19 de fevereiro de 2011

Anomalias nos sinais elétricos do Cérebro com a morte do corpo

"...O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou uma centelha elétrica." (Resposta a questão 88 de 'O Livro dos Espíritos', A. Kardec)

Para monitorar a atividade do cérebro é bastante conhecida e empregada a técnica da eletroencefalografia (EEG). Potenciais elétricos variáveis que surgem no crânio como resultado da intensa atividade neuronal podem ser investigados de uma forma limitada e mostram amplitude decrescente, que se correlaciona com a diminuição da atividade cerebral conforme o metabolismo do cérebro é atuado por diversos fatores tais como: efeitos de drogas, lesões ou 'isquemia' (do grego ισχαιμία, isch- restrição, aima , sangue).

Mais recentemente, algoritmos sofisticados de análise 'multivariável' de EEGs tornaram possível desenvolver equipamentos e escalas de consciência ('awareness') visando determinar, em tempo real, o grau de sedação em que se encontram pacientes em tratamento intensivo (as chamadas 'UTIs'). Isso é importante para se garantir 'inconsciência' durante intervenções cirúrgicas e em outros processos de tratamento. Duas escalas foram criadas, uma chamada 'índice biespectral' (chamado BIS) que é saída do monitor de índice biespectral e outra dos monitores SEDLine da empresa Masimo. O índice Sedline, por exemplo, considera o grau de sensibilidade à sedação que vai de 0 a 100. Acima de 80, o indivíduo é considerado plenamente consciente. Níveis seguros de sedação ocorrem entre 40 e 60. Abaixo de 40 a sedação é severa. Com a morte chamada 'cerebral', o índice biespectral vai a zero. 

Em um artigo recente e muito interessante ("Picos de atividade eletroencefalográfica na hora da morte: estudo de casos", Chawla, 2009), foram descobertos padrões anômalos no comportamento elétrico do cérebro no momento da morte do corpo.

No artigo que analisamos, o Dr. Chawla e sua equipe (Departamento de Anestesiologia e Medicina  de Tratamentos Críticos do Centro Médico da Universidade George Washington, EUA) monitorou um grupo de 7 pacientes em estado terminal em que tratamentos de apoio à vida foram progressivamente retirados. Com isso, eles entram em um novo 'protocolo' visando dar conforto ao processo que segue, que é a parada cardíaca seguida da morte do corpo. Durante esse processo, o comportamento elétrico do cérebro foi analisado usando as escalas que discutimos acima, o que resultou na descoberta de uma anomalia no comportamento da escala. A figura abaixo é um gráfico do índice Sedline para um paciente (chamado #01) durante o processo de parada cardíaca (monitorada conjuntamente com um ECG - eletrocardiograma).

Curva de nível BIS  no instante da morte, paciente #01 (segundo Chawla, 2009).
A parada cardíaca ocorre pouco depois das 6:35. Antes, a escala demonstra um nível normal de consciência, por volta de 80. Com a parada, oxigênio deixa de ser enviado ao cérebro (assim como a todo o corpo). O nível de 'consciência' representado na escala BIS começa, então, a cair. O nível da escala chega a zero pouco antes das 6:50 (cerca de 15 minutos após a parada), quando então algo acontece: um pico surge que dura vários minutos, o que sugere - por causa da maneira com que a escala é interpretada - que um 'clarão de consciência' final ocorre. Esse pico de 'awareness' foi observado em todos os pacientes e pode durar alguns minutos com uma média entre 30 e 180 segundos. A posição do pico também ocorre entre 15 a 25 minutos após a parada. De acordo com o artigo citado:

Pudemos observar vários desses picos de BIS (mais de 20) em outros pacientes que estavam na fase anterior à morte, e a temporização desses picos foi consistente, embora nem todos os pacientes demonstrassem a atividade. Apenas reportamos aqui pacientes para os quais fomos capazes de registrar o aparecimento do pico no monitor. Em nossa revisão bibliográfica, encontramos um reporte de pico de BIS em um cenário clínico semelhante (Grambrell, 2005). O formato e temporização deste pico reportado é consistente com a dos 7 pacientes examinados neste artigo.

Os picos podem ser considerados anomalias, pois não se prevê aumento da consciência tanto tempo decorrido após a parada cardíaca. Os tecidos neurais ingressam em estágio de 'isquemia' e a depleção de oxigênio impede qualquer atividade. De acordo com a explicação mais aceita sobre a base e fundamentação da consciência, não pode haver consciência na massa celular que não dispõe sequer de energia para alimentar a si mesma.

Curva de nível BIS  no instante da morte, paciente #02 (segundo Chawla, 2009).
Neste caso, o pico final durou mais de 5 minutos.
A análise dos gráficos de evolução temporal da escala BIS com a morte do corpo exibe claramente a existência de dois fenômenos concorrentes: uma curva assintótica (entremeada por picos menores), mostrando um regime associado ao novo processo bioquímico em andamento com a isquemia (depleção de energia) e uma explosão de atividade que antecede a 'morte definitiva' (depois desse pico, não há mais nenhuma atividade e o paciente é declarado clinicamente morto).

Duas explicações especulativas são fornecidas pelos autores: a primeira associada a algum efeito de 'interferência' gerado no algoritmo (o que é descartado) e a disruptura de potencial elétrico por grandes conjuntos de neurônios, o que causa uma cascata de atividade elétrica. Entretanto, essa atividade está associada a 'ondas de alta frequência' (as chamadas 'ondas gama') que também já se mostrou estarem ligadas a certas práticas meditativas. Os autores associam diretamente os picos anômalos de consciência como uma possível 'explicação' (obviamente empírica, ou seja, um fenômeno é considerado causa de outro) para as ocorrências ou experiências de quase-morte (near-death experiences, NDE):

Oferecemos esta como uma explicação potencial para a clareza com que muitos pacientes reportam 'experiências fora do corpo' quando ressuscitados com sucesso de um evento de quase-morte.

A parte do fato de que é difícil explicar como é possível que o indivíduo retorne ileso em suas funções cognitivas depois de experimentarem falta severa de oxigênio, essa explicação desconsidera totalmente outros detalhes das experiências, que é o das lembranças verificáveis de eventos externos ao paciente que ele adquire por ingressar em uma realidade diferente mas paralela a da vigília - com um cérebro considerado clinicamente morto. Assim, a sugestão da correlação entre o pico na escala de consciência e as experiências de quase-morte é algo precipitada, mas, não obstante, verificável. Para isso, é necessário monitorar a mesma escala com vários pacientes que sofrem NDE, até que se consiga um evento onde esses picos sejam de fato confirmados e correlacionados com os tempos da experiência.

Entretanto, a cautela dos autores demonstra uma prudência bastante profissional: 

A natureza dessas experiências invoca uma explicação espiritual ou divina, um tópico que está além do escopo deste artigo. Não obstante isso, o final da vida é uma área pouco estudada na medicina clínica e merece mais atenção. Se essas observações serão importantes, isso será determinado por investigações futuras. Para o profissional de tratamentos paliativos, esperamos que tais observações sejam úteis. Em nossa prática de cuidados, permanecemos bastante tempo em contato com famílias em luto. Nesse contato, pudemos constatar que a ideia de que 'algo' acontece no momento da morte é bastante reconfortante. Dado que sabemos tão pouco sobre essas observações, somos cuidadosos em não fazer afirmações definitivas. Mas, essa noção de um sinal elétrico que pode ser objetivamente medido próximo ao momento da morte é uma fonte de conforto para muitas famílias com pacientes que não resistiram ao tratamento em UTIs.

Para complementar nossa discussão, oferecemos ao leitor um texto para sua reflexão e comparação com os achados do artigo que aqui analisamos. Trata-se da descrição feita por André Luiz no livro "Obreiros da Vida Eterna" da morte de Dimas (Capítulo 13, 'Companheiro Libertado'; Xavier, 1988), sob auxílio do instrutor Jerônimo. Os grifos são nossos.

Dimas gemeu em voz alta, semi-inconsciente.

Acorreram amigos, assustados. Sacos de água quente foram-lhe apostos nos pés. Mas, antes que os familiares entrassem em cena, Jerônimo, com passes concentrados sobre o tórax, relaxou os elos que mantinham a coesão celular no centro emotivo, operando sobre determinado ponto do coração, que passou a funcionar como bomba mecânica, desreguladamente. Nova cota de substância desprendia-se do corpo, do epigastro à garganta, mas reparei que todos os músculos trabalhavam fortemente contra a partida da alma, opondose à libertação das forças motrizes, em esforço desesperado, ocasionando angustiosa aflição ao paciente. O campo físico oferecia-nos resistência, insistindo pela retenção do senhor espiritual.


Com a fuga do pulso, foram chamados os parentes e o médico, que acorreram, pressurosos. No regaço maternal, todavia, e sob nossa influenciação direta, Dimas não conseguiu articular palavras ou concatenar raciocínios. Alcançáramos o coma, em boas condições. O Assistente estabeleceu reduzido tempo de descanso, mas volveu a intervir no cérebro. Era a última etapa. Concentrando todo o seu potencial de energia na fossa romboidal, Jerônimo quebrou alguma coisa que não pude perceber com minúcias, e brilhante chama violeta-dourada desligou-se da região craniana, absorvendo, instantâneamente, a vasta porção de substância leitosa já exteriorizada. Quis fitar a brilhante luz, mas confesso que era difícil fixá-la, com rigor. Em breves instantes, porém, notei que as forças em exame eram dotadas de movimento plasticizante. A chama mencionada transformouse em maravilhosa cabeça, em tudo idêntica à do nosso amigo em desencarnação, constituindo-se, após ela, todo o corpo perispiritual de Dimas, membro a membro, traço a traço. E, àmedida que o novo organismo ressurgia ao nosso olhar, a luz violeta-dourada, fulgurante no cérebro, empalidecia gradualmente, até desaparecer, de todo, como se representasse o conjunto dos princípios superiores da personalidade, momentaneamente recolhidos a um único ponto, espraiando-se, em seguida, através de todos os escaninhos do organismo perispirítico, assegurando, desse modo, a coesão dos diferentes átomos, das novas dimensões vibratórias.


Referências

Gambrell M. Using the BIS monitor in palliative care: A casestudy. J Neurosci Nurs 2005;37:140–143

Lakhmir S. Chawla, Seth Akst, Christopher Junker, Barbara Jacobs, Michael G. Seneff. Surges of Electroencephalogram Activity at the Time of Death: A Case Series. Journal of Palliative Medicine. Dezembro 2009, 12(12): 1095-1100. doi:10.1089/jpm.2009.0159. O artigo pode ser lido em: http://www.liebertonline.com/doi/pdfplus/10.1089/jpm.2009.0159

Xavier F. C. Obreiros da Vida Eterna. 17a edição. 1988.  Ed. FEB.  ISBN: 8573283157.


12 de fevereiro de 2011

Crenças Céticas XI - A avestruz cética e o peru indutivista.


Era uma vez uma avestruz cética e um peru indutivista. Viviam uma vida tranqüila, em uma pacata fazenda modelo perdida no sertão do Mato Grosso. A avestruz e o peru gostavam de se envolver em discussões sobre a vida de outros animais na fazenda para aproveitar melhor o tempo.

Formavam uma dupla porque pensavam parecido. A avestruz não acreditava em nada. Dizia todos os dias:

"Comer sementes e pisar o chão, eis nossa razão! Nada há além disso!"

O peru acreditava em poucas coisas além do que via freqüentemente, mas não era igual à avestruz em um ponto: ele achava que podia decidir entre o que era verdade e o que não era. Além disso, era muito observador e notava outras coisas ao redor dele.

Ele percebeu que o sol se levantava todos os dias pouco depois do galo cantar, e se punha quando as galinhas iam dormir. Achava que isso sempre acontecia, pois ele era indutivista em seu jeito de pensar. Nunca tinha testemunhado um dia em que o sol não houvesse nascido. 

Comentou isso com a avestruz:

"Veja como posso prever o que quiser: amanhã bem cedo, o galo vai cantar e, à tarde, as galinhas vão dormir."

A avestruz não era muito curiosa, nem com seus próprios pensamentos, nem com o dos outros. Achava uma perda de tempo ficar pensando muito, já que nada mais além de pisar o chão e comer folhas de árvores e arbustos havia para se fazer. Mas estava um tanto entediada de dizer sempre a mesma coisa e resolveu dar atenção ao peru.

No dia seguinte, muito antes do sol nascer, queria mostrar que o peru estava errado. Mas, de repente, o galo cantou. Havia acontecido o que o peru dissera! Esperou pacientemente o dia todo e, de repente, as galinhas foram dormir. Mais uma vez o peru estava certo!

Intrigada com esses acontecimentos, repetiu tudo de novo no dia seguinte. E, mais uma vez, viu o galo cantar e, depois de esperar um dia inteiro de sol, as galinhas foram dormir. Repetiu isso uma terceira e quarta vez.

Ficou com inveja do peru, pois ela queria ter feito aquela descoberta sozinha. Então, decidiu ser mais esperta e fazer suas próprias previsões. De descrente e desanimada, a avestruz virou outra, uma verdadeira avestruz indutivista. 

Um dia, abordou o peru com uma aposta que usava o método do peru para comprovar suas próprias conclusões sobre a vida:

"Aposto que você não consegue prever coisas tão bem como eu faço! Sua vida é sempre a mesma, a ciscar o chão ou comer ração. Nada vai te acontecer amanhã ou depois, pois nada aconteceu com você hoje ou ontem."

Ficaram então os dois, avestruz e peru por um bom tempo, juntos, comprovando a predição da avestruz, o que também orgulhava o peru, afinal ele descobrira o método indutivista de pensar. 

Viram que o peru vivia sempre do mesmo modo com todos os animais da fazenda, na chuva, no sol, no calor ou no frio. Nada modificava sua existência ou jeito de ser, nem o quanto ele comia, nem como ele pisava o chão. Nem mesmo o ritmo das galinhas parecia abalar qualquer coisa na vida do peru. 

Era tempo de festa na fazenda, muitos enfeites e luzes, e a avestruz e peru ainda disputavam quem havia ganhado a aposta, a avestruz por tê-la proposto, o peru por ter descoberto o método. 

Resolveram então acabar de uma vez por todas com a disputa e escolher um vencedor. Disse o peru:

"Se amanhã eu ainda estiver do mesmo jeito, sempre como eu fui, dou-me por vencido e você ganha a aposta: sei que minha vida nunca será diferente!"

Mas, logo nas primeiras horas do dia seguinte, quando a avestruz foi procurar seu amigo para receber seus cumprimentos pela vitória, cadê o peru? 

Na noite do mesmo dia, a avestruz tremeu no seu ceticismo: tinha ouvido falar que seu amigo havia sido degolado e servido como prato principal em uma simples festa de Natal.

"FIM"

Referência

Esta estória é baseada em outra por B. Russell (Problems of Philosopy, Oxford University Press, 1912)

5 de fevereiro de 2011

Nova Edição de Paranthropology (Vol. 2, Número 1) - Destaque: ectoplasmias recentes no FEG.


O volume 2 (número 1, Janeiro 2011) da revista 'Paranthropology' já está disponível para download. Essa edição foi dedicada a 'Mediunidade e Possessão' e traz o seguinte conteúdo (traduzido do Inglês):
  1. A História da Pesquisa da Sobrevivência além Túmulo - Michael Tymn - p.2-6
  2. Em direção a uma História Social do Espiritualismo em Bristol - Jack Hunter - p. 6-8
  3. Candomblé, Umbanda e Kardecismo: Médiums em Recife, Brasil - Stanley Krippner - p. 9-13
  4. Uma demonstração de Transe mediúnico em Singapura - Fabian Graham - p. 14-15
  5. A Importância da Pesquisa da Mediunidade - p. 16-24
  6. Imagens da atuação de um Teiman no sul da Índia - David Luke - p. 24-26
  7. De posse de meus sentidos? Reflexões em Ciência Social sobre o intercâmbio com o Outro Mundo - Sara Mackian - p. 27-29
  8. A Arte do Médium: encontros com o Passado na Fronteira do Desconhecido. - Alysa Braceau - p. 29-31
  9. Seleções do Arquivo "Revenant" - Kristen Gallerneaux Brooks - p. 32-36
  10. Relatórios de uma sessão de Mediunidade de Efeitos Físicos a 8 de Outubro de 2010. - Jon Mees - p.37-38
  11. Clarividência, classe e convenção - Sophie Louise Drennan - p. 38-41
  12. Experiências no Espiritualismo - Michael Evans - p.41-43
  13. A Ciência e a Batalha da Pesquisa Psi  - Callum E. Cooper - p. 43-44
  14. Mediunidade, Possessão e nossa compreensão da Realidade - Kim McCaul - p. 45-46
  15. Pragmática e intenção na Escrita Automática: o caso Chico Xavier - Ademir Xavier  - p. 47-51
  16. Autonomia e morfologia no Ectoplasma do Grupo Experimental 'Felix' - Dr. Jochen Soederling - p. 52-55
  17. Eventos - p.56
  18. Reviews - p. 57-64
  19. A Disparidade de "Padrões de Tratamento" considerando o Exercício de Mediunidade como uma Profissão Permitida na Área de Saúde Comportamental. - August Goforth - p. 65-91.
Pragmática e intenção em psicografias: o caso Chico Xavier.

Tivemos a satisfação de ter um de nossos artigos publicados nessa revista (ver artigo número 15 acima). A introdução desse trabalho pode ser lida abaixo:


Comentaremos esse artigo posteriormente. Por hora fornecemos abaixo uma tradução dos primeiros dois parágrafos reproduzidos acima:

Pragmática e intenção em composições 
psicográficas: o caso Chico Xavier
Minha intenção aqui é apresentar a mediunidade de Chico Xavier com psicografias de recém falecidos. Como físico, eu deveria explicar os mecanismos envolvidos na mediunidade, como a mente do médium pode entrar em contato com informação oculta que é tão abundante em psicografias, quais são as leis que governam as condições e exigências do fenômeno, como a informação pode ser obtida dessa forma etc. Essa é uma tarefa bem difícil, e eu, inicialmente, pensei em invocar a teoria da comunicação, assumindo que a informação está em algum lugar e que os detalhes do processo são bem conhecidos. Minha intenção inicial, entretanto, mostrou que esse método era bastante insatisfatório. Além de ser um fenômeno humano, cada caso de mediunidade é único e tem suas peculiaridades exigindo estudo meticuloso. Tal característica não permite classificar a mediunidade em tipos bem definidos, o que parece ser importante na fase pre-científica de uma disciplina que busque descrever cientificamente os novos eventos.
Mas penso também que tal narrativa despretensiosa possa motivar outros estudos antropológicos a respeito da figura de C. Xavier e seu trabalho que é pouco conhecido fora do Brasil. Já que a posição cética é bem conhecida, não buscarei fazer nenhuma teorização, pois minha intenção é descrever o fenômeno como ele se manifesta, fornecendo ainda alguma informação a respeito do contexto no qual ele ocorre.
Destaques que achamos interessante: Experiências de Ectoplasmias no FEG.

Parece haver um renascimento de experiências com mediunidade de efeitos físicos na Europa (ver artigo de J. Hunter, número 2 acima), notadamente Inglaterra e Alemanha. A julgar pelas descrições do Dr. Jochen Soederling, conforme descrito em seu artigo "Autonomia e morfologia no Ectoplasma do Grupo Experimental 'Felix'" (número 16 acima) esse renascimento parece reviver a fenomenologia psíquica do século 19. O Dr. Soederling é um médico com doutorado em Medicina molecular e experimental que participa de sessões de ectoplasmias (não se pode dizer que são de 'materializações' pois os relatos descrevem apenas a produção de Ectoplasma) no grupo FEG (Felix Experimental Group) com uma nova 'safra' de médiuns e seus 'controladores'.

Experiência de Ectoplasmia no Grupo Felix (Alemanha) em 2009.
A imagem acima é uma das fotos que mostra um desses médiuns em ação. Essa foto foi tirada em escuridão total, apenas iluminada por uma fraca luz vermelha e, por isso, está sobre-exposta. No site do grupo Felix, existem diversos relatos de aparecimento de emissões e até mãos de ectoplasma. A figura abaixo é um desenho mostrando os movimentos de uma mão ectoplásmica da boca do médium que foi produzida muito recentemente.

Desenho representativo de uma mão feita de Ectoplasma produzida no FEG (em 2010).
As descrições dos fenômenos do grupo FEG parecem ter sido tiradas de alguma obra dos tempos iniciais do Espiritismo ou da Metapsíquica do alvorecer do século 20, mas são bem atuais. Nas palavras do Dr. Soederling:
Inicialmente, vi o aparecimento de uma substância móvel, que se ligava de alguma forma ao corpo do médium. Em muitas ocasiões, uma corrente branca de ectoplama era lançada da boca do médium, que o tocava para que ele se abaixasse até o chão. O médium expelia, muitas vezes, uma massa grande de ectoplasma de sua boca que podia ser vista sobre seu corpo ou ao redor de seus pés e no chão. Essa fase parecia de emanação. A substância tinha uma morfologia heterogênea, sua consistência parecia ser sempre diferente.

(...) Em todas as formações ectoplásmicas, havia sempre algo inconstante e irregular e, frequentemente, a aparência era diferente no centro se comparada às bordas. De outras vezes, pude ver uma massa mais perfurada, membranosa, com espessura que variava localmente e com interstícios vazios. Em uma fase subsequente, a estrutura passava por um processo de transformação ou evolução. Muitas vezes mãos perfeitamente brancas tornaram-se visíveis – normalmente pude testemunhar a evolução e movimentação de uma única mão. Tais mãos tinham tamanhos variados e não se comparavam à mão do médium, algumas vezes eram maiores, em outras, menores. Em muitas ocasiões, as pernas do médium eram totalmente visíveis ao mesmo tempo em que se podia ver o movimento da mão materializada.

As mãos podiam ser vistas a partir de suas palmas e davam a impressão de um agente vivo normal que se comprazia em interagir com o grupo. Vi frequentemente acenos ou dedos se moverem. De outra vez, testemunhei uma faixa densa de substância branca de aproximadamente 4 dedos de largura que foi expelida da boca do médium. A formação moveu-se aproximadamente 1,5 metros para fora da cabine. Em uma das estremidades havia uma mão que podeia ser vista por todos realizando movimentos e gestos.
Muitos se perguntarão: como isso é possível? Com relação à validade dos relatos e fotos acima, podemos dizer que são apenas registros de quem participou dessas experiências. O arsenal cético pode se posicionar contra, tornando a repetir o mantra de que essas 'evidência' são forjadas. Fotos são apenas registros (que não podem ser usadas nem para 'provar' nem para 'refutar' os fenômenos) e a crítica depende de se manter a crença de que as testemunhas são mentirosas.

O mais importante é perceber que fenômenos de Ectoplasmias são replicáveis e que está havendo um renascimento do interesse pela fenomenologia mediúnica de efeitos físicos. Contrariando a crença de que eles 'não mais são necessários hoje em dia', talvez estejam novamente sendo experimentados na Alemanha do começo do século 21.




29 de janeiro de 2011

Fundamentos III - Como se deve entender a relação entre o Espiritismo e a Ciência.

A tarefa agora é começar a entender como se estabelece a relação entre o Espiritismo e as ciências. Certamente, não será objetivo do Espiritismo competir com esses ramos de atividade humana. Por isso, não é tarefa do Espiritismo fornecer explicações alternativas ou desenvolver o núcleo principal das ciências com as quais o Espiritismo faz fronteira. Não se deve esquecer que o Espiritismo como movimento é uma realização humana. O cientista que é espírita – se trabalha profissionalmente com alguma dessas áreas correlatas – tem seus próprios meios e procedimentos, advindos do estudo adquirido de sua atividade. Como faz parte do processo de desenvolvimento da ciência normal, ele pode (e deve) utilizar os meios a sua volta (inclusive sua própria cultura) para fazer desenvolver sua ciência conforme suas regras próprias. Como dissemos, a ciência não faz caso da origem do conhecimento, o importante é que esse se organize como um paradigma bem estruturado, coerente e naturalmente integrado aos fenômenos. Trazemos abaixo alguns breves comentários das regiões de fronteira entre a Doutrina Espírita e as ciências, enfatizando alguns pontos que nos parecem interessantes:

Espiritismo X Astronomia: é bem conhecida as descrições da origem do sistema solar (nebulosa primordial) existente no livro “Gênese” [2] de Allan Kardec. O capítulo VI de “Gênese” também fala de inúmeras galáxias (denominadas “nebulosas” – entendidas como agrupamentos de bilhões de estrelas como a “Via-Láctea”) numa época em que não se havia certeza desse fato. Há relatos de comunicações de Espíritos anunciando a existência de satélites desconhecidos em outros planetas. Além disso, o Espiritismo parece ter se antecipado às discussões que deram origem à exobiologia, que foi proposta para estudar a possibilidade de vida em outros planetas. É interessante observar que, uma vez classificada como um planeta qualquer, a Terra passou a ser vista como um dos muitos planetas a ter vida inteligente no Universo (algo muito difícil de se acreditar no século 19). O Espiritismo prevê abertamente, pelo princípio da “pluralidade dos mundos habitados”, a existência de vida inteligente fora da Terra (ainda a ser verificada pelos métodos normais – contato físico). Antes disso, porém, previu a existência de inúmeros planetas orbitando as estrelas, um fato que se tornou tema de pesquisa contemporâneo, graças ao desenvolvimento de novos métodos de observação muito mais precisos. Muitos planetas foram encontrados a partir de 1990 em torno de estrelas próximas.

Espiritismo X Física: aqui deparamo-nos com algumas afirmações feitas em “O Livro dos Espíritos” que parecem ter antevisto a modificação radical por que passaria a física a partir do século 20. Os Espíritos falaram em uma forma que “que não sois capazes de apreciar” [4] a respeito da estrutura dos átomos (uma alusão às “nuvens de probabilidade” dos elétrons?) num contexto bastante diferente para a física da época. Considerações sobre a origem do Universo são feitas no começo de “O Livro dos Espíritos”, levando o Espiritismo para a fronteira com a cosmologia. É preciso, porém, ter cautela em se tratar a questão inversa: a da influência da física no Espiritismo. Muitos falam abertamente nas diversas “energias” que constituem o mundo espiritual, esquecendo-se que “energia” é um conceito muito bem definido em física e que não admite reinterpretações dessa forma [5]. Outros levantam a possibilidade de entender o próprio mundo espiritual como um “contínuo quadridimensional” do mundo físico. Para se utilizar conceitos e sugestões advindos do Espiritismo na física, faz-se necessário grande competência em física uma vez que os núcleos das teorias (tanto do lado espírita como material) possui certa resistência a mudanças, além de estar fundamentado em teorias profundamente matemáticas. Por isso mesmo, tentativas de modificação de conceitos por sugestão de ambos os lados (de um lado para outro) são muito duvidosas no que diz respeito a qualquer avanço significativo no conhecimento. É importante também considerar as questões de diferença de linguagem (significado de termos e conceitos dentro de cada teoria particular) quando essa linguagem tenta conectar um fenômeno supostamente descritível tanto pela física como pelo Espiritismo. Minha impressão particular é que o grau de especificidade atingido pela física (especialização na forma de pulverização de campos de compentência) torna pouco viável qualquer tentativa “fácil” de interação.

Espiritismo X Biologia (medicina): aqui a fronteira torna-se um pouco mais nítida. Em “O Livro dos Espíritos” [6], existem muitas questões a respeito da origem dos seres vivos. É também na “Gênese” que existe um famoso capítulo sobre a gênese orgânica. Naturalmente, esse capítulo faz eco às concepções da época, ainda às voltas com a “teoria da geração espontânea”, então a teoria mais aceita. É no Capítulo XI da II Parte de “O livro dos Espíritos” [3] que vamos encontrar questões cujas perguntas reafirmam a natureza espiritual de todos os seres vivos e sua submissão à lei de progresso. Naturalmente, os mecanismos da evolução das espécies não estão afirmados nesses livros, mas o princípio de evolução espiritual ajusta-se perfeitamente bem aos princípios da seleção natural, representando um mecanismo de modificação que atua na parte material levando o Espírito a se desenvolver. É importante considerar que as discussões sobre a gênese orgânica são complementares para a compreensão da Doutrina e seu desenvolvimento. Por isso esses pontos, assim como muitos outros, sofrem e sofrerão modificação, sem que haja impacto ao corpo principal de doutrina.

Tal não é o caso, porém, com as inúmeras patologias da alma [7] que citamos acima. Nos quadros obsessivos, a ação do Espírito obsessor pode levar ao colapso orgânico do obsidiado. A origem da doença, em sua íntima essência, encontra-se assim descrita através desse quadro de “simbiose espiritual”. É difícil entender como outra teoria – que desconheça a ação dos Espíritos – possa ter um sucesso maior no desenvolvimento de uma terapia apropriada. Aqui se vê claramente a enorme importância dos princípios espíritas no desenvolvimento de certos ramos da medicina pois não se trata apenas de construção ou progressão da ciênica mas do desenvolviemento de terapias apropriadas a inúmeros transtornos mentais.

Espiritismo X História: as contribuições que o Espiritismo pode dar à História são bastante evidentes. Um aspecto bastante inovador surge aqui, que é o de considerar os relatos históricos fornecidos pelos Espíritos, quando por meio de médiums conhecidos. São notórios os casos de médiums que colaboram com investigações policiais na elucidação de crimes. No Brasil a psicografia já ajudou a elucidar vários assassinatos. Com médiums equilibrados, os Espíritos podem fazer revelações úteis ao progresso moral da sociedade e, muitas vezes, essas revelações trazem noticias de relevante valor histórioco (como no caso dos inúmeros romances históricos de Emmanuel por meio de Francisco C. Xavier).

Espiritismo X Psicologia: o Espiritismo tem muito a contribuir com as disciplinas que tem como objetivo de estudo o homem em sua essência. Esse é o caso da Psicologia. Podemos falar em uma psicologia espírita que nasce por “inspiração” dos postulados da doutrina (principalmente de suas conseqüências morais) na maneira de viver, de se comportar e de interagir dos seres humanos. O conhecimento da lei de evolução e reencarnação é crucial para se entender as tendências inatas dos seres humanos que determinam o comportamento, além das limitadas considerações genéticas. Esse certamente é um campo com grande futuro, onde apenas vislumbramos um começo.

Espiritismo X Sociologia: o comportamento social e evolução das sociedades é função de seu desenvolvimento cultural, de seu passado e da maneira de ser de seus indivíduos. Como no caso da História e da Psicologia, o Espiritismo tem muito a contribuir para o estudo e desenvolvimento da história social do homem uma vez que o compreende como Espírito em perene evolução. Há uma interação natural, desde a mais remota antigüidade entre o mundo material e o plano espiritual. Esse fluxo é responsável pelo aparecimento e desenvolvimento de muitas religiões e culturas consideradas “inspiradas”. Dos princípios e informações fornecidos pelos Espíritos, é possível complementar a história de várias sociedades. 

Todos esses campos (assim como outros não listados acima tais como as artes) aguardam um futuro quando o espírita cientista seja capaz de utilizar judiciosamente o seu conhecimento de acordo com as regras estabelecidas por sua ciência particular. O objetivo não é fazer o Espiritismo brilhar para a sociedade como um concorrente das ciências, mas como fonte de inspiração e origem para proposição de novos mecanismos de explicação dos fenômenos e ocorrências características de cada uma delas.

Considerações diferentes dizem respeito à atuação do cientista espírita. Por esse termo referimo-nos àqueles que pretendem desenvolver a ciência espírita a partir de seus princípios ou com a modificação desses, utilizando ideias advindas de outras ciências. É uma conseqüência natural que se pretenda estabelecer um ambiente acadêmico espírita – uma vez verificado o caráter científico do Espiritismo. Mas cautela é necessária para não exagerar demais nas extrapolações. Se o Espiritismo é, de fato, uma ciência, não segue daí que, no nosso momento histórico, ele deva se preocupar com o estabelecimento de um ambiente acadêmico como uma cópia dos ambientes acadêmicos de outras ciências. Todos conhecem os efeitos que a excessiva profissionalização pode trazer em detrimento do fluxo de idéias, gerando estagnação. Imaginamos que no presente momento de desenvolvimento e expansão da Doutrina Espírita não temos um ambiente completamente apropriado à efetiva realização dos objetivos de um ambiente puramente acadêmico. Outras considerações sobre essa questão serão feitas em texto futuro.

3.Alguns comentários finais.

Tentamos limitadamente neste texto discutir algumas idéias sobre o conceito moderno (paradigma) de ciência “normal” – ou ciência amadurecida – e o que seria compreensível como uma salutar relação dessa ciência com o Espiritismo. A aplicação padrão dos procedimentos de construção da ciência leva a plena formação e progresso do conhecimento científico. A tentativa forçada de se estabelecer relações – não sugeridas pelo desenvolvimento científico, mas imaginadas como situações idealizadas – não só conduz a perda de tempo como ao descrédito. Da parte do Espiritismo, tentativas forçadas de querer transcrevê-lo ou moldá-lo segundo normas ou procedimentos de outras ciências pode conduzir à ilusão de falsificação da doutrina, uma vez que o conhecimento científico e sua interpretação é função de um contexto altamente específico e mutante, mas desconexo em relação a ela. Por outro lado, querer misturar conceitos de outras ciências com princípios espíritas não é científico, pois dentro da noção de paradigma cada um deles deve ser entendido dentro de seu contexto de pesquisa (ambientação acadêmica), não se permitindo enxertias ou fusões ainda que muito bem intencionadas.

Aprendamos a ver cada ciência – o Espiritismo entre elas – como linguagens a respeito do mundo. No procedimento de comunicação normal, plena compreensão só é conseguida quando o emissor e o receptor dispõem de bagagem linguística comum. Todo e qualquer procedimento de tradução leva necessariamente a perda de significado pela impossibilidade de se transcrever plenamente determinados conceitos e idéias típicos de um determinado referencial linguístico. O Espiritismo é uma linguagem a respeito do mundo espiritual, criada e desenvolvida para transmitir conceitos sobre esse mundo. As ciências materiais são linguagens distintas que tratam de outro cenário, embora o “palco” apresente áreas comuns ou adjacentes que, no momento, não dispomos de linguagem apropriada para utilizar.

Entretanto, a própria evolução das ciências levará à criação de uma linguagem comum em futuro incerto (talvez ainda distante). Esperamos que, quando esse futuro acontecer, o Espiritismo tenha cumprido em sua totalidade seu papel fundamental, que é o de promover a efetiva reforma moral em todos os Espíritos que dele tiverem se aproximado, buscando consolo e refazimento moral.

Artigo originalmente publicado no boletim do GEAE, número 472 (2004).

Agradecimento

Agradeço ao Alexandre F. da Fonseca pela leitura e comentários a este texto. 

Referências 

[2] A. Kardec, “A Gênese”, Uranografia Geral, o espaço e o tempo (Cap. VI). Ed. Federação Espírita Brasileira, 34a edição (1991).
[3] A. Kardec, “O Livro dos Espíritos”, Trad. Guillon Ribeiro, Ed. Federação Espírita Brasileira, 71a edição (1991).
[4] Referência [3] , questão 34.
[5] A. P. Chagas, Polissemias no Espiritismo, Revista Internacional de Espiritismo, pp. 247-49, Setembro de 1996.
[6] Referência [3], Cap. III.
[7] I. Ferreira, “Novos rumos à medicina”, Vol. I, Tratamento dos processos obsessivos no Sanatório Espírita de Uberaba, Edições Federação Espírita do Estado de São Paulo (1990).