23 de setembro de 2012

Algumas considerações sobre o passe.


O passe é prática muito popular na maioria das casas e centros espíritas. Práticas semelhantes ao do passe também são ou foram comuns em outras religiões e filosofias espiritualistas (1).  São abundantes também descrições encontradas nos evangelhos de que essa prática também era comum no cristianismo primitivo (1). Tanto que esse costume evangélico cristalizou-se na forma de rituais de proferimento de 'bênçãos' e 'imposição de mãos' que se tornaram comuns entre diversas igrejas no movimento cristão posterior. 

À medida que o conhecimento da Humanidade se esclarece, porém, ocorre um processo de liberação de antigos hábitos e rituais. Antigamente a prática médica era indistinguível da magia e do preparo de poções. Da mesma forma, o passe não deve ser visto como um ritual em si, mas como um recurso terapêutico sobre o qual ainda muito é necessário pesquisar. Essa pesquisa se faz necessária tanto para dizer a extensão da atuação da prática como também o que ela não é capaz de fazer.

A mim parece que não se pode considerar como objetivo do passe, por exemplo, obter cura de doenças.  Entretanto, como o ser humano é um sistema muito complexo, é possível que determinadas patologias possam encontrar no passe um valioso recurso adicional para se obter a cura. Isso é diferente de se dizer que o passe cura. Do mesmo modo, com muitas doenças - principalmente aquelas que têm mecanismo bioquímico bem conhecido - há procedimentos e explicações médicas que, não obstante reconhecidas como suficientes para a compreensão e o tratamento, não deixam de sofrer a influência de outros fatores.   

De qualquer forma, o passe espírita é uma prática que deve ser estudada dentro da ciência espírita de forma geral, a fim de que os mecanismos operacionais sejam mais bem compreendidos. Quanto mais isso ocorrer, tanto menor será a 'carga ritualística' sobre essa prática, já que a maioria das pessoas, por falta de esclarecimento ou tendências atávicas (2), se acostuma a considerar o passe dessa forma.

Minha experiência pessoal

Ainda é difícil delimitar e especificar todos os fatores que interferem na eficácia da prática do passe. Por exemplo, é reconhecido em geral que qualquer pessoa em estado de equilíbrio emocional e físico pode aplicar o passe. Por outro lado, também existem 'médiuns curadores' (3), cuja força ou eficiência de atuação através do passe é muito maior do que de uma pessoa comum e bem intencionada. Ora, entre um extremo (4) e outro se pode assumir que há uma gradação enorme de indivíduos com variadas capacidades de atuação, a respeito das quais não se tem nenhuma indicação ou evidência direta.

O efeito do passe parece estar intrinsecamente ligado ao estado psicológico de quem o recebe. Assim, para promover um estudo sistemático, é preciso isolar fatores diversos que interferem no processo (algo que é parecido a se estabelecer 'controle' sobre um experimento (5)). De início já confirmamos que a interação entre os vários elementos que compõem a prática do passe constitui um sistema muito complexo, sujeito a uma ampla gama de fatores intrínsecos e extrínsecos. Ou seja, o estudo do passe é um tema difícil.

Passo a narrar minha experiência pessoal com o assunto. Era bastante comum que experimentássemos, na troça de estações dentro de um ano, uma sequência de resfriados ou gripes que podiam apresentar sintomas mais sérios (como febre, indisposição etc). Esse estado é particularmente comum e, por muitos anos, notamos que ele se apresentava de forma regular (com uma ou duas ocorrências anuais mais 'sérias'). 

Entretanto, essa sequência parece ter sido interrompida depois que passamos a frequentar regularmente aplicações de passe. Entendemos que, se estamos com um resfriado ou gripe mais forte, não se observa 'cura' ou, ao menos, redução do tempo normal de recrudescimento do estado febril ou da gripe. Ao contrário, após uma sucessiva sequência de aplicações, notamos que, depois de certo tempo, as chances de se 'pegar uma gripe' reduziram drasticamente.

Como podemos explicar esse fenômeno? É possível que outras pessoas tenham experimentado a mesma situação, mas não descrevam resultados semelhantes (de fato, fenômeno não ocorreu apenas comigo, mas também com outros parentes). Talvez seja possível se acumular evidências fortes com  relação à ocorrências do mesmo tipo. É provável que o passe, atuando por mecanismos ainda inexplicados sobre o corpo espiritual, equilibre o estado emocional de forma que o sistema imunológico se fortalece. É bem conhecido que estados 'psicológicos' tem influência direta sobre o sistema imunológico (6). Como e por quanto tempo é possível atuar sobre esse estado interno do ser humano é algo ainda desconhecido. De qualquer forma, parecem ser inegáveis os benefícios da aplicação do passe (pelo menos no nível da experiência pessoal). Essa é também a razão porque ele seja tão popular.

Ainda há muito a ser pesquisado

É preciso levantar os fatores externos que afetam diretamente seu mecanismo de sua atuação, as condições necessárias para 'amplificar' seus efeitos, bem como suas limitações. É preciso separar causas e efeitos em um contexto em que existem uma multiplicidade de causas atuantes. Dessa forma, algumas questões para respostas empíricas são:
  1. Qual seria o meio mais eficiente de se acessar os benefícios do passe (definição de um indicador de eficiência)?
  2. Onde se observam o maior impacto (animo do indivíduo, facilidade de recuperação de uma doença, resiliência etc)?
  3. Mantido todos os outros fatores invariantes, há dependência dos efeitos com o tempo de aplicação? (durante qual etapa do processo de aplicação ocorrem os maiores benefícios?)
  4. Qual a dependência dos efeitos com a experiência acumulada do passista ? (há dependência com o tempo em que o aplicador se dedicou à atividade do passe)?
  5. Como se comporta o indicador de eficiência como função da idade do indivíduo que recebe o passe?
  6. Qual a dependência dos efeitos com a distância do aplicador?
  7. Qual a dependência com o modo de aplicação?
É possível que, no futuro, o passe se insira como recurso de profilaxia de larga escala, mas antes que isso venha acontecer é preciso conhecer seus mecanismos e, principalmente, dissociá-lo de qualquer ritualística. Relatos que temos de experimentos feitos fora do Brasil informam que o passe pode não estar tão ligado à operação da vontade de quem o aplica e que não está sujeito à limitações de distância (7). Mas, talvez, essa 'independência da vontade' esteja ligado a que o aplica e não possa ser generalizada. Tais aspectos exigem uma abordagem totalmente diferente na explicação e operação do passe, uma abordagem que dificilmente métodos puramente materialistas terão qualquer sucesso.

Referências e notas

(1)  Um exemplo é o do Reiki e o Jorei em tradições espiritualistas japonesas (ver Igreja Messiânica). No cristianismo primitivo, temos como exemplo o Evangelho de Marcos, Cap. 3 e versículo 23: "E rogava-lhe muito, dizendo: Minha filha está moribunda; rogo-te que venhas e lhe imponhas as mãos para que sare e viva".

(2) 'Atavismo' é um termo usado em ciências sociais para designar práticas (cultos, ritos etc) que relembram ou invocam costumes e práticas anteriores (de 'atavus' ou ancestral). Assim, na casa espírita, o passe pode ser visto como uma substituição de ritos de outras denominações religiosas por conta da influência de pessoas convertidas que trazem inconscientemente a necessidade das práticas anteriores;

(3) Para saber mais, considere Kardec:
  • 'O livro dos Médiuns', 2a Parte, Das manifestações espíritas, Cap. XIV, Dos médiuns, Médiuns Curadores (via www.ipeak.com.br);
  •  Revista Espírita de março de 1868 (Ensaio teórico das curas instantâneas). 
Um excelente texto sobre o assunto é "Um Estudo sobre o Passe', de Clarice Chibeni".

(4) Na Revista Espírita de 1865, Edição de Setembro, encontramos no item 7 de uma resposta de A. Kardec a uma carta sobre a questão da mediunidade curadora.

(5) Não somos adeptos, no estudo de fenômenos psíquicos do uso da palavra 'controle'. Certamente, a crítica cética e materialista de que é necessário estabelecer critérios rigorosos sobre fenômenos psíquicos (ou psicológicos) não procede pois, ao se fazer isso, é possível que estejamos 'anulando' as causas. Portanto, preferimos sugerir que se isolem ao máximo fatores adversos e se dê livre curso à ocorrência dos fenômenos.

This article reviews evidence for the hypothesis that psychological interventions can modulate the inumme response in humans and presents a series of models depicting the psychobiological pathways through which this might occur. Although more than 85 trials have been conducted, meta-analyses reveal only in modest evidence that interventions can reliably alter immune parameters. The most consistent evidence emerges from hypnosis and conditioning trials. Disclosure and stress management show scattered evidence of success. Relaxation demonstrates little capacity to elicit immune change. Although these data provide only modest evidence of successful immune modulation, it would be premature to conclude that the immune system is unresponsive to psychological interventions. This literature has important conceptual and methodological issues that need to be resolved before any definitive conclusions can be reached.

(7) Efeitos de passe a distância são narrados também pelo Dr. Bengston. Ver: William Bengston e a pesquisa de curas por imposição das mãos (passes de cura).

11 comentários:

  1. http://www.vademecumespirita.com.br/goto/store/texto/826/fsica-quntica--usp-confirma-eficcia-do-passe-magntico

    USP CONFIRMA EFICÁCIA DO PASSE MAGNÉTICO.

    ResponderExcluir
  2. Gosto muito de divulgar minhas fontes de estudo. Quanto ao post dessa semana recomento a todos que ouçam o programa Universo Espírita com o tema "passe": http://www.4shared.com/mp3/a56BeCtJ/Universo_Espirita_-_A_Histria_.html
    .
    .
    No programa, o âncora Paulo Henrique de Figueiredo conta em detalhes como surgiu a tradição da imposição de mãos.
    Paulo é também o autor do livro "Mesmer: a Ciência Negada e os Textos Escondidos" .
    .
    .
    Para outras edições do Universo Espírita: http://www.radioboanova.com.br/novo/programacao.php?PROCODIGO=184
    .
    Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ola Radaelli

      Obrigado pelas referências para fontes de maiores estudos!

      Excluir
  3. Boa tarde, Ademir
    Sou leitor assíduo de seu blog e o tenho como referência para estudos desde minha iniciação mais reflexiva na doutrina espírita há cerca de dois anos atrás.
    Este post não trata desse texto sobre o passe, mas sobre uma dúvida e ao mesmo tempo um pedido de ajuda a você ou a terceiros em face de meus estudos sobre o seguinte ensaio: http://www.ebonmusings.org/atheism/portuguese/ghost.html
    Você o conhece? Há algum texto com base na doutrina espírita que o analise profundamente? Oportunamente, se for o caso, gostaria de ver opiniões de confrades sobre o referido ensaio, cuja autoria é de Gilbert Ryle.
    Abraços! Maxwell Teixeira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ola Maxwell

      Eu não conhecia esse texto, agradeço pela referência. Agora, eu conheço sim os argumentos e a referência que o autor usa: Ramachandran. Li o livro "Fantasmas no cérebro" desse autor e garanto que a argumentação dele propõe justamente cutucar as teorias do cérebro como fonte da consciência, as teorias do ateismo. Embora o texto que vc cite seja longo, os fundamentos sobre os quais se estabelece são simples. P. ex., na frase "As evidências mostram que elas (consciência) são completamente determinadas pela configuração física do cérebro, e que uma mudança a esta configuração pode alterar ou eliminar qualquer uma delas," somente é válida no escopo restrito das 'evidências' que ele discute. Tais evidências não incluem, p. ex, os fenômenos psíquicos ou mediúnicos que ateistas e céticos, em coro, negam veementemente.

      Posso garantir que estamos preparando uma série de posts sobre um trabalho interessante de William James em que ele aborda uma via para compreensão do dualismo em oposição às 'teorias da consciência como função do cérebro'. Podemos, junto com esse texto, analisar alguns pontos da referência que vc citou, o que contribuirá para melhorar bastante o estudo.

      Grato por sua atenção!

      Excluir
    2. Maxwell,

      Sugiro que pesquise sobre a "teoria de transmissão". Ela, além de resistir às várias críticas materialistas sobre o dualismo, tem a vantagem de considerar as evidências da mediunidade, EQM, experiências fora do corpo, plasticidade cerebral, etc.


      http://parapsi.blogspot.com.br/2008/09/teoria-da-transmisso-da-conscincia.html


      Excluir
    3. Radaelli, grato pelo link. Agora, eu sei que a teoria T originalmente de W. James tem alguns problemas. Na verdade, não é uma teoria, mas uma metáfora para a consciência. O problema tem a ver com a necessidade de haver bidirecionalidade entre o Espírito(mente) e o cérebro ou sistema nervoso. Como metáfora ela serve muito bem para compreender e rejeitar a argumentação materialista, mas precisamos realmente de uma teoria mais abrangente para tratar a conexão cérebro-mente.

      Excluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. Grato pelas referências, Ademir e Radaelli! Em meus estudos, tenho por vezes me distraído da orientação dada por Kardec para evitar debates improfícuos com materialistas sistemáticos. O faço mais em meu benefício, por instigar minhas investigações na doutrina amada a amorosa. Tendo a concluir que os estudos científicos precisam de indexação com os estudos filosóficos para interligação de conteúdos voltados para a prática (para nós, espíritas: autoconhecimento ao progresso moral). Falo de filosofia como esforço ligado aos nossos problemas cotidianos e não como elucubrações ou ainda busca por "verdades". Vejo isso como a luta para alcançarmos as finalidades da doutrina, em sua unidade ciência-filosofia-moral. Quanto a questão sobre a qual pedi ajuda, tenho observado que os estudos filosóficos de Kant, Lacan e Slavoj Žižek podem ajudar. Após um informal debate virtual, refleti depois no silêncio de meu quarto o seguinte: A filosofia mesma se defronta com os problemas que a era da biogenética e do ciberespaço trazem no cotidiano para a formação da consciência. Há de se considerar que o cognitivismo e as neurociências que buscam interferir nas soluções de tais problemas já não podem ser considerados absolutamente como esquemáticas imanentes ao ser onde a reflexão filosófica, inclusive em termos transcendentais, não tenha lugar. Observe, por exemplo, o que afirma o filósofo esloveno Slavoj Žižek: “Temos materialistas que acham que a consciência é um pseudoproblema. Existe a conhecida metáfora da ilusão do usuário: você trabalha como um computador e acha que o computador pensa, mas não há nada do outro lado da tela, é apenas um mecanismo sem sentido. E a ideia é que o mesmo acontece com nossa consciência: nosso cérebro é apenas um conjunto sem sentido de processos neuronais. E, assim, esse tipo de materialismo afirma que a consciência é apenas uma espécie de ilusão de perspectiva. Tudo que acontece é uma espécie de processo cego. No entanto, quanto mais eles conseguem explica-lo, mais o enigma persiste. Se nossa consciência é apenas uma espécie de ilusão estrutural, uma ilusão fenomênica, então por que essa ilusão? Ela continua a parecer um estranho exagero.” (Arriscar o Impossível – Conversas com Žižek, páginas 73/74, Martins Fontes). Bem, mais uma vez obrigado e me desculpem minha empolgação/insatisfação de neófito. Abraços, Maxwell Teixeira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Celtic, essa questão dos debates é importante e leva realmente à reflexão. Concordo absolutamente sobre a importância da filosofia em todos esses debates. Mesmo no caso das ciências naturais, a filosofia fornece a base, embora hoje em dia isso seja menos aparente. Tanto que a temática científica era chamada de 'filosofia natural'.

      Não consigo entender essa proposta materialista de imaginar que a consciência é uma ilusão. Posso imaginar que todas as pessoas com quem interajo no mundo não passam de máquinas, mas não posso negar essa ilusão em mim mesmo. Então o problema não é justificar ou explicar a consciência nos outros (terceira pessoa), mas em mim mesmo e ninguém poderá me convencer que isso que sei e que sinto em mim nada é (isso soa bastante parecido com Descartes, não?). Mas acho que Descartes está absolutamente certo.

      Esta semana eu postei um texto que escrevi sobre o 'prisma de James' que acho ajuda a entender melhor a teoria transmissiva da consciência.

      Excluir
  6. Acredito que a questão da ilusão perspectiva seja a seguinte: O mecanismo de funcionamento do computador é uma metáfora para apontar a possibilidade do processo não ter uma finalidade... Assim o aspecto fenomênico da consciência não teria um sentido necessário..
    O autor atenta para o posicionamento de que a consciência seja fonte originária daquilo que se percebe, mas não se pode ter acesso a ela se não por ela... é um paradoxo representacionalista...

    Outro problema ao qual o materialismo contemporâneo se volta é o da individualidade da consciência, este processo que você sente em você, nada te diz sobre a sua forma, assim como a tua visão nada te diz sobre a fisiologia do olho... O apontamento contra a individualidade é acima de tudo a das consequências culturais da noção de individuo no ocidente...

    Do mesmo modo, acredito que o pragmatismo de James, veja a individualidade da alma apenas como um possível, uma hipótese portanto, e se desdobre sobre os fenômenos para estabelecer um campo comum de problemas de pesquisa...Assim é que no livro experiências de um psiquista ele fala de uma "vontade de personificação" antes de afirmar a identidade...

    Porém, vejam que a estratégia de de observação é sim da manifestação da consciência fora de um dualismo... não sei exatamente qual a saída pragmatista do dualismo, mas não creio ser porfícuo por uma teoria da consciência.. James se considerava antes de tudo um empirista radical... E talvez o problema dos julgamentos de autoridade contra os estudos psiquicos tenham surgido pelo desprezo à validade de um campo experimental. Por isso não se tratava tanto de uma teoria, mas da institucionalização de um campo de experiências para a elaboração de programas de pesquisa

    ResponderExcluir