3 de outubro de 2011

Kardec sobre o Ceticismo.


"Se eu estiver errado, basta apenas um crítico." - Albert Einstein (Seu comentário à primeira edição do livro 'Hundert Autoren gegen Einstein', ou 100 autores contra Einstein, em 1931)

Reunimos aqui algumas citações de Allan Kardec sobre o ceticismo. Outras referências dele sobre o assunto podem ser encontradas nas diversas obras que formam a codificação. Como pioneiro no desbravamento dos princípios espiritualistas e sua verificação por meio de fenômenos considerados insólitos, Kardec enfrentou problemas que legiões de cientistas (metapsiquistas e, modernamente, parapsicólogos) iriam enfrentar quando a questão era defender e explicar de forma satisfatória a fenomenologia psíquica. E a luta que ele teve que enfrentar foi dupla: primeiro contra aqueles que negavam a realidade dos fenômenos, depois contra os que, os aceitando, propunham explicações ilógicas, em franca contradição com a multiplicidade de ocorrências e detalhes observados. 

É importante que se diga que Kardec nunca teve a pretensão, como muitas críticas procuraram mostrar ao longo dos anos, em ser árbitro da verdade:
Confessamos, sem constrangimento, nossa insuficiência quanto aos pontos para os quais não temos resposta. Assim, longe de repelir as objeções e as perguntas, nós as solicitamos (desde que não sejam ociosas e nem nos façam perder tempo com futilidades), pois constituem um meio de nos esclarecermos. (RS, 1858, p. 294).
Há limitações ao conhecimento espírita, isso é um fato que, ao invés de diminuir a importância da doutrina como se pode pensar inicialmente, a engrandece. De fato, o valor de uma teoria está na capacidade que ela tem em fornecer explicações elegantes para uma grande quantidade de fatos. Ora, uma vez que diga alguma coisa sobre o mundo, é igualmente certo que a teoria tem limites. Não é objetivo de uma ciência explicar todo e qualquer aspecto do mundo. Muitos críticos acreditam que o Espiritismo, enquanto uma visão do mundo, deveria fornecer respostas para tudo o que se observa nele. Isso não é verdade. A ciência da matéria também tem suas dificuldades para explicar determinados aspectos da Natureza. Isso é normal e esperado no processo de produzir conhecimento científico que diga alguma coisa sobre o mundo. Por outro lado, muitos críticos controem (e ainda o fazem) labirintos de hipóteses e explicações sem se preocupar em unificar conceitos e buscar uma causa ou origem comum para o que se observa. Para cada fenômeno, uma explicação diferente. Dito isso, é importante prestar atenção ao tipo de crítica :
É logica elementar que, para discutir uma coisa é preciso conhecê-la, visto que a opinião de um crítico só tem valor quando ele fala com perfeito conhecimento de causa. Só então a sua opinião, ainda que errônea, pode ser levada em consideração. Mas, que importância tem ela acerca de um assunto que ele ignora? O verdadeiro crítico deve dar provas, não somente de erudição, mas também de profundo saber com respeito ao objeto em exame, de julgamento são e de imparcialidade a toda prova, sem o que o primeiro menestrel que surgisse poderia arrogar-se ao direito de julgar Rossini e um iniciante em artes o de censurar Rafael. (RS, 1860, p. 269) 
As condições que Kardec aponta para caracterizar um crítico sério estão descritas acima e é instrutivo enumerá-las abaixo:
  1. Um crítico sério deve ter erudição. Por 'erudição' entende-se uma bagagem mínima de conhecimento a respeito do que se pretende criticar. É fácil ver porque essa condição é necessária;
  2. 'Profundo saber com respeito ao objeto em exame'. Esse 'profundo saber' distingue-se da mera 'erudição', pois essa última pode ser caracterizada apenas como quantidade de informação. Há uma diferença entre o saber verdadeiro e a mera informação. Estar informado a respeito de algo é muito diferente de saber porque esse algo existe, como ele ocorre, quais são as condições para que ele ocorra e assim por diante;
  3. 'Julgamento são e imparcialidade a toda prova'. Colocamos essas duas condições justas, pois a 'imparcialidade' é consequência do 'julgamento são'. O 'julgamento são' implica em saber manejar a lógica dentro de leis que são universalmente aceitas, embora essa capacidade possa ser apenas tacitamente apreendida (é fato que há pessoas que tem dificuldade em apreender a lógica em determinados assuntos, assim como há pessoas que tem dificuldade para matemática, outras para as artes e assim por diante).  Se um indivíduo tem dificuldades com raciocínio lógico, ele dificilmente será um bom crítico pois sua opinião, frequentemente, será parcial e tendenciosa. Ao se observar a presença de tendenciosismo e a parcialidade, toda a crítica está comprometida, pois coexistem 'interesses escusos' ou implícitos que o crítico, se for honesto, deverá declarar. 
Tais características que fazem parte de um 'crítico de primeira linha', manifestam-se na maneira como a crítica é desenvolvida. É comum observar-se ataques dirigidos a determinados pontos da doutrina por pessoas  reconhecidamente iniciantes no assunto. Mas isso não ocorre apenas com o Espiritismo. Em toda e qualquer área do conhecimento onde se tem uma teoria ou escola que diga algo positivo a respeito do mundo que nos cerca, é possível apreciar esse fenômeno social, o de detratores despreparados e desesperados em refutar e combater (2). O antigo provérbio português, "só se atiram pedras em árvores que dão frutos," sempre deve ser lembrado. Qual é a causa desse fenômeno? Acreditamos que seja uma tentativa de reafirmação pessoal que pode se manifestar em massa, no coletivo, mas isso nos leva a um assunto que foge ao escopo desse post. Desta forma, a polêmica é consequência do tipo de discussão, que é gerada dependendo da qualidade da crítica. E, sobre isso, explica Kardec:
"Mas há polêmica e polêmica. Existe aquela ante a qual jamais recuaremos: é a discussão séria dos princípios que professamos. Todavia, mesmo nesse caso, faz-se preciso uma distinção: se se trata apenas de ataques gerais dirigidos contra a doutrina, sem outro fim que o de criticar, e feitas por pessoas arraigadas em rejeitar tudo quanto não compreendem, nada disso merecerá a nossa atenção; o terreno que o Espiritismo ganha a cada dia é resposta suficientemente peremptória e prova de que seus sarcasmos não tem produzido efeito." (RS, 1858, p. 293)
Da mesma forma como se pode descrever detalhes sobre o tipo de crítica, existem diferentes tipos de discussões ou 'polêmicas' como Kardec descreve acima. Em particular, deve-se manter distância de polêmica feita por indivíduos 'arraigados em rejeitar tudo quanto não compreendem'. É fácil entender a razão disso diante das características já enumeradas acima. O que fazer então? Kardec recomenda:
"Deixando aos nossos contraditores o triste privilégio das injúrias e das alusões ofensivas, não os seguiremos no terreno de uma controvérsia sem objetivo; dizemos sem objetivo, porque ela não os conduziria à convicção, sendo perda de tempo discutir com pessoas que desconhecem as primícias do que falam. Só nos cabe dizer-lhes: estudai primeiro, e veremos em seguida. Temos outras coisas a fazer do que falar àqueles que não querem ouvir. Por outro lado, que importa, afinal a opinião contrária de tal ou qual pessoa? Será essa opinião de tão grande importância que possa entravar a marcha natural das coisas? As maiores descobertas encontraram os mais rudes adversários, o que não as fez perecer. Deixamos, pois, a incredulidade murmurar em torno de nós, e nada os desviará da rota que nos é traçada pela gravidade mesma do assunto em pauta." (RS, 1860, p. 1)
No comentário acima, Kardec de forma lógica recomenda o silêncio contra determinados tipos de crítica. Fazem parte delas, as que surgem naturalmente de vários tipos de ceticismo, tanto aqueles que se põem contra os fenômenos como os que se colocam contra a teoria. Tal como no exemplo citado sobre a Teoria da Relatividade (1), Kardec chama a atenção ao fato de muitos princípios inovadores não terem sido afirmados senão depois de muitas discussões. Entretanto, muitos críticos podem seguir um caminho ainda mais extravagante. Sobre isso também escreveu Kardec:
Cremos que, em certos casos, o silêncio é a melhor resposta. Há, por outro lado, um gênero de polêmica que nos impomos a norma de abster-nos: é a que pode degenerar em personalismos. Ela não só nos repugna, como nos tomaria um tempo que podemos empregar mais utilmente, além do que seria bem pouco interessante para os nossos leitores, que assinam o jornal para se instruírem e não para ouvir diatribes(2) mais ou menos espirituosas. Ora, uma vez embrenhados nesse caminho, dele seria difícil sair; eis porque preferimos ai não entrar, e julgamos que assim o Espiritismo só terá a ganhar em dignidade. (RS, 1858,p. 293)
Uma 'polêmica personalista' é um debate cujo objetivo implícito é a disputa pessoal buscada por alguns dos polemistas. Aqui estão em jogo forças que distanciam muito o debate de qualquer tipo de discussão equilibrada e imparcial. De fato, não pode haver imparcialidade onde se busque determinados tipos de ganhos (que podemos considerar 'morais', em contraposição a ganhos materiais ou pecuniários). O gosto de se sentir apreciado e vencido em um debate é recompensa considerada de alto preço, que sempre ocorreu em vários setores da sociedade. Infelizmente também reconhecemos que muitos espíritas e mesmo alguns setores do movimento espírita endossam esse tipo de discussão contra a qual Kardec colocou-se já em 1858. E isso por uma boa razão: por se tratar simplesmente de perda de tempo. Tal como qualquer outro recurso, o tempo também é um bem que devemos considerar diante de determinados tipos de ganho, lembrando ainda que o tempo é recurso irreversível: uma vez perdido, é impossível recuperá-lo.  Kardec reconhece ser muito difícil sair desse tipo de caminho porque ninguém quer se sentir vencido, ainda que a discussão tenha objetivo  intangíveis e de pouquíssima importância.

O julgamento da História

Que é feito hoje da memória dos que criticaram Kardec na sua época? Tentamos nos lembrar de alguns nomes do passado. Para ajudar o leitor, listamos alguns desses nomes nas notas de Apêndice deste post (3). Com essa nota, também rendemos nossa justa homenagem a eles.

O Ceticismo como um vício filosófico.

Finalmente, relembramos o que disse Kardec sobre o ceticismo exacerbado. Para ele ficou claro que ele se caracterizava mais como um vício filosófico, algo que nasce não só da falta de conhecimento, mas da falta de madureza intelectual:
Há céticos que negam até à evidência, nem milagres poderiam convencê-los. Há mesmo aqueles que ficariam bem desgostosos se fossem forçados a crer, porquanto seu amor-próprio sofreria com a confissão de que estavam enganados. Que responder a pessoas que por toda parte só vêem ilusão e charlatanismo? Nada; deve-se deixá-los tranquilas, a repetirem, enquanto quiserem, que nada viram e até mesmo que nada lhes pode ser mostrado. Ao lado desses céticos endurecidos, há os que querem ver a sua maneira; os que, firmados numa opinião, a esta tudo querem ajustar, não compreendendo existirem fenômenos que não podem sujeitar-se a sua vontade. Eles não sabem ou não querem adaptar-se às condições necessárias. (RS, 1858, p. 153)
Entre os críticos, há os que poderíamos chamar de 'analfabetos filosóficos' que parecem se enquadrar na classe de contraditores de que fala Kardec. Procuram eles ajustar tudo o que vêem a sua maneira muito particular de ver o mundo, não compreendem - ou não querem compreender - que existe uma realidade maior que não se deixa perceber da mesma forma que a 'realidade menor' de suas vidas particulares, que existem milhares de nuances e detalhes nos fenômenos da Natureza a requerer esforço e dedicação (as vezes de vidas inteiras) para que sejam compreendidos. Jamais negaremos a tais o direito de não acreditar, afinal é assim que vivem os homens, cada um segundo sua visão de mundo, mas seria justo que pudessem destruir fenômenos ou apagar a realidade tão só com efeitos de retórica? 

De qualquer forma, o efeito de suas palavras, ao contrário do que se pode imaginar, é fazer propaganda justamente dos princípios ou ideias que pretendem combater.

Referências


H. Israel, ed (1931). Hundert Autoren gegen Einstein. Leipzig: Voigtländer.
Z. Wantuil e F. Thiesen (1987), Allan Kardec - Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de Interpretação.  Vol. II. Ed. FEB.

Notas de Apêndice

(1) Um exemplo clássico tirado da Física moderna é o da teoria da relatividade de Einstein. Para isso ver 'Críticas à teoria da Relatividade'. Poucos sabem que, ao longo de sua carreira como cientista, Einstein enfrentou uma crítica furiosa contra suas conclusões e teorias. Por que? Uma resposta razoável é porque a Relatividade possui respostas definitivas para os fenômenos que ela se propõe a explicar. Mas, igualmente possível é imaginar que muita gente invejou a notoriedade que Einstein adquiriu com o lançamento de sua teoria. Assim, não é difícil perceber porque muitos lançam críticas a médiuns modernos, que alcançaram notoriedade em vida. Há aqui muito mais que mera descrença.

(2) Diatribes: s.f. Crítica severa e mordaz; escrito ou discurso agressivo e injurioso.

(3) A lista abaixo traz alguns nomes de críticos e céticos do Espiritismo da época de Kardec (ano da crítica entre parênteses). Talvez o leitor possa se lembrar de alguns deles. A referência principal de onde tiramos tais nomes é Z. Wantuil e F. Thiesen (1987).

Pe. François Chesnel (1859);
Dr. Jobert de Lamballe (1859);
Sr. Oscar Comettant (1859);
Dr. Louis Figuier (1860);
Sr. George Gandy (1860);
Sr. Émile Deschanel (1860);
Dr. Armand Trousseau (1862);
Pe. Lapeyre (1862);
Pe. P. Nampon (1863);
Sr. Robin (1863);
Pe. A. Barricand (1864);
Mons. Pantaleón Monserra Y Navarro (1864);
Sr. Rewile (1865);
Sr. Jules Claretie (1866);
Pe. Poussin (1868);

28 de setembro de 2011

Entrevista III - Alexandre F. da Fonseca e a temática espírita na atualidade (parte 2/2).

Continuamos aqui a 2a parte da entrevista de Alexandre Fonseca.

Para acessar a primeira parte.

EE - 6 Onde você acha que essa nova ciência deveria se desenvolver ? (academia versus ambiente do movimento espírita)

Essa é uma boa pergunta. Eu penso que estando os Espíritos por toda a parte, dependendo do tipo de projeto de pesquisa, qualquer lugar pode se tornar um laboratório legítimo de pesquisa espírita. Ao meu ver, é a seriedade e os objetivos de um trabalho de pesquisa que vai determinar se o projeto vai ou não contar com a assistência de bons Espíritos. 

Em termos das “frentes de trabalho”, o local de pesquisa mais comum na primeira “frente” é a academia, sem contudo excluir o que chamamos de “atividade de campo”, onde o cientista vai ao local onde pode encontrar de modo mais abundante o objeto de seu estudo. O biólogo costuma ir às florestas investigar determinadas espécies em seu próprio habitat, enquanto que o astrônomo não tem como reproduzir em laboratório a grandeza do cosmos.

Pensando em termos da segunda “frente de trabalho”, o laboratório de pesquisa mais comum pode ser tanto o centro espírita quanto um gabinete de leitura e estudos. Porém, essa questão merece mais atenção pois o centro espírita, em minha opinião, não deve formalmente se transformar em “centro de pesquisas”, sob pena de prejudicar as outras atividades para as quais ele se dedica. Apenas ressalto que nada impede que pessoas que lidam com a mediunidade, por exemplo, possam fazer registros e anotações que permitam colher aprendizados posteriores, a exemplo do que fez Hermínio C. de Miranda na obra “Diálogo com as Sombras”. Nada impede que um grupo de trabalho de passes, realize um acompanhamento da evolução da saúde de alguns assistidos. E se algum grupo dispuser de um médium de efeitos físicos que procure investigar os fenômenos e suas condições e não apenas assisti-los pela satisfação da curiosidade.

Outra ressalva importante é que ninguém, no centro espírita, deve ser constrangido(a) a realizar algum trabalho de pesquisa, nem mudar sua postura em sua atividade rotineira, em nome de um ideal no aspecto científico do Espiritismo. Por exemplo, não é porque se pode fazer anotações sobre a mediunidade em um grupo de desobsessão que os doutrinadores ou dialogadores faltarão com a atenção, respeito e caridade em suas conversas com os Espíritos.

EE 7 - Como você acha que deveriam ser divulgados os trabalhos dessa nova ciência?

É necessário haver um espaço apropriado, seguro e de baixo custo para divulgar com a devida rapidez e facilidade os resultados das pesquisas espíritas. O melhor que conhecemos dentro da Ciência é o esquema de publicação de artigos inéditos de pesquisa através do método de análise por pares, o chamado “peer review” (comentamos sobre ele na questão 5). Esse esquema permite a publicação rápida dos trabalhos de pesquisa que, por conseguinte, permite a divulgação do quê vém sendo pesquisado e como vém sendo pesquisado aos outros pesquisadores. Graças a esse esquema, a Ciência constrói seu conhecimento na base da contribuição de muitos cientistas. 

O movimento espírita atual valoriza muito a obra publicada na forma de livro. O lado positivo é que o livro é uma forma de registro permanente de um conhecimento adquirido. O lado negativo é que interesses diversos aliados à falta de espírito crítico de editores e leitores tornam o livro uma fonte de informações muitas vezes insegura. No processo de divulgação dos trabalhos de pesquisa não se pode perder tempo ou recursos. Na preparação de um livro, leva-se um tempo maior para juntar e compor o seu conteúdo. Depois de pronto, os custos de produção e distribuição de um livro são elevados. Além disso, nem sempre a maioria dos leitores interessados tem recursos financeiros para aquisição de muitos livros. Assim, a opção de uma revista de artigos de pesquisa preenche os requisitos de rapidez e baixo custo de divulgação. Em tempos de acesso mais fácil à internet, é possível editar e criar uma revista científica em que os artigos possam ser divulgados a custo zero para o leitor, o que levaria a um ganho enorme em termos de visibilidade do trabalho de pesquisa. Visibilidade é algo tão importante na pesquisa científica que algumas editoras acadêmicas tem criado revistas de “open access”, em que o leitor não paga para ler os artigos. 

Esse tipo de metodologia de edição e escolha de artigos funciona da seguinte maneira: especialistas em uma determinada área do conhecimento relacionada ao tema de um artigo recém submetido para publicação, são escolhidos pelos editores da revista para analisarem se os conceitos, métodos e rigores de análise do problema em questão, foram empregados pelo(s) autor(ers) do artigo. Isso é feito de modo anônimo, pelo menos, para os autores. Por ser uma atividade humana, é natural que haja defeitos nessa forma de avaliação dos artigos, mas até onde conhecemos, essa é a melhor forma de garantir que um artigo de pesquisa é legítimo, cujos resultados foram obtidos de modo criterioso e sensato, podendo assim ser lido com a confiança de que os critérios de bom-senso na pesquisa foram seguidos. Obviamente que a publicação de um artigo ainda não significa demonstração científica de algo novo, mas é o primeiro passo para que a comunidade de cientistas e estudiosos da área tomem conhecimento formal da pesquisa. 

EE 8 - O que você acha da crescente onda de valorização de fundamentos da física quântica por parte do movimento espírita?

Um exagero que denota a falta de noção de como a Ciência de fato se desenvolve. Na ânsia de ver o Espiritismo mais divulgado e aceito pela sociedade, alguns companheiros acreditam que a relação entre as teorias e descobertas modernas da ciência, como a Física Quântica, e o Espiritismo mostrariam que o Espiritismo tem valor científico. Infelizmente, isso é um engano que demonstra a falta de conhecimento do significado do aspecto científico do Espiritismo. O movimento espírita tem um potencial enorme de trabalho em pesquisa genuinamente espírita, com um poder de demonstração de seriedade no aspecto científico muito maior quando comparado ao ganho aparente que se imagina obter das afirmações da relação entre a física quântica e os conceitos espíritas. Isso, sem falar dos textos pseudo-científicos envolvendo física quântica que são divulgados no meio espírita como a favor do Espiritismo, mas que contém afirmações completamente contrárias a ele. 

EE 9 - Como você vê uma possível interação entre o Espiritismo e uma disciplina exata como a Física, por exemplo?

Imagino que é possível trabalhar na “interface” em que determinados fenômenos sejam da alçada tanto da Física quanto do Espiritismo. Os fenômenos de efeitos físicos são exemplos disso por se tratarem de efeitos materiais de causas espirituais. Porém, diversos companheiros do movimento espírita, talvez por algum entusiasmo, talvez por ignorância (sem intenção pejorativa), tem tentado associar de modo precipitado alguns conceitos da Física com os do Espiritismo de uma forma que eu chamaria de inversa. Por exemplo, com relação aos fluidos espirituais há obras inteiras que tentam adaptar teorias e modelos modernos originalmente desenvolvidos para descrever as propriedades da estrutura atômica da matéria, aos conceitos de fluido. Muitos se esquecem de que a história da ciência mostra que primeiro os cientistas desenvolveram as teorias para o comportamento da matéria em escala macroscópica e só depois, por meio do aprimoramento e refinamento dos experimentos, é que com base nos resultados experimentais, os cientistas propuseram novas teorias para a estrutura atômica da matéria. Assim, em minha opinião, antes de ficar imaginando que os fluidos ou o Espírito tenham ou sejam uma função de onda como descrita pela teoria quântica, busquemos investigar e esgotar o nosso conhecimento sobre as propriedades e condições físicas dos fluidos e fenômenos espíritas na escala normal de tamanho, que é macroscópica, e só depois quando tivermos sólidas informações sobre essas propriedades, começarmos a imaginar, por exemplo, como poderia ser a estrutura em escala atômica daquilo que chamamos de fluidos espirituais. 

Para isso, poderemos contar com a possibilidade de usar diversos equipamentos modernos e sensíveis que a nossa tecnologia já disponibiliza obviamente na medida em que existam recursos financeiros para aquisição ou aluguel desses equipamentos. Apesar das dificuldades naturais, há companheiros espíritas que tem imaginado novos experimentos capazes de investigar as condições em que os fenômenos de efeito físico ocorrem. Vide, por exemplo, o artigo de Ademir Xavier em (livro do 6º encontro da LIHPE). 

EE 10 - Como você vê as contribuições presentes de movimentos de grupos de pesquisadores espíritas para o desenvolvimento da temática espírita? (que sugestões você daria para tais grupos).

Primeiramente, dos poucos grupos de pesquisadores espíritas que conheço, é preciso que eles recebam nossos sinceros parabéns e incentivo pelo esforço que tem realizado no propósito de desenvolver pesquisa espírita. Temos relatos de estudos que demonstram o número razoável de teses e monografias acadêmicas envolvendo temática espírita ou de interesse espírita. Nas duas “frentes de trabalho” há grupos como a Liga dos Historiadores e Pesquisadores Espíritas (LIHPE) que promovem encontros anuais onde pesquisadores apresentam em formato próximo ao acadêmico, seus trabalhos de pesquisa espírita, e grupos acadêmicos de pesquisa espírita e espiritualista como o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (NUPES). Essas contribuições estão motivando o engajamento de jovens em novos projetos de pesquisa o que sem dúvida é positivo para o processo nas duas “frentes de trabalho” mencionadas anteriormente. 

Entretanto, noto que o movimento espírita em si parece ter pouco interesse ou mesmo nem tem conhecimento da existência desses grupos e trabalhos de pesquisa que vém sendo realizados até então. Eu acredito que isso se deve, em parte, ao fato da divulgação desses trabalhos de pesquisa ainda não ser perfeita, com baixa visibilidade que, como comentamos anteriormente, é algo importantíssimo ao desenvolvimento da pesquisa em qualquer área. Na minha opinião, a criação de uma revista espírita dedicada a artigos de pesquisa espírita, que tivesse o método de análise por pares (o “peer review”) e divulgasse seus artigos de modo gratuito (pela internet, por exemplo), permitiria um maior o acesso de um número maior de leitores a trabalhos de pesquisa espírita legítimos.

EE 11 - Alguma mensagem final para nosso blog?

O blog A Era do Espírito tem se dedicado ao esclarecimento de conceitos importantes sobre Ciência, Ciência Espírita, e os limites de validade de ambas. Em particular, esses conceitos tem nos servido de base para compreendermos os limites de validade da crítica feita ao Espiritismo. Estamos vivendo em uma época em que há facilidade de acesso à informação combinada com a falta de formação científica e filosófica de grande parte dos espíritas. E, diante da afirmativa de Kardec de que a verdadeira fé só o é aquela que é capaz de encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade, ao apresentar estudos sobre assuntos pouco discutidos em outros blogs, páginas ou periódicos espíritas, este blog tem preenchido uma importante e difícil lacuna de informar (e por que não dizer, formar) os leitores em assuntos necessários para o fortalecimento da fé espírita.