernente aos princípios do conhecimento humano" de George Berkeley (3), Chibeni destaca:
Um espírito é um ser ativo simples e não dividido. Enquanto percebe ideias, chama-se entendimento; e enquanto as produz ou opera sobre elas, vontade (will). Logo, não se pode formar uma ideia de uma alma ou espírito. ... A natureza do espírito é ... tal que não pode, em si mesmo, ser percebido, sendo-o apenas pelos efeitos que produz. (4) 
Da opinião de que espíritos devem ser conhecidos da mesma maneira que uma ideia ou sensação surgiram muitos princípios absurdos e heterodoxos, bem como muito ceticismo sobre a natureza da alma.
É até mesmo provável que tal opinião tenha levado alguns a duvidarem se eles têm, afinal, uma alma distinta de seus corpos, ao não conseguirem descobrir, dela, alguma ideia. (5)
Do que vimos, fica claro que não podemos conhecer a existência de outros espíritos senão por meio de suas operações, ou ideias por eles excitadas em nós. Percebo diversos movimentos, alterações e combinações de ideias, que me informam que há certos agentes particulares semelhantes a mim, que as acompanha e contribui para sua produção. 
Portanto o conhecimento que tenho de outros espíritos não é imediato, como o conhecimento de minhas ideias, mas depende da intervenção de ideias que eu possa relacionar a agentes ou espíritos distintos de mim, na qualidade de efeitos ou signos concomitantes. (6)
Nossos processos mentais acontecem através de uma gama de operações que incluem vários elementos cognitivos, sendo as "percepções" apenas alguns deles. Podemos pensar sobre algo, sentir, lembrar coisas, desejar, querer etc. Percebemos a matéria com nossos sentidos. Vejo, por exemplo, um belo vaso com algumas rosas muito vermelhas (Fig. 1). Posso sentir o cheiro das rosas e até mesmo a dor provocada pela penetração de seus espinhos em minha pele.

Consulto um livro de matemática e geometria e nele vejo uma figura com um triângulo retângulo cujos lados projetam áreas quadradas. A soma dos lados menores é sempre exatamente igual ao lado maior (hipotenusa). Com meu raciocino, além de inspecionar a figura, entendo o teorema de Pitágoras (Fig. 1).

Uma poesia é um conjunto de símbolos gráficos sobre uma folha de papel ou projetados em uma tela. Com meus olhos, enxergo os traços. Com meus dedos posso tocar o papel ou sentir seu cheiro. Com meu entendimento, porém, acesso o conteúdo da mensagem (Fig. 1) e posso ser levado a sentir algo mais, caso esse conteúdo, primeiramente acessado pelo raciocínio, reverbere em minhas memórias evocando outros sentimento mais profundos.

Percebemos que as "capacidades de minha mente" não se restringem apenas aos sentidos ordinários ou a meras operações mentais. Mesmo no caso das rosas, pode até acontecer que o cheiro delas evoque alguma memória anterior, que me faça lembrar algo distante no tempo.

Analisemos agora a proposição de "detectar um espírito". Esse é um elemento para o qual não está garantido que sua apreensão será semelhante ao caso do vaso de flores! Filósofos empiristas do Século XVIII estavam interessados em explorar os limites das capacidades de apreensão humana e, por isso, o veredito de Berkeley com relação aos espíritos. Eles sabiam que havia limitações não só aos sentidos ordinários, mas também que nem tudo, para existir, teria que ser exclusivamente apreendido apenas até o limite desses sentidos.

Berkeley nega que espíritos tenham que ser percebidos necessariamente tanto como sensações como ideias. "...não podemos conhecer a existência de outros espíritos senão por meio de suas operações, ou ideias por eles excitadas em nós", diz ele com razão.  As observações de Berkeley são muito atuais, mas jazem esquecidas e, por isso, estão na gênese do atraso de muitas propostas de pesquisa da realidade espiritual.
Fig. 1 Categoria de "coisas" que existem e que são apreendidas de forma diferente pela mente: um vaso de flores, o teorema de Pitágoras e uma poesia de Carlos Drummond de Andrade. Se essas coisas, para existir, não se manifestam à mente da mesma forma, porque o espírito teria que ser acessível apenas através dos sentidos?

E os efeitos físicos?

Por uma dificuldade de compreensão, muitos pesquisadores e entusiastas de fenômenos paranormais ("caça fantasmas", "pesquisadores de casas mal-assombradas" etc) partem de uma analogia que simplesmente não existe no caso dos espíritos - se é que, de fato, consideram sua existência - a de que ele seria detectável diretamente. Assim, se o leitor deste post queria ver discussões de equipamentos e técnicas para a detecção de espíritos, nosso texto não apresenta nada disso. Mas, cremos ter trazido algo muito melhor. Aqui devemos, porém, fazer uma observação.

É verdade que fenômenos de efeitos físicos existem que podem fornecer, diretamente, evidências de fenômenos que impressionam muito os sentidos. Esse é um tipo bastante raro de mediunidade (7), mas é conveniente que a pesquisa em Espiritismo não ficasse exclusivamente presa a eles. Se ponderarmos bem, essas são evidências "intermediárias", porque ocorrem por intermédio de médiuns, logo não são evidências diretas, embora possamos ser levados a imaginar isso.

Portanto, o espírito não pode ser detectado como se faz com constituintes da matéria, por exemplo, como elementos químicos (2), mesmo que altamente dissolvidos ou com traços de apenas algumas poucas moléculas. Esse fato extremamente simples, mas de amplitudes avassaladora, é muito mal compreendido pela esmagadora maioria. Lembramos que Kardec (8) tinha ciência completa desse problema:
As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas de mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-la aos processos comuns de investigações é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter.
A palavra "detecção" deve portanto ter seu conteúdo semântico expandido para dar conta de uma nova classe de manifestações. Não é que o espírito seja absolutamente indetectável, mas é que, ponderamos, sua evidências são de ordem completamente nova. Vamos estudar um pouco mais sobre isso em um futuro post.

Referências e notas
  1. A. Kardec. "O que é Espiritismo"
  2. Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.
  3. S. Chibeni. "A pesquisa científica do espírito". Disponível neste link: http://www.geeu.net.br/artigos/espirito-fcm2010.pdf
  4. G. Berkeley (1710), "A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge", § 27;
  5. Ver (3), § 137
  6. Ver (3), § 145
  7. Pelo menos considerando um indivíduo com faculdades sensoriais "normais". A mediunidade parece ser uma extensão não ordinária dos sentidos. Ver SKL#02 A. Xavier (2012). The Non-observable Universe and an Empirical Classification of Natural Phenomena.
  8. A. Kardec. "O Livro dos Espíritos". Introdução ao estudo da Doutrina Espírita. VII. 






8 de abril de 2014

Sobre a energia escura do cérebro e o determinismo genético.


"Com o tempo, a energia escura neural talvez 
se revele a própria essência que nos move." M. Raichle

“Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.” ("O Livro dos Espíritos", resposta à questão #370)
Cosmologistas chamam de "energia escura" um campo que permeia todo o Universo e que é responsável por acelerar as galáxias e causar a expansão do cosmos. É "escura" porque não tem traço detectável, a menos da própria expansão, ou seja, poderia também ser chamada de "energia invisível".

Recentemente, o neurocientista Marcus Raichle divulgou resultados interessantes (1) sobre a atividade do cérebro em repouso e também invocou o conceito de "energia escura". Toda a questão se deve ao fato de que neurocientistas em geral acreditavam que o cérebro de alguém "em repouso" (2) não deveria apresentar sinal de atividade. De fato, os estudos feitos até então (2010) sempre procuraram detectar variações nos sinais de tomografia computadorizada (via PET Scan e ressonância magnética) por meio de diferença entre imagens que mostram o fluxo sanguíneo em áreas do cérebro, que é uma medida da atividade local de suas partes. Mas, tal processo cria uma limitação metodológica porque, quando duas imagens são subtraídas, o chamado "ruído de fundo" é eliminado.

Com isso, detalhes imperceptíveis ou fenômenos peculiares da atividade subjacente do cérebro são desprezados. Entre tais detalhes estão as chamadas "flutuações espontâneas" do cérebro, um ruído que até então se acreditava sem importância. Segundo Raichle, surpreendentemente, descobriu-se que o gasto energético de um cérebro em repouso é maior do que quando ele realiza alguma atividade sob estímulo externo.

Isso é algo até então difícil de ser compreendido porque, na visão puramente funcionalista do cérebro, somente deve haver atividade quando o órgão realiza uma tarefa. Existe, obviamente, um "metabolismo basal" que determina um gasto energético que não pode ser reduzido em um órgão em repouso. Portanto, imaginava-se que o cérebro deveria apresentar atividade reduzida em uma situação de repouso, na ausência de estímulos externos ou atividades cognitivas.

Esse novo estado de atividade foi chamado "default mode network" (DMN) ou "rede de modo padrão" e uma analogia com a energia escura foi feita. Segundo Raichle (1):
"Acredita-se que o DMN comporte-se como um regente de uma orquestra sinfônica, enviando sinais de temporização como o regente faz com sua batuta para coordenar a atividade de diferentes partes do cérebro. Tal controle - exercido sobre partes visuais e auditivas do córtex - provavelmente garante que todas as regiões do cérebro estejam prontas para reagir coordenadamente a um estímulo."
Essa é uma metáfora interessante, porque implica que é possível detectar no cérebro atividades relacionadas a uma supervisão central, o que Raichle qualifica como algo inesperado e que está, provavelmente ligado a funções superiores de consciência. Relações entre a DMN e a ocorrência de doenças tais como Alzheimer, depressão e a esquizofrenia parecem sugerir isso (3).

Portanto, é uma visão ultrapassada imaginar o cérebro como um sistema meramente reativo, executor de uma função. Há nele algo independente, que tem "vida própria", e que está no topo da hierarquia de comandos de diversas outras subfunções menores, detendo prioridade sobre elas, mas que aparentemente se silencia quando o indivíduo passa a executar alguma tarefa mental.

Como é possível existir a rede DMN nas próprias estruturas do cérebro, sendo desnecessária uma parte ou região específica para isso (4)? Várias regiões do cérebro estão associadas a funções específicas, mas o controle geral se estabelece de forma disseminada e coordenada por todas as regiões.

Qual é a relação que existe entre a DMN e a contraparte extrafísica do ser humano? Em suma: Quem controla a DMN?

Onde está a informação para a montagem do cérebro?

No mesmo número da  revista, é possível ler um interessante raciocínio numérico feito pelo físico e neurocientista Remy Lestienne (5):
Como a construção do sistema nervoso central poderia ser ditada pelo programa genético? Sabemos que o genoma humano contém cerca de 3 bilhões de "letras" (nucleotídeos) e estima-se em menos de 30 mil o número de genes realmente expressos (traduzidos em proteínas) no decorrer da formação de um organismo adulto. Esse número é insuficiente para dar conta de todos os detalhes do plano de organização do sistema nervoso. Apenas ele contém cerca de 100 bilhões de neurônios. E esses neurônios estão largamento conectados: não é raro que um neurônio receba informações provenientes de milhares de neurônios diferentes. Estima-se em mais de 100 mil bilhões  (10^14) o número de contatos de sinapses entre neurônios no sistema nervoso central. É, portanto, estritamente impossível que os cabos transmissores de um determinado sistema dependam  de um plano detalhado, inscrito no patrimônio genético de uma pessoa, como num feixe de esquemas de montagem de um televisor.  (grifos meus)
Comparando o cérebro a um dispositivo ou máquina, os genes representariam os planos ou "blue-prints" que orientariam sua montagem. Porém, sabe-se que a quantidade de informação contida nesses planos (material genético) não é suficiente para montar toda a máquina. A maior parte está faltando. 

Dada a ordem de conexões e elementos que formam o cérebro, como é possível que ainda insistam em determinismo genético para sua formação? Genes desempenham uma influência, mas, considerando a complexidade das estruturas do sistema nervoso, os genes certamente não contêm informação suficiente para organizar o cérebro e muito menos para determinar coisas mais difíceis de definir tais como sentimentos, memórias ou lembranças.

Em suma, as perguntas que aqui fazemos são questões que deixamos para meditação do leitor, ciente que somos de que essas descobertas talvez prenunciem outras ainda mais extraordinárias...

Notas e referências

(1) Raichle M. (2010), "The Brain's Dark Energy". No Brasil, a matéria foi publicada na revista "Scientific American Brasil", Edição especial #57 em 2014. O artigo original em inglês está disponível aqui: www.braininnovations.nl/Dark-Energy.pdf

(2) "Repouso" aqui não significa sono. Simplesmente é o estado de vigília sem qualquer tipo de atividade mental ou recepção de estímulos externos.

(3) Na verdade, a "explicação" fornecida cai na categoria das "justificativas". O DMN é necessário para manter o estado de vigilância constante do cérebro.

(4) O que seria uma espécie de "estação de controle".

(5) R. Lestienne, "O Cérebro não é uma máquina". "Scientific American Brasil", Edição especial #57 em 2014. 


30 de março de 2014

Artigos espíritas em Alemão no Seele - Spiritische Gedanken, pela Adriana Sachs Vogel


Für mich wird es eine erfreuliche Aufgabe sein, mit den Lesern mein Wissen teilen zu dürfen. Kommentare und Fragen sind herzlich willkommen, und werden mit Freude und Hingabe beantwortet, schließlich wird der Blog für die Leser gemacht, und ihre Teilnahme bereichert umso mehr den Inhalt. Wissenschaft, Philosophie und Religion... das ist Spiritismus! " (1)
(Adriana Sachs Vogel- Seele, Spiritistischen Gedanken)

Países de lingua alemã tem agora um novo blog espírita editado totalmente nesse idioma. O blog da Adriana http://seelesg.wordpress.com/ [Seele - Spiritistischen Gedanken,  blog über Spiritualität "Alma - pensamentos espíritas, blog de espiritualidade"] - recentemente criou esse novo espaço com muitos artigos espíritas interessantes em língua alemã.

Alguns exemplos são:
Há outros artigos sobre reencarnação. Também informativa é a seção de biografias, entre elas encontramos sobre: Allan KardecChico Xavier e Divaldo Franco.

Temos uma colaboração especial com o Seele na forma de dois artigos traduzidos para o alemão. Um deles é Kommerzialisierung der Medialität  e outro é Die Ziele von der Lehre der Geister (Spiritismus), que é uma tradução de Os objetivos do Espiritismo. Em breve, publicaremos versões em inglês desses artigos também no blog "Spiritist Knowldege" (2).


O novo blog da Adriana não é uma agenda pessoal, mas realmente um repositório de artigos que trazem conteúdo e informação espírita em língua alemã, o que é algo difícil de se encontrar. Ele também tem uma abordagem interessante: mostrar o Espiritismo em seu tríplice aspecto, emfatizando os lados científico e filosófico, que são necessários para dar acesso correto ao lado religioso. Afinal de contas, foi-se o tempo de princípios dogmáticos de fé.  

Provavelmente, o Seele é um dos mais completos sites sobre Espiritismo disponíveis em lingua alemã.

Nota

(1) "Para mim será uma tarefa abençoada poder dividir com os leitores os meus conhecimentos. Comentários e perguntas serão muito bem vindos, e serão respondidos com empenho e satisfação, afinal o blog foi criado para os leitores e a sua participação enriquece ainda mais o conteúdo dos temas expostos. Ciência, Filosofia e Religião... isso é o Espiritismo!"

(2) Ver também: Spiritist articles in German (Seele, Spiritistischen Gedanken by Adriana Sachs Vogel).

16 de março de 2014

Livro VII - Mediunidade Mensurável (de S. Fontana)


O pesquisador Sandro Fontana recentemente publicou o livro "Mediunidade Mensurável - um livro digital que resume uma pesquisa sobre a possibilidade de medir estimadamente a mediunidade de uma pessoa", disponível gratuitamente (1) e contendo sua pesquisa em mediunidade. Esse livro segue a publicação de seu artigo "Mensuração de nível estimado mediúnico" (2). Aqui tecemos alguns comentários sobre essa obra. Certamente, a iniciativa do autor é louvável, por representar uma iniciativa isolada de aplicar o que seria chamado "metodologia científica" a um vasto campo de estudo como é o da mediunidade. 

Essa iniciativa se destaca uma vez que constatamos que trabalhos semelhantes são escassos no meio espírita,  quase que totalmente voltado para o aspecto religioso do Espiritismo. Não podemos nos esquecer do tríplice aspecto, de forma que as questões e problemas relacionados à parte científica são igualmente relevantes.

O trabalho está dividido nas seguintes partes:
  • Introdução (p. 5);
  • Objetivo (p. 7)
  • Kardec e mediunidade (p. 9)
  • A verdadeira, a falsa e a mediunidade intermediária (p. 14)
  • A incógnita constante do médium (p. 21)
  • O surgimento dessa pesquisa (p. 24)
  • Iniciando a tabela (p. 26)
  • A lógica base (p. 28)
  • Expondo médiuns à formulação (p. 35)
  • Os níveis e os médiuns (p. 54)
  • Os tabus (p. 56)
  • A aplicação (58);
  • Conclusão (p. 60)
Logo na introdução, o autor destaca a justificativa do trabalho:
Acredito que o desafio aqui, algo que a necessidade demonstrou ser importante, é tentar ser o mais justo possível, dando um passo além para esse novo século onde o espiritismo precisa resgatar o lado da pesquisa. Hoje temos enraizado profundamente os sedimentos morais/religiosos de espiritismo, porém o lado científico ficou estagnado no tempo e, assim que conseguirmos avançar nele, conseguiremos reforçar, junto da filosofia espírita, os passos seguintes para progredir na marcha evolutiva.
Nada mais justo... Fazer crescer o aspecto científico do Espiritismo certamente é justificativa importante. Porém, não se pode esperar isso com abandono total do que foi construído, em que pese a aparência de "estagnação". Como ciência, o Espiritismo ainda é muito jovem (3) e não dispõe de orçamento próprio do Estado para seu desenvolvimento.

O autor se baseou na definição universal de Kardec para o vocábulo "mediunidade" (ver "Kardec e a mediunidade", p. 9). Um pouco depois, o autor comenta:
Alexandre Aksakof descobriu o efeito anímico no médium, ou melhor, depois de seus estudos, propôs a tese de que o médium, mesmo sem intenção, provoca um efeito que confunde-se com a comunicação mediúnica.
Em diversas partes da obra de Kardec já se afirmava sobre a existência de efeitos anímicos, que não receberam, obviamente, esse nome (4). Por exemplo:
Embora geralmente o sensitivo mediúnico esteja desperto, em certos casos, que se tornam cada vez mais frequentes, o sonambulismo espontâneo se declara no médium, e este fala por si mesmo, ou por sugestão, absolutamente como o sonâmbulo magnético se conduz nas mesmas circunstâncias. (5, grifos nossos)
Aksakof parece ter sido, na verdade, o primeiro pesquisador a diferenciar entre as explicações totalmente anímicas para a mediunidade (advindas quase que integralmente dos meios céticos) daquelas totalmente espíritas, e a ressaltar o papel da influência do médium em meios que não aceitavam as teses de Kardec.

Devemos considerar que os médiuns da época de Kardec talvez não apresentassem suas mediunidades no mesmo grau dos de hoje. Assim como houve redução drástica nas manifestações de efeitos físicos, é provável que efeitos anímicos tenham prevalecido posteriormente, o que torna a questão ainda mais complexa. 

As questões colocadas pelo autor na p. 12 são pertinentes:
Mas e se o médium não for confiável?
E o que o faz não ser confiável?
Até que ponto a comunicação está sendo verdadeiramente efetiva?
Essas parecem ser as questões que motivaram o autor a realizar sua pesquisa. Ou, de outra forma: seria possível desenvolver um método quantitativo para ajudar na resposta a essas questões? A divisão feita entre "mediunidade falsa" (chamada "anímica") da mediunidade intermediária (que seria verdadeira, mas com algum grau de animismo) parece justificar a busca por uma escala de classificação que  transcenderia Kardec. Por isso, na parte seguinte (p. 14), o autor deixa de seguir Kardec (6). 

A questão é que, para Kardec, métodos quantitativos seriam os últimos a serem buscados nessa empreitada. Mediunidade é, fundamentalmente, um fenômeno humano e, com esse tipo de efeito, métodos quantitativos se mostram problemáticos (7), de difícil senão impossível aplicação. O leitor de "Mediunidade mensurável" deve saber que nos movemos em uma região potencialmente infrutífera ao seguir esse caminho. 

 Proposta de quantificação de mediunidade

O autor estima que, na comunicação, 50% vem do "pensamento" do Espírito comunicante e outros 50% do médium (p. 29):
Dessa forma, eu dividi a comunicação em dois momentos, sendo 50% ao pensamento (espírito) e os outros 50% ao repassador/transmissor (médium).
É difícil entender qual foi o raciocínio necessário para propor essa divisão porque "pensamento" (do médium e do Espírito) é algo imensurável e não se pode definir percentagens com atributos imensuráveis. Como afirmamos acima, a palavra "animismo" é posterior à codificação, mas isso não significa que não tenha sido discutido por Kardec. Mais a frente, ainda na p. 29:
Kardec, em toda sua obra, não explicita tal condição de forma clara, acabei descobrindo isso (por acaso) em meus testes e observações. Na Codificação Espírita, ao lê-la, temos a impressão que o espirito não tem problemas em se comunicar e que tudo depende absolutamente da sensibilidade do médium.
Criar percentagens a atributos imensuráveis não tem sentido e esse seria um erro que Kardec não cometeria e não cometeu. Além disso, o problema aqui é que termos usados em meados do século XIX não têm o mesmo significado hoje em dia (como por exemplo, "sonambulismo espontâneo" que pode ser compreendido como "transe anímico"), de forma que não se pode dizer taxativamente que a noção de influência do médium esteja ausente da codificação.

A proposta do autor de quantificação segue uma fórmula (ver p. 30) que aparece como uma média ponderada (%Vm) de valores estimados de vários "atributos" (da mensagem e do médium). Embora o autor reconheça a diferença entre cada tipo de atributo, eles são misturados em uma mesma fórmula com pesos iguais (8), com índices negativos para médiuns considerados fraudulentos.

A aplicação da fórmula é exemplificada por vários casos que parecem seguir a opinião do autor a respeito de determinado médium. Uma vez calculados um índice (%Vm), uma proposta de quatro classes mediúnicas é finalmente apresentada na p. 54.

Claramente existiria uma grande vantagem se fosse possível identificar um bom médium por meio de avaliação quantitativa tão direta como a que é explicada em "Mediunidade Mensurável". Essas vantagens são discutidas nas p. 58-60. É perceptível o desejo do autor em colaborar com o desenvolvimento de novos estudos para a mediunidade, o que, por si só, é algo difícil de constatar nos meios dedicados ao assunto.  

Palavras finais

Mediunidade (assim como a inteligência e a beleza) parece ser uma faculdade humana intrinsecamente imensurável. Entretanto, podemos sim definir medidas quantitativas para o conteúdo da mensagem (9). Por exemplo, dada uma mensagem mediúnica, podemos fazer uma análise sintática e numérica dela, contando-se o número de substantivos, verbos etc. que ela contém. Podemos analisar mais profundamente seu conteúdo, buscando traçar a correspondência fato-informação para cada elemento de mensagem nela presente.

Como é que tal análise poderia caracterizar a mediunidade? Parece ser correto afirmar que, quanto maior a fidelidade do médium na transmissão do conteúdo, mais "desenvolvida" seria a sua mediunidade. Nesse sentido o autor de "Mediunidade Mensurável" identificou a relação entre conteúdo e excelência da fonte que o produz no caso de psicografias.

Entretanto, esbarramos em problemas grandes ao querer criar uma escala numérica de qualificação para médiuns. O problema é que a mediunidade psicográfica (ou psicofônica), apesar de produzir mensagens concretas, ainda é um fenômeno privado do ser humano. Como ponto para meditação, devemos considerar que é possível que o médium seja excelente (no sentido de entrar em contato com muita informação), mas não consiga corretamente colocar no papel todo o conteúdo.

Para exemplificar, imaginemos dois rádios de uma mesma marca. Um está de acordo com suas especificações de fabricação, enquanto que outro tem um problema em seu alto-falante, que não permite interpretar corretamente o que é transmitido. Então, nesse caso simples, não seria possível colocar o rádio defeituoso como uma "outra classe", ou dizer que o rádio perfeito é "superior". O máximo que se pode dizer é que existe um defeito em um dos rádios. Com isso queremos dizer que, no caso da mediunidade, dificuldades de transmissão de conteúdo podem não ser devidas a diferenças intrínsecas entre classes. Em suma, mediunidade ainda é algo bastante complexo para permitir avaliações quantitativas, mesmo nos casos mais concretos.

Referências e notas
  1. S. Fontana. Mediunidade Mensurável. Um livro digital que resume uma pesquisa sobre a possibilidade de medir estimadamente a mediunidade de uma pessoa. Digital e-book. Acesso em 2014. 62 páginas.
  2. Ver apresentação do autor (em 19/agosto/2012): https://www.youtube.com/watch?v=Pb5JSan2DUE
  3. Séculos foram necessários para dar à física a aparência de "modernidade"e para que ela fosse financiada com recursos públicos. Devemos nos confiar totalmente nas aparências?
  4. Ver, por exemplo: "O Livro dos Médiuns", Segunda parte - Das manifestações espíritas, Capítulo XX - "Da influência moral do médium", Questões diversas.
  5. Revista Espírita 1867, Junho, Dissertações espíritas - "O Magnetismo e o Espiritismo comparados".
  6. Essa ausência de quantificação possivelmente é vista pelo autor como um sinal de "estagnação" do método de Kardec.
  7. Veja, por exemplo, as controvérsias envolvendo a definição de um "quociente de inteligência": Mark Snyderman and Stanley Rothman, (1988), "The IQ Controversy, the Media and Public Policy", Transaction Books.
  8. É fato básico que só se pode somar, subtrair, multiplicar ou dividir "banana com banana" ou "maça com maça". 
  9. Ver projeto "Cartas psicografadas": http://eradoespirito.blogspot.com.br/p/projeto-cartas-psicografadas.html